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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.17 no.2 Lisboa set. 2016
https://doi.org/10.15309/16psd170208
Ajustamento psicossocial após mastectomia - um olhar sobre a qualidade de vida
Psychosocial adjustment after mastectomy- a look at the quality of life
Natália Cintra Faria1, Leticia Meda Vendrusculo Fangel2, Ana Maria de Almeida3, Maria Antonieta Spinoso Prado4, & Marysia Mara Rodrigues do Prado De Carlo5
1Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo,mBrasil.E-mail: nataliacintrafaria@yahoo.com
2Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. E-mail: leticiamvto@gmail.com
3Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: amalmeid@eerp.usp.br
4Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: masprado@eerp.usp.br
5Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. E-mail: marysia@fmrp.usp.br
Endereço para Correspondência
RESUMO
O câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo, respondendo por 22% dos casos novos a cada ano. A mastectomia é um dos tratamentos prováveis para a maioria das pessoas acometidas. O objetivo deste trabalho é identificar os domínios da qualidade de vida mais influenciados pelo tratamento do câncer de mama e possibilidades de ajustamento psicossocial pós-mastectomia. Estudo exploratório, transversal, com metodologia quantitativa, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Processo 4711/2011). A casuística foi composta por 80 mulheres mastectomizadas, com mais que 45 anos de idade, assistidas por um grupo de apoio, que foram divididas em dois grupos: 1- mulheres com 01 até 04 anos e 11 meses pós-cirurgia e 2- mulheres com mais de 05 anos pós-cirurgia. Foi aplicado o “Functional Assessment of Cancer Therapy-Breast” (FACT-B), que é uma escala internacional validada para o português do Brasil. Identificou-se correlação positiva estatisticamente significativa entre o nível socioeconômico e bem-estar funcional no grupo 2 (r=0,37, p=0,02) e houve diferença significativa (p=0,02) entre grupos no domínio Bem-estar social/familiar. Conclui-se que o grupo 2 apresentou uma qualidade de vida melhor que o grupo 1, indicativo de que a capacidade de interação no seu contexto sócio-familiar e o processo adaptativo ocorrido ao longo do tempo transcorrido após a mastectomia são indicadores importantes do ajustamento psicossocial e melhoria da percepção da qualidade de vida. Esses fatores indicam a necessidade de que os profissionais valorizem os aspectos sociofamiliares no processo de reabilitação pós-mastectomia.
Palavras-chave: Câncer de Mama; Qualidade de vida; Mastectomia; Ajustamento
ABSTRACT
Breast cancer is the second most common type in the world, accounting for 22 % of new cases each year. Mastectomy is one of the possible treatments for the majority of affected people. The objective is to identify the domains of quality of life more influenced by the treatment of breast cancer and scope for psychosocial adjustment after mastectomy. Exploratory, cross-sectional study using quantitative methodology, approved by the Research Ethics Committee (Case 4711/2011). The casuistry consisted of 80 women with mastectomies, with more than 45 years old, assisted by a support group, which were divided into two groups : 1 - women 01 to 04 years and 11 months post-surgery; 2 - women post- surgery more than 05 years . The "Functional Assessment of Cancer Therapy -Breast"(FACT- B) was applied, which was validated for the Portuguese of Brazil. Was identified a statistically significant positive correlation between socioeconomic status and functional well -being in group 2 (r= 0.37, p=0.02 ) and a significant difference (p=0.02) between groups in the field Well social / family welfare . Group 2 had a better quality of life than group 1 , indicating that the ability to interact in their social and family context and the adaptation process occurred over time elapsed after mastectomy are important indicators of psychosocial adjustment and improvement of perception of quality of life. These factors indicate the need for professionals value the social-familial aspects in the rehabilitation process post- mastectomy.
Key Words: Breast cancer; Quality of life; Mastectomy; Adjustment
No Brasil, os anos de 2014 e 2015 aponta-se para a ocorrência de aproximadamente 576 mil casos novos de câncer. Em homens, os tipos mais incidentes são os cânceres de próstata, pulmão, cólon e reto, estômago e cavidade oral; e, nas mulheres, os de mama, cólon e reto, colo do útero, pulmão e glândula tireoide. (Inca, 2014).
