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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.18 no.3 Lisboa dez. 2017
https://doi.org/10.15309/17psd180312
Cortisol capilar como medida de análise do estresse crônico
Hair cortisol as an analytical measure of chronic stress
Diego Leonardo Stamm Paza1, Gian Carlo Pierozan1, Guilherme Yoshi Furyama1, & Joice Mara Facco Stefanello 1
1Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciencias Biológicas, Departamento de Educação Física, Paraná, Brasil(diegostammp@gmail.com) (gcpierozan@gmail.com) (gfuryama@gmail.com) (joicemfstefanello@gmail.com)
Endereço para Correspondência
RESUMO
Estudos recentes tem buscado investigar a concentração crônica de cortisol a partir de amostras de cabelo. Este método possui diversas vantagens como a facilidade na coleta, fácil armazenagem, não dependência da aderência da amostra para realização da pesquisa, entre outros. Entretanto ainda existem lacunas sobre quais protocolos para coleta, extração e avaliação do cortisol a partir do cabelo seriam considerados padrão para esta análise em humanos. Diante disto, o objetivo do presente estudo de revisão foi analisar os protocolos de coleta e análise do cortisol capilar como indicador do estresse crônico em indivíduos saudáveis. Considerando os 22 artigos selecionados para análise verificou-se que a maioria das pesquisas utilizaram em suas amostras indivíduos de ambos os sexos, com as amostras de cabelo cortados na região do vértice posterior da cabeça, o mais próximo possível da raiz. O comprimento e a quantidade de fios coletados variaram de acordo com os objetivos propostos de cada estudo, onde a maioria priorizou o uso de fios de 3 cm de comprimento. Conclui-se que existe uma ausência de um protocolo único quanto ao método de lavagem, tratamento dos fios e quanto ao método utilizado para extração e análise do cortisol, onde a maioria dos estudos utilizaram o composto isopropanol para lavagem de suas amostras, seguidos da pulverização dos fios realizando a análise da concentração de cortisol com três métodos principais, o CLIA, o ELISA e o LC-MS/MS.
Palavras-chave: cortisol, capilar, estresse psicológico
ABSTRACT
Recent studies have sought to investigate the chronic cortisol levels from hair samples. This method has advantages such as ease of sample collection, easy storage, no dependence of the sample adherence to carry out the research, among others. However there are still gaps on which protocols for collection, extraction and evaluation of cortisol from the hair would be considered standard for this analysis in humans. Given this, the objective of this systematic review study was to analyze the protocols for the collection and analysis of hair cortisol as an indicator of chronic stress in healthy individuals. Considering the 22 articles selected for analysis it was found that most of the research samples used individuals of both sexes, with hair samples cut in the region of the vertex of the head, closest to the root. The length and number of hair varied according to the goals of each study, where most used was 3 cm of hair length. It follows that there is an absence of a single protocol on the washing method, the treatment of hair and on the method used for extraction and analysis of cortisol, where most studies have used isopropanol compound to wash their samples, followed by pulverization of the sample, conducting the analysis of cortisol concentration by three main methods, the CLIA, ELISA and LC-MS / MS.
Keywords: cortisol, hair, psychological stress
O termo estresse é uma resposta adaptativa corporal a uma perturbação, gerada por algum evento estressor, que atua em caráter psicológico ou fisiológico (Selye, 1950; Pérez, 1978). Essas perturbações resultam em esforços adaptativos, realizados em prol da manutenção da homeostase corporal, são associados a diversas alterações, denominadas de carga alostática (McEwen, 1998). Dentre tais mudanças encontras, as concentrações hormonais, com destaque ao cortisol, têm sido de grande interesse para a compreensão das respostas ao estresse.
A hidrocortisona (composto F), conhecida como cortisol, é um glicocorticoide liberado através da estimulação do eixo hipotalâmico-pituitária-adrenal (HPA). Com diversas funções em respostas imunes e inflamatórias, é considerado o hormônio do estresse, por ser liberado em grande quantidade sob condições estressantes (Kirschbaum, Wüst, Faig & Hellhammer, 1992).
Alterações nas concentrações de cortisol podem desencadear uma série de doenças e complicações na saúde de diferentes indivíduos. A secreção diminuída do hormônio possui relação com diferentes quadros depressivos (Posener et al., 2000). Por outro lado, a exposição prolongada a elevados níveis do glicocorticoide pode modificar a pressão sanguínea e as concentrações de insulina, aumentando o risco de desenvolvimento de diabetes, hipertensão arterial e doenças ateroscleróticas (McEwen et al., 2010). Sua secreção aumentada também pode ser vista em doenças agudas como infarto do miocárdio e infecções (Drucker & Shandling, 1985), além de ser altamente relacionada com os sintomas da Doença de Alzheimer (Cabral et al., 2016).
