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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.2 Lisboa ago. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180206 

Consumo de álcool e tabaco e associação com outras vulnerabilidades em jovens

Alcohol and tobacco and the association with other vulnerabilities in young people

Karla Carolina Silveira Ribeiro1,2,*, Lidianny Braga Pereira1,3, Iria Raquel Borges Wiese1,4, Josevânia da Silva1,5, & Ana Alayde Werba Saldanha1,6

 

1Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa/PB, Brasil;

2 E-mail: karlacribeiro@yahoo.com.br;

3 E-mail: lidiannypsi@yahoo.com.br;

4 E-mail: irbwiese@yahoo.com.br;

5 E-mail: josevaniasco@gmail.com;

6 E-mail: analayde@gmail.com

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar a vulnerabilidade de jovens ao consumo de álcool e tabaco e suas implicações para outras vulnerabilidades. A amostra foi constituída de 8429 jovens, entre 14 e 20 anos de idade (M=16; DP=1,48), estudantes do ensino médio de escolas públicas do Estado da Paraíba, sendo 62% do sexo feminino. Foi utilizado um questionário estruturado com 23 questões, cujos dados foram analisados através de estatística descritiva uni e bivariada. O uso de álcool e o tabaco estiveram associados a comportamentos relacionados ao uso de preservativo, ao suicídio, bem como influenciou na avaliação acerca da vida e da saúde. Percebe-se que os jovens mostraram-se vulneráveis ao uso de álcool e tabaco, sendo a percepção positiva acerca dessas substâncias um aspecto motivador para o consumo, tornando-os mais suscetíveis a outras vulnerabilidades.

Palavras-chave: vulnerabilidade, jovens, álcool, tabaco, escolas públicas.

 

ABSTRACT

This study aimed at analyzing the vulnerability of young at the consumption of alcohol and tobacco, as well as the implications of that consumption in others vulnerabilities. The sample was constituted by 8429 students from public high school in Paraiba, of whom 5212 (61,8%) were females, with ages between 14 e 20 years old (M=16; DP=1,48). It was used a structured self-administered questionnaire containing 23 questions. The results were analyzed using descriptive, univariate and bivariate statistics. The use of alcohol and tobacco was associated with behaviors related to the use of condom, suicide, as well as the influence in the evaluation about life and health. It was noticed that the young have shown themselves vulnerable to alcohol, and tobacco, with positive perceptions about these substances, a motivating aspect for consumption, making them more susceptible to other vulnerabilities.

Key-words: vulnerability, young people, alcohol, tobacco, public schools.

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2010) concebe como jovens as pessoas na ampla faixa de 10 a 24 anos, conceito este adotado pelo Ministério da Saúde para embasar campanhas para este contingente. A adolescência integra a juventude, não se limitando a uma etapa cronológica, podendo ser mais um processo vivido distintamente pelas pessoas em busca de autonomia e estabelecimento de um projeto de vida individual (Brasil, 2010). Nesta fase, a necessidade de se sentir aceite pelos pares e definir sua identidade podem ser fatores facilitadores para o inicio precoce do consumo de álcool e tabaco, conforme estudos que apontam como influências determinantes da experimentação a pressão dos amigos e o ambiente familiar (Moreno, Ventura & Brêtas, 2009; Ramirez & Andrade, 2005). Observa-se que, quanto mais precoce o contato com essas drogas lícitas, maiores serão os riscos futuros de agravos à saúde, desencadeando consequências negativas para a vida adulta (Schenker & Minayo, 2005).

Aspectos específicos do contexto social, programático (disponibilidade de insumos) e do próprio indivíduo parecem contribuir para maior ou menor vulnerabilidade a certos padrões de consumo (Amato, 2010). Nesse sentido, considera-se que a vulnerabilidade é perpassada por características individuais, sociais e programáticas e refere-se à chance de exposição das pessoas ao adoecimento, como resultante de um conjunto de aspectos procedentes do indivíduo e sua relação com o coletivo (Ayres, 2003). No tocante à vulnerabilidade individual, dentre outros aspectos, busca-se compreender a associação entre crenças acerca dos efeitos positivos do álcool e tabaco, e seu consumo efetivo, o que é indissociável de uma análise acerca do acesso aos insumos de prevenção (educação, acesso aos serviços de saúde, entre outros), ou seja, a vulnerabilidade programática.

De acordo com o último levantamento realizado pelo Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) entre estudantes do ensino fundamental e médio de 27 capitais brasileiras, o álcool e o tabaco são as drogas que têm início mais precoce entre os jovens (Galduróz, Noto, Fonseca & Carlini, 2010). O Brasil tem cerca de 30 milhões de fumantes que estão expostos às doenças provenientes do fumo, o qual causa quase 50 patologias diferentes – principalmente as cardiovasculares, o câncer e doenças respiratórias. Entre os fumantes, cerca de 90% ficam dependentes da nicotina entre os 5 e os 19 anos de idade (AADS, 2010). Estes dados também são confirmados pela OMS (2010), ao afirmar que a grande maioria dos consumidores de tabaco adquiriu este hábito na juventude. Estima-se que 150 milhões de jovens consomem tabaco atualmente e esta cifra está aumentando, especialmente entre as mulheres jovens.

No que tange ao álcool, pesquisas da OMS (2010) sobre os riscos para a saúde do jovem, demonstram haver um crescimento do alcoolismo entre os jovens no mundo, sendo que o maior número de casos incide na faixa de 13 a 15 anos. Os resultados da pesquisa demonstraram que o álcool reduz o autocontrole e aumenta os comportamentos de risco, sendo a maior causa de traumatismo, principalmente no trânsito, violência e mortes prematuras. Além disso, muitos jovens quando estão embriagados "esquecem" do preservativo, o que contribui para maior vulnerabilidade às doenças sexualmente transmissíveis, à Aids e à gravidez não planejada. Estudos (Sher, 2006; Ponce, Andreuccetti, Jesus, Leyton, Muñoz, 2008) também apontam a associação entre consumo de álcool e maior vulnerabilidade a comportamentos relacionados ao suicídio, seja idealizar, planejar ou tentar suicídio.

Assim, nas últimas décadas novos enfoques e conceitos foram dados ao tema consumo de substâncias psicoativas, o qual esta sendo considerado um problema de saúde pública em todo o mundo (OMS, 2010; Ribeiro, Laranjeiras & Messas, 2012) Os novos conceitos visa melhorar a compreensão e tratamento deste problema, tendo em vista que anteriormente apenas os usuários pesado e dependentes de substâncias ilegais (cocaína, crack, êxtase, entre outras) eram foco do sistema de saúde. Atualmente o enfoque também é dado aos usuários de substancias legais (álcool e cigarro) e como estas se tornam porta de entrada para o consumo das demais (drogas ilícitas), principalmente pela ralação existente entre idade de iniciação ao consumo e dependência (OMS, 2010). Desse modo, não apenas os dependentes, mas também aqueles que apresentam problemas relacionados diretamente ao episódio de uso passaram a receber atenção da saúde pública Partindo destes pressupostos, este estudo procurou analisar a vulnerabilidade de jovens ao consumo de álcool e tabaco e suas implicações para outras vulnerabilidades no Estado da Paraíba (Ribeiro, Laranjeiras & Messas, 2012).

Partindo destes pressupostos, este estudo procurou analisar a vulnerabilidade de jovens ao consumo de álcool e tabaco e suas implicações para outras vulnerabilidades.

 

MÉTODO

Participantes

A população deste estudo é constituída por adolescentes (12 -20 anos), matriculados em escolas públicas do Estado da Paraíba, estimada em 235 mil jovens, segundo dados do Censo Escolar de 2006 (INEP – Ministério da Educação, 2007). Uma amostra representativa foi determinada por um processo de múltiplos estágios, estratificada por região geográfica do Estado da Paraíba e tamanho da escola. A unidade amostral foi, portanto, a turma escolar, mas a coleta e análise dos dados tiveram como unidade os alunos que concordaram em responder ao questionário e que atenderam aos critérios de inclusão neste estudo. O Quadro 1 mostra a unidade amostral e método de seleção por estágio.

 

 

O Estado da Paraíba tem 223 municípios, divididos em 4 mesoregiões (Mata Paraibana, Agreste, Borborema e Sertão) e 23 microregiões. A mesorregião do Sertão Paraibano é formada pela união de 83 municípios agrupados em sete microrregiões (Cajazeiras, Catolé do Rocha, Itaporanga, Patos, Piancó, Serra do Teixeira, Sousa). A mesorregião da Borborema é formada pela união de 44 municípios agrupados em quatro microrregiões: Cariri Ocidental, Cariri Oriental, Seridó Ocidental, Paraibano, Seridó Oriental Paraibano. A mesorregião do Agreste Paraibano é formada pela união de 66 municípios agrupados em oito microrregiões (Guarabira, Brejo Paraibano, Campina Grande, Curimataú Ocidental, Curimataú Oriental, Esperança, Itabaiana, Umbuzeiro). A mesorregião da Zona da Mata Paraibana é formada pela união de trinta municípios agrupados em quatro microrregiões: João Pessoa, Litoral Norte, Litoral Sul, Sapé. Estes dados podem ser observados no mapa a seguir:

Embora se tivesse planejado efetuar a coleta em duas cidades de cada microrregião do Estado, tal feito não foi possível em 03 microrregiões e em outras 11 só foi possível coletar em uma cidade. Esta impossibilidade se deve principalmente a inexistência de escolas com Ensino Médio nestas localidades, ainda que em algumas conste como existente na Secretaria de Educação. Sendo assim, foram coletados dados em 34 cidades pertencentes a 20 microrregiões do Estado da Paraíba.

Para estimativa do tamanho da amostra, ou seja, para determinar a representatividade do número de escolares de cada região geográfica em relação à população total, recorreu-se à estratégia sugerida por Gil (1999). O planejamento amostral foi efetuado considerando um intervalo de confiança de 95%; erro de 2% e a prevalência estimada em 50%.

Foram adotados os seguintes critérios de exclusão de escolares: recusa a participar do estudo; ausência de informações importantes no questionário (sexo e data de nascimento); questionários devolvidos com muitas questões em branco ou contendo respostas inválidas ou absurdas, que podem ser descritas como incoerentes, não correspondendo a realidade da população, ou dúbias.

Para a presente pesquisa foram coletados 9.083 questionários, dos quais 8.741 adolescestes corresponderam à amostra definitiva, devido a não adequação de alguns participantes, tendo em como primórdio os critérios citados acima. Dentre os mesmos á média de idade foi de 16 anos (DP = 1,48), variando de 14 a 20 anos, sendo 5212 (62%) do sexo feminino, alunos do primeiro ao terceiro ano do ensino médio, sendo 59% das cidades caracterizadas de pequeno porte e rural e 41% de médio e de grande porte (13). Observa-se ainda que 45% dos participantes se consideraram religiosos e 14% afirmaram não possuir nenhuma religião.

Material

Foi utilizado um questionário estruturado autoaplicável, construído com base no The Behavioral Risk Factor Surveillance System, BRFSS (USDHHS, 1999); Farias Jr. (2002); De Bem (2003) e Azevedo (2007). Este instrumento contem 23 questões, sendo 6 questões sócio e bio-demográficas; 10 questões acerca do consumo do álcool e do tabaco; e 7 questões que contemplavam outras vulnerabilidades (comportamento sexual, suicídio e qualidade de vida e saúde).

Procedimento

Recolha de dados

A partir da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, protocolo no 0908, foi feito contato com a Secretaria Estadual de Educação, a qual permitiu livre acesso as instituições publicas do Estado. Posteriormente obteve-se, também, autorização das escolas selecionadas e dos respectivos responsáveis legais dos adolescentes e o próprio assentimento dos mesmos.

Participaram da coleta de dados 10 pesquisadores treinados, que se deslocaram em equipes de dois a três, para as cidades selecionadas. O questionário foi aplicado em sala de aula em grupos de 20 a 40 alunos, com participação voluntária, sendo continuamente assistido pelo pesquisador para possíveis esclarecimentos de dúvidas e auxilio no preenchimento das informações. Para proceder ao levantamento das informações, inicialmente foram informados aos estudantes sobre os objetivos da pesquisa, esclarecendo que as informações fornecidas seriam mantidas em sigilo, não influenciando no seu desempenho escolar e que só seriam utilizadas para fins de pesquisa. Além disso, os alunos foram orientados para não se identificarem no questionário.

Análise dos dados

Os dados foram analisados através de estatística descritiva univariada (freqüência, percentual e medidas de tendência central, desvio padrão) e estatística bivariada (teste T de Student e Qui-quadrado) a fim de verificar a existência ou não de associações entre as variáveis do estudo. As análises estatísticas foram realizadas através do Pacote Estatístico para as Ciências Sociais (SPSS).

 

RESULTADOS

O uso de tabaco foi afirmado por 1099 (13%) dos estudantes pesquisados enquanto o uso de álcool foi declarado por 6136 (73%), com idade de iniciação, em média, aos 14 anos para ambos (DP = 1,9), sendo 7 e 9 anos as idades mínimas de iniciação para o álcool e tabaco, respectivamente. A prevalência de uso concomitante de álcool e cigarro foi de 17,3% (N=1065) em relação à amostra que afirmou já ter consumido álcool e/ou tabaco.

A iniciação no consumo de álcool e tabaco ocorreu durante a infância (até 11 anos de idade) para 7,5% e 6,8% dos jovens, respectivamente. A fim de verificar associações entre “ter consumido álcool” e “ter consumido tabaco” (no mínimo um cigarro inteiro), procedeu-se uma análise com o qui-quadrado, ao nível de significância de p < 0,05, a qual apontou a existência de uma relação significativa entre ambos os comportamentos (x² = 369,702; gl=1; p<0,001), ou seja, o consumo do tabaco está associado ao álcool, visto que 97% dos adolescentes que afirmaram ter feito uso do cigarro também fizeram uso do álcool.

Dentre os jovens que afirmaram ter feito uso do tabaco, 47% não têm o hábito de fumar diariamente, enquanto que 42,8% declarou consumir de 1 a 5 cigarros por dia, e 10,2% mais de 5 cigarros ao dia. Estes são, em sua maioria, comprados pelos próprios jovens (43,3%) ou obtidos através de terceiros (27,8%). Em relação aos que já ingeriram bebida alcoólica, 56,9% dos participantes afirmaram não ter consumido no último mês, 33,4% disseram ter ingerido entre 1 e 5 vezes e 9,6% mais de 6 vezes.

Os motivos para o consumo de bebida alcoólica citada pelos jovens foram: ficar alegres, simpáticos e animados (26,4%), de ser aceitos pelo grupo de amigos ou por influência destes (17,2%), ou ainda para esquecer os problemas (12,1%) e, por último, para ter relações sexuais (0,6%). As principais consequências causadas pela ingestão do álcool, referidas pelos participantes, foram a “ressaca” (indisposições orgânicas) (23,5%) e ter feito algo que não fariam se não estivessem sob o efeito da bebida alcoólica (10,6%).

A motivação para se ingerir bebida alcóolica entre os sexos, foram as mesmas, no entanto, constatou-se diferença estaticamente significativa entre os participantes masculinos e femininos frente a algumas motivações (x= 182,898; gl=6; p<0,001). Dentre os jovens que afirmaram consumir álcool a fim de ter relações sexuais e de se relacionarem socialmente, 80% e 66,2%, respectivamente, são do sexo masculino. Em relação aos que afirmaram utilizar tal bebida a fim de “esquecerem os problemas”, de ficarem alegres e animados, e de serem aceitos pelo grupo de amigos, as meninas são as que apresentam uma maior frequência, 64%, 60% e 56%, respectivamente.

