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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.2 Lisboa ago. 2017
https://doi.org/10.15309/17psd180207
Treino de memória em idosos: o tablet como ferramenta de intervenção
Memory training in elderly: using the tablet as a tool for action
Muriane Zimmer1,2, Ana Carolina Bertoletti De Marchi1,3,*, & Eliane Lucia Colussi1,4
1Universidade de Passo Fundo – BR 285, Bairro São José, CEP 99052-900 - Passo FundoRS, Brasil.
2e-mail: murianez@gmail.com;
3e-mail: carolina@upf.br;
4e-mail: colussi@upf.br
Endereço para Correspondência
RESUMO
Ao longo do processo de envelhecimento humano algumas funções cognitivas sofrem alterações, entre elas a memória. Estudos sugerem que o declínio desta função pode ser atenuado por meio de intervenções cognitivas. O objetivo deste trabalho foi verificar o uso do tablet como ferramenta de intervenção em treino de memória com idosos. Participaram 16 idosos com perfil cognitivo normal e sem sintomatologia depressiva, os quais foram divididos por conveniência em Grupo Intervenção Convencional (GIC) e Grupo Intervenção Tablet (GIT) e submetidos a um programa de treino de memória específico. Ambos os grupos realizaram avaliação pré-intervenção seguido por quatro sessões de treinamento e reavaliação pós-intervenção. Os mesmos foram submetidos à avaliação por meio da aplicação de um Questionário Sociodemográfico, Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15) e Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Para a avaliação da memória foram utilizados o Teste de Aprendizado Auditivo Verbal de Rey (RAVLT) e Teste Pictórico de Memória (TEPIC – M). Os resultados apontaram que a melhora de desempenho após as intervenções foi semelhante nos dois grupos. O uso do tablet gerou o mesmo padrão de resultados comparado ao treino convencional, indicando que o mesmo pode se tornar uma ferramenta adequada para intervenção com idosos visando o treino de memória.
Palavras-chave: Envelhecimento, Treino de memória, Tecnologia, Cognição.
ABSTRACT
During the process of human aging, some cognitive functions are altered, including memory. Therefore, studies suggest that this function decline can be soft by cognitive interventions. The aim of this study was to investigate the use of the tablet as an intervention tool in memory training with the elderly. 16 older adults with normal cognitive profile and without depressive symptoms participated in this study and were divided for convenience into conventional intervention group (GIC) and tablet intervention group (GIT) and were submitted to a specific memory training program. Both groups performed a pre - test followed by four sessions of intervention and a post intervention reassessment. They were evaluated by applying a Sociodemographic Questionnaire, Geriatric Depression Scale (GDS - 15) and Mini Mental Status Examination (MMSE). For the memory evaluation it was used The Rey Auditory Verbal Learning (RAVLT) and Pictorial Test of Memory (- TEPIC M). The results showed that the performance improvement after the intervention was similar in both groups. The tablet use has generated the same pattern of results compared to conventional training, indicating that it can become an appropriate tool for intervention targeting the elderly memory training.
Keywords: Aging, Memory training, Technology, Cognition.
Ao longo do processo de envelhecimento ocorre um declínio cognitivo que compreende desde pequenos déficits atencionais ou de memória até comprometimentos maiores, como as demências. A memória é uma das funções cognitivas que mais apresenta queixas ao longo da vida, as quais podem indicar alterações normais do envelhecimento, mas também sinalizar o início de um quadro patológico (Rabelo, 2009).
Segundo Baltes (1994), a capacidade de reserva cognitiva pode ser mobilizada e, até mesmo, melhorada por meio de treinamento. O treinamento cognitivo pode ser compreendido como um processo ativo de educação e capacitação (Freire et al., 2008). Em especial sobre treino de memória, Olchik et. al. (2012) ressaltam que o objetivo é aprimorar o funcionamento tanto em indivíduos normais como em indivíduos com Comprometimento Cognitivo Leve (CCL). Para tanto, as intervenções podem variar com o uso de estratégias mnemônicas (Olchik et al., 2012), de rememoração do conteúdo aprendido (Stuss et al., 2007), de simulação de atividades da vida real (Levine et al, 2007), ou com multi-estratégias (Youn, Lee, Kim, & Ryu, 2011). Ainda, estes treinos podem incluir apenas uma determinada tarefa ou diversas tarefas de memória, de modo individual ou coletivo.