O câncer de mama é o tipo de câncer que mais acomete as mulheres em todo o mundo, tanto em países em desenvolvimento quanto em países desenvolvidos. A estimativa de casos novos para o ano de 2016 foi de 57.960 . (Inca, 2016)
O câncer de mama ocorre tanto em homens quanto em mulheres, sendo, porém, mais raro no sexo masculino. A maior incidência se dá em mulheres com idade entre 45 e 55 anos, embora o número de casos em mulheres com idade entre 30 e 40 anos venha aumentando. O tumor pode se propagar para os linfonodos regionais, principalmente para a cadeia axilar. Tais linfonodos podem ser facilmente palpáveis em casos avançados de câncer de mama. A disseminação linfática pode incluir linfonodos interpeitorais, supraclaviculares, mamários internos e axilares do lado oposto (metástase à distância). (Inca, 2014)
O prognóstico é bom quando diagnosticado precocemente e tratado oportunamente, mas taxas de mortalidade por câncer de mama continuam elevadas, provavelmente porque a doença ainda é diagnosticada em estadios avançados, devido às limitações dos serviços de saúde. (Inca, 2014)
São várias as modalidades de tratamento do câncer, que incluem a mastectomia, a quimioterapia, a radioterapia e a hormonioterapia. Geralmente, o tratamento requer a combinação de mais de um método terapêutico, o que aumenta a possibilidade de cura, diminui as perdas anatômicas, preserva a estética e a função dos órgãos comprometidos. (Rossi & Santos, 2003)
A mastectomia ou cirurgia de remoção da mama é um dos procedimentos utilizados no tratamento do câncer de mama. Embora, essencial, a mastectomia causa na mulher um impacto físico e emocional na vida da mulher e de seus familiares. A relação dessa mulher com a sociedade também passa por diversas transformações, despertando diferentes sentimentos e reações, visto que o câncer, geralmente é associado à uma doença que pode levar à morte. Entretanto, em razão da complexidade biológica do câncer de mama, não há conduta única para o tratamento. Pengo e Santos (2004), descrevem brevemente os tipos de intervenção cirúrgica para o câncer das mamas:
. Tumorectomia (retirada do tumor) e dissecção dos linfonodos axilares, seguida de radioterapia para o tecido mamário remanescente;
. Quadrantectomia, na qual há ressecção do quadrante mamário envolvido, dissecção dos linfonodos axilares e irradiação do tecido mamário residual;
. Mastectomia simples, na qual a ressecção do tecido mamário estende-se da clavícula até a reborda costal e da linha médio-external até a borda lateral do músculo lateral dorsal;
. Mastectomia radical modificada de Patey, na qual todo o tecido mamário é retirado junto com os linfonodos axilares. O músculo peitoral menor é retirado e o maior, conservado.
. Mastectomia radical de Halsted, na qual toda a mama é removida com os linfonodos axilares e os músculos peitorais maior e menor. Atualmente, esta técnica é utilizada nos casos em que o tumor infiltra o músculo peitoral maior.
. Cirurgia Madden, na qual toda a mama é removida com todos os linfonodos axilares, porém os músculos peitorais maior e menor são conservados.