Nas pesquisas, as concentrações de cortisol são mensuradas utilizando amostras de plasma, saliva, urina e, mais recentemente, o suor. Apesar de serem métodos bem estabelecidos na comunidade acadêmica, é importante salientar que essas medidas refletem apenas níveis agudos do hormônio, contemplando períodos de no máximo 24 horas. Por isso, mostram-se métodos com pouca validade longitudinal, para avaliação crônica do cortisol (Stalder et al., 2012). A partir disso, a utilização do cortisol capilar mostra-se com grande potencial para suprir esses espaços metodológicos acerca de medidas de cortisol em longo prazo (Stalder & Kirschbaum, 2012).
A maneira como o cortisol é incorporado ao crescimento capilar ainda apresenta controvérsias. Segundo Ito et al. (2005), folículos capilares apresentam a capacidade funcional do eixo HPA, podendo sintetizar o cortisol após estimulação do hormônio liberador de corticotrofina (CRH), mas outras hipóteses também podem ser consideradas (Raul, Cirimele, Ludes & Kintz, 2004). A análise de determinado segmento de cabelo pode providenciar uma retrospectiva da secreção de cortisol durante o período que o crescimento do cabelo ocorreu (Gow, Thomson, Rieder, Van Uum & Koren, 2010), estimando-se que a média de crescimento capilar seja de 1 cm/mês (Wennig, 2000), mas diferenças nesses valores relacionados às etnias dos sujeitos podem acontecer (Loussouarn & Genain, 2005).
Apesar de se tratar de um método relativamente novo, o cortisol capilar apresenta importantes vantagens (Da Silva & Enumo, 2014), tal como facilidade na coleta, possibilidade de armazenagem em temperatura ambiente e não dependência da aderência da amostra para realização do estudo (Stalder et al., 2012). No entanto, ainda existem importantes lacunas acerca dos protocolos para coleta, extração e avaliação do cortisol a partir do cabelo, assim como de um valor padrão estimado para a concentração deste hormônio em indivíduos saudáveis. Diante de tais lacunas no conhecimento científico, o presente estudo de revisão se propôs a analisar os protocolos de coleta e análise do cortisol capilar como indicador do estresse crônico em indivíduos saudáveis.
MÉTODO
Para o desenvolvimento do presente estudo de revisão foi realizado, no período entre março e junho de 2016, a busca, em inglês e português, dos descritores hair cortisol (cortisol capilar) e stress (estresse), por dois pesquisadores independentes, utilizando-se o termo delimitador AND, nas principais bases eletrônicas de dados para o tema proposto neste estudo: APA (PsycNET), BVS, SCOPUS. A busca seguiu os procedimentos propostos pela Cochrane (Higgins & Green 2011). A busca nestas bases de dados permitiu encontrar um total de 485 estudos. A fim de atender ao objetivo proposto para a presente revisão, foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: (1) artigos originais sobre o tema investigado, publicados nos últimos 10 anos; (2) estudos desenvolvidos com indivíduos saudáveis, na faixa etária de 12 a 60 anos, contemplando, assim, adolescentes, adultos jovens e adultos médios, segundo a classificação etária de Havighurst e Levine (1979). A seguir foram aplicados os critérios de exclusão após leitura dos títulos, leitura dos resumos e leitura na integra. Os procedimentos adotados em cada uma das etapas são apresentados na Figura 1.
No Quadro 1 é apresentada a qualidade metodológica dos 22 artigos selecionados para análise. Os critérios de qualidade foram estabelecidos com base nas recomendações da Society of Hair Testing (Cooper, Kronstrand & Kintz, 2012) e contemplaram os seguintes critérios: (1) registro da cor e/ou tratamento cosmético do cabelo; (2) registro do uso de tabaco; (3) especificação do comprimento do fio do cabelo; (4) especificação do método de armazenagem do cabelo; (5) especificação do local de corte do cabelo; (6) especificação do método de lavagem do cabelo realizado antes da análise; (7) especificação da quantidade de fios de cabelo; (8) especificação do tratamento realizado para extração do cortisol do fio de cabelo. Os critérios referentes à qualidade dos artigos foram analisados e pontuados de forma independente pelos pesquisadores do presente estudo, para posterior síntese dos escores obtidos.