Nessa direção, também foram verificadas algumas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos feminino e masculino em relação aos eventos decorrentes do consumo de bebida alcóolica (x²=189,678; gl=6; p<0,001). Dentre os participantes que declararam os acidentes de trânsito, prática sexual e brigas como consequências da utilização do álcool, os meninos obtiveram um maior percentual, 81,3%, 76,9% e 62,5%, respectivamente, do que as meninas. Estas, por sua vez, apresentaram uma maior frequência, dentre aqueles que afirmaram ter feito algo que não faria (53,3%) e “ressaca” (52,9%) como consequências do consumo da bebida alcóolica.

Ao se analisar a associação entre álcool, tabaco e algumas variáveis sócio-demográficas, foi possível identificar algumas características que contribuem para situações de vulnerabilidade entre os jovens, conforme demonstrado no Quadro 2.

 

 

Os dados apontaram que a maioria dos participantes, independente do sexo, afirmaram já ter consumido bebida alcoólica. Em relação ao consumo do tabaco, há uma redução significativa, embora ainda seja maior entre os homens. Nesse sentido, pode-se observar, através de análise inferencial (qui-quadrado), que o fato de já ter ingerido bebida, bem como já ter consumido ao menos um cigarro, foi maior para o sexo masculino (x²=33,32; gl=1; p<0,001) e (x²=104,24; gl=1; p<0,001), respectivamente, sendo essa diferença estatisticamente significativa em relação ao sexo feminino.

Verificou-se, uma relação estatisticamente significativa entre religião e experimentação de álcool (x²= 316,933; gl=4; p<0,001) e tabaco (x²=102,088; gl=4; p<0,001), denotando que há uma maior frequência da experimentação do álcool entre os que se declararam não possuir religião e os católicos, e menor frequência da experimentação do álcool entre os que se declararam evangélicos. Em relação ao tabaco, essa frequência é verificada também entre os sem religião e os espíritas.

A ideação suicida foi mencionada por 23,4 % dos usuários de tabaco e 88,1% dos usuários de álcool. Estatisticamente, foi verificada associação significativa entre o consumo de tabaco e a ideação suicida (x²=186,815; gl=1; p<0,001), planejamento suicida (x²=189,70; gl =1; p<0,001) e tentativa de suicido (x²=139,99; gl=1; p<0,001). Da mesma forma, o consumo de álcool está associado à ideação suicida (x²=227,860; gl=1; p<0,001), planejamento suicida (x²=145,66; gl=1; p<0,001) e tentativa de suicido (x²=91,63; gl=1; p<0,001).

A frequência dos que afirmaram já ter consumido álcool (x²=528,92; gl=1; p<0,001) ou tabaco (x²=616,13; gl=1; p<0,001) é maior dentre os jovens sexualmente ativos do que os que não tiveram iniciação sexual. Acerca de práticas preventivas, foi observado que a maioria dos participantes, 92,1% dos que consumiram álcool e 30,5% dos que consumiram tabaco, declarou ter utilizado o preservativo “algumas vezes”, sendo esta diferença estatisticamente significativa em relação às outras respostas (“sempre” e “nunca”) (p<0,001).

A avaliação da vida foi positiva tanto para usuários como para não usuários de álcool e de tabaco. No entanto, os não usuários de álcool (t(8408)=8,75; p<0,001) e de tabaco (t(8421) =5,40; p<0,001) fizeram uma avaliação mais positiva. Essa diferença não foi observada entre os grupos que já consumiram e não consumiram tabaco (t(8421)=0,18; p=0,85). Estes dados podem ser observados no Quadro 3.

 

 

No item avaliação da saúde, em ambas as variáveis (álcool e tabaco), tanto os jovens que fizeram uso quanto os que não fizeram avaliaram positivamente a saúde. Por outro lado, foi verificada diferença estatisticamente significativa entre o nível de religiosidade, sendo maior entre os não usuários de álcool (t(8408)=8,77; p<0,001) e tabaco (t(8421)=9,51; p<0,001).

