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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.1 Lisboa abr. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180104 

Mulheres com lúpus eritematoso sistêmico, sintomas depressivos e apoio social

Women with sle, depressive symptoms and social support

Lucia Maria de Oliveira Santos1, Maria José Vilar2, & Eulália Maria Chaves Maia3

 

1Hospital Universitário Onofre Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil. E-mail: lucia.aldenor@gmail.com;

2Departamento de Medicina Clínica, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil. E-mail: vilarmj@gmail.com

3Departamento de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Brasil. E-mail: eulalia.maia@yahoo.com.br

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença autoimune crônica, rara, multissistêmica. Pesquisas apontam que o LES pode acarretar danos importantes no âmbito psicológico. Elas também sugerem que o apoio social desempenha um papel importante no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento, na gestão do LES e na depressão. Assim, este estudo tem como objetivo geral verificar a associação entre sintomas depressivos e apoio social percebido em pacientes com LES. Utilizou-se um questionário sociodemográfico, o Inventário de Depressão de Beck e a Escala de Apoio Social Percebido. Participaram 79 mulheres, com média de idade de 35,7 anos. Destas, 55,7% eram casadas. Apenas 7,59% haviam terminado o ensino superior 40,51% ainda não finalizaram o ensino médio. 89,87% tinha renda abaixo de três salários mínimos e 89,87% praticavam alguma religião. 53,17% apresentaram níveis de sintomas depressivos de leve a grave. Quando se verificou a percepção de apoio social, os resultados mostraram níveis altos pelas participantes do estudo. Encontrou-se também moderada correlação entre sintomas depressivos e apoio social (r=-0,45, p>0,001) de modo que quanto maior a frequência de apoio menor os escores de depressão. Esses achados são relevantes porque sintomas depressivos nos pacientes com LES têm um caráter multicausal e multifatorial e podem permanecer despercebidos, pois muitos deles se confundem com as manifestações da doença. Eles também corroboram com outros estudos, os quais não apenas confirmam o papel preditivo do apoio social nos aspectos físicos, mas também psicológicos.

Palavras-chave: Lúpus; Mulheres, Depressão, Psicologia da Saúde

 

ABSTRACT

Systemic Lupus Erythematosus (SLE) is a chronic, rare, multisystem autoimmune disease. Researches indicates that SLE can cause significant damage to the psychological realm (Carr et al., 2011; Kulczycka et al., 2009). They also suggest that social support plays an important role in the development of coping strategies, in SLE management and depression. This study has as main objective verify the association between depressive symptoms and perceived social support in patients with SLE. We used a sociodemographic questionnaire, the Beck Depression Scale, and the Perceived Social Support Scale. Participants 79 women with SLE, with an average age of 35.7 years. 55,7% of the participants were married. Only 7,59% had completed higher education and 40,51% have not finished high school. 89,87% had an income below three minimum salaries and 89,87% practiced a religion. 53,17% had depressive symptoms levels from mild to severe. When we examined the perception of social support, the results showed high levels among participants. Using the Spearman correlation test we found a moderate correlation between depressive symptoms and social support (r=-0,45, p<0,001). It means that the higher the frequency of support, the lower the score of depression. These findings are relevant because depressive symptoms in patients with SLE have a multicausal and multifactorial character and may remain unnoticed, since many of them are confused with the manifestations of the disease. They also corroborate other studies, which not only confirm the predictive role of social support in the physical wellbeing, but also in the psychological.

Keywords: Lupus; women, depression; Health Psychology

 

O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença autoimune crônica, rara, multissistêmica, com um padrão muito heterogêneo de manifestações clínicas e sorológicas. Ela é o resultado de uma via patogênica que culmina na complexa formação de autoanticorpos, porém o papel destes ainda não está bem claro. O curso do LES difere entre os indivíduos e é imprevisível para o mesmo paciente ao longo do tempo, alternando-se entre períodos de exacerbações e remissões dos sintomas (Pons-Estel, Alarcón, Scofield, Reinlib, & Cooper, 2010).

A interação entre a suscetibilidade genética, influências hormonais e causas ambientais têm importante papel no surgimento do LES, todavia seu desenvolvimento ainda não foi bem esclarecido (Pons-Estel et al., 2010).

Caracterizada pela diversidade, o LES é uma doença heterogênea, por isso o diagnóstico nem sempre é fácil. Para realizá-lo é necessário basear-se em 2 critérios principais: Clínicos e imunológicos. Eles são considerados obrigatórios, a fim de estabelecer um diagnóstico definitivo da doença. Nesse sentido, costuma-se utilizar os critérios de classificação do American College of Rheumatology (ACR). A primeira versão dos critérios foi publicada em 1971 e revisto em 1982 e 1997. Em 2012, o Systemic Lupus International Collaborating Clinics (SLICC) - um grupo internacional focado em pesquisa clínica do LES - revisou os critérios de classificação do LES, a fim de melhorá-los na sensibilidade para confirmação de diagnósticos precoces e mais consistentes (Pons-Estel et al., 2014). Todavia, os critérios do ACR ainda são os mais aceitos no Brasil.

Tomando como base a portaria nº 100 de 2013 do Ministério da Saúde que estabelece parâmetros sobre o LES no Brasil e especifica diretrizes nacionais para diagnóstico (estabelecido a partir da presença de pelo menos 4 dos 11 critérios de classificação - propostos pelo ACR), tratamento e acompanhamento.

Quais sejam: Eritema malar que aparece como um eritema fixo, plano ou elevado nas eminências malares, tendendo a poupar a região nasolabial; lesão discóide que é lesão eritematosa, infiltrada, com escamas queratóticas aderidas e tampões foliculares, que evolui com cicatriz atrófica e discromia; fotossensibilidadeque é um eritema cutâneo resultante de reação incomum ao sol; úlcera oralcom caracterização deulceração oral ou nasofaríngea, geralmente não dolorosa; artrite que se apresenta não erosiva envolvendo duas ou mais articulações periféricas, caracterizada por dor à palpação, edema ou derrame; serosite que pode surgir como uma pleurite ou pericardite; alteração renal; alteração neurológica: que podem manifestar-se com a presença de convulsões ou psicose; alterações hematológicas; Alterações imunológicas e anticorpo antinuclear (FAN).

Além de sofrer agravos físicos e no funcionamento fisiológico, os pacientes também podem enfrentar uma série de problemas psicossociais.

Conforme estudo realizado por Kulczycka, Sysa-Jedrzejowska, e Robak (2009), o LES, como uma doença crônica, incurável e imprevisível, tem uma grande influência na vida dos pacientes, podendo afetar as emoções e a satisfação com a vida. Além disso, o curso flutuante da doença, a necessidade de tratamento a longo prazo, os efeitos colaterais e os danos decorrentes, reduzem severamente a qualidade de vida dos pacientes.

Eles também sofrem prejuízos em suas atividades diárias (Robinson et al., 2010), como por exemplo, no trabalho (Baker, Pope, Fortin, Silverman & Peschken, 2009).

Somado a esses fatores, pesquisas também apontam que o LES pode acarretar danos importantes no âmbito psicológico (Carr et al., 2011; Kulczycka et al., 2009), principalmente com presença de ansiedade e depressão (Asano, Coriolano, Asano & Lins, 2013; Maneeton, Maneeton & Louthrenoo, 2013; Palagini et al., 2013).

O ACR, em 1999, propôs a definição de 19 síndromes clínicas neuropsiquiátricas atribuídas ao LES - chamado de “O LES Neuropsiquiátrico” -, no intuito de uniformizar a nomenclatura e facilitar as pesquisas clínicas, sobretudo os estudos multicêntricos. Essa classificação reconhece cinco grupos de transtornos neuropsiquiátricos: transtorno de humor, transtorno de ansiedade, disfunções cognitivas, psicose e estado confusional agudo.

Seus principais sintomas se caracterizam como problemas de humor. O indivíduo apresenta-se deprimido, melancólico, triste, sem esperanças. Sente-se isolado, rejeitado, não amado. Geralmente, pessoas acometidas de depressão, descrevem sentimentos de menos-valia e indecisão e apresentam alterações nos padrões de sono, mudanças significativas no apetite e no peso ou perda muito perceptível de energia, de modo que qualquer atividade requer muito esforço. Costuma ocorrer, ainda, perda de interesse nas coisas e incapacidade de experimentar prazer (Holmes, 1997).

É importante frisar que na literatura observa-se uma relação importante entre a presença de depressão e o diagnóstico de LES. Todavia, essa relação ainda não foi bem compreendida. Os resultados dos estudos se mostram confusos, de modo que os pesquisadores não conseguiram chegar a um consenso. Alguns estudos defendem causas orgânicas (Nery et al., 2007). Outros, como o de Sehlo e Bahlasm (2013) afirmam que é uma reação à doença crônica. Já Palagini e colaboradores(2013), defendem que fatores psicossociais aparecem como os mais prováveis.

Em estudos internacionais, os transtornos de humor em geral, incluindo episódio depressivo maior, são encontrados com maior frequência nos pacientes com LES do que na população em geral (Mak, Tang & Ho, 2013).

Também nos pacientes com LES, a depressão se apresenta como uma das manifestações psiquiátricas mais comuns (Asano, Coriolano, Asano, & Lins, 2013). Outros estudos também mostram alguns fatores relacionados à depressão nesse grupo, entre estes estão as incertezas da doença, os sintomas de fadiga física e emocional e o custo financeiro decorrente (Beckerman, 2011; Jarpa et al., 2011)

Os sintomas depressivos também podem acarretar enfraquecimento ou rompimento das redes sociais (Queiroz, 2009), o que se configura como um problema, uma vez que o apoio social é entendido como um importante recurso externo para o indivíduo num momento de susceptibilidade, agindo como um atenuante e moderador do impacto causado pelo estresse decorrente da doença (Bae, Hashimoto, Karlson Liang & Daltroy, 2001).

Assim, considerando a alta prevalência de sintomas depressivos em paciente com LES e o apoio social como um importante recurso externo para o indivíduo, este estudo definiu como principal objetivo investigar a prevalência de sintomas depressivos em pacientes com LES e identificar se há associação com o apoio social percebido.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, analítica e transversal, aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, parecer nº 461.435. Os dados coletados foram tratados através de uma análise descritiva em tabelas de frequência e de contingência (dupla entrada). Em seguida, foram utilizados os testes qui-quadrado para verificar a associação entre as variáveis nominais e o coeficiente de Spearman para verificar a associação entre variáveis ordinais e intervalares.

Participantes

A população desta pesquisa foi composta de pacientes do sexo feminino, com idade acima de 18 anos provenientes de todo o estado do Rio Grande do Norte, Brasil, que apresentaram diagnóstico de LES, estavam em tratamento no ambulatório de Reumatologia do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) e concordaram em participar do estudo.

O cálculo para obtenção da amostra total foi feito através da Amostra Aleatória Simples (AAS), levando-se em consideração um intervalo de confiança de 95%. A partir desses cálculos, obtivemos uma amostra total de 80 mulheres. Todavia, um questionário foi descartado porque preencheu os critérios de exclusão. Para os critérios de inclusão elegeu-se: pacientes estarem em atendimento no Ambulatório de Reumatologia do HUOL com diagnóstico de LES confirmado segundo os critérios do ACR, ser do sexo feminino e idade acima de 18 anos.

Para os critérios de exclusão: pacientes com histórico de doença psiquiátrica crônica ou neuropsiquiátrica; graves problemas de fala; demência e comorbidades não decorrentes do LES.

Material

Os instrumentos utilizados foram: um questionário estruturado sociodemográfico, a Escala de Depressão de Beck (BDI) e a Escala de Apoio Social (EAS). Através do questionário estruturado sociodemográfico verificou-se dados a respeito da identificação do paciente e perfil socioeconômico. Esse questionário foi elaborado pelas pesquisadoras. O BDI, validado no Brasil por Cunha (2001), é uma escala sintomática, de autorrelato com 21 grupos de afirmações incluindo sintomas e atitudes que avaliam vários aspectos da vida do indivíduo. A Escala de Apoio Social é composta por 19 itens, cada uma com cinco alternativas, variando de 1 (nunca) a 5 (sempre). Ela foi validada no Brasil por Griep (2003).

 

RESULTADOS

A amostra final foi de 79 participantes com LES, todas do sexo feminino (100%), com uma média de idade de 35,7 anos. Destas, 55,7% eram casadas. Apenas 7,59% haviam terminado o ensino superior e 40,51% ainda não haviam finalizado o ensino médio. 89,87% tinha renda abaixo de três salários mínimos e também setenta e uma (89,87%) praticavam alguma religião, sendo a católica (67,71%) a mais mencionada pelas participantes.

Do total da amostra, 54,43% moravam no interior. Isso ocorre porque o hospital onde se realizou a coleta de dados oferece o único serviço de referência para diagnóstico e tratamento do LES no estado. 37 (46,74%) já haviam sido diagnosticadas há mais de 7 anos, sendo que 25 delas (31,65%) já conviviam com o LES há mais de 10 anos (ver Quadro 1).

 

 

Caracterização sociodemográfica (frequência simples e porcentagem)

53,17% apresentaram níveis de sintomas depressivos de leve a grave. Destas participantes, 17 (21, 52%) pontuaram entre moderado e grave. Sendo os sintomas mais significativos: irritação (45,57%), fadiga (41,77%) e preocupação somática (46,84%). Em relação ao acompanhamento psicológico, 98,73% mulheres não faziam psicoterapia e 100% não participavam de nenhum grupo de apoio (ver Quadro 2).

 

 

Quando se verificou o grau de sintomas depressivos e estado civil das participantes, não foi encontrada associação significativa (p=0,52), bem como entre esses sintomas e religião (p=0,15).

Os resultados mostraram níveis altos de percepção de apoio social pelas participantes do estudo. O teste de Friedman apresentou diferenças significativas entre as formas de apoio (p<0,001), sendo significativamente maiores que os demais o apoio material e afetivo (ver Quadro 3).

 

 

Através do teste de correlação de Spearman, encontrou-se uma moderada correlação entre sintomas depressivos e apoio social (r=-0,45 e p<0,001). Todas as perguntas assinaladas em negrito têm associação significativa (p>0,05) com o escore de sintomas depressivos. Como todos os coeficientes são negativos, podemos afirmar que a relação é inversa, de modo que quanto maior a frequência de apoio, menores serão os escores de sintomas depressivos (ver Quadro 4).

 

 

Também foi solicitado às participantes avaliar com uma nota de 1 a 10 o apoio recebido da família, amigos, sistema de saúde, companheiro e município. Os resultados mostraram que a nota média foi 8,34 para a família, 7,62 para o sistema de saúde, 6,73 para os amigos, 5,62 para o companheiro e, por último, 4,37 para o município onde elas residem (ver Quadro 5).

 

 

 

DISCUSSÃO

No que concerne aos dados sociodemográficos, verificou-se que a média de idade dos participantes foi semelhante à encontrada na literatura. Em nossa amostra, a maior parte declarou-se casada, resultado que se aproxima de outros estudos (Ayache & Costa, 2009; Faria, Revoredo, Vilar & Maia, 2014). Esse dado chama a atenção, uma vez que estar em uma união conjugal surge como fator protetivo, pois pacientes com LES separados, divorciados e viúvos, apresentam maior propensão à ideação suicida (Xie et al., 2012).

O nível de escolaridade das nossas participantes foi baixo, o que coloca em alerta a rede de cuidado, posto que estudos, realizados com pacientes chineses acometidos pelo LES, encontraram correlação significativa entre baixa escolaridade e sintomas de ansiedade e depressão (Mok, Chan, Cheung, & Yip, 2014; Shen et al., 2013). A escolaridade também foi associada à maior atividade da doença (Pons-Estel et al., 2004) e a adesão ao tratamento (Maldaner, Beuter, Brondani, Budó & Pauletto, 2008).

No tocante à situação socioeconômica da população estudada, a maioria apresentou uma renda familiar abaixo de três salários mínimos. Quanto a esse dado, pesquisas apontam que índices socioeconômicos baixos estão associados a pior estado da doença, elevada morbidez psiquiátrica e alta mortalidade (Lorant et al., 2003). Somado a isso, estudos também mostram que o baixo nível socioeconômico está associado a uma menor qualidade de vida (Shen et al., 2013), a alta atividade da doença (Alarcón et al., 2006) e relacionado a danos cumulativos (Pons-Estel et al., 2004).

Em um estudo realizado na Jamaica (Chambers et al., 2008), um dos fatores que influenciavam na baixa aderência aos medicamentos, em um grupo de pacientes com LES, foi o alto custo e baixa disponibilidade dos mesmos. Os participantes com baixa renda de outro estudo realizado por Julian e colaboradores (2009) também estavam mais propensos à baixa adesão ao tratamento.

Em uma recente investigação realizada no Brasil, com a mesma população estudada na presente pesquisa, Faria e colaboradores (2014) mostraram que 55% das participantes do estudo relataram dificuldade em seguir o tratamento medicamentoso, porque a medicação não estava disponível no Sistema Único de Saúde (SUS).

Diante disso, levanta-se a hipótese de que uma condição socioeconômica baixa pode afetar de forma negativa a continuidade do tratamento de forma geral, já que os pacientes acometidos por essa doença, necessitam de acompanhamento frequente com exames, consultas médicas e medicações contínuas (Panopalis, Clarke, & Yelin, 2012).

No Brasil, esse tema deve ser considerado porque o SUS não consegue fornecer o suporte ininterrupto necessário, custeando o tratamento e influenciando na adesão terapêutica. Tal constatação é preocupante, haja vista o tratamento do LES acarretar para o paciente alto custo financeiro (Cho et al., 2014; Panopalis et al., 2012; Xie et al., 2012).

Em relação à religiosidade, a maioria das pacientes que participaram do estudo afirmou ter alguma religião, o que pode ser um suporte importante nas questões que envolvem problemas de saúde, diferente do que apareceu nos resultados com pacientes chineses, em que aqueles que apresentavam alguma crença religiosa também estavam mais susceptíveis à ideação suicida (Xie et al., 2012).

Reis e Costa (2010) afirmaram que a vivência da religiosidade está relacionada à remissão mais rápida da depressão. Eles também defendem que a invocação de crenças, além de ser confortante emocionalmente e espiritualmente, tem influência sobre a saúde.

Podemos também pontuar que a religiosidade e a espiritualidade também corroboram de forma importante com o acesso às redes de apoio social, o que pode atuar de forma positiva no enfrentamento da doença e prevenção de sintomas depressivos, pois essa rede pode fornecer todos, ou parte, dos cinco tipos de apoio investigados neste trabalho. Todavia, apesar de tal constatação, o presente estudo não encontrou associação significativa entre a religião e os níveis de sintomas depressivos.

No presente estudo, 53,17% das participantes apresentaram níveis de sintomas depressivos de leve à grave. Na literatura especializada, a prevalência de depressão em pacientes com LES variam entre os estudos: 18.75% (Sehlo & Bahlas, 2013), 26% (Julian et al., 2009), 32,9% (Shen et al., 2013), 45,2% (Maneeton et al., 2013), 58.3% (Xie et al., 2012), 60% (Zakeri et al., 2012), 65% (Ayache & Costa, 2009).

Uma revisão sistemática recente (Palagini et al., 2013) que analisou dezessete estudos, encontrou taxas de prevalência da depressão entre 17% e 75 %.

Podemos pontuar que os diferentes resultados nos mais variados estudos ao redor do mundo, acima citados, podem sofrer influência do tamanho da amostra, do período da doença (remissão ou em atividade), do método utilizado, dos instrumentos de pesquisa, das diferenças culturais e socioeconômicas da amostra, de diferenças quanto aos cuidados médicos e disponibilidade de recursos. Essas são variáveis importantes que devem ser consideradas na análise desses achados.

Um estudo realizado no Irã (Zakeri et al., 2012), assim como na presente pesquisa, utilizou o BDI para verificar sintomas depressivos e encontrou alta prevalência, uma das mais elevadas já descritas na literatura. Os sintomas autorrelatados mais comuns nos pacientes foram: fraqueza e fadiga (88,2%), seguido de irritabilidade (82,3%) e tristeza (77,6%), enquanto em nosso estudo foi irritação (45,57%), fadiga (41,77%) e preocupação somática (46,84%). No Irã, a ideação suicida foi de 10,5%, enquanto que no presente estudo foi menor, de 8,86%.

O BDI também foi usado em um estudo chinês que objetivou investigar a prevalência de ideação suicida em 295 pacientes com LES. Os resultados mostraram que 98 participantes da pesquisa apresentaram ideação suicida. Pacientes separados, divorciados e viúvos apresentaram maior risco. A prevalência da depressão também foi elevada (Xie et al., 2012).

Em outra região da China, um estudo semelhante, realizado com uma amostra de 376 pacientes com LES, encontrou a ideação suicida como um sintoma bem comum em pacientes com LES. Nesse grupo, os desempregados eram mais propensos a apresentar ideação suicida. Esta também se apresentava com maior intensidade nos pacientes com sintomas depressivos (Mok et al., 2014). Em nosso estudo, não foram encontradas associações com a ideação suicida. Mok e colaboradores (2014) defendem que esse sintoma é mais presente nos pacientes com sintomatologia depressiva que tenham passado por situações difíceis recentemente, que sofreram danos cardiovasculares e que viveram tentativas de suicídio anteriores. Todavia, essas variáveis não foram mensuradas na presente pesquisa, mas podemos sugerir que, identificar precocemente esses fatores de risco nesse grupo de pacientes, pode ajudar em intervenções mais eficazes, e, assim, reduzir o risco de suicídio.

Outros estudos (Beckerman, 2011; Jarpa et al., 2011) também mostraram alguns fatores relacionados à depressão nesses pacientes, dentre os quais estavam as incertezas da doença, os sintomas de fadiga física e emocional e, o custo financeiro decorrente. Além disso, os pacientes referiram sentir-se deprimidos por se perceberem diferentes em comparação a como se sentiam antes da doença.

Somado a isso, o estresse de ter uma doença crônica que se adiciona com a falta de apoio social, a dor e a incapacidade, bem como o uso de alguns tipos de medicação, podem relacionar-se com altos índices de sintomas depressivos em pacientes com LES (Jarpa et al., 2011).

Outra variável investigada neste estudo foi a percepção de apoio social, que apresentou níveis altos pelas participantes. Embora poucos, nos estudos disponíveis sobre apoio social em pacientes com LES, encontrou-se uma diversidade de resultados, de modo que, em algumas amostras, o apoio foi baixo e em outras alto. Isso pode estar relacionado, assim como nos estudos sobre depressão, ao tamanho da amostra, à metodologia, aos instrumentos de pesquisa, às diferenças socioculturais, entre outros fatores.

Uma parte dessas pesquisas podem ser verificadas em uma exaustiva revisão de literatura que avaliou estudos sobre apoio social percebido associado com a saúde dos pacientes com LES, especificamente a qualidade de vida, atividade da doença e danos da doença (Mazzoni & Cicognani, 2011).

Nessa revisão os autores citaram uma pesquisa qualitativa, em que os pacientes com LES estavam insatisfeitos com o apoio social relacionado com os cuidados de saúde como: contatos insatisfatórios com o médico, a falta de compreensão por parte dos médicos e a falta de informação sobre a doença. Eles também mencionaram que experimentavam incompreensões das pessoas em geral, porque a doença parecia ser invisível para os outros.

Nossos resultados também mostraram, através do teste de correlação de Spearmanmoderada correlação entre depressão e apoio social, de modo que, quanto maior a frequência de apoio, menor os escores de depressão. Diante disso, podemos sugerir que o apoio social, assim como já descrito em outros estudos aqui mencionados, agiu como fator protetivo para a população estudada, embora nossos índices de sintomas depressivos tenham sido altos.

Esses achados corroboram com alguns estudos descritos por Mazzoni e Cicognani (2011). Segundo esses autores, os resultados encontrados não apenas confirmam o papel preditivo do apoio social nos aspectos físicos, mas também psicológicos. Portanto, eles concluíram que o apoio social demonstra um impacto muito importante sobre a qualidade de vida, atividade da doença e danos decorrentes do LES.

Nesse sentido, é importante frisar que o apoio social pode influenciar um paciente a uma melhor adaptação à vida com uma doença crônica. Os indivíduos que têm níveis mais elevados de percepção de apoio social podem gerir a situação de forma eficaz, mesmo em momentos mais difícies, enquanto os níveis mais baixos de percepção de apoio social contribuem para maus resultados (Zheng et al., 2009).

Um estudo, realizado com pacientes chineses, comparou a percepção de apoio social entre um grupo com LES e outro de pessoas saudáveis. Os resultados mostraram que os pacientes com LES apresentavam apoio social mais pobre (Zheng et al., 2009). Os pesquisadores levantaram duas explicações para esses achados. A primeira delas é que, por ter poucas informações sobre o LES, alguns amigos podem não querer se aproximar com receio de serem contaminados. A segunda era concernente aos pacientes que, temendo o abandono e incompreensão dos amigos, se isolam, diminuindo os contatos sociais. Esses pesquisadores também chamaram a atenção para que o apoio social em pacientes com LES seja melhorado e sugeriram o fornecimento de informações aos amigos e o desenvolvimento de uma relação de confiança entre os profissionais de saúde, os pacientes e a família, a fim de que ocorra uma comunicação efetiva, corroborando com mais informação e acolhimento das dificuldades vivenciadas.

Outro estudo, realizado por Howe (2010), indicou que o apoio social desempenha um papel importante no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento, na gestão do LES e na depressão em mulheres afro-americanas. Já DiMatteo (2004) sugeriu que a adesão ao tratamento é maior em pacientes que possuem níveis elevados de Apoio Social.

No presente estudo, o teste de Friedman mostrou diferenças significativas entre as formas de apoio (p<0,001), sendo o apoio material e afetivo significativamente maiores que os demais. O primeiro refere-se a provisão pela família e amigos de recursos materiais e instrumentais e o segundo a demonstrações físicas de amor e afeto. Todavia, o apoio emocional, que são às expressões de sentimento, compreensão e confiança; o apoio de informação que é a disponibilidade das pessoas obterem conselhos e orientações e a interação social positiva referente à disposição das pessoas em se divertir e relaxar, também apresentaram índices altos na percepção das pacientes, denotando que a amostra avaliada possui bom suporte de apoio social.

Vale lembrar que quando se pediu que as mulheres atribuíssem uma nota de 1 a 10 para família, amigos, sistema de saúde, companheiro e município, a maior nota média foi para a família, 8.34, em seguida para o sistema de saúde, 7.62. Para os amigos foi 6.73 e para o companheiro 5.62 e, em último lugar ficou a nota média atribuída ao apoio recebido do município de origem, 4.37. Isso revela que o apoio recebido foi bem avaliado pelas participantes, tendo uma melhor avaliação do apoio recebido: a família, o sistema de saúde e os amigos. E uma nota mais baixa foi atribuída ao município de origem que fornece o transporte para o deslocamento até o hospital.

O sistema de saúde, no qual as participantes do estudo estão inseridas, se refere à assistência no hospital de referência, único local onde elas podem realizar o tratamento especializado, como consultas, exames e internações. Todavia, as medicações não são fornecidas nessa instituição e isso foi pontuado por essa mesma população no trabalho de Faria e colaboradores (2014). Nesse estudo, 55% das participantes relataram dificuldade em seguir o tratamento medicamentoso, porque a medicação não estava disponível no SUS.

Mazzoni e Cicognani (2011) concluíram, através de revisão de literatura, que os estudos sobre apoio social, à semelhança de outras doenças reumáticas, mostram que os pacientes de LES enfrentam uma série de eventos e desafios estressantes. Desse modo, ficou evidenciado que eles necessitam de uma rede de relações interpessoais em que possam contar como apoio emocional e ajuda prática durante os períodos mais difíceis da doença, haja vista o LES alternar períodos de exacerbação dos sintomas e de remissão. Assim, os membros da família devem ficar atentos quando dar e quando recusar oferecer ajuda, uma vez que o fornecimento de muito apoio ou sua oferta na hora errada pode produzir resultados negativos.

Nesse sentido, é importante também chamar a atenção para o fato de que a ideia de apoio como “faca de dois gumes” ainda não foi investigada em pacientes com LES e as escalas de apoio social adotadas não foram desenvolvidas para avaliar o apoio problemático (Mazzoni e Cicognani, 2011). Diante do disso, ressaltamos que, pesquisas voltadas para essa variável poderiam ajudar os profissionais a compreender melhor sobre o papel do apoio social em pacientes com LES.

O presente estudo mostrou uma alta prevalência de sintomas depressivos nas pacientes com LES. Esse resultado reforça a importância da construção de políticas públicas no Brasil que garantam, especialmente, o diagnóstico correto, o acesso ao tratamento adequado e completo com o fornecimento de medicação, exames e consultas pelo SUS, bem como ações de prevenção, proteção e qualidade de vida.

Com esse trabalho também referimos duas questões importantes levantadas.

A primeira delas é que sintomas depressivos medidos pelo BDI, como: distorção da imagem corporal, inibição para o trabalho, distúrbio de sono, fadiga, perda de apetite, perda de peso, preocupação somática, diminuição da libido, entre outros, se confundem com manifestações do LES. Logo, a depressão pode passar despercebida pelos médicos que acompanham o paciente.

A segunda é que não há um consenso entre a etiologia da depressão no LES, embora todos os estudos acessados estejam em concordância com os resultados aqui apresentados.

Podemos, assim, sugerir que o aparecimento de sintomas depressivos na população portadora de LES, tem um caráter multifatorial e multicausal, exigindo dos profissionais uma avaliação cuidadosa do paciente, não apenas no âmbito clínico, mas também considerando outros fatores de ordem psicossociais que podem estar atuando no surgimento ou mesmo agravamento dos sintomas.

A partir da literatura especializada, que embasou este trabalho, e dos resultados aqui apresentados, podemos pontuar que mais estudos são necessários para compreender o tipo de depressão, subconjunto dos sintomas, impacto da ideação suicida e sua relação com a atividade da doença no LES.

O desenvolvimento de diretrizes, baseadas em evidências, é necessário para melhorar o diagnóstico da depressão no LES. E como o risco de suicídio é alto, é importante uma avaliação sistemática para um diagnóstico precoce.

Como encaminhamento, podemos indicar a psicoterapia, a fim de que os pacientes possam desenvolver recursos para lidar com uma doença crônica, imprevisível e multissistêmica, bem como com as possíveis consequências físicas, emocionais e psicossociais dela decorrentes.

Grupos de apoio, podem ser criados e geridos dentro da instituição de saúde, sejam com a presença de profissionais das mais diversas áreas e/ou apenas profissionais da área de saúde mental. Esses grupos podem ajudar os pacientes no enfrentamento de problemas que possam estar corroborando com o surgimento e manutenção dos sintomas.

No cenário clínico, podemos pontuar que, caso esses pacientes não recebam a terapêutica adequada, podem permanecer menos propensos a aderir às recomendações de tratamento. Logo, podem sofrer agravamento da doença.

No que concerne ao apoio social, podemos afirmar que é uma construção complexa e multifacetada, ainda pouco investigado em pacientes com LES. Estudar esse tema é importante para elaborar e implementar intervenções que focam no apoio social para melhorar a saúde.

Essas intervenções podem ser inovadoras ou se pautar em experiências bem-sucedidas já em curso. Grupos de apoio na comunidade também podem atuar como suporte para os pacientes, corroborando para uma melhor educação em saúde para o LES, diminuindo o isolamento dos pacientes e facilitando uma maior coordenação dos encaminhamentos para consultas, exames e internações.

Por fim, é oportuno mencionar que, são necessários mais esforços para conseguir uma melhor caracterização da população com LES no Brasil, haja vista ao longo dos últimos anos, vários estudos, em diferentes países, terem demonstrado que pacientes com LES, quando comparados com pessoas sem essa patologia, necessitam de forma intensiva dos recursos de saúde, o que demanda em custos substanciais para o sistema público.

Logo, o avanço de pesquisas nessa área, especialmente sobre epidemiologia da doença, bem como uma maior compreensão da relação entre depressão e LES, e como o apoio social atua positivamente no enfrentamento da doença, podem corroborar com o desenvolvimento de estratégias de cuidado mais eficazes pelos profissionais de saúde.

Além disso, podem contribuir, ainda, para a criação de políticas públicas, favorecendo uma melhor assistência aos pacientes de forma integral. Infelizmente, os psicólogos ainda não se interessam de forma expressiva na publicação de estudos nessa área, especificamente quando trata-se de práticas interventivas.

Entre algumas limitações que podemos mencionar neste trabalho, temos que as conclusões resultaram de uma amostra pequena. Portanto, os resultados devem ser interpretados com cuidado. Somado a isso, os dados aqui expostos, foram autorrelatados, o que pode interferir nos resultados, uma vez que a percepção de um paciente com sintomas depressivos pode sofrer alteração.

 

AGRADECIMENTOS

Prof. Paulo Ricardo Bittencourt Guimarães e Ângelo Cabral do Departamento de Estatística de Universidade Federal do Paraná

 

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Recebido em 24 de Abril de 2015

Aceite em 26 de Dezembro de 2016

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