Durante todo o processo da doença são vividos, pela paciente e sua família, sentimentos de intenso sofrimento e ansiedade. Entre as mulheres portadoras de câncer de mama é muito comum o temor à mutilação, os preconceitos sociais, o medo da morte e do surgimento de linfedema, além de sentimentos depressivos e de desvalorização social. O câncer de mama e seu tratamento podem levar a mulher a alterações na sua autoimagem, além de perda funcional e mudanças a nível psíquico, emocional e social. A doença leva, muitas vezes, à perda de papéis sociais e ocupacionais relacionadas ao trabalho, à família e à sexualidade. (Majewski, Lopes, Davoglio & Leite, 2012)
A cirurgia e sua associação a outros tratamentos para o câncer pode interromper os hábitos de vida da mulher, comprometendo suas relações familiares e sociais com alterações da sexualidade. Pode também comprometer sua autoimagem, sentimentos de impotência e de frustração sobre algo que foge ao seu controle, assim como o próprio temor da evolução da doença. (Bittencourt & Cadete, 2002; Almeida, Mamede, Panobianco, Prado & Clapis, 2001)
Portanto, a cirurgia e outros tratamentos, como a quimioterapia adjuvante e seus efeitos colaterais, podem acarretar dor e diversas outras dificuldades físicas e psicossociais após a mastectomia. (Pereira, Rosenhein, Bulhosa, Lunardi & Filho, 2006)
A mastectomia provoca diversos impedimentos, que vão desde as paralisias e deficiências até a interrupção da carreira, no cuidado da casa e dos filhos. Nesse momento, a mulher pode vivenciar vários lutos, e pode ter dificuldades afetivas em lidar com o próprio corpo e na forma como vivem, no momento de retomar sua vida profissional, social, familiar e sexual. (Almeida , 2006)
O mais frequente temor da mulher mastectomizada ainda é a fantasia de não ser mais atraente sexualmente, já que a mama, simbolicamente, se associa a identidade feminina e a sua ausência representaria uma limitação estética e psíquica muito significativa. . (Majewski, et al., 2012). A forma como a mulher irá reagir à mutilação de sua mama e suas consequências estão relacionadas com algumas variáveis que dizem respeito à sua história de vida, ao contexto social, econômico e familiar em que está inserida.
Nos últimos anos, considerando o impacto que o diagnóstico e o tratamento do câncer de mama geram na vida da mulher, tem se dado maior ênfase às pesquisas envolvendo medidas de qualidade de vida relacionada à saúde (QV). A Organização Mundial da Saúde (1995) define QV como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive, em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (p.1405).
Para Minayo, Hartz e Buss (2000), QV é uma noção eminentemente humana que tem sido aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental e à própria estética existencial. Os autores ainda consideram que o termo abrange muitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em diferentes épocas e espaços da história. Não há na literatura uma definição consensual de qualidade de vida, mas existe uma concordância razoável entre os pesquisadores acerca do construto qualidade de vida, cujas características são a subjetividade, relacionada às respostas que devem ser do próprio indivíduo e dependem de sua experiência de vida, valores e cultura; a multidimensionalidade, que se caracteriza pelos vários domínios que envolvem a avaliação de qualidade de vida. Portanto, a concepção de QV é diferente, entre os indivíduos, locais e tempos diferentes.
O termo “Qualidade de Vida Relacionada à Saúde” (QVRS) está relacionado ao impacto do estado de saúde sobre a capacidade do indivíduo de viver plenamente, entretanto estão incluídas nesta definição uma variedade potencial de condições que afetam sua percepção, seus sentimentos e comportamentos relacionados ao seu funcionamento diário, assim como à sua condição de saúde. (Simeão et al., 2013)
O avanço na detecção e no tratamento do câncer, as atitudes sociais mais otimistas, o aumento do número de pessoas que sobreviveram à doença e a quantidade de anos, a preocupação com a autonomia, os direitos dos pacientes e os aspectos psicossociais, entre outros, permitiram destaque crescente na avaliação da qualidade de vida de pessoas tratadas de câncer. (Lahoz, Nyssen, Correia, Garcia & Driusso, 2010).
O grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa, social e ambiental são fatores que definem o ajustamento psicossocial e a qualidade de vida. Machado e Sawada (2008) consideram que o termo abrange muitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se reportam em diferentes épocas e espaços da história.
