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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.3 Lisboa dez. 2017

https://doi.org/10.15309/17psd180309 

Queixas subjetivas de memória: sintomas depressivos, ansiógenos ou défices mnésicos objetivos?

Subjective memory complaints: depressive and anxiety symptoms or cognitive impairment?

Mónica Sousa 1, Anabela Pereira 1, Rui Costa 2

 

1Departamento de Educação e Psicologia, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal. (m.sousa@ua.pt) (anabelapereira@ua.pt) ;

2Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal, (rcosta@ua.pt) .

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

As queixas subjetivas de memória (QSM) na população idosa despertam, na comunidade científica, vários desafios. Em particular a diferenciação entre as QSM com a sintomatologia depressiva e ansiógena e o prejuízo mnésico objetivo. Este estudo transversal foi realizado com 620 participantes com mais de 54 anos (74.04 ± 10.41 anos; 72.4% do sexo feminino). Os instrumentos utilizados foram o Mini Mental State Examination (MMSE), o Montreal Cognitive Assessment (MoCA), a Escala de Queixas de Memória (EQM), a Escala de Depressão Geriátrica (EDG) e o Inventário de Ansiedade Geriátrica (IAG). As QSM estavam presentes em 78.9% (n = 489), os sintomas depressivos em 46.3% (n = 287) e os ansiógenos em 51.1% (n = 317). Os participantes com QSM obtiveram pontuações inferiores no MMSE (24,57 ± 5,65 vs 25,88 ± 5,36, p < 0,01), bem como, no MoCA (17,63 ± 7,86 vs 20,34 ± 7,84, p< 0,01). A escolaridade [β = 0,14, 95% intervalos de confiança (IC) = -0,823-0,475], o MMSE (β = -0,11, 95% IC = 0,034-0,241) e a EDG (β = 0,40, 95% IC = -0,112-0,59) revelaram-se preditores significativos das QSM. A depressão e a ansiedade parecem ter um efeito potenciador das QSM e associam-se a um pior desempenho cognitivo, sugerindo que as intervenções direcionadas para esses fatores se assumam como uma questão estratégica na promoção do envelhecimento saudável.

Palavras-chave: envelhecimento, queixas subjetivas de memória, depressão, ansiedade, défices mnésicos objetivos

 

ABSTRACT

The Subjective Memory Complaints (QSM) in the old adult creates in the scientific community many challenges. Particularly the differentiation between the QSM and depressive and anxiety symptoms and cognitive impairment. This survey was conducted with 620 participants over 54 years old (74.04 ± 10:41 years; 72.4% female). The instruments used were the Mini Mental State Examination (MMSE), the Montreal Cognitive Assessment (MoCA), the Memory Complaint Scale (EQM) the Geriatric Depression Scale (EDG) and the Anxiety Inventory Geriatrics (IAG). The SMC were present in 78.9% (n = 489), the depressed mood in 46.3% (n = 287) and anxiety in 51.1% (n = 317). The SMC participants had lower scores on the MMSE (24,57 ± 5,65 vs 25,88 ± 5,36, p < 0,01) and in the MoCA (17,63 ± 7,86 vs 20,34 ± 7,84, p < 0,01). The education [β = 0,14, 95% confidence interval (CI) = -0,823-0,475], the MMSE (β = -0,11, 95% CI = 0,034-0,241) and EDG (β = 0.40, 95% CI = -0,112-0,59) were significant predictors of SMC. The depression and anxiety were predictors of SMC and were associated with worse cognitive performance, suggesting that interventions targeted for these factors are assumed as an important strategy for the promotion of healthy aging.

Keywords: aging, subjective memory complaints, depression, anxiety, cognitive impairment

 

O crescente interesse na compreensão do envelhecimento humano, a inexistência, até ao presente, de um tratamento curativo da Doença de Alzheimer (DA), torna as queixas subjetivas de memória (QSM) num fator clínico relevante.

As QSM são uma área de investigação em desenvolvimento, por isso, do ponto de vista científico, os dados revelam-se ainda contraditórios e inconclusivos (Mendonça, Alves, & Bugalho, 2016). Por um lado, as QSM associam-se a reais prejuízos mnésicos, sendo inclusivamente apontadas como um fator de risco para o desenvolvimento do défice cognitivo ligeiro (DCL), da DA e de outras demências (Abdulrab & Heun, 2008; Mendonça et al., 2016; Verdelho et al., 2011; Wolfsgruber et al., 2014). Por outro lado, em estudos portugueses essa conversão não foi verifica, estando as QSM relacionadas com a idade, o género feminino, a baixa escolaridade e a depressão (Ginó et al., 2010; João et al., 2015; Mendes et al., 2008; Pires et al., 2012; Silva et al., 2014).

Apesar das inconsistências encontradas as QSM correspondem a um dos critérios de diagnóstico do DCL, enquadrando-se assim, na fase pré-demencial do percurso evolutivo da DA (Abdulrab & Heun, 2008; Mendonça et al., 2016).

Face ao exposto, as QSM poderão assumir uma posição de relevo na implementação de uma intervenção atempada, através da identificação precoce de possíveis quadros pré-demenciais e do diagnóstico diferencial de falsos positivos como a depressão e a pseudodepressão.

O presente estudo procura avaliar a prevalência das QSM; determinar a incidência dos sintomas depressivos e ansiosos nos participantes, com ou sem QSM; apurar a influência das variáveis sociodemográficas (idade, género e escolaridade), clínicas (ansiedade e depressão) e do funcionamento cognitivo global nas QSM.

 

MÉTODO

Participantes e Procedimento

Trata-se de um estudo quasi-experimental, do tipo descritivo-correlacional, de corte transversal, levado a efeito em indivíduos com idade igual ou superior aos 55 anos e com um nível de instrução que permitisse compreender e responder a todas as questões colocadas. Foram excluídos os que apresentassem afasias, antecedentes psiquiátricos, história de consumo de substâncias e défice motor, auditivo e/ou visual não corrigido.

A assinatura do consentimento informado foi precedida da informação sobre o âmbito e a finalidade do estudo, da participação de carácter voluntário e da confidencialidade dos dados, assegurando assim, as indicações presentes na Declaração de Helsínquia. A aplicação do protocolo ocorreu através de entrevista semiestruturada, de modo a garantir uma aplicação standard, tendo esta uma duração média de 60 minutos.

As estatísticas descritivas, a multivariada (MANOVA) one way, a correlação de Pearson e a Regressão Linear com a aplicação do método Enter foram efetuadas com o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.

Dos 620 participantes, com idades compreendidas entre os 55 e os 96 anos (M = 74,04, SD = 10,41), 449 eram do sexo feminino, 78,9% apresentavam QSM, 46,3% sintomas depressivos e 51,1% sintomas ansiógenos (Tabela 1).

 

 

O protocolo foi construído pelos seguintes instrumentos: um questionário sociodemográfico e clínico construído especificamente para esta investigação, o Mini Mental State Examination (MMSE) (Morgado, Rocha, Maruta, Guerreiro, & Martins, 2009), o Montreal Cognitive Assessment (MoCA) (Freitas, Simões, Alves, & Santana, 2011), a Escala de Queixas de Memória (EQM) (Ginó et al., 2007), a Escala de Depressão Geriátrica (EDG) (Barreto, Leuschner, Santos, & Sobral, 2007) e o Inventário de Ansiedade Geriátrica (IAG) (Ribeiro, Paúl, Simões, & Firmino, 2011).

Material

 

RESULTADOS

Relativamente à presença (n = 131) ou ausência de QSM (n = 489), os resultados da MANOVA one way evidenciam um efeito multivariado significativo das QSM, verificando-se diferenças significativas entre esses dois grupos nas variáveis dependentes (F(6, 613) = 14.836, p < 0,001; Λ de Wilks = 0,873). Na Tabela 2, constata-se que quatro variáveis tiveram um efeito estatisticamente significativo e de elevada dimensão, nomeadamente: o MMSE, F(1, 618) = 5,644; p = 0,02; ηp2= 5,644; potencia (π) = 0,660 , o MoCA, F(1, 618) = 12,303, p = 0,00; ηp2= 12,303; (π) = 0,938, a EGD, F(1, 618) = 73,069; p = 0,00 ; ηp2= 12,303; (π) = 1, o IAG, F(1, 618) = 27,0597, p = 0,00 ; ηp2= 12,303; (π) = 0,999, o que revela que os participantes com QSM, comparativamente aos sem QSM, obtiveram um desempenho nos rastreios cognitivos, ocorrendo o inverso na EGD e na IAG (Tabela 2).

 

 

Podemos observar na Tabela 3, que nos participantes sem QSM, a EQM correlacionou-se significativa e negativamente com a idade (r = -0,33, p < 0,01), a EGD (r = -0,36, p < 0,01) e o IAG (r = -0,27, p < 0,01). Nos participantes com QSM, voltou-se a verificar as correlações significativas e baixas, embora estas sejam entre a EQM e o nível de escolaridade (r = -0,19, p < 0,01), o MMSE (r = -0,42, p < 0,01) e o MoCA (r = -0,40, p < 0,01).

 

 

Os resultados das regressões, apresentadas na Tabela 4, apoiam a tendência verificada na multivariada (MANOVA) one way e nas Correlações de Pearson, e indicam a possibilidade de identificar modelos significativos de predição dos resultados das QSM, uma variável que consideramos assumir uma grande relevância neste estudo.

Nas QSM, medidas pela EQM, a regressão permitiu identificar como preditores a escolaridade [β = 0,14; 95% intervalos de confiança (IC) = -0,823-0,475], o MMSE (β = -0,11; 95% IC = 0,034-0,241) e a EDG (β = 0,40; 95% IC = -0,112-0,59), ainda que numa percentagem mais baixa da variabilidade explicada F(7,612) = 39,242; p < 0,001; R2 = 0,31. Consta-se a mesma tendência na EGD, sugerindo o MoCA (β = -0,265; 95% IC = -0,236-0,095), a IAG (β = 0,542; 95% IC = 0,327-0,399) e a EQM (β = 0,243; 95% IC = -0,218-0,344) como preditores, sendo que este modelo explica 63,1% da variância do EGD.

 

DISCUSSÃO

A presente investigação teve como objetivo principal o estudo de uma das queixas mais comuns nos idosos, as queixas mnésicas, de forma a compreender a relação entre as QSM com os défices mnésicos objetivos e os sintomas depressivos e ansiógenos.

A elevada incidência das QSM encontra-se em concordância com a literatura existente (Ginó et al., 2010; João et al., 2015; Pires et al., 2012), estando estas envoltas na sintomatologia ansiosa e depressiva, num notório sofrimento emocional.

Transversalmente a este estudo, como a outros estudos portugueses, os fatores de ordem emocional estão, em algum grau, sempre presentes (Ginó et al., 2010; João et al., 2015; Mendes et al., 2008; Pires et al., 2012; Silva et al., 2014). Neste estudo, a depressão parece ser um dos fatores fulcrais nas QSM. Uma explicação possível reside nas alterações mnésicas e atencionais que caracterizam esse estado afetivo (Baumgart et al., 2015), mas também, no facto das QSM refletirem um descontentamento nas habilidades cognitivas, o que se traduz num mal-estar e num desconfronto pessoal.

As QSM mostraram ainda serem preditas pela escolaridade e o pelo prejuízo no desempenho obtido no MMSE e no MoCA, indo ao encontro, uma vez mais às investigações nacionais (Ginó et al., 2010; João et al., 2015; Mendes et al., 2008; Pires et al., 2012; Silva et al., 2014).

A supremacia do género feminino na amostra foi uma das principais limitações ao estudo. Na realidade, esta supremacia pode estar intrinsecamente relacionada com a esperança média de vida da sociedade portuguesa (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2011), mas também, pelo fato das QSM serem mais comuns no género feminino (Mendes et al., 2008).

De acordo com a pesquisa por nós efetuada, estudos nacionais que explorem a tríade QSM, o estado emocional e o funcionamento cognitivo são escassos. Apesar do progresso científico e empírico alcançado até ao momento, consideramos que a presente investigação possui uma aplicação clínica, uma vez que permite aumentar a informação sobre quais as variáveis que influenciam as QSM, já que as dimensões afetivas analisadas deverão ser objeto de enfoque, de forma a minimizar o seu forte impacto na qualidade de vida e a promover o envelhecimento bem-sucedido.

Dada a mistificação ainda presente em torno das QSM, estas constituem-se numa área de investigação atual, com particular enfase na psicologia da saúde. O estudo aqui apresentado sugere que as QSM são frequentemente expressas por indivíduos com mais de 54 anos e estão associadas a um pior desempenho nos rastreios cognitivos, mas também, a um estado emocional mais débil, traduzindo-se na vincada presença da sintomatologia depressiva e ansiosa. Consideramos, assim, que o estado emocional pode contribuir para o aumento das QSM e que uma intervenção psicológica especializada poderá ter fortes e importantes implicações na saúde mental e cognitiva, como será essencial na promoção da saúde no envelhecimento saudável.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para Correspondência

Departamento de Educação e Psicologia, Campus Universitário de Santiago, 383810-193 Aveiro, Portugal. E-mail: m.sousa@ua.pt

 

Recebido em 20 de Setembro de 2016

Aceite em 09 de Outubro de 2017

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