Quanto à qualidade metodológica, verifica-se que apenas um dos artigos analisados apresentou todos os critérios de qualidade estipulados. Por outro lado, a maioria dos estudos (86%) apresentaram cinco ou mais critérios de qualidade. Identifica-se, no Quadro 1, que os critérios de números três e cinco, foram os mais contemplados nos estudos relatados, 100% e 95% respectivamente. Na sequência, também abordados nos estudos, encontram-se os critérios seis e oito, presentes em 82% e 86% respectivamente. Os indicadores menos contemplados nos artigos analisados foram os critérios dois, encontrado em 41% dos estudos e o quatro, presente em apenas 36% dos estudos.
RESULTADOS
O Quadro 2 apresenta as cinco principais características dos 22 estudos contemplados na presente revisão: objetivos dos estudos, características da amostra, método de coleta do cortisol capilar, método de análise do cortisol capilar e resultados das concentrações de cortisol capilar. Para melhor compreensão, primeiramente serão analisados os dados referentes aos objetivos, às características da amostra e o método de coleta do cabelo, e na sequência, serão analisados os resultados referentes aos métodos de análise do cortisol capilar.
Objetivos, dados amostrais e método de coleta do cabelo
Do total dos artigos analisados, 54.5% buscaram associar as concentrações de cortisol capilar com outras variáveis (ambiente onde a amostra estava inserida, diferentes horários de trabalho, treinamento esportivo, nível de atividade física, desafios fisiológicos, remuneração no trabalho, nível de engajamento em tarefas, diferentes etnias, estresse no trabalho, estresse percebido e outras variáveis hormonais), 36.4% buscaram comparar as concentrações de cortisol sob diferentes métodos de coleta e análise (amostra picotada comparada com amostra em pó, diferentes procedimentos de lavagem, exposição da amostra a diferentes compostos químicos, análises realizadas após diferente intervalos de tempo, variação nos procedimentos de incubação, variação dos locais de coleta) e 9.1% buscaram realizar o desenvolvimento ou a validação de um novo método para análise do cortisol capilar (sistema de análise baseado no método LC–MS/MS, Validação do método de análise HPLC-FLU).
Com relação à amostra, 50% dos estudos trabalharam com uma amostra composta tanto por indivíduos do sexo masculino quanto do sexo feminino, 27.3% não relatou o sexo dos componentes da amostra, 13.6% trabalharam com uma amostra composta somente de indivíduos do sexo masculino e apenas 9.1% utilizaram uma amostra com apenas integrantes do sexo feminino. As amostras eram compostas por indivíduos saudáveis, mas poucos estudos descreviam mais dados característicos da população, mas foi possível verificar que 9% utilizaram estudantes em sua amostra, 9% tinham trabalhadores como componente da amostras, 4.5% trabalharam com uma amostra com atletas e 4.5% trabalharam com indígenas.
A partir da análise dos métodos de coleta, observou-se que 90.9% dos trabalhos avaliaram o cortisol capilar a partir de amostras de cabelo, 4.5% avaliaram esta variável a partir de amostras de pelo corporal e 4.5% trabalharam tanto com amostras de cabelo quanto de pelo. A respeito da região de coleta, 90.9% dos artigos realizaram a coleta do cabelo na região do vértice posterior da cabeça, 4.5% dos artigos coletaram cabelo da região do vértice anterior, vértice, secção esquerda e secção direita da cabeça, 4.5% coletaram pelos do braço e da perna, 4.5% coletaram pelos do antebraço, do cotovelo e do punho e 4.5% não relataram o local de coleta.
Na análise do local onde o fio foi cortado, 81.8% dos trabalhos cortaram os fios o mais próximo possível do couro cabeludo e 18.2% não relataram essa informação. Com relação ao comprimento do fio coletado, os estudos coletaram fios com vários comprimentos diferentes. Assim, para análise deste critério, foram considerados o comprimento predominantemente utilizado no estudo ou o maior comprimento relatado. Desta forma, 50% dos estudos coletaram fios de até 3 cm, 22.7% coletaram fios de até 2 cm, 18.2% coletaram fios de até 1 cm, 4.5% coletaram fios até 4 cm e 4.5% até 5 cm.