A reconstrução da mama é outro fator que pode contribuir para a qualidade de vida dessas mulheres, representando a preservação da autoimagem, do senso de feminilidade e do relacionamento sexual, proporcionando um processo de reabilitação menos traumático. Pesquisas demonstram que além da satisfação estética, os resultados cirúrgicos da reconstrução diminuem o índice de morbidade psicológica de forma significativa, quando comparados aos resultados da mastectomia. Assim, atualmente, a reconstrução mamária é um recurso indispensável na reabilitação de pacientes que necessitam realizar a mastectomia, uma vez que auxilia quanto aos aspectos aqui relacionados.(Almeida, 2006)
Considerando o aumento da incidência de câncer de mama no Brasil, este estudo permite uma melhor compreensão sobre os domínios da qualidade de vida mais influenciados pelo tratamento do câncer de mama e possibilidades de ajustamento psicossocial pós-mastectomia.
Derogatis e Derogatis (1990) explicam que “ajustamento” implica múltiplos domínios (interpessoal, cognitivo, emocional, físico e comportamental). Neste sentido, o ajustamento psicossocial à doença refere-se ao modo como a pessoa enfrenta os desafios, em relação aos diferentes apoios sociais e os autores afirmam que o ajustamento psicossocial varia de acordo com o contexto e implica no envolvimento de processos intrapsíquicos, incluindo as interações entre o próprio e os outros representantes do seu ambiente sócio-cultural e tais “interações são usualmente adquiridas através de padrões de comportamento, designados de papéis” (p. 47).
Assim este estudo tem por objetivo analisar os domínios da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) de mulheres que tiveram diagnóstico de câncer de mama e foram submetidas a mastectomia. Será considerada a influência do tempo transcorrido após a cirurgia, nos processos de ajustamento psicossocial e na qualidade de vida dessas pessoas.
MÉTODO
Estudo exploratório, do tipo transversal, com metodologia quantitativa.
Participantes
Mulheres com câncer mamário, atendidas por um grupo multiprofissional de apoio e reabilitação. A casuística total do estudo foi composta por 80 pessoas, divididas em dois grupos de estudo: Grupo 1 – 40 mulheres que foram submetidas à mastectomia há, no mínimo, 01 ano e até 04 anos e 11 meses e Grupo 2 - 40 mulheres que foram submetidas à mastectomia há 05 anos ou mais.
Os critérios de inclusão foram idade maior que 45 anos, ter recebido diagnóstico de câncer de mama, ter realizado tratamento cirúrgico para o câncer de mama e estar participando do grupo já mencionado e os de exclusão foram diagnóstico de câncer metastático e não apresentar condições clínicas e/ou cognitivas que possibilitem a compreensão e resposta ao instrumento aplicado.
Material
A coleta de dados foi realizada através da aplicação da versão quatro do “Functional Assessment of Cancer Therapy- Breast” (FACT-B), com a autorização do autor do instrumento original (Brady et al., 1997). Trata-se de um inventário multidimensional que avalia a qualidade de vida relacionada à saúde, em pacientes com câncer de mama, pertencente à coleção de questionários de qualidade de vida em doenças crônicas - The Functional Assessment of Chronic Illness Therapy(FACIT), tendo sido validado para o português. (Pandey, Thomas, Ramdas, Eremenco & Nair, 2000; Facit, 2013; Michels, Latorre & Maciel, 2012).
O FACT-B (versão 4) apresenta um total de 37 itens distribuídos em cinco subescalas: 1) bem estar físico (PWB) - sete itens, 2) bem estar emocional (EWB) - seis itens; 3) bem estar social/familiar (SWB) - sete itens; 4) bem estar funcional (FWB) - sete itens; 5) preocupações adicionais (BCS) (dez itens). Os dados do FACT-B dos sujeitos avaliados foram organizados em planilhas e estatisticamente analisados. Para obtenção do escore do FACT-G, deve-se somar os escores de PWB, SWB, EWB e FWB. Para a pontuação do FACT-B deve-se acrescentar à soma citada anteriormente o escore BCS.