DISCUSSÃO

A partir dos resultados apresentados, verifica-se a adequação do conceito de vulnerabilidade para o entendimento da problemática em questão, ou seja, a vulnerabilidade dos participantes deste estudo ao consumo de álcool e tabaco, uma vez que os dados apontam para três planos interdependentes e indissociáveis: o individual, o social e o programático/institucional. No plano individual, verificaram-se aspectos associados às práticas de consumo de álcool e tabaco entre jovens que, embora se tratando da ação voluntária dos mesmos, não é, em última análise, determinado por fatores restritos aos indivíduos, sendo necessário considerar as condições objetivas de vida, como educação, contexto familiar, acesso a serviços preventivos de saúde, dentre outros. Para além de demonstrar aspectos da vulnerabilidade ao uso de álcool e tabaco entre os jovens, buscou-se demonstrar a associação de tais práticas com outras vulnerabilidades.

O início do consumo de álcool pelos participantes foi considerado precoce, característica também observada no Levantamento Nacional sobre os padrões de consumo de álcool na população brasileira (Laranjeira, Pinsky, Zaleski & Caetano, 2007), que apontou a iniciação aos 14 anos de idade. Para alguns dos jovens entrevistados, o primeiro consumo de álcool e tabaco acorreu na infância, por volta dos oito anos de idade. Nessa direção, levantamento realizado pelo CEBRID com estudantes do ensino fundamental e médio constatou médias de idade na iniciação do consumo de álcool e tabaco inferiores a 14 anos, em torno de 12,5 e 12,8 anos respectivamente (Galduróz et al., 2004).

Políticas públicas tendo em vista o adiamento da iniciação do consumo apresentam significativa importância uma vez que a experimentação precoce de tais substâncias pode contribuir para o desenvolvimento de hábitos regulares de consumo. Há que se considerar que, dentre os participantes que afirmaram ter consumido álcool e tabaco no último mês, 33,4% e 42% respectivamente tinham feito o consumo regular dessas substâncias. Nessa direção, estudo realizado com jovens de uma capital do Nordeste brasileiro demonstrou que, dentre os participantes que relataram ter experimentado o uso de cigarro, 20,4% desenvolveram o hábito de fumar e 28,4% iniciaram o uso entre 11 a 13 anos (Machado Neto & Cruz, 2003).

Numa perspectiva preventiva, mais que se verificar os índices e o perfil acerca do consumo de álcool e tabaco entre os jovens, há que se considerar os aspectos sociais que contribuem para maior vulnerabilidade ao consumo dessas substâncias nesse grupo etário. A partir dos resultados, verificou-se que um dos aspectos que contribui para o consumo é a percepção acerca dos efeitos positivos do álcool. Para os jovens paraibanos, aspectos como a busca por sensação de bem-estar, práticas sexuais e o melhor enfrentamento de problemas estiveram entre os motivos para beber. Assim, anterior ao comportamento de consumo, estão às crenças compartilhadas e as expectativas acerca dos efeitos positivos do álcool, muitas vezes, compartilhadas e reforçadas socialmente. Estudos anteriores (Oliveira, Soibelmann & Rigoni, 2007; Peuker, Rosemberg, Cunha & Araujo, 2010) já demonstraram que a expectativa acerca dos efeitos positivos do álcool constitui-se uma variável mediadora de vulnerabilidade ao alcoolismo, ou seja, um nível médio de expectativas mais elevado corresponde, na maioria das vezes, a maior ingestão de álcool.

Os dados demonstraram que o consumo, principalmente, de álcool também esteve associado às relações sexuais sem uma constância na utilização dos preservativos, aumentando as chances de exposição às DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis). Esta relação entre sexo desprotegido e uso de álcool parece ser afetado, em parte, pela quantidade de álcool consumido, interferindo na elaboração do pensamento crítico em que se pesem as consequências para os atos (Ribeiro, Silva & Saldanha, 2011). Dessa forma, acredita-se que a ação de drogas como o álcool, capaz de causar desinibição e aumento do desejo sexual, deixe os indivíduos (em especial os adolescentes) mais propensos a práticas sexuais de risco.

Além das implicações para as práticas sexuais, estudos (Faden, 2005; Strauch, Pinheiro, Silva & Horta, 2009; Moreno, Ventura & Brêtas, 2010) têm apontado que o uso do álcool está comumente associado a problemas sociais, como dirigir alcoolizado, agressões físicas e embriaguez, aspectos que também foram observados entre os jovens deste estudo, com maior relato entre os homens. Este dado pode estar relacionado às questões de gênero, como a perspectiva do machismo e do poderio vinculado ao sexo masculino, que segundo Priore (2011) se demarca ainda de forma bem explicita nas características apresentadas pela população brasileira.

Ao se avaliar o consumo de álcool e tabaco em razão do sexo, os resultados são corroborados por outros estudos (Amaral & Saldanha, 2006; Cardoso, Malbergier & Figueiredo, 2008), demonstrando que o consumo masculino foi significativamente superior aos das mulheres para ambas as substâncias. Entretanto, essa diferença não foi percebida em estudo realizado por Moreno et al. (2010) com jovens de São Paulo. Para esses autores, embora pesquisadores nacionais e internacionais afirmem que homens bebem e/ou fumam mais do que as mulheres, na sociedade pós-moderna verifica-se que o público feminino jovem, atualmente, constitui-se um grupo social de expansão no consumo de substâncias psicotrópicas, destacando-se o álcool e tabaco (Moreno et al., 2010). Contudo, no Brasil, estas diferenciações devem ser analisadas a partir as diferenças regionais. Os dados do presente estudo foram coletados na região nordeste, diferente do estudo de Moreno et al. (2010) que se realizou no sudeste. Segundo Priore (2011), a região nordeste ainda é demarcada por uma maior estruturação dos papeis de gênero, demarcando o domínio masculino e feminino nas relações sociais e as classificações dos comportamentos segundo estas normas.

Verificou-se, ainda, que o álcool esteve associado a maior vulnerabilidade a danos físicos, para a saúde, dentre outros. Nesse contexto, aspectos da vulnerabilidade social podem aumentar ou diminuir as chances de exposição dos jovens ao consumo de álcool ou tabaco, como o grupo ou o ambiente de convívio social, a facilidade no acesso às substâncias, bem como o acesso reduzido às informações sobre o uso do álcool e tabaco e suas consequências. Numa perspectiva da vulnerabilidade programática, considera-se a implementação e efetivação de políticas públicas voltadas para esta problemática, bem como a fiscalização no cumprimento das mesmas. Ademais, as investigações (Priore, 2011; Amaral & Saldanha, 2006; Cardoso et al., 2008) centradas nas especificidades de gênero sugerem que estas políticas públicas levem em conta os aspectos motivadores que caracterizam e diferenciam o consumo do álcool entre homens e mulheres, os quais estão associados às consequências diferenciadas, conforme demonstrado acima.

Outro aspecto verificado foi a associação destas drogas lícitas com a ideação suicida, podendo-se considerar, dentre as razões para tal associação, as crenças, por parte dos jovens, de que estas substâncias são um mecanismo de escape ou de vasão as demandas sociais e psicológicas; isto é, um meio pelo qual poderiam enfrentar as dificuldades e as cobranças de cunho pessoal (aparência, status, pertença ao grupo) e social (problemas familiares, conflitos frente às expectativas dos pais e amigos). A literatura (Sher, 2006) aponta que pessoas com dependência ao álcool têm 60 a 120 vezes maior probabilidade de realizarem tentativas de suicídio que a população abstêmia. Pesquisa brasileira realizada por Vieira, Aerts, Freddo, Bittencourt e Monteiro (2008) com jovens, demonstrou que a prevalência do uso de tabaco e álcool nos últimos trinta dias esteve associada à presença de sentimentos de tristeza, solidão, dificuldade para dormir e ideação suicida. Não obstante, cabe verificar se o álcool e o tabaco é o fator desencadeante para o aparecimento da ideação suicida ou são apenas consequências de uma visão negativa sobre si e o meio, o que sugere avaliações mais específicas sobre esta temática, aspectos que este estudo não abarcou.

Similar ao encontrado na literatura (Galduróz et al., 2010), o consumo de álcool e tabaco foi maior entre os jovens que se declararam sem religião. No mais, embora a autopercepção do nível de religiosidade tenha sido alta – “religiosos” ou “muito religiosos” – para ambos os jovens, ou seja, consumidores ou não de tais substâncias, os jovens quenão consumiram álcool apresentaram índices ainda maiores no nível de religiosidade. Desse modo, verifica-se que a religião esteve associada ao menor consumo de álcool e tabaco, não sendo claro, todavia, os aspectos implicados em tais resultados; isto é, se tais resultados decorrem da participação e compartilhamento coletivo de crenças entre grupos religiosos ou se é relativo às características pessoais, como a relevância que o indivíduo atribui à religião, não sendo, todavia, indissociável a relação entre ambos os aspectos.

No Brasil, algumas pesquisas indicaram que a educação religiosa recebida durante a infância esteve associada ao baixo uso de drogas por jovens (Dalgalarrondo, Soldera, Corrêa Filho, & Silva, 2004; Bezerra et al., 2009). No entanto, segundo Bezerra et al. (2009), se por um lado as doutrinas das diferentes religiões, ao prescreverem acerca de condutas danosas à saúde, podem ser um fator de proteção, por outro podem ser um fator de vulnerabilidade ao prescreverem outras práticas, como as proibições relativas ao uso de preservativo.

De outro modo, embora tenha ocorrido uma associação entre álcool e comportamentos relacionados ao suicídio, foram observadas avaliações positivas acerca da vida e da própria saúde, tanto para os jovens que fizeram uso de álcool ou tabaco quanto para aqueles abstêmios de tais substâncias. Diferente do estudo realizado por Loch e Possamai (2007) com jovens, no qual demonstrou uma maior proporção de percepção positiva de saúde entre aqueles que faziam o uso abusivo do álcool, no presente estudo a avaliação positiva acerca da saúde foi menor entre os jovens que fizeram uso de álcool, porém foi maior entre os consumidores de tabaco. A esse respeito, estudo desenvolvido por Eigenbrodt et al. (2006) demonstrou que a percepção de saúde não esteve associada à mudança no padrão de consumo de álcool, ou seja, a percepção de saúde não foi influenciada nem pelo consumo, nem pelo abandono do mesmo. Em geral, verifica-se que os jovens não percebem o consumo álcool ou tabaco como comportamento que pode ser nocivo à saúde, sendo até considerado por muitos jovens um padrão de comportamento que expressa saúde e bem-estar (Eigenbrodt et al., 2006). Além disso, parte das implicações para a saúde decorrentes do uso abusivo do álcool ou tabaco não ocorrem de imediato, principalmente por se tratar de pessoas jovens, o que pode contribuir para uma avaliação positiva acerca da sua saúde.

Portanto, a partir do que fora exposto, dentre outros aspectos individuais, sociais e programáticos, a vulnerabilidade dos jovens ao consumo de álcool ou tabaco decorreu, em parte, da facilidade no acesso às substâncias, sendo a percepção acerca dos efeitos positivos do álcool ou tabaco um dos aspectos que contribuiu para o consumo. Tal consumo esteve associado a outras vulnerabilidades como situações de violência, não uso do preservativo e comportamentos relacionados ao suicídio. Nesse contexto, a religiosidade e a religião apresentaram-se como fator de proteção, sugerindo-se estudos que analisem quais aspectos da religião ou religiosidade estão envolvidos nesse processo, bem como sua relação com atributos individuais e/ou grupais, sem, contudo, estabelecer dicotomias.

Numa perspectiva da vulnerabilidade programática, destaca-se a inobservância da lei, a qual proíbe a venda de álcool ou tabaco para menores de 18 anos. Estes resultados apontam a necessidade de buscar formas efetivas de prevenção do consumo do álcool e do tabaco pelos jovens. Espera-se que estes dados instiguem na realização de outros estudos, ampliando e subsidiando as políticas públicas neste âmbito.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 28 de Janeiro de 2014

Aceite em 13 de Abril de 2017

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