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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.14 no.2 Lisboa  2013

 

Acontecimentos de vida stressantes e apoio social em famílias em risco psicossocial.

Stressful life events and social support in families at psychosocial risk

 

Cristina Nunes1, Ida Lemos1, Lara Ayala Nunes1,2& Diana Costa1

1 Universidade do Algarve. Faro, Portugal

2 Universidade de Sevilha (Espanha)

 

RESUMO

O apoio social percebido tem sido uma variável amplamente estudada, devido aos seus efeitos diretos e indiretos na redução do impacto negativo de vários fatores de risco sobre o bem-estar físico e psicológico. Todavia, em Portugal existem poucas investigações sobre o apoio social em famílias com menores em risco psicossocial. No presente estudo analisámos as relações entre o apoio social percebido e o número e impacto emocional dos acontecimentos de vida stressantes. Participaram 133 mães, com idades compreendidas entre os 16 e os 58 anos, com filhos sinalizados pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens do Algarve. Foram aplicados, através de uma entrevista individual, o Arizona Social Support Interview Schedule, a escala de Apoyo Social para Situaciones Vitales Estresantes, o Inventario de Situaciones Estressantes y de Riesgo e um questionário de dados sociodemográficos. As participantes sofreram um número significativo de acontecimentos de vida stressantes com elevado impacto emocional, tanto no passado como nos últimos três anos. Os acontecimentos de vida stressantes mais frequentes foram a morte de um familiar, problemas económicos e laborais, conflitos conjugais e problemas psicológicos. As mães relataram maiores necessidades emocionais do que necessidades tangíveis ou informativas. Por sua vez, observámos uma baixa presença de apoio por parte dos profissionais, sendo a sua principal fonte de apoio os familiares e os amigos. São discutidas as implicações para as políticas sociais junto deste grupo vulnerável.

Palavras-chave - Acontecimentos de vida stressantes; apoio social; mães; menores em risco psicossocial.

 

ABSTRACT

Perceived social support has been one of the most widely studied variables due to its direct and indirect effects to reduce the negative impact of some risk factors on physical and psychological well-being. However, in Portugal there are few studies that focus on the social support of families with at psychosocial risk minors. In this study we examined the relationships between perceived social support and the number and emotional impact of stressful life events. The participants were 133 mothers, aged between 16 and 58 years-old, with children monitored by the Commissions for Child and Adolescent Protection of Algarve. The Arizona Social Support Interview Schedule, the Social Support Scale for Stressful Life Situations, the Stressful and Risk Situations Inventory, and a socio-demographic questionnaire were applied, through an individual interview. Participants experienced a significant number of stressful life events with high emotional impact, either in the past or over the last three years. Death of a family member, financial and labor problems, marital conflicts, and psychological problems were the most frequent stressful life events. Mothers reported greater emotional than tangible or informative needs. In turn, we observed a low presence of support from professionals, and the main source of support was family members and friends. We discuss the implications for social policies along this vulnerable group.

Keywords - Mothers; psychosocial at-risk child; social support; stressful life events.

 

As famílias em risco psicossocial enfrentam graves problemas, vivem em contextos carentes de recursos e acumulam múltiplos acontecimentos de vida estressantes. As circunstâncias pessoais e relacionais em que vivem dificultam ou limitam as suas competências parentais (Menéndez, Hidalgo, Jiménez, Lorence, & Sánchez, 2010; Lerner, Lerner, Almerigi, & Theokas, 2005; Moreno, 2002; Rodrigo, Martín, Máiquez, & Rodríguez, 2007; Rodríguez, Camacho, Rodrigo, Martín, & Máiquez, 2006; Sousa & Rodrigues, 2009). Por sua vez, o isolamento social pode levar a que os pais percam oportunidades e recursos para enfrentar as condições psicossociais negativas que enfrentam (Gaudin & Pollane, 1983), pelo que a identificação, ampliação e proteção das redes de apoio social é uma das principais tarefas para os profissionais que intervêm junto destas famílias.

O apoio social é um constructo multidimensional que engloba diferentes aspetos estruturais e funcionais. Barrera (1986) distingue ao grau de integração social, o apoio social recebido e o apoio social percebido e define três tipos de apoio social: o emocional, que se refere a aspetos como a intimidade, o afeto, o conforto e o cuidado; o tangível, que se refere à provisão de assistência a nível material; e o informativo, que se refere aos conselhos, orientação ou informação relevante para determinada situação. No presente estudo analisaremos o apoio social percebido pois este tem um impacto maior na saúde e bem-estar do que o apoio recebido (Cohen & Wills, 1985).

O apoio social tem sido uma variável amplamente estudada devido aos seus efeitos diretos e indiretos na redução do impacto negativo dos fatores de risco sobre o bem-estar físico e psicológico (Coelho & Ribeiro, 2000). Todavia, em Portugal existem poucas investigações que estudem o apoio social em famílias com menores em risco psicossocial e não possuímos estudos publicados acerca do tamanho e a composição das redes sociais nem sobre as necessidades e a satisfação com o apoio social nesta população.

No nosso país, o apoio social disponibilizado às famílias em risco psicossocial é assegurado por várias instituições públicas ou privadas, as quais, na sua maioria têm uma abordagem centrada no problema (Matos & Sousa, 2006). Matos e Sousa (2004), num estudo qualitativo sobre o apoio social formal com 56 famílias multiproblemáticas do distrito de Aveiro, observaram que 59% dessas famílias recebiam apoio de uma ou mais entidades sociais, maioritariamente traduzido em bens materiais (por exemplo, alimentos, medicamentos) ou dinheiro. Neste estudo o apoio foi fornecido principalmente pela Segurança Social (70%), e secundado por instituições particulares de solidariedade social, autarquias e paróquias.

Outros estudos realizados em Espanha indicam que as mulheres de famílias em risco psicossocial tinham mais necessidades e menos satisfação com o apoio emocional e informativo do que com o apoio tangível. Embora a sua rede de apoio social não fosse reduzida, era frequentemente disfuncional, pois procuravam apoio emocional junto dos seus filhos menores e dos profissionais. Estas mulheres acumulavam vários acontecimentos de vida estressantes (AVS) e relatavam necessitar mais recursos pessoais e cognitivos para lidar com sucesso com as suas tarefas parentais (López, Menéndez, Lorence, Jiménez, Hidalgo, & Sánchez, 2007; Menéndez et al, 2010; Rodrigo, Maiquez, Martín, & Byrne, 2008).

Deste modo, parece-nos que o estudo detalhado destas famílias, das suas relações e circunstâncias contextuais é relevante porque a eficácia das intervenções depende em grande parte do seu grau de adaptação às suas necessidades.

O objetivo do presente estudo foi o de investigar as características do apoio social e a sua relação com o número e impacto dos AVS em mães de menores em risco psicossocial.

 

MÉTODO

Participantes

A amostra foi composta por 133 mães, com idades compreendidas entre os 16 e os 58 anos (M=36,22, DP=8,32), utentes de serviços de proteção de menores do Algarve. Os critérios de seleção foram (1) ter pelo menos um filho menor de idade no agregado familiar; (2) sofrer diversos problemas e situações de risco que, embora importantes, não obrigavam à retirada do menor da família.

Material

Dados sociodemográficos: Utilizámos um questionário sociodemográfico (Nunes, Lemos, Costa, Nunes & Almeida, 2011) que permitiu recolher dados relativos à idade, nível de escolaridade e situação laboral das participantes, composição e estrutura familiar, número, idade e sexo dos filhos, rendimento familiar e sua procedência.

Acontecimentos de vida stressantes: Utilizámos o Inventário de Situações Stressantes e de Risco de Hidalgo, Menéndez, Sánchez, López, Jiménez, e Lorence (2005), composto por uma lista de 16 eventos stressantes e potencialmente negativos (por ex.: "Relação conflituosa com os filhos" ou "Ser vítima de maltrato") relativos ao indivíduo e ao seu ambiente próximo, tanto no presente como no passado. Permite ainda quantificar o impacto emocional destes AVS numa escala de três pontos (de 1 – não me afetou a 3 – afetou-me muitíssimo).

Apoio social percebido:Utilizámos o Arizona Social Support Interview Schedule de Barrera (1980). Este instrumento é administrado através de uma entrevista semiestruturada e avalia o tamanho e composição da rede de apoio emocional (participação social e sentimentos pessoais), apoio tangível (assistência física e material), e apoio informativo (aconselhamento e feedback positivo), assim como a rede de conflito. Avalia igualmente, numa escala de 1 a 10, as necessidades e a satisfação do sujeito com as redes de diferentes tipos de apoio. Utilizámos ainda a Escala de Apoio Social para Situações Vitais Estressantes de López et al. (2007) para recolher informação sobre o tamanho, composição, necessidades e satisfação com a rede de apoio social em situações stressantes e de risco.

Procedimento

As participantes foram selecionadas pelos técnicos das instituições que acederam participar na investigação com base nos critérios acima referidos. A participação foi voluntária e não foi oferecida qualquer compensação. Foram garantidas a confidencialidade e o anonimato no tratamento dos dados. As entrevistas foram conduzidas por investigadores treinados para o efeito, no domicílio das participantes ou nas instalações da instituição colaborante e duraram, em média, 60 minutos.

 

RESULTADOS

A maioria das participantes vivia em famílias biparentais (73,68%), estáveis (88,72%), compostas em média por 4,37 membros (DP=1,44) e tinham de 1 a 6 filhos dependentes (M=2,89, DP=1,66). Tinham um nível de escolaridade baixo (82,71% tinham apenas a escolaridade primária incompleta ou completa) e uma situação laboral e económica precária, uma vez que 61,65% das mulheres estavam desempregadas e 63,73% das famílias auferiam um rendimento que as situava abaixo do limiar nacional de pobreza. A maioria das mães que trabalhava tinha qualificações profissionais baixas ou nulas (73,08%).

As participantes reportaram um número médio de 4,76 (DP=3,00) AVS atuais. No ambiente próximo, o número médio de AVS atuais era superior (M=6,18, DP=3,78). Observámos igualmente esta tendência no que diz respeito aos AVS do passado: as participantes sofreram em média 3,88 (DP=1,48), enquanto os membros da sua família sofreram 4,64 (DP=2,21).

Os AVS atuais mais frequentes foram os problemas económicos (75,94%), precaridade laboral (60,15%), conflitos conjugais (44,36%), problemas de saúde mental (39,85%) e problemas com a justiça (36,84%). No que diz respeito ao ambiente próximo, os mais frequentes foram os económicos (60,90%), problemas com a justiça (54,14%), morte de um familiar (51,13%), precaridade laboral (48,12%) e problemas de saúde mental (48,12%) (Fig. 1).

 

 

Os AVS com maior impacto emocional foram o despejo (M=2,93, DP=0,27), maltrato na vida adulta (M=2,75, DP=0,48), problemas de saúde mental (M=2,68, DP=0,61), precariedade laboral (M=2,66, DP=0,55) e problemas económicos (M=2,65, DP=0,59).

Quanto à rede de apoio social, esta era composta em média por 6 pessoas (DP= 3,32), com uma amplitude de 2 a 20 membros. Cerca de 60,15% das mulheres tinham predominantemente familiares na sua rede de apoio e 15,04% predominantemente amigos, enquanto 24,81% indicaram uma presença equilibrada de familiares e amigos. A maioria das participantes mencionaram o cônjuge como fonte de apoio social (66,17%), 53,38% apresentavam pelo menos um filho menor de idade como fonte de apoio e 36,84% mencionaram os profissionais como membros na sua rede de apoio. A rede mais extensa era a informativa (Quadro 1).

 

 

A dimensão média da rede de conflito foi de 1,80 (DP=1,28), composta maioritariamente pelos filhos (45%), marido (31,67%) e familiares (26,67%).

O tamanho médio da rede de apoio social em situações de risco foi de 3,02 (DP=2,09), e incluiu familiares e amigos para 21,97% das participantes, predominantemente familiares para 49,24% e predominantemente amigos para 7,58%. De salientar que 2,27% das participantes contava apenas com o apoio de profissionais em situações de risco. No quadro 2 apresentamos as necessidades e a satisfação com a rede de apoio social.

 

 

As mães relataram uma necessidade significativamente mais elevada de apoio emocional. No quadro 3 podemos observar as relações entre as várias dimensões em estudo. As participantes que sofreram mais AVS na sua trajetória vital foram as que relataram maior impacto emocional (r=0,95, p=0,000).

 

 

De igual modo, o número de AVS (atuais + passado) encontra-se positivamente e significativamente relacionado com as necessidades de apoio tangível (r=0,32, p=0,002), informativo (r=0,24, p=0,02), e negativa e significativamente associado com a satisfação com apoio emocional (r=-0,22, p=0,04.) e tangível (r=-0,32, p=0,02).

Por sua vez, o impacto emocional dos AVS estava positivamente e significativamente associado com as necessidades de apoio emocional (r=0,32, p=0,000), tangível (r=0,44, p=0,000), informativo (r=0,24, p=0,000), e negativamente associado com a satisfação com o apoio emocional (r=-0,22, p=0,021) e tangível (r=-0,32, p=0,008).

Observámos igualmente que as mães com mais necessidades emocionais eram as que apresentavam mais necessidades materiais (r=0,45, p=0,000) e informativas (r=0,59, p=0,000). Por outro lado, as mães mais satisfeitas com o apoio emocional eram as que estavam mais satisfeitas com o apoio tangível (r=0,37, p=0,004) e informativo (r=0,60, p=0,000).

 

DISCUSSÃO

No presente estudo encontrámos uma elevada precariedade económica e laboral e um nível educativo muito baixo. Apenas tinham emprego 38,35% das participantes, uma percentagem mais baixa que a das mulheres com emprego na população geral portuguesa (50%) (INE, 2011). A elevada proporção de falta de qualificações profissionais poderá estar relacionada com a percentagem de mulheres com uma instrução ao nível da escolaridade primária (73%). Este nível educativo é significativamente mais baixo que o da população portuguesa (X2=9,042, 3 gl., p=0,03) (PORDATA, 2011). É de realçar que 63,73% da nossa amostra vivia abaixo do limiar de pobreza. Em Portugal, em 2010, a taxa de risco de pobreza em mulheres entre os 15 e os 64 anos após efetuadas as transferências sociais foi de 16,4% (Comissão Europeia, 2012). Apesar da vulnerabilidade económica referida, a estrutura familiar, a estabilidade e o tamanho médio das famílias que estudámos constituem características protetoras. Ainda que a maioria das famílias sejam biparentais, é de salientar a considerável proporção de famílias reconstituídas (25,56%) e monoparentais (17,29%).

É difícil comparar os nossos resultados com os de outros estudos portugueses (Matos & Sousa, 2004; 2006) devido às diferenças na amplitude e dispersão de idades e metodologias utilizadas. No entanto, a nossa amostra apresenta características similares à dos estudos de López et al. (2007) e de Menéndez et al. (2010) relativamente à idade, número de filhos e tamanho da família.

A análise conjunta dos problemas que afetam as mulheres individualmente e o seu meio mais próximo indica, simultaneamente, a convergência do seu impacto e a diversidade dos problemas. De facto, a acumulação de uma média de dez ou mais tipos de AVS sugere que esta população necessita um forte apoio social para enfrentar com sucesso a adversidade. Por outro lado, o tipo de problemas que afetam as mulheres e o seu meio são bastante diferentes, sugerindo uma interação complexa entre estes e o aumento da vulnerabilidade.

Alguns estudos referem o isolamento social como uma característica importante das famílias em risco psicossocial (Gaudin & Pollane, 1983; Moreno, 2002). Na nossa amostra a rede de apoio social não é pequena, sendo semelhante à dos estudos com mães andaluzas (López et al., 2007; Menéndez et al., 2010). Apesar da dimensão relativamente normativa da rede social, a presença de filhos menores de idade na rede emocional e informativa em mais de metade das mulheres indica alguma disfuncionalidade do sistema familiar, uma vez que as crianças devem receber apoio emocional e informativo, ao invés de serem uma fonte de apoio para os pais (Rodrigo et al., 2008). No entanto, podemos considerar como um fator positivo do funcionamento familiar a presença do cônjuge na rede de apoio para a maioria das mulheres.

Em situações de adversidade a rede de apoio decresce para metade, mantendo-se a predominância dos familiares. Importa referir que os profissionais foram referidos como única fonte de apoio em situações de risco apenas por 2,27% das nossas participantes, enquanto nos estudos de Menéndez et al. (2010) foram mencionados por 35% das mães.

A necessidade de apoio referido pelas mães foi moderada e o seu nível de satisfação foi elevado. A necessidade de apoio emocional foi mais elevada do que a tangível e informativa. Este resultado, semelhante ao de outros estudos (López et al., 2007; Menéndez et al., 2010), enfatiza a importância da intervenção psicossocial junto destas famílias no fortalecimento e ampliação das redes de apoio informais. Este aspeto da intervenção psicossocial é ainda mais importante se tivermos em conta que no nosso país, as famílias em risco psicossocial recebem maioritariamente apoio material dos serviços e muito raramente apoio emocional (Matos & Sousa, 2004). Os programas de educação parental, previstos no artigo 41º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (1999), constituem uma oportunidade para o alargamento das suas redes de apoio informal. Conhecer outros pais numa situação semelhante, trocar ideias e experiências, poderia constituir uma fonte adicional de apoio emocional, que como vimos é o tipo de apoio mais necessitado.

 

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Recebido em 31 de Maio de 2013/ Aceite em 17 de Junho de 2013

 

AGRADECIMENTOS

Este estudo foi parcialmente financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.