Para classificação socioeconômica, foi utilizado o Critério de Classificação Econômica Brasil, baseado na avaliação do poder de compra dos indivíduos e famílias urbanas com base na pesquisa anual do IBOPE Mídia, que mapeia as características sociodemográficas e econômicas das famílias das 10 principais regiões metropolitanas do país. (Abep, 2014). A comparação estatística entre os grupos foi realizada pela prova U de Mann-Whitney, por se tratar de variável tipo contagem, onde os testes não paramétricos são os mais adequados.
Procedimento
Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade à qual estão vinculadas as pesquisadoras (Processo 4711/2011), as mulheres foram convidadas a participar do estudo (amostra por conveniência), dentre aquelas que estavam comparecendo ao grupo no último ano, e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Foram realizadas de quatro a dez entrevistas por semana em espaço reservado dentro do grupo de apoio e reabilitação, nos meses de outubro de 2011 a março de 2012. Cada entrevista durou cerca de 30 minutos e, ao seu término, a pesquisadora colocava-se à disposição para esclarecimento de dúvidas.
A coleta de dados foi realizada após a reunião do grupo de apoio, que presta atendimento de reabilitação, e em visita domiciliar.
RESULTADOS
Foram realizadas 40 entrevistas com mulheres do grupo 1 e 40 entrevistas com mulheres do grupo 2. Os dados sociodemográficos serão apresentados no quadro 1.
Caracterização sociodemográfica
Em relação à escolaridade, em ambos os grupos a maioria das mulheres tem ensino fundamental incompleto (14 pessoas ou 35% no grupo 1 e 13 pessoas ou 32,5% no grupo 2). Isto pode estar relacionado ao fato de que a maior parte dos encaminhamentos ao grupo de apoio do estudo vem do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja demanda é composta, majoritariamente, por população proveniente de classes socioeconômicas com níveis mais baixos de escolaridade. Observa-se um elevado número de mulheres que não exerce atividade remunerada fora do domicilio, 10 mulheres (25%) do grupo 1 e 16 mulheres (40%) do grupo 2 são do lar. Outro resultado a ser destacado é o número de mulheres que exercem atividade autônoma, 14 mulheres (35%) do grupo 1 e 8 mulheres (20%) do grupo 2.
Para a classificação da casuística segundo o nível socioeconômico, foi aplicado o Critério Econômico Brasil (Abep, 2014), que tem por base a posse de bens, não a renda familiar. Os resultados deste estudo indicaram que a maior parte das mulheres (10 pessoas ou 25% do grupo 1 e 11 mulheres ou 27,5% do grupo 2) pertence à classe C1.
Todas as 80 mulheres entrevistadas (100% da casuística do estudo) foram submetidas à mastectomia, mas com diferentes tipos de cirurgia para a remoção do tumor. O quadro 2 apresenta os dados clínicos relativos à cirurgia referentes aos dois grupos do estudo.
Em ambos os grupos predominaram os procedimentos cirúrgicos conservadores (quadrantectomia e nodulectomia), os quais acarretam menores alterações físicas e menor comprometimento de sua capacidade funcional. Nos dois grupos do estudo houve prevalência de tumores no lado esquerdo do corpo, assim como foi constatado no estudo de Panobianco e Mamede (2002), que aborda as complicações e intercorrências associadas ao edema de membro superior após a mastectomia.
Após a caracterização sociodemográfica e clínica das mulheres do estudo, serão apresentados (quadro 3) os resultados dos testes de correlação, com os escores totais do FACT-G (geral) e do FACT-B (específico de câncer de mama) para cada um dos grupos do estudo.
Através da aplicação do “Functional Assessment of Cancer Therapy- Breast” (FACT-B) verificou-se que os escores do grupo 2 (com mais tempo de pós-cirúrgico), de todas as dimensões de QVRS avaliadas, foram superiores aos do grupo 1 (menos tempo de pós-cirúrgico). Foi constatada diferença estatisticamente significativa (p=0,023) entre os grupos 1 e 2 no que se refere à Qualidade de Vida Relacionada à Saúde, mais especificamente em relação à dimensão de Bem-estar social/familiar (SWB), o que indica que mulheres com mais tempo após a mastectomia tem melhor ajustamento psicossocial) do que aquelas com menos tempo após a cirurgia.
Os resultados do teste de correlação não paramétrico de Spearman indicaram que houve correlação positiva entre o nível socioeconômico (NSE) e dimensão de Bem-estar funcional (FWB) do FACT-B no grupo 2 (p=0,021), o que indica que, no caso das mulheres com mais tempo de pós-cirúrgico, quanto maior o nível socioeconômico (NSE), melhor sua qualidade de vida no que diz respeito ao seu bem-estar funcional.
DISCUSSÃO
Os resultados deste estudo indicaram que o tempo transcorrido após o tratamento é um fator importante para a qualidade de vida relacionada à saúde. Achados da literatura corroboram esta afirmação, de que a participação sócio-familiar estava mais comprometida nas mulheres com menos tempo decorrido após a cirurgia (grupo 1) do que aquelas com mais tempo após a cirurgia (grupo 2). (Almeida et al.,2001; Almeida, 2006; Biffi & Mamede, 2010; Hoffman, Muller & Rubin, 2006; Silva et al., 2013). Consideramos, de um modo geral, que o passar dos anos permitiu às mulheres alcançar um melhor ajustamento psicossocial, o que lhes abriu a possibilidade de reconstrução de relacionamentos e de retomada de atividades significativas.
Fatores que influenciam a QVRS tendem a diminuir seu impacto com o passar do tempo, reduzindo também o sofrimento físico e psicológico da maioria das mulheres. Esta constatação é valiosa para respaldar a introdução precoce de medidas de apoio, a fim de guiar estratégias de enfrentamento de fatores que potencializam o desconforto e o sofrimento, no intuito de minimizá-los ou contorná-los, favorecendo a recuperação física e emocional da mulher e o ajustamento psicossocial. (Majewski, et al., 2012)
A literatura também evidenciou que a aceitação da doença e a condução do tratamento dependem de fatores como equilíbrio emocional, autoestima elevada e sólidas redes de apoio. Dessa maneira, enfatiza-se a importância dos aspectos psicossociais na abordagem clínica de pacientes portadores de câncer. (Oliveira et al., 2010)
Um fator relevante relacionado ao Bem-estar Funcional, segundo Prado, Almeida, Mamede e Clapis (2004) é que o primeiro ano após a cirurgia costuma ser o período com maior comprometimento funcional e ocupacional para mulheres mastectomizadas, particularmente devido às limitações de amplitude de movimento do braço do lado operado, que dificultam a realização de atividades de autocuidado e ações preventivas de linfedema. Com a diminuição dos efeitos colaterais e com o decorrer do processo de ajustamento psicossocial, a condição funcional e de desempenho ocupacional melhoram, possibilitando a retomada das atividades ou até mesmo a capacidade de criar novas estratégias para sua realização.
Esse resultado pode ser justificado também pelo fato de que 24 mulheres (60%) do grupo 2 terem passado por procedimentos cirúrgicos conservadores que acarretaram menos alterações físicas e, consequentemente, menor comprometimento em sua funcionalidade, permitindo assim a continuidade na realização das atividades cotidianas e a manutenção desta capacidade.
Como afirma Vendrusculo (2011), observa-se que as mulheres deste estudo que também frequentam um serviço de reabilitação, encontram uma importante estratégia para o melhor enfrentamento das limitações físicas impostas pelo câncer de mama, tais como: diminuição da amplitude de movimento do braço homolateral à cirurgia, edema na área da cirurgia, linfedema, entre outros, permitindo às mulheres vivenciar este período de maneira menos agressiva.
Além de comprometer suas capacidades funcionais, a mastectomia e o tratamento causam um impacto significativo tanto na vida da mulher, como no seu grupo familiar, contexto social e grupo de amigos. Os constrangimentos associados à doença estigmatizante muitas vezes levam a mulher a se afastar do seu convívio social. A família também enfrenta tensões excessivas que interferem nas relações dentro da unidade familiar e, mais além dessa unidade, podendo estender-se ao ambiente social no qual está inserida. A confirmação do diagnóstico de câncer de mama confronta as mulheres e suas famílias com decisões difíceis e experiências de enfrentamento. Esta doença se transforma em um grande desafio em suas vidas, por vezes provocando mudanças na configuração das relações familiares e exigindo delas uma capacidade de (re) adaptação às novas e diferentes necessidades. (Melo, Silva & Fernandes, 2005).
A família faz parte do contexto no qual o indivíduo está inserido e pode servir como uma fonte de apoio para o enfrentamento da doença e de suas consequências, antes, durante e depois da intervenção cirúrgica. Logo, o cuidado centrado na família deve dar atenção especial às relações estabelecidas entre eles, pois são determinantes importantes do processo saúde / doença. (Biffi & Mamede, 2010)
Amigos são importantes no apoio e suporte a mulheres com câncer de mama, mas o papel principal e indispensável é o da família. Esta tem que se estruturar diante de uma situação dessas, pois são os familiares que vão dar o principal apoio a mulher mastectomizada, quem vão atender as novas necessidades que irão surgir no decorrer da situação, como os cuidados da saúde desta mulher e o ambiente social. (Silva et al., 2013)
Além disso, o apoio multiprofissional oferecido por serviços de reabilitação favorece o enfrentamento desta doença, auxiliando também nos aspectos psicossociais, pois além de conviverem com outras mulheres que vivenciaram o mesmo problema, a troca de experiências entre elas tende a facilitar o enfrentamento das mudanças emocionais e dos questionamentos que surgem a partir do câncer e seus tratamentos. Estimulam a comunicação e a interação social, encorajam a autoconfiança e a esperança, permitem trocas de experiências entre seus membros sobre aspectos diversos, como o desempenho do trabalho, o tratamento, aparência física e intimidade sexual. (Vendrusculo, 2011; Pinheiro, Silva, Mamede & Fernandes, 2008)
Portanto, a reabilitação do paciente com câncer e seu ajustamento psicossocial dependem, em larga medida, do trabalho da equipe multiprofissional, da qual faz parte o terapeuta ocupacional, que deve se dar de forma integrada e baseada num relacionamento interpessoal satisfatório. Os profissionais de saúde precisam estar cientes da responsabilidade sobre o acolhimento continente às pacientes com câncer de mama, compreendendo- as como um ser integral. O apoio multiprofissional e criação de um vínculo coeso entre profissional da saúde, paciente e familiares favorece o enfrentamento desta doença multifacetada, a diminuição dos efeitos colaterais do tratamento, a melhora das condições físicas e das relações sócio-familiares, possibilita a criação de estratégias para a retomada e realização das atividades cotidianas. (Hoffmann, Müller & Rubin, 2006)
Nas dimensões analisadas, baseadas na aplicação do “Functional Assessment of Cancer Therapy- Breast” (FACT-B, observa-se que há diversas questões que necessitam ser analisados em sua especificidade e profundidade, como aquelas relativas à satisfação com a vida sexual, apoio emocional da família e amigos, retorno ao mercado de trabalho e lazer. Isso indica que há limitações neste estudo devido à opção pela realização de um estudo quantitativo com a escala escolhida, necessitando de um estudo complementar.
Por fim, este estudo permitiu uma melhor compreensão sobre as alterações que a mastectomia provoca na vida de mulheres com câncer de mama e conclui-se que a qualidade de vida está relacionada tanto aos aspectos funcionais como psicossociais.
AGRADECIMENTOS
Agradeço às mulheres mastectomizadas atendidas pelo grupo de apoio, que participaram como sujeitos da pesquisa, e à Reitoria da Universidade de São Paulo, que financiou este estudo através de uma bolsa de Iniciação Científica.
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Endereço para Correspondência
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. E-mail: marysia@fmrp.usp.br. Ribeirão Preto – SP, Brasil.
Recebido em 26 de Junho de 2014/ Aceite em 09 de Junho de 2016