A estimulação cognitiva em idosos está associada a um menor risco de declínio cognitivo e uma menor incidência de quadros depressivos, como aponta o estudo de Apóstolo, Cardoso, Marta e Amaral (2011), a uma melhora da autonomia e do sentimento de vulnerabilidade, como nos trabalhos de Valentijn et al. (2005) e Van Hooren (2007), e a um aumento na capacidade de raciocínio e na velocidade de processamento, como identificado por Ball et al. (2002).
Ball et al. (2002) foi responsável por um dos principais estudos na área, envolvendo aproximadamente 2800 idosos entre 65 e 94 anos com bom estado cognitivo. As intervenções foram aleatoriamente propostas: 10 sessões de memória (memória episódica verbal, n = 711), raciocínio (capacidade de resolver problemas que seguem um padrão de série, n = 705), ou velocidade de processamento (busca visual e identificação, n = 712), contando com um grupo controle com n = 704. Todos os grupos que sofreram intervenção demonstraram melhora sob os aspectos cognitivos sendo estatisticamente demonstrado por: 26% no treino de memória, 74% sob a capacidade de raciocínio e 87% da velocidade de processamento.
Em um estudo de revisão sobre o tema, Olchik et al. (2012) ressaltam que o primeiro estudo brasileiro de treino de memória foi o desenvolvido por Wood et al. (2000) em uma população composta de idosos saudáveis e que tinha por objetivo verificar a influência do treino da velocidade de processamento na memória de trabalho. Entre outros precursores destacam-se os trabalhos realizados por Lasca (2003) e Yassuda, Tavares-Batistoni, Fortes e Neri (2006). No entanto, esses estudos oferecem programas de treinamento com um número limitado de sessões, não havendo a possibilidade de mensurar os ganhos em longo prazo e todos eles se apresentam de maneira convencional.
Mais recentemente, o estudo de Irigary, Gomes e Schneider (2012) buscou verificar os efeitos de um treino de atenção, memória e funções executivas na cognição de idosos saudáveis. Participaram 76 idosos, divididos em grupo experimental (GE) e grupo controle (GC). O GE recebeu doze sessões de treino de atenção, memória e funções executivas. As sessões foram divididas em três partes de aproximadamente 30 minutos cada. Os resultados demostraram que o GE apresentou melhor desempenho em tarefas de atenção, memória de trabalho, linguagem (inferências e escrita espontânea), praxia construcional, resolução de problemas e funções executivas.
Atualmente, estudos vêm demostrando que treinos cognitivos aliados com tecnologias provocam mudanças positivas na memória de idosos, além de provê-los com habilidades tecnológicas úteis para facilitar as atividades diárias (Chan et al., 2014). Flak (2014) avaliaram a eficácia de um treino da memória de trabalho baseado em um programa de computador. O estudo contou com 90 idosos com CCL distribuídos aleatoriamente em dois grupos. Ambos utilizaram o programa por aproximadamente 30 a 40 minutos por dia, cinco dias por semana durante cinco semanas. Para o grupo intervenção, o programa era adaptável, aumentava o nível de dificuldade das tarefas durante as intervenções. Como resultados, os autores apontaram que o treino baseado em computador acarreta mudanças positivas na memória e pode representar uma nova forma de tratamento eficaz.
O estudo de Chan e colaboradores et al. (2014) utilizou tablet com idosos para verificar os benefícios na cognição e na função cotidiana. Para os autores, o uso de tablet é flexível para executar várias tarefas associadas com a vida diária. Foram 54 adultos mais velhos (60-90) divididos em três grupos: grupo iPad e dois grupos controle. Um grupo placebo se envolveu em tarefas que não exigem nova aprendizagem; e outro teve a interação social regular, mas sem aquisição de habilidades ativas. O grupo iPad participou de um programa de 10 semanas, onde passavam pelo menos 15 horas por semana aprendendo um conjunto de habilidades associadas com o dispositivo. Em comparação com os dois controles, o grupo iPad demonstrou maiores melhorias na memória episódica e na velocidade de processamento, mas não diferiu no controle mental ou no processamento viso espacial. Como conclusão os autores apontaram que o treino com uso de tablet melhorou a cognição por meio do engajamento produtivo e forneceu um benefício adicional de domínio tecnológico entre os adultos mais velhos, aumentando a independência e melhorando a qualidade de vida percebida.
Diante deste contexto, o presente trabalho teve como objetivo verificar o uso do tablet como ferramenta de intervenção em treino de memória com idosos. Para tanto, foi comparada a eficácia de um treino de memória com e sem o uso do dispositivo, utilizando duas estratégias convencionais para treino de memória, de forma individual.
MÉTODO
Participantes
A amostra inicial foi composta por 23 idosos, com idades entre 60 e 78 anos, recrutados nas oficinas do Centro Regional de Estudos e Atividades para a Terceira Idade (CREATI) da Universidade de Passo Fundo – RS. Os participantes foram divididos em Grupo Intervenção Convencional (GIC) e Grupo Intervenção Tablet (GIT) por meio da técnica de amostragem por conveniência.
Para compor os grupos, os participantes responderam a um questionário sociodemográfico e de caracterização da amostra e foram pré-avaliados com o objetivo de selecionar idosos com perfil cognitivo normal e sem sintomatologia depressiva. Ainda como critério de seleção, optou-se por elencar a frequência (pelo menos uma vez por semana) de contato com o computador, para fins de distribuição dos sujeitos nos grupos.
Os critérios de exclusão contemplaram os casos em que os sujeitos autorelataram depressão, história prévia de transtorno psiquiátrico ou doença neurológica, entre outras patologias que indiquem incapacidade para a realização da atividade. No decorrer da intervenção, sete idosos deixaram de participar por acumularem mais de duas faltas consecutivas e/ou abandono, seus dados não foram incluídos nas análises. A amostra final contou com 16 indivíduos, todos do sexo feminino.
Material
Para caracterizar os sujeitos da amostra:
Questionário sociodemográfico e de caracterização da amostra: desenvolvido pelas pesquisadoras. Conta com perguntas sobre idade, sexo, escolaridade, profissão, estado civil, renda, doenças pré-existentes, tratamento médico em andamento, medicações utilizadas e queixas cognitivas, em especial as de memória (no caso de existir queixas, frequência e dificuldades acarretadas).
Para averiguar os critérios de inclusão foram utilizados:
Mini Exame do Estado Mental - MEEM (Folstein, Folstein, & McHugh, 1975): teste de rastreio para identificar alterações cognitivas. Ele verifica a integridade das funções cognitivas, avaliando as funções: orientação temporo espacial, memória, atenção, cálculo, linguagem e praxia construtiva, distribuídas em onze tarefas, com uma pontuação que pode variar de 0 a 30 pontos. A versão validada para a população brasileira por Bertolucci, Brucki, Campacci, & Juliano (1994) e aprimorada por Brucki, Nitrini, Caramelli, Bertolucci, & Okamoto (2003), sugere pontos de corte relacionados aos anos de escolaridade dos sujeitos, os quais foram utilizados neste estudo para averiguação do critério de inclusão. Neste caso, 24 pontos para ensino fundamental e 28 pontos para ensino médio e superior.
Escala de Depressão Geriátrica - GDS-15 (Yesavage et al., 1983): utilizada como ferramenta de diagnóstico para sintomatologia depressiva em estudos que envolvem idosos. A pontuação de corte é superior a cinco pontos e sua versão reduzida foi validada por Sheikh & Yesavage (1986). Neste estudo foi utilizado o mesmo ponto de corte.
Para avaliar a memória foram aplicados os seguintes instrumentos:
Etapas 1 a 6 do Teste de Aprendizado Auditivo Verbal – RAVLT (Rey, 1964): avalia os componentes de memória, considerando a capacidade de rememoração de um conteúdo, o índice de interferência proativa (capacidade do indivíduo em resistir à interferência de um conteúdo anteriormente aprendido sobre a aprendizagem de um novo conteúdo) e o índice de interferência retroativa (a interferência de um novo conteúdo na aprendizagem de um conteúdo anteriormente aprendido). No Brasil, o RAVLT foi traduzido, adaptado e normatizado por Malloy-Diniz et al. (2000). Posteriormente, o mesmo autor realizou um novo estudo desenvolvendo uma versão adaptada (Malloy-Diniz et al., 2007).
Teste Pictórico de Memória - TECPIC-M (Rueda & Sisto, 2007): avalia a capacidade do indivíduo recuperar uma informação num curto período de tempo por meio de estímulos figurais representando substantivos concretos.
Etapas 7 e Reconhecimento do Teste de Aprendizado Auditivo Verbal – RAVLT (Rey, 1964): com a finalidade de identificar a vulnerabilidade do conteúdo aprendido com o passar do tempo.
A aplicação do TEPIC-M entre as etapas 1 a 6 e 7 e Reconhecimento do RAVLT configura, propositalmente, o objetivo de examinar a capacidade do indivíduo a resistir às interferências e a vulnerabilidade do conteúdo apreendido com a passagem do tempo.
Procedimento
Todos os idosos realizaram a avaliação inicial com vistas a averiguar os critérios de inclusão. Aqueles que foram incluídos na pesquisa responderam ao questionário sociodemográfico e de caracterização da amostra e foram divididos em:
a) Grupo Intervenção Convencional (GIC): realizaram a avaliação pré-intervenção e, em seguida, participaram do programa de treino de memória convencional, sendo reavaliados na pós-intervenção.
b) Grupo Intervenção Tablet (GIT): realizaram a avaliação pré-intervenção e, em seguida, participaram do programa de treino de memória com o uso do tablet, sendo reavaliados na pós-intervenção.
A avaliação inicial e os testes pré e pós-intervenção foram realizados pela pesquisadora responsável com o auxílio de duas estudantes de psicologia, bolsistas de iniciação científica.
O programa de intervenção contou com quatro sessões de treino de memória, com duração de 30 minutos cada, divididas em duas categorias. As técnicas utilizadas foram baseadas em treinos convencionais de memória, a saber:
Categoria textual: consiste em quatro listas de supermercado contendo 20 palavras cada, originalmente criadas por West & Thorn (2001) e utilizadas em outro estudo por Yassuda, Lasca, & Neri (2005).
Categoria visual: consiste em quatro pranchas criadas por uma artista plástica com 15 figuras cada, adaptadas a partir do estudo realizado por Erzigkeit (2001) e utilizadas por Carvalho (2006).
O conteúdo do programa de intervenção foi o mesmo, tanto para o GIC como para o GIT, porém com recursos diferentes. A versão utilizada com o GIC consistiu na reprodução do material impresso em folhas de papel A4 plastificada – 75grs, com as mesmas dimensões da tela do tablet.
Para o desenvolvimento do aplicativo utilizado pelo GIT no tablet foram utilizados: a linguagem HTML, para estruturação e marcação de conteúdo; as folhas de estilo CSS, para a definição de layout e apresentação do documento e o framework PhoneGap. A criação se deu em parceria com o Curso de Ciência da Computação da Universidade de Passo Fundo - RS e com a colaboração de dois alunos bolsistas. Foi desenvolvido para execução em um tablet Samsung Galaxy Tab 10 com sistema em Android 4.0, executável em outros dispositivos com a mesma dimensão. A tela LCD touchscreen possui 10.1 polegadas de 1280x800 pixels de resolução e dimensões aproximadas de 175(A) x 257(L) x 9.7(P) mm. O aplicativo foi registrado no INPI, sob o número BR 51 2014 000762-6.
Antes da intervenção, foi realizado um estudo piloto (Zimmer, Trombetta, Biduski, De Marchi, & Colussi, 2013) com vistas a testar a confiabilidade do material utilizado e dos testes, bem como orientar os demais componentes da equipe quanto aos procedimentos propostos. Os resultados apontaram a necessidade de reduzir a lista de palavras de 35 para 20, evitando a rolagem da tela; e de ajustes na tela de feedback, para melhorar a compreensão dos resultados por parte dos participantes.
Após a implementação dos ajustes, os participantes deste estudo manusearem os recursos específicos de seu grupo. Em ambos os grupos a pesquisadora orientou verbalmente sobre a realização do treino, solicitando que os idosos interpretassem as mesmas e concluíssem a atividade no tempo estabelecido.
Inicialmente, os participantes do GIT foram apresentados a uma tela de boas-vindas com a opção de escolher a realização do treino de palavras ou figuras, e qual das listas desejava utilizar. Com a escolha efetivada, o aplicativo exibia por um determinado tempo as palavras e figuras para memorização. Após, era disponibilizada uma nova lista de palavras e figuras com distratores (palavras e figuras não apresentadas nas telas de memorização), onde deveriam ser identificados os itens apresentados na tela de memorização. Nesta etapa, assim como na anterior, também havia um tempo limitado para resposta de 60 segundos para a lista de palavras e 30 segundos para as figuras. No final eram informados aos participantes os itens corretos assinalados.
O GIC recebeu as mesmas orientações, mas tanto a memorização quanto as respostas, foram apresentadas em material impresso, fazendo uso de lápis. O tempo limite para memorização e respostas era o mesmo do tablet e foi controlado com auxílio de um cronômetro.
Todos os resultados foram registrados em folhas de controle individual e depois transcritos para uma planilha Excel. Estes registros permitiram realizar as inferências.
Análise dos dados
Para analisar as relações de dependência entre as variáveis categóricas (dados sociodemográfico e perfil cognitivo) e numéricas (resultados pré e pós-intervenção), foram utilizados os seguintes testes de hipóteses: estimativas, medidas de associação univariada e multivariada, regressão e correlação.
As variáveis categóricas estão expressas como frequência absoluta e relativa e as numéricas como mediana (percentil25 – percentil75). As associações entre variáveis categóricas e método de treinamento foram testadas utilizando-se teste Qui-Quadrado de Pearson e entre variáveis numéricas e método de treinamento utilizando-se teste U-de Mann Whitney. Foram considerados como significativos testes com valor de probabilidade < 0,05.
Considerações Éticas
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Passo Fundo – RS, sob parecer número 231.483. Todos os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
No Quadro 1 estão descritos os resultados referentes à caracterização da amostra.
Quanto à escolaridade, nota-se que no GIC nenhum sujeito tinha ensino superior e 66,7% tinham nível fundamental e médio de ensino. No GIT quatro idosos relataram ter ensino superior. Quanto à renda familiar, o GIC apresentou mais sujeitos na faixa de renda entre R$ 1.200,00 e 2.400,00 e o GIT renda acima de R$ 2.400,00. Em relação à profissão exercida, a maioria dos participantes do GIC (n = 6) era “do lar” e do GIT (n = 4) “professor”. Apesar dos sujeitos que pertenciam ao GIT terem escolaridade e renda maiores que aqueles do GIC, essa diferença não foi estatisticamente significativa.
Na avaliação inicial (pré-intervenção) com o uso do MEEM e GDS-15, constatou-se que os sujeitos, independente do grupo de intervenção, constituíam uma amostra semelhante, já que os valores obtidos não revelaram diferença estatística, conforme Quadro 2.
O Quadro 3 descreve os resultados obtidos em cada uma das sessões de intervenção. Observou-se que os indivíduos do GIT obtiveram número significativamente maior de acertos na Lista 2: 14,5 (13,0 – 15,0) vs 12,5 (10,5 – 13,8), p = 0,021; na Lista 3: 14,0 (13,3 – 15,0) vs 12,0 (10,3 – 12,8), p = 0,007 e na Figuras 3: 10,0 (9,5 – 10,0) vs 9,0 (9,0 – 9,0), p = 0,028. Não se observou diferença estatisticamente significativa entre os grupos de intervenção com tablet e convencional quanto à Lista 1, Lista 4, Figuras 1, Figuras 2 e Figuras 4, respectivamente.
O Quadro 4 apresenta o resultado dos testes RAVLT e TEPIC-M pré e pós-intervenção. Pode-se visualizar que os indivíduos treinados com tablet apresentaram número de acertos significativamente maior quando comparados àqueles treinados do modo convencional no Total de Acertos (A1+A2+A3+A4+A5) do RAVLT, tanto antes (p = 0,010) quanto após a intervenção (p = 0,005). Ainda, podemos observar que para se estimar a variação no número de acertos controlada para diferenças pré e pós-intervenção, apesar de não estatisticamente significativa, o GIT obteve ganho maior que o GIC (p = 0,161)
Quando avaliada a interferência proativa dos participantes, nota-se que a mediana de diferença pré e pós-intervenção mostrou-se não significativa, sendo igual a 0 e o p = 0,645, porém cabe destacar que o GIT apresentou um aumento no número de acertos.
Já na avaliação da interferência retroativa, o GIC apresentou uma diferença de 0,1 pré e pós-intervenção, porém o GIT obteve decréscimo no número de acertos pós-intervenção de 0,2. A análise estatística revela que essa diferença foi significativamente estatística (p = 0,038).
No teste de retenção, apenas o GIT apresentou ganhos de 0,1, porém esse resultado não se mostrou estatisticamente significativo quando comparado ao GIC (p = 0,105), que apresentou diminuição de acertos pós-intervenção.
O teste pictórico revelou ganho para os dois grupos de intervenção, sendo que a diferença média para o GIC foi de 2,0 ± 1,9 e para o GIT de 0,9 ± 2,3, porém não houve diferença estatística entre eles (p = 0,306).
DISCUSSÃO
As intervenções de treino de memória com o uso de tecnologia no Brasil ainda são escassas. Os resultados do presente estudo demonstram que o uso do tablet como ferramenta de intervenção em treino de memória com idosos gera o mesmo padrão de resultados comparado ao treino empreendido de maneira convencional.
