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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.17 no.3 Lisboa dez. 2016
https://doi.org/10.15309/16psd170311
Ajustamento psicossocial pós-lesão vetebro-medular- associação entre autó-eficácia e sentido na vida
Psychosocial adjustment after spinal cord injury- association between self-efficacy and porpuse in life
Joana Ribeiro1, Sara Monteiro2,3,4, & Ana Bártolo5
1Universidade de Aveiro, Departamento de Educação e Psicologia, 3810-193 Aveiro, Portugal. e-mail: joanaribeiro189@gmail.com;
2 Universidade de Aveiro, Departamento de Educação e Psicologia, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal. smonteiro@ua.pt;
3CINTESIS - Center for Health Technology and Services Research, Universidade do Porto, Faculdade de Medicina, 4200 - 450 Porto, Portugal;
4Escola Superior de Educação de Coimbra, 3030-329 Coimbra, Portugal;
5Universidade de Aveiro, Departamento de Educação e Psicologia, 3810-193, Aveiro, Portugal. e-mail: anabartolo@ua.pt
Endereço para Correspondência
RESUMO
A lesão vertebro-medular (LVM) é um acontecimento disruptivo de vida que implica uma readaptação física, psicológica e social do indivíduo. O presente estudo pretendeu analisar o impacto da adaptação psicossocial pós-lesão sobre o sentido na vida e a auto-eficácia de doentes internados e identificar o efeito mediador da qualidade de vida sobre a relação dessas duas variáveis psicológicas. A amostra foi recolhida no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais e incluiu 39 participantes, com diagnóstico de LVM, aos quais foram aplicados o Teste dos objetivos de vida, a Escala de Auto-Eficácia Geral, a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar, a Escala de Adesão Terapêutica, o “World Health Organization Quality of Life” e o Inventário de Crescimento Pós-Traumático. Os resultados mostraram que a depressão e a qualidade de vida foram preditores do sentido na vida e da auto-eficácia, respetivamente. Foi ainda encontrado um efeito de mediação parcial na relação auto-eficácia → sentido na vida, verificando-se que a associação positiva entre a auto-eficácia e a qualidade de vida promove melhorias no sentido na vida pós-LVM. Enfatiza-se assim a importância de fortalecer o sentido de eficácia desta população.
Palavras-chave: sentido na vida; auto-eficácia; qualidade de vida; lesão vertebro-medular; internamento
ABSTRACT
Spinal cord injury (SCI) is a disruptive life event that implies physical, psychological and social readjustment by the individual. This study aims to analyze the impact of post-injury psychosocial adaptation on the purpose in life and self-efficacy of inpatients and identify the mediating effect of the quality of life on the relation of these two psychological variables. The sample was collected at the “Centro de Medicina e Reabilitação da Região Centro - Rovisco Pais” and included 39 participants, with SCI diagnosis, which were applied the Purpose in Life Test, General Self-Efficacy Scale, Hospital Anxiety and Depression Scale, Therapeutic Adherence Scale, World Health Organization Quality of Life and Posttraumatic Growth Inventory. The results showed that depression and quality of life were predictors of purpose in life and self-efficacy, respectively. It was also found partial mediation effect on the relationship self-efficacy → purpose in life, verifying that the positive association between self-efficacy and quality of life improves purpose in life after SCI. Thus, it emphasizes the importance of strengthening the sense of efficacy in this population.
Key words: prupose in life; self-efficacy; quality of life; spinal cord injury; inpatients
A lesão vertebro-medular (LVM) é uma condição médica com manifestações clínicas variadas decorrentes da perda de funcionalidade parcial ou total da espinal medula, que são incapacitantes e se prolongam no futuro (Fechio, Pacheco, Kaihami, & Alves, 2009). Esta patologia afeta diferentes domínios de vida (social, relacional, emocional, ocupacional) e não apenas o domínio físico, que é o mais evidente (Fechio et al., 2009). Trata-se de um acontecimento disruptivo de vida que implica uma readaptação às diferentes áreas de funcionamento.
A adaptação psicossocial na LVM é a resposta do sujeito à lesão, alterando o comportamento, pensamento e circunstâncias em relação aos fatores associados à incapacidade (Middleton & Craig, 2008). A maioria dos indivíduos com LVM possui as capacidades cognitivas conservadas, mas a sua adaptação é dificultada pela elevada dependência física de terceiros. Neste sentido, a presença de sintomatologia depressiva, ansiosa e o desenvolvimento da perturbação de stresse pós-traumático são frequentes nesta população (Ferreira & Guerra, 2014). Estes indivíduos tornam-se mais vulneráveis ao stresse, depressão, ansiedade, abuso de substâncias e suicídio do que a população em geral, tendo maior prevalência destas dificuldades (Craig, Tran, & Middleton, 2009).
A qualidade de vida é também afetada num diagnóstico de LVM comparativamente à população geral (Dijkers, 1997), uma vez que é uma variável condicionada pela saúde física e psicológica da pessoa, o seu nível de independência, relações sociais, crenças e relação com o ambiente (Skevington, Lotfy, & O’Connell, 2004). Neste sentido, a ausência de ocupação profissional/educacional, dificuldades de mobilidade, integração social e suporte social pobres (Dijkers, 1997), pobre sentido de vida, valores pouco claros e baixa espiritualidade (Albrecht & Devlieger, 1999) comprometem este aspeto psicossocial. No entanto, na população com LVM são encontrados níveis satisfatórios de qualidade vida geral (Albrecht & Devlieger, 1999).
Uma lesão grave e irreversível como a LVM implica um processo de reabilitação duradouro, em que o objetivo primário é ajudar a pessoa a readaptar-se psicológica e socialmente. Consolidar os recursos psicológicos do sujeito e melhorar a sua qualidade de vida são pontos essenciais (Flückiger, Wüsten, Zinbarg, & Wampold, 2010). Assim, alguns autores têm-se focado em explorar a promoção da adaptação desta população tendo por base o sentido na vida. É defendida a ideia de que a reorganização e adaptação à patologia passa também por viver com um propósito que esteja em concordância com as crenças e valores pessoais e não apenas encontrar uma razão para a lesão ter acontecido. Se os objetivos de vida estão de acordo com as crenças da pessoa, o sentido na vida pode ajudar na adaptação pós-LVM, mediando a perda dos recursos físicos e contribuindo para o bem-estar psicológico (deRoon-Cassini, de St Aubin, Valvano, Hastings & Horn, 2009; Thompson, Coker, Krause, & Henry, 2003).
Num estudo de Amaral (2009), sujeitos LVM mencionaram o papel e a importância do sentido na vida, sendo a adaptação à lesão influenciada pela maneira como as pessoas organizaram os recursos na sua vida para reencontrar um sentido. Esta variável foi também identificada como o preditor mais forte de uma boa saúde mental e elevada qualidade de vida (deRoon-Cassini et al., 2009; Peter, 2013; Thompson et al., 2003) e positivamente associada à felicidade (Ferreira & Guerra, 2014). No entanto, no que concerne à associação com sintomatologia depressiva, a dualidade da relação pareceu apontar para uma influência recíproca sentido de vida ↔ depressão (Ferreira & Guerra, 2014). Num contexto de reabilitação física, os objetivos de vida desempenham ainda um papel importante na adesão ao tratamento. A incapacidade física e cognitiva interfere nos objetivos de vida e na forma de os alcançar, provocando angústia emocional. Melhores resultados são obtidos quando o programa de reabilitação está em concordância com os objetivos de vida do sujeito (Nair, 2003).
Paralelamente ao sentido na vida, a auto-eficácia como capacidade de acreditar no sucesso e na obtenção de determinado resultado (Bandura, 1977) pode igualmente influenciar a adaptação psicossocial a longo-prazo (Peter et al., 2014). Maior auto-eficácia pode incrementar o bem-estar, ajudando o sujeito a encarar tarefas difíceis como desafios e a manter o compromisso e a persistência para atingir os seus objetivos (Hampton, 2000; 2004). Investigações mostram uma associação de maior auto-eficácia a menores níveis de ansiedade e depressão (Kennedy, Taylor, & Hindson, 2006; Pang et al., 2009; Perry, Nicholas, Middleton, & Siddall, 2009; Spungen, Libin, Ljungberg, & Groah, 2009) e, em indivíduos como LVM, identificam-na também como um preditor da qualidade de vida (Mortenson, Noreau, & Miller, 2010).
O construto de auto-eficácia parece estar ainda intimamente ligado ao sentido de vida na promoção de bem-estar através uma associação positiva, onde a auto-eficácia se assume como principal responsável pela variância desse aspeto psicológico (DeWitz, 2004). Nos estudos de Peter (2013) elevado sentido na vida e auto-eficácia, melhoram a saúde mental e a qualidade de vida e indivíduos com maior sentido na vida e auto-eficácia relataram também maior satisfação com a vida (Peter et al., 2014).
Assim, o sentido na vida e a auto-eficácia parecem ser um alvo adequado de intervenção para promover os recursos psicossociais de indivíduos com LVM (Peter et al., 2014). No entanto, o estudo dos efeitos indiretos destas duas variáveis, ainda é pouco explorado, bem como a sua relação com variáveis psicossociais no sentido dificuldades de adaptação → variância no sentido na vida ou auto-eficácia. A compreensão destas relações dá resposta a uma lacuna da investigação, focada no ajustamento ao diagnóstico de LVM, e assume o objetivo central do presente estudo. Como objetivos específicos estabelecem-se:
- Caracterizar o ajustamento psicossocial (sentido de vida, auto-eficácia, depressão, ansiedade, qualidade de vida, adesão terapêutica e crescimento pós-traumático) de utentes diagnosticados com LVM, em regime de internamento;
- Identificar as variáveis que melhor predizem o sentido de vida e auto-eficácia dos doentes internados;
- Analisar o efeito mediador da qualidade de vida sobre a relação da auto-eficácia e do sentido na vida.
MÉTODO
Participantes
O presente estudo incluiu uma amostra clínica de conveniência constituída por 39 participantes. A recolha foi efetuada no Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais, junto de utentes em regime de internamento, entre junho e agosto de 2015. De entre os participantes, 89,7% eram do género masculino e 10,3% do género feminino com idades compreendidas entre os 18 e os 79 anos. Foram adoptados como critérios de exclusão: (i) ter menos de 18 anos de idade; (ii) possuir alterações cognitivas e/ou intercorrências médicas que enviesassem a compreensão e resposta aos instrumentos. As características sociodemográficas e clínicas da amostra são apresentadas no quadro 1.
Material
Questionário Sociodemográfico e Clínico: construído para obter informações sobre variáveis sociodemográficas, clínicas e relacionadas com a lesão. Incluiu a Medida de Independência Funcional que engloba 18 itens e 7 subescalas: autocuidados, controlo de esfíncteres, transferências/mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social (Laíns, 1991).
Teste dos objetivos de vida (PIL): traduzido e validado para a população portuguesa por Peralta e Silva (2003). Avalia o grau em que os indivíduos se esforçam para gerar significado das experiências conscientes da sua vida e o grau em que esse significado faz com que estes sintam que a sua vida é importante e vale a pena ser vivida. A parte A, a única utilizada no presente estudo, é um questionário de auto relato com 20 itens. Este instrumento apresenta um α de 0,66 para a população portuguesa e bons valores de fidelidade teste-reteste e validade de constructo (Peralta & Silva, 2003). No presente estudo foi obtido um α de 0,71.
Escala de Auto-Eficácia Geral (EAE): validada por Pais-Ribeiro (1995) para a população portuguesa. Avalia o juízo que os indivíduos fazem da sua capacidade de organizar e realizar atividades, em situações desconhecidas que podem envolver elementos ambíguos, imprevisíveis e geradores de stresse. Inclui 15 itens e 3 factores: iniciação e persistência, eficácia perante a adversidade e eficácia social. Segundo Pais-Ribeiro (1995), a escala possui características psicométricas adequadas, incluindo um α geral de 0,84. Considerando a amostra em estudo, foi obtido um α de 0,71 para a escala total e valores de α de 0,77 para a subescala Iniciação e Persistência, 0,70 para a subescala Eficácia Perante a Persistência e 0,75 para a subescala Eficácia Social.
Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (EADH): traduzida e validada para Portugal por Pais-Ribeiro et al. (2007). É um instrumento de auto relato composto por 2 subescalas, ansiedade e depressão, de 7 itens cada uma. Apresenta boas características psicométricas para a população portuguesa assumindo um α de 0,76 para a subescala ansiedade e de 0,81 para a subescala depressão. Neste estudo, para a subescala ansiedade foi obtido um α de 0,76 e para a subescala depressão um α de 0,75.
Escala de Adesão Terapêutica (EAT): desenvolvida por Costa (2012), contém 9 itens que medem 3 dimensões: frequentar as sessões, empenho na reabilitação e aliança terapêutica. Este questionário apresentou um α de 0,73 num estudo exploratório (Costa, 2012). Neste estudo, apresentou um α de 0,70 para a escala completa e valores de α de 0,75 para a subescala Frequência, 0,71 para a subescala Empenho e 0,81 para a subescala Aliança Terapêutica.
World Health Organization Quality of Life (WHOQOL): validado e traduzido para Portugal por Vaz Serra et al. (2006). Este questionário de auto relato é composto por 26 itens e avalia 4 domínios (físico, psicológico, relações sociais e ambiente) e a qualidade de vida geral. Apresenta boas propriedades psicométricas, com um α de 0,92 e boa validade de constructo, validade teste-reteste e validade discriminante (Vaz Serra et al., 2006). Neste estudo, o instrumento apresentou uma consistência interna satisfatória assumindo um α de 0,73 para a escala total.
Inventário de Crescimento Pós-Traumático (ICP): validada e traduzida para a população portuguesa por Resende, Sendas e Maia (2008). Avalia as mudanças psicológicas relatadas pelos sujeitos após um evento adverso através de 21 items. Engloba 3 factores: maior abertura a novas possibilidades e maior envolvimento nas relações interpessoais, mudança na percepção do self e vida em geral e mudança espiritual (Resende et al., 2008). A versão portuguesa obteve boas características psicométricas, um α de 0,95 para a escala total e valores teste-reteste de 0,77 (Resende et al.,2008). Com a amostra em estudo obteve-se um α de 0,75 para escala total e valores de α de 0,76 para a subescala Abertura a Possibilidades e Envolvimento nas Relações, 0,77 para a subescala Perceção do Self e da Vida e 0,85 para a subescala Espiritualidade.
Procedimento
Antes de dar início à recolha, o presente estudo foi proposto ao Conselho de Administração e Comissão de Ética do Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro – Rovisco Pais. Mediante a obtenção de aprovação, foi recolhida na instituição a informação clínica dos utentes em regime de internamento no sentido de averiguar quais reuniam condições para incluir o presente estudo. No momento da recolha, foi obtido o consentimento informado e garantida a confidencialidade dos dados dos participantes. A aplicação dos instrumentos foi realizada numa sala do centro ou no quarto do utente, dependendo da condição médica de cada participante.
Para a análise dos dados foi utilizado o softwareStatistical Package for the Social Sciences, versão 20.0 e realizadas análises descritivas e inferenciais. Mediante uma distribuição normal, recorreu-se à estatística paramétrica. A caracterização da adaptação psicossocial dos utentes foi avaliada com recurso a testes t para amostra independentes, averiguando-se as diferenças entre a presente amostra de conveniência e os resultados obtidos em estudos de validação. No estudo das relações entre as variáveis psicossociais incluídas recorreu-se ao coeficiente de correlação de Pearson sendo ainda determinadas relações preditivas através de modelos de regressão linear, baseados no método de “entrada forçada”. O sentido na vida e a auto-eficácia geral foram identificados como critérios nos dois modelos de regressão gerados e as restantes variáveis, que se corelacionavam com cada um dos critérios, como preditores. Por fim, foi ainda conduzido um modelo de mediação que testava o efeito mediador da qualidade de vida sobre a relação da auto-eficácia e do sentido na vida. Para o efeito, foi usando o software SPSS Amos com recurso ao procedimento Bootstrapping.
RESULTADOS
Caracterização da adaptação psicossocial ao diagnóstico de LVM
Tendo em consideração uma análise descritiva das variáveis de ajustamento psicossocial (ver quadro 2) foi possível verificar que os participantes obtiveram níveis médios de auto-eficácia geral e sentido na vida. Ainda ao nível da avaliação da auto-eficácia, foram apresentadas pontuações elevadas para a subescala “eficácia perante a adversidade” e pontuações médias nas subescalas “iniciação e persistência” e “eficácia social”. Os participantes incluídos apresentaram também sintomatologia depressiva e ansiosa mínima. Comparativamente à amostra de estudos de validação, os níveis de ansiedade foram significamente mais baixos.
Foi também identificada uma boa adesão terapêutica nos utentes diagnosticados com LVM. Quer ao nível da pontuação global, quer para todas as subescalas, nomeadamente “frequência”, “empenho” e “aliança terapêutica”, o grupo em estudo apresentou pontuações significativamente superiores às da amostra de validação, recolhida no mesmo local e com características idênticas.
No que concerne à qualidade de vida, os resultados mostram que os participantes em estudo obteveram pontuações significativamente mais elevadas do que a população geral para os domínios “psicológico” e “ambiental” e que o nível de qualidade de vida geral foi de 72,25%. Por último, o crescimento pós-traumático obteve valores significativamente superiores para a escala geral e para as subescalas “abertura a possibilidades e envolvimento nas relações” e “percepção do self e vida” comparativamente à população do estudo de validação.
Associação entre o sentido de vida, auto-eficácia e outras variáveis de ajustamento psicossocial
Com base nas análises bivariadas, apresentadas no quadro 3, os resultados mostram uma relação forte entre o sentido na vida e a auto-eficácia nos participantes diagnosticados. Pontuações mais elevadas no sentido na vida parecem associar-se a maior auto-eficácia geral. Do mesmo modo, esta variável correlaciona-se positivamente com a adesão terapêutica e com o crescimento pós-traumático, num nível moderado, assumindo ainda uma correlação positiva forte com a pontuação global da escala da qualidade de vida. Contrariaramente é estabelecida uma relação negativa entre a presença de sintomatologia ansiosa e depressiva e o sentido na vida.
Ao nível da auto-eficácia os resultados são similares. A qualidade de vida e o crescimento pós-traumático associam-se positivamente também com esse aspecto psicológico assumindo uma correlação forte e moderada, respetivamente. Associações negativas são ainda encontradas entre a auto-eficácia e a depressão e a ansiedade.
Preditores do Sentido na Vida e da Auto-eficácia
Foram conduzidas análise de regressão linear baseadas nos resultados das correlações bivariadas. A depressão foi identificada como único preditor do sentido de vida nos participantes diagnosticados com LVM. O modelo de regressão testado explicou 62% da variância dessa variável (ver quadro 4).
A qualidade de vida assumiu, por sua vez, um impacto linear positivo sobre a auto-eficácia dos participantes. Esta variável psicossocial foi o único preditor significativo do modelo de regressão explicando 49% da variância na auto-eficácia da amostra incluída (ver quadro 5).
Efeito de Mediação da Qualidade de Vida
Considerando as relações entre as variáveis, foi ainda conduzido o modelo de mediação apresentado na figura 1.
Foram encontrados efeitos indiretos significativos (p=0,005). A auto-eficácia influencia o sentido na vida de pacientes com LVM por associação à qualidade de vida (95% BC CI 0,09, 0,48). A variável qualidade de vida assume assim um efeito de mediação parcial. O aumento da auto-eficácia promove melhor qualidade de vida resultando desta relação um aumento do sentido na vida desta amostra.
DISCUSSÃO
O presente estudo mostra uma boa adaptação psicossocial ao diagnóstico de LVM, em indivíduos em regime de internamento. Esta população apresenta níveis médios de auto-eficácia geral e sentido na vida. Apesar das limitações físicas e do grau de dependência, os indivíduos afetados parecem manter o sentido de eficácia e reorganizar os objetivos de vida em função de uma nova condição clínica, irreversível. Verificou-se também a presença de sintomatologia depressiva e ansiosa mínima e a qualidade de vida assumiu níveis satisfatórios para a amostra incluída, inclusivamente pontuações mais elevadas no domínio psicológico e ambiental comparativamente à população geral. Este dado não é novo, uma vez que também Albrecht e Devlieger (1999) verificaram que a qualidade de vida geral era pouco comprometida em indivíduos pós-LVM.
Ainda no grupo incluído, os utentes apresentaram uma boa adesão terapêutica e o crescimento pós-traumático foi superior, comparativamente à amostra do estudo de validação, parecendo existirem mudanças positivas após o surgimento da doença, sobretudo ao nível da abertura a possibilidades e envolvimento nas relações e à perceção do self e da vida, resultado encontrado também em outros estudos (Kalpakjian et al., 2014). No entanto, importa considerar que o facto dos utentes se encontrarem, em regime de internamento, e como tal beneficiarem dos recursos disponibilizados pela instituição, nomeadamente o acompanhamento psicológico, se torna um facilitador de melhores níveis de ajustamento.
O reconhecimento da auto-eficácia e do sentido de vida como variáveis que influenciam a adaptação (Peter et al., 2014; Thompson et al., 2003) promoveu o interesse pelo estudo das relações preditivas entre estes aspetos psicológicos e outras variáveis de ajustamento no diagnóstico de LVM. Contudo, as nossas conclusões parecem apontar para a possível existência de uma relação reciproca. Se por um lado, a literatura apresenta consistentemente o sentido na vida e a auto-eficácia como preditores da qualidade de vida e de uma boa saúde mental (deRoon-Cassini et al., 2009; Mortenson et al., 2010; Peter, 2013; Thompson et al., 2003), no nosso estudo verificou uma relação com sentido oposto. A depressão e a qualidade de vida foram, respetivamente, preditores do sentido na vida e da auto-eficácia. A sintomatologia depressiva assumiu um impacto linear negativo sobre o sentido na vida e a qualidade de vida um impacto linear positivo sobre a auto-eficácia. A reciprocidade na relação sentido de vida ↔ depressão foi encontrada nas investigações de Ferreira e Guerra (2014), sustentando as nossas conclusões que apontam para a influência no sentido do impacto de variáveis psicossociais sobre a reorganização de objetivos de vida e o sentido de eficácia.
Em última análise, foi ainda encontrado um efeito de mediação parcial sobre a relação auto-eficácia → sentido de vida. Os estudos tem-se focado nos efeitos diretos entre estas variáveis mostrando uma associação positiva entre crenças de auto-eficácia e o sentido na vida (DeWitz, 2004). No entanto, as nossas conclusões mostram a entrada da qualidade de vida como uma terceira variável nesta relação. O aumento da auto-eficácia associado ao aumento da qualidade de vida parece assim promover melhorias no sentido na vida de indivíduos diagnosticados com LVM. Estes dados sustentam assim a importância da promoção da auto-eficácia como base das intervenções psicológicas, tal como defendem alguns autores (Peter et al., 2014).
Mediante os nossos resultados verifica-se elevada interdependência entre as variáveis de adaptação psicossocial em doentes com LVM. Assim, um dos caminhos de intervenção poderá focar-se em fortalecer o sentido de eficácia e promover a qualidade de vida da população internada objetivando uma melhor orientação para objetivos de vida e, consequentemente, uma adaptação ajustada às suas limitações funcionais.
Apesar da relevância das conclusões, este estudo integra algumas limitações. A dimensão reduzida da amostra condiciona a generalização dos nossos resultados. Do mesmo modo, a desigualdade de género e variáveis sociodemográficas e clínicas, como as visitas ao domicílio, o quadro clínico, a causa da lesão e o tempo de internamento, poderão conduzir a diferenças de ajustamento que influenciam os resultados obtidos e devem ser consideradas em estudos posteriores. O facto do protocolo ter sido aplicado numa entrevista oral, pode também ter influenciado as respostas dos participantes incluídos devido à desejabilidade social. Por fim, a literatura não é consensual quanto ao modelo a usar para o PIL (1 ou 2 fatores) (Peter et al., 2014). A maioria dos estudos utilizaram o modelo de 1 fator, e para facilitar a comparação de resultados, este estudo utilizou o mesmo modelo.
Salienta-se ainda a importância de desenvolver mais investigações neste âmbito uma vez que os nossos resultados não explicam todo o espectro do ajustamento psicossocial na LVM. Uma abordagem baseada na comparação do ajustamento em população em internamento e na comunidade, bem como a realização de estudos longitudinais que se foquem na variação dos constructos testados ao longo do tempo poderão contribuir para a melhoria da qualidade das intervenções oferecidas, tornando-as mais ajustadas às especificidades dos indivíduos com LVM e promovendo a sua reabilitação.
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Endereço para Correspondência
Departamento de Educação e Psicologia Universidade de Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal; Telf.: (+351) 234 370 353. E-mail: smonteiro@ua.pt
Recebido em 14 de Abril de 2016/ Aceite em 10 de Novembro de 2016