Quanto à quantidade de fios utilizada, os estudos relataram esse dado em unidades de massa, número de fios e número de mechas, correspondendo a 72.7% das pesquisas analisadas, enquanto apenas 27.3% não relataram esse dado. A análise do tipo de armazenamento das amostras após a coleta demonstrou que apenas 36.4% relataram o procedimento de armazenagem de suas amostras, sendo que 27.3% armazenaram as amostras em temperatura ambiente e 9.1% armazenaram a amostra refrigerada. Os demais trabalhos, 63.6% do total, não relataram nenhuma forma de armazenamento.
Métodos de análise do cortisol capilar
O primeiro critério a ser levado em conta na análise do cortisol capilar é o procedimento de lavagem da amostra realizado antes da extração do hormônio esteroide. Para este procedimento 45.5% dos trabalhos utilizaram o isopropanol para lavagem de suas amostras, 22.7% usaram o metanol, 18.2% não relataram nenhum composto utilizado na lavagem, 4.5% utilizaram o metanol e o isopropanol, 4.5% usaram o isopropil e 4.5% o álcool isopropílico. A respeito do número de lavagens com estes compostos químicos, 31.8% realizaram apenas uma lavagem, 31.8% realizaram duas lavagens, 18.2% três lavagens e 18.2% não relataram o número de lavagens realizadas.
Após a lavagem, na maioria dos estudos, as amostras passaram por um dos seguintes procedimentos: pulverização (54.5%) ou picotagem (22.7%). O procedimento que mais predominou nos estudos avaliados (50% das pesquisas) foi a pulverização, ou seja, transformaram os fios de cabelo em pó; 18.2% picotaram os fios; 4.5% utilizaram os fios inteiros sem passar por nenhum procedimento; 4.5% usaram ambos os procedimentos, para parte da amostra manteve-se os fios inteiros e outra parte utilizou os fios em pó; e 22.7% não relataram nenhum procedimento de manipulação do estado físico do fio coletado.
Quanto aos procedimentos para extração e análise das concentrações de cortisol nas amostras de cabelo, foram encontrados 7 procedimentos diferentes. O método de imunoensaio com detecção por quimioluminescência (immunoassay with chemiluminescence detection – CLIA) (IBL-Hamburg, Alemanha) foi o mais utilizado presente em 22.7% dos trabalhos; 18.2% avaliaram a concentração do esteroide via imunoensaio da enzina cortisol salivar Kit-ELISA (Salivary Cortisol Enzyme Immunoassay Kit – ELISA) (Salimetrics, PA); 18.2% utilizaram o método de cromatografia líquida - espectrometria de massa (liquid chromatography–tandem mass spectrometry - LC-MS/MS); 13.6% realizaram o método de radioimunoensaio (Radio-immunoassay – RIA); 9.1% avaliaram via tanden, sistema de espectrometria de massa Shimadzu (tanden, Shimadzu mass spectrometry system – HPLC); 9.1% via imunossorvente ligado à enzima (enzyme-linked immunosorbent – EIA) (Salimetrics LLC, USA); 4.5% avaliaram a partir da cromatografia líquida – massa em tandem 3200 (liquid chromatography tandem mass 3200 QTRAP) (ABI, Foster City CA); e 4.5% via DETECTX kit (Arbor Assays).
DISCUSSÃO
A predominância de trabalhos contemplados na presente revisão procuraram associar as concentrações de cortisol capilar com outras variáveis. Tal propósito pode se justificar pelo fato de o cortisol capilar ser considerado um importante indicador do estresse crônico (Stalder & Kirschbaum, 2012), associando-se a múltiplos fatores, como condições de trabalho, ambiente em que os indivíduos estão inseridos, atividade física realizada, etc.
Destaca-se também, o fato deste método ser considerado não invasivo (Silva & Enumo, 2014), de fácil coleta, que requisita armazenagem apenas em temperatura ambiente e não depende da aderência da amostra para realização do estudo (Stalder et al., 2012). Este último aspecto, de grande relevância para estudos em longo prazo (Stalder & Kirschbaum, 2012), uma vez que a estimativa média de crescimento capilar é de 1 cm/mês (Wennig, 2000), o que viabiliza manter a validade longitudinal dos estudos (Stalder et al., 2012), uma vez que o cortisol é depositado na medula do eixo do cabelo, através da difusão passiva do sangue durante o crescimento do fio (Boumba, Ziavrou & Vougiouklakis, 2006), fornecendo os valores da secreção de cortisol correspondente ao último mês avaