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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.2 Lisboa ago. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180224 

Perfeccionismo, pensamento repetitivo negativo e sintomatologia do espectro obsessivo-compulsivo

Perfectionism, negative repetitive thinking and obsessive-compulsive spectrum symptomatology

Tiago Ferreira1,4,*, Marta Nascimento1,5, António Macedo2,6, Ana Pereira2,7, & António Pissarra3,8

 

1Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca EPE.

2Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, 3004-504, Coimbra, Portugal.

3Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental da ULS Guarda, Guarda, 6301-857, Guarda, Portugal.

4e-mail: tiagofilipeferreira17@hotmail.com.

5e-mail: marta.cmn@gmail.com.

6e-mail: amacedo@ci.uc.pt.

7e-mail: anatelmafpereira@gmail.com.

8e-mail: picosta@sapo.pt.

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

O perfeccionismo e o pensamento repetitivo negativo têm sido associados a diversas perturbações psiquiátricas e por isso considerados constructos transdiagnósticos. Assim, importa compreender a relação destes com vários grupos de sintomas, nomeadamente os sintomas obsessivo-compulsivos, pois poderá conduzir a uma melhor compreensão do diagnóstico, prevenção e tratamento de algumas doenças psiquiátricas. O objectivo deste trabalho foi analisar os níveis de cognições perfeccionistas, pensamento repetitivo negativo e sintomas obsessivo-compulsivos, numa amostra de estudantes universitários da Universidade da Beira Interior, e a relação destas variáveis entre si e com os estados de humor. Para realizar este estudo, caracterizado como transversal e analítico, recorremos a um questionário composto por dados sociodemográficos e de saúde mental e por escalas validadas para a população portuguesa que permitem aferir os estados de humor, níveis de perfeccionismo, domínios de perfeccionismo, níveis de pensamento repetitivo negativo e de sintomatologia obsessivo-compulsiva. A recolha de dados realizou-se através de inquérito online na população de estudantes da Universidade da Beira Interior (n=464, 338 do sexo feminino, idade média 22,5 ± 4,54 anos), e para sua análise recorremos a testes não-paramétricos. As pontuações totais de cognições perfeccionistas, sintomatologia obsessivo-compulsiva e pensamento repetitivo negativo apresentaram correlação significativa positiva com os níveis de afeto negativo, com os domínios de perfeccionismo e também entre si. Assim, o modelo transdiagnóstico da psicopatologia pode revelar uma utilidade heurística considerável. Neste caso, o perfeccionismo e o pensamento repetitivo negativo constituem-se como processos susceptíveis de influenciar os níveis de sintomatologia psiquiátrica, nomeadamente obsessivo-compulsiva, devendo ser alvos de intervenção terapêutica.

Palavras-chave: perfeccionismo, pensamento repetitivo negativo,perturbação obsessivo-compulsiva, processo transdiagnóstico, psicopatologia.

 

ABSTRACT

Perfectionism and negative repetitive thinking have been associated with various psychiatric disorders and are therefore considered to be transdiagnostic constructs. Thus, it is important to understand their relationship with various groups of symptoms, namely obsessive-compulsive symptoms, as it may lead to a better understanding of the diagnosis, prevention and treatment of some psychiatric disorders. The objective of this study was to analyze the levels of perfectionist cognitions, negative repetitive thinking and obsessive-compulsive symptoms in a sample of university students from the University of Beira Interior, and the relationship between these variables among themselves and mood states. In order to perform this study, characterized as transversal and analytical, we used a questionnaire composed of sociodemographic and mental health data and scales validated for the Portuguese population that allow us to measure mood states, levels of perfectionism, domains of perfectionism, levels of negative repetitive thinking and obsessive-compulsive symptomatology. The data was collected through an online survey of the student population of the University of Beira Interior (n = 464, 338 female, mean age 22.5 ± 4.54 years), and we used non-parametric tests for the analysis. The total scores of perfectionist cognitions, obsessive-compulsive symptomatology, and negative repetitive thinking showed a significant positive correlation with levels of negative affection, with domains of perfectionism, and also with each other. Thus, the transdiagnostic model of psychopathology may reveal considerable heuristic utility. In this case, perfectionism and negative repetitive thinking constitute processes capable of influencing the levels of psychiatric symptomatology, namely obsessive-compulsive, and should be targets of therapeutic intervention.

Keywords: perfectionism, repetitive negative thought; obsessive-compulsive disorder, transdiagnostic process, psychopathology.

 

O perfeccionismo é usualmente definido como uma “perseguição pela ausência de falhas e estabelecimento de metas demasiado altas de desempenho, acompanhadas por tendência excessivamente crítica do próprio comportamento”. (Stoeber & Otto, 2006, pg.295) O perfeccionismo é hoje visto como um constructo complexo, tendo evoluído de uma visão inicial unidimensional focada nas cognições auto-dirigidas (anos 70 e 80 do século XX) para um constructo multidimensional que apresenta dimensões intrapessoais e interpessoais (a partir do início da década de 1990). Por outro lado, a complexidade deste traço também resulta de possuir facetas que são adaptativas e outras que são mal-adaptativas. Assim, admite-se a existência de dois tipos de perfeccionismo: saudável ou normal e negativo ou neurótico, sendo as características psicopatológicas nucleares deste último o medo mórbido de errar e uma excessiva auto-crítica. (Macedo, 2012a; Stoeber & Otto, 2006)

O perfeccionismo negativo está implicado na etiologia e manutenção de diversas perturbações psiquiátricas, tais como perturbações do comportamento alimentar, depressão, perturbações de ansiedade, etc.. É, deste modo, dotado de uma dimensão transdiagnóstica, transversalmente subjacente a várias e diferentes categorias diagnósticas, consubstanciando-se como factor de risco ou de manutenção destas – o que tem implicações na prevenção e tratamento das mesmas. (Egan, Wade, & Shafran, 2011)

Outro exemplo de um processo putativamente transdiagnóstico é o Pensamento Repetitivo Negativo (PRN), que é um fenómeno cognitivo com diversos conteúdos, mas com as mesmas características formais de intrusividade, repetição e relativa incontrolabilidade. São exemplos a Preocupação e a Ruminação, que têm sido associados ao perfeccionismo, na medida em que o perfeccionista está sempre preocupado com o seu desempenho futuro (Preocupação) ou criticando-se pelos erros passados (Ruminação). Assim, estes fenómenos e processos cognitivos (i.e. o PRN) parecem constituir mecanismos implicados na manutenção do perfeccionismo e das suas consequências emocionais negativas, sendo importante investigar se o PRN se constitui como um mediador dessa relação. (Ehring & Watkins, 2008; Macedo, 2012a; Watkins, 2008)Associada a elevados níveis de cognições perfeccionistas e de PRN surge ainda a perturbação obsessivo-compulsiva (POC). Anteriormente tida como pouco frequente, estima-se que a sua prevalência anual seja 1,1-1,8%. (American Psychiatric Association, 2013) Existem diversos estudos em populações de estudantes com resultados díspares, que apresentam resultados compreendidos entre menos de 1% até 5% de participantes com sintomas do espectro OC clinicamente significativos. (StØylen, Larsen, & Kvale, 2000; Sulkowski, Mariaskin, & Storch, 2011; Yoldascan, Ozenli, Kutlu, Topal, & Bozkurt, 2009) Terminando esta cadeia de associações, doentes com POC apresentam elevados níveis de PRN sob a forma de Preocupação e Ruminação; no entanto, estes diferem dos pensamentos obsessivos quanto à frequência, duração e emoções associadas. (Ehring, et al. 2008) Por fim, a associação do perfeccionismo com a POC tem sido descrita na literatura; esta foi verificada em amostras clínicas mas também não clínicas, nomeadamente em estudantes universitários. (Macedo, 2012a)

Denifiu-se, assim, como objectivo principal desta investigação analisar as relações entre cognições perfeccionistas, pensamento repetitivo negativo e sintomas obsessivo-compulsivos, e entre estas e os estados de humor.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram no estudo 660 estudantes, sendo que 464 (70,30%) questionários foram preenchidos na totalidade, permitindo obter uma amostra estatisticamente significativa (cuja dimensão mínima com margem de erro de 5% e intervalo de confiança de 95% seria de 365 alunos), tendo em conta o universo de estudantes da Universidade da Beira Interior (UBI) matriculados no ano lectivo 2013/2014 (aproximadamente 7000 alunos).

Material

O inquérito utilizado para recolha de dados foi composto por uma secção relativa aos dados sociodemográficos e de saúde mental e por cinco questionários de autorresposta, todos eles validados para a população portuguesa, com boa fidelidade e validade, tendo sido obtida autorização para utilização dos mesmos.

Dados Demográficos e de Saúde Mental

O inquérito continha variáveis relativas ao sexo, estado civil, idade, curso e ano que frequentam, e média de curso até ao momento. Quanto à avaliação da saúde mental, os alunos foram questionados quanto à existência de doença psiquiátrica diagnosticada, história de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico (actual ou no passado) e antecedentes familiares de doença psiquiátrica.

Profile of Mood States (POMS-36)

O POMS-36 analisa estados de humor no mês anterior, em populações clínicas e não clínicas. É constituído por 36 itens classificados com uma escala tipo Likert de 5 pontos, com as categorias “0=De maneira nenhuma”, “1=Um pouco”, “2=Moderadamente”, “4=Muito” e “5=Muitíssimo”. Esta versão avalia três dimensões: Ansiedade/Hostilidade (AH), Afeto Depressivo (D) e Amabilidade/Vigor (AV). (Amaral, et al. 2013).

Inventário Multidimensional de Cognições Perfeccionistas (IMCP)

O IMCP é uma escala que avalia a frequência de cognições perfeccionistas na semana anterior, medindo cognições perfeccionistas auto-orientadas (PAO) positivas (Elevados Padrões), ambivalentes (Busca da Perfeição) e negativas (Preocupações com os Erros). Engloba 15 itens, classificados com uma escala ordinal de 4 pontos, com as categorias “1=Nunca”, “2=Algumas vezes”, “3=Frequentemente” e “4=Sempre”. (Macedo, et al. 2014a; Stoeber, Kobori, & Tanno, 2010).

Domínios de Perfeccionismo

A escala de “Domínios de Perfeccionismo” mede até que ponto o indivíduo é perfeccionista em 22 domínios da sua vida, sendo cada item classificado através de uma escala tipo Likert de 5 pontos, com as categorias “1=Nada Perfeccionista”, “2=Um pouco perfeccionista”, “3=Bastante perfeccionista”, “4=Muito perfeccionista” e “5=Extremamente perfeccionista”. Esta escala fornece pontuações em quatro dimensões: Relações e Aparência, Estudos e Trabalho, Saúde e Lazer, Ordem e Tarefas Domésticas. ( Macedo, et al., 2012b; Macedo, et al., 2012c; Stoeber & Stoeber, 2009).

Questionário de Pensamentos Perseverantes (QPP-15)

O QPP-15 avalia as características básicas do PRN. Além da pontuação total, permite medir duas dimensões:pensamento repetitivo” (características-chave do processo de pensamento - repetitivo, intrusivo e difícil de controlar) e “interferência cognitiva e improdutividade” (efeitos disfuncionais do PRN). É composto por 15 itens, classificados numa escala ordinal que vai de 0 a 4, com as categorias “0=Nunca”, “1=Raramente”, “2=Algumas Vezes”, “3=Muitas Vezes” e “4=Quase Sempre”. (Chaves, et al. 2013; Ehring et al., 2011).

Maudsley Obsessional-Compulsive Inventory (MOCI)

O MOCI é um questionário que permite a medição dos sintomas OCs. É constituído por 30 itens, classificados em “V” ou “F”, sendo que os itens 1-4, 6-8, 10, 12, 14, 18, 20, 26, 28 e 30 foram cotados com 1 ponto quando associados a “V”, e os restantes foram cotados com 1 ponto quando se respondeu “F”. As três subescalas do MOCI são: Dúvidas e Ruminação, Limpeza e Verificação. (Hodgson & Rachman, 1977; Nogueira, et al., 2012).

Procedimento

Este estudo caracterizou-se como transversal e analítico, integrando metodologia quantitativa. Foi realizado um pré-teste em 10 estudantes que permitiu realizar a alteração de incongruências gramaticais e de problemas na introdução de dados. O inquérito foi enviado para os endereços electrónicos de todos os alunos da UBI, tendo estado disponível de 24 de Setembro a 24 de Novembro de 2013. O software utilizado foi o Limesurvey®, respeitando a confidencialidade e anonimato das respostas. As informações obtidas foram analisadas com recurso ao Statistical Package for Social Sciences®, versão 19, e ao Microsoft Excel 2010®, ambas versões para Windows. A análise estatística inicial foi de cariz descritivo e univariada. De seguida, recorreu-se a testes não paramétricos para correlacionar e comparar as pontuações de diferentes grupos, uma vez que o teste Kolmogorov-Smirnov revelou que a maioria das variáveis não seguia distribuição normal. Foi usado o coeficiente de correlação de Spearman para análise de relação linear mútua entre duas variáveis, sendo que para classificar a magnitude dos coeficientes de correlação de Spearman foram utilizados critérios de Cohen (0,1-0,3=baixa, 0,3-0,5=moderada e 0,5-1,0=elevada). (Cohen, 1992)

RESULTADOS

A maioria da amostra pertencia ao sexo feminino (n=338, 72,84%) e era solteira (n=427, 92,03%). A M±DP (média±desvio-padrão) da distribuição etária da amostra foi 22,5±4,54 anos. O curso de que se obteve mais respostas foi Medicina (n=205, 44,18%). De entre os estudantes que relataram ter perturbações psiquiátricas (n=57, 12,28%), a maioria afirmou ter um diagnóstico de depressão (n=30, 6,47%), sendo que 1,51% da amostra total relatou diagnóstico de POC.

Todas as dimensões dos domínios de perfeccionismo, exceto Ordem e Assuntos Domésticos, apresentaram correlação positiva e significativa com a Amabilidade/Vigor (Quadro 1).

 

 

Cada uma das variáveis psicológicas estudadas (perfeccionismo, níveis de PRN e sintomatologia do espectro OC) apresentou correlação estatisticamente significativa e positiva com os estados de humor negativos (Afeto Depressivo e Ansiedade/Hostilidade) e correlação estatisticamente significativa, mas negativa, com a Amabilidade/Vigor (Quadro 2).

 

 

Observou-se uma correlação positiva e significativa dos diversos domínios de perfeccionismo com os resultados totais de perfeccionismo, PRN e sintomatologia do espectro OC, sendo a correlação com as pontuações do IMCP a de maior magnitude (Quadro 3).

 

 

Considerando as pontuações totais do IMCP, QPP-15 e MOCI, verificou-se uma correlação estatisticamente significativa entre: perfeccionismo e PRN (ρ=0,370, p<0,001); perfeccionismo e sintomatologia do espectro OC (ρ=0,341, p<0,001); PRN e sintomatologia do espectro OC (ρ=0,549, p<0,001), sendo este último coeficiente de elevada magnitude. Analisando as subescalas, encontrámos correlação positiva e significativa entre todas, com exceção da subescala do IMCP “Elevados Padrões”, que não se correlacionou significativamente com nenhuma das outras variáveis (Quadro 4-6).

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Relação do perfeccionismo, pensamento repetitivo negativo e sintomatologia obsessivo-compulsiva com os estados de humor

Estados do humor desfavoráveis foram significativamente associados a scores elevados de perfeccionismo, pensamento repetitivo negativo e sintomatologia obsessivo-compulsiva. Estes achados estão de acordo com as evidências que apontam para que as cognições perfeccionistas e o PRN sejam correlatos para maiores níveis de ansiedade e depressão. O PRN actua através do aumento da vulnerabilidade individual à ansiedade e depressão. (Ehring, et al. 2008) A associação dos sintomas OCs aos afetos negativos enquadra-se na observação de co-morbilidades associadas a POC, nomeadamente perturbações de ansiedade e do humor. (American Psychiatric Association, 2013; Egan et al., 2011; Ehring, et al. 2008; Macedo, 2012a).

Como explicitado anteriormente, a escala IMCP, avalia os seguintes domínios das cognições perfeccionistas: “Elevados padrões” , “Preocupações com os erros” e “Busca da perfeição”. Enquanto que o primeiro tem um carácter positivo para o perfeccionista e reforçador do comportamento, pela sensação de realização pessoal e de autoeficácia associadas, o segundo tem uma conotação mais desadaptativa, na medida em que se trata de um domínio gerador de angústia e consumidor de tempo. A “Busca da perfeição é uma dimensão ambivalente, pois apesar de poder ser positiva no sentido de criar objetivos tangíveis, pode também ser negativa quando conduz a uma busca exagerada e patológica de metas demasiado elevadas. Fazendo a ponte para os nossos resultados, a dimensão “Preocupações com os erros” e, com menor magnitude, a “Busca da perfeição” apresentaram correlação significativa positiva com os afetos negativos e correlação significativa negativa com os afetos positivos, enquanto os “Elevados padrões” se correlacionaram positivamente e de forma significativa com o afeto positivo. Do ponto de vista da abordagem psicoterapêutica, pode ser útil que esta seja mais dirigida, nomeadamente com ênfase na atuação nas “Preocupações com os erros”, ou seja, no medo mórbido do perfeccionista de falhar. (Macedo, 2012a; Stoeber et al., 2010) É na ténue linha que separa estes dois pólos perfeccionistas – saudável e neurótico - que se deve focar a atenção do profissional de saúde. (Shafran & Mansell, 2001).

Relação entre perfeccionismo, pensamento repetitivo negativo e sintomatologia obsessivo-compulsiva

Verificou-se correlação estatisticamente significativa entre perfeccionismo, PRN e sintomas do espectro obsessivo-compulsivo, estando todos estes fenómenos cognitivos relacionados entre si. Isto é, p.e. indivíduos com cognições perfeccionistas acentuadas têm maior probabilidade de desenvolver PRN ou de sofrer de sintomatologia OC. (Egan et al., 2011; Ehring, et al. 2008; Macedo, 2012a).

Assim, adoptando um modelo transdiagnóstico de psicopatologia (Nolen-hoeksema & Watkins 2011) estes resultados fornecem evidência para considerar o perfeccionismo e o PRN potenciais factores de risco proximais para o desenvolvimento de sintomatologia obsessivo-compulsiva e, eventualmente, perturbação obsessivo-compulsiva sindromática. (Nolen-hoeksema, et al. 2011) Estão disponíveis hoje várias intervenções psicoterapêuticas (ex. Unified Protocol (Boisseau, Farchione, Fairholme, Ellard, & Barlow, 2010), CBT-Eb (Fairburn et al., 2009)) que se focam na abordagem destas cognições transdiagnósticas em particular, e que são úteis no sentido de obter uma maior abrangência terapêutica para os processos transversais a várias perturbações psiquiátricas ou mesmo no sentido de abordar estes aspetos em populações subclínicas. (Macedo, 2012a; Egan et al., 2011; Watkins, 2008; Shafran, et al. 2001).

O facto de a componente do IMCP relativa a “Preocupações com os Erros” se correlacionar significativamente com o PRN, permite corroborar a hipótese de que esta se manifesta sob a forma de PRN, com repercussões negativas na produtividade e eficiência cognitiva. Confirma-se assim a ligação entre o perfeccionismo e o PRN. (Ehring et al., 2008; Watkins, 2008; Macedo, et al, 2014b).

Por último, a correlação entre os domínios de perfeccionismo, níveis de perfeccionismo e sintomas do espectro OC já havia sido verificada anteriormente (Stoeber et al., 2009; Macedo et al., 2012b; Macedo et al., 2012b) sendo que a correlação com o PRN foi observada pela primeira vez neste estudo. Esta observação corrobora a hipótese de que conforme o indivíduo tenta ser “perfeito”, nomeadamente motivado pelo PAO, em mais domínios, mais acredita na sua competência e melhora a sua autoestima, aumentando o número de domínios em que quer ser perfeito. Isto poder-se-á repercutir na relação com o afeto positivo, conforme observado. No entanto, a correlação com sintomatologia OC e PRN é significativa e considerável. Assim, esta procura pela perfeição num número crescente de domínios talvez deva ser vista com cautela, pois está associada também a níveis mais elevados de obsessões ou PRN; no entanto, as evidências apontam para que não ocorram cognições negativas significativas relacionadas. (Macedo et al., 2012b; Macedo et al.,2012b).

Sintomatologia obsessivo-compulsiva clinicamente significativa

No artigo original do MOCI, obteve-se um score de 18,86 para 100 doentes obsessivos (Hodgson, 1977). Utilizando este valor como ponto de corte, acima do qual se consideram os indivíduos como portadores de sintomas OCs clinicamente significativos, conclui-se que estes perfazem 4,96% da amostra. Este resultado é bastante superior à prevalência estimada em amostras de estudantes, nomeadamente norueguesa (StØylen et al., 2000) e turca (Yoldascan et al., 2009), e à da população geral (American Psychiatric Association, 2013), mas equipara-se, p.e. a um estudo anterior conduzido numa universidade na Florida (Sulkowski et al., 2011). Por fim, de referir que 1,5% dos alunos referiu ter um diagnóstico clínico de POC, um valor semelhante ao estimado para a população geral. Tal coaduna-se com as evidências de que, de um modo geral, a utilização de questionários de resposta baseados em sintomas para a avaliação das perturbações psicológicas tende a sobrestimar a sua prevalência. (Farmer, McGuffin, & Williams, 2002).

Como limitações do estudo apontamos a sua natureza transversal e, como tal, não poderem ser inferidas relações de causalidade entre as variáveis estudadas; a aplicação de inquérito online, pois sendo a participação voluntária há a possibilidade de obter uma amostra enviesada constituída por indivíduos com características específicas - embora consideremos que a amostra seja suficientemente heterogénea e representativa dos alunos da UBI para permitir a generalização dos resultados, além de que o tamanho da amostra e dos grupos por área foi objetivamente válido. Por fim, a escala IMCP restringe-se à avaliação de PAO, sendo que o perfeccionismo socialmente prescrito e orientado para os outros não foi mensurado – no entanto, o PAO é a subescala que parece ser a mais próxima do constructo tradicional de perfeccionismo. (Stoeber, et al. 2006).

O modelo transdiagnóstico da psicopatologia pode revelar uma utilidade heurística considerável. No caso presente, o perfeccionismo e o pensamento repetitivo negativo constituem-se como processos susceptíveis de influenciar os níveis de sintomatologia psiquiátrica, nomeadamente sintomatologia OC, devendo ser alvos de intervenção terapêutica. É importante que estas cognições sejam compreendidas pela população e, especialmente, pelos profissionais da área da saúde – em especial na área da saúde mental. No caso do perfeccionismo, por exemplo, é importante uma prevenção dirigida a indivíduos de risco. Não basta actuar na prevenção e terapêutica das repercussões negativas do perfeccionismo e do PRN - os problemas de base que impulsionam esta cascata de psicopatologia também devem ser abordados. (Macedo, 2012a) Embora a POC seja uma patologia com critérios definidos, pelo que é mais fácil a sua abordagem, não deixa de ser importante o seu esclarecimento perante a comunidade científica e médica. Quanto mais precoce o reconhecimento e tratamento, menor a probabilidade de consequências adversas para o indivíduo.

Fica a expectativa de que, com este estudo, a importância destes fenómenos tenha sido salientada e que, em conjunto com outros estudos dentro deste âmbito, tenhamos contribuído para que a temática seja mais valorizada na prática clínica.

 

AGRADECIMENTOS

A todos os participantes no preenchimento do inquérito

 

REFERÊNCIAS

Amaral, A.P., Soares, M.J., Pereira, A.T., Bos, S., Marques, M., Valente, J,... Macedo, A. (2013). The profile of mood states (poms). New factor-structure in a shorter version. Poster apresentado em 34th STAR Conference, Faro, Portugal, 1-3 de Julho de 2013.         [ Links ]

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Chaves, B., Castro, J., Pereira, A.T., Soares, M.J., Amaral, A.P., Bos, S., ...Roque, C. (2013). Perseverative thinking questionnaire: Validation of the portuguese version. Atencion Primária,45,162.         [ Links ]

 

Endereço para Correspondência

Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca EPE, IC19, Serviço de Psiquiatria, 2720-276, Amadora, Portugal. Telf.: 926999538. e-mail: tiagofilipeferreira17@hotmail.com.

 

Recebido em 26 de Março de 2017

Aceite em 27 de Junho de 2017

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