Com relação aos resultados do MEEM e do GDS, constatou-se que os grupos de intervenção eram semelhantes, ao contrário dos achados de Irigaray, Gomes e Schneider (2012) que apontaram no pré-teste mais sintomas depressivos no grupo experimental em relação ao grupo controle.
A melhora de desempenho após as intervenções foi semelhante nos dois grupos. Cabe ressaltar que o perfil sociodemográfico dos sujeitos da pesquisa reforça a influência da escolaridade e da renda como fatores associados a um envelhecimento com possibilidade de menores comprometimentos cognitivos, o que pode não refletir a realidade dos idosos em geral.
Os resultados obtidos neste estudo, que sugerem efeitos positivos no funcionamento cognitivo de idosos após intervenção, corroboram achados de outros autores, entre eles: Lasca (2003); Souza e Chaves (2006); Yassuda et al. (2006); Carvalho, Neri e Yassuda (2010); Irigaray, Gomes e Schneider (2012).
No entanto, não encontramos ganhos significativos na memória quando comparamos o GIT com o GIC, ao contrário dos achados de Chan et al. (2014), que obtiveram ganhos significativos no grupo que utilizou o iPad para o treino em relação aos dois controles. Apesar do não haver resultados significativos, os participantes treinados com tablet apresentaram um número de acertos significativamente maior (p=0,005) do que o grupo treinado de modo convencional no teste de RAVLT na pós-intervenção. Tal resultado pode se justificar ao que Chan et al. (2014) apontaram como vantagem no uso do tablet, que envolve um aprendizado constante de novas habilidades, motivando o indivíduo e proporcionando uma estimulação cognitiva continua.
Estas características também podem ter sido fator prejudicial ao grupo com tablet, uma vez que os resultados da avaliação da interferência retroativa apontaram um decréscimo significativo no número de acertos pós-intervenção (p=0,038). A necessidade de aprender novas habilidades, tais como, o manuseio da tela sensível ao toque, pode ter influenciado os conteúdos anteriormente aprendido, sendo considerado um distrator não presente no grupo convencional.
Acredita-se que alguns fatores importantes podem ter sido limitantes para que os resultados não tenham sido tão vigorosos, entre eles, à intensidade do treino e o tamanho da amostra. Apóstolo et al. (2011) verificou limitações semelhantes com um grupo de 27 idosos que realizaram um programa de estímulo cognitivo, a perda de quatro participantes da amostra inicial acabou por fragilizar os resultados, em especial no grupo controle.
A falta de uma maior intensidade do treino pode ser reforçada quando analisamos os resultados obtidos em cada sessão. O GIT obteve número significativamente maior de acertos em apenas três tipos de treinos. Ainda, não podemos prever se os dados de estudos com a população brasileira podem ser comparados a populações internacionais, mesmo porque essa amostra não é representativa da população brasileira. Seria necessário levar em conta as particularidades em relação às características sociodemográficas, aspectos culturais e políticas públicas.
Em se tratando de estudos já realizados em âmbito nacional, as intervenções oferecidas geraram ganhos modestos, em ambos os grupos, porém não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas com relação ao desempenho dos idosos pré e pós-intervenção, nas duas modalidades de treino, o que pode ser decorrente da situação de avaliação, que usou os mesmos instrumentos pré e pós-intervenção, o número limitado de sessões e o tamanho amostral.
A atenção, o engajamento com a realização do treino e o desejo de melhorar o desempenho individual da memória foram fatores observados ao longo do tempo. Um dos achados mais importantes foi que, o grupo de intervenção com o tablet manifestou entusiasmo na utilização do recurso. Poderiam ter sido avaliados os ganhos subjetivos ao longo do estudo, por exemplo, motivação e curiosidade em relação ao uso de tecnologias.
Por fim, os resultados sugerem que pesquisas futuras atentem para que a intensidade das sessões possa ser maior e mais frequente.
Sabe-se que uma das maiores contribuições possa ter sido o aperfeiçoamento da metodologia de treino através da efetivação de um recurso tecnológico adequado e de possível acesso. Salienta-se a necessidade de estudos com um número maior de participantes e o acompanhamento a longo prazo para verificar a manutenção dos resultados.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelos apoios concedidos.
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Endereço para Correspondência
Universidade de Passo Fundo - PPGEH - BR 285 – Bairro: São José, CEP: 99052-900, Passo Fundo - RS - Brasil. Telf.:55 54 3316-8384. E-mail: carolina@upf.br
Recebido em 24 de Dezembro de 2015
Aceite em 09 de Maio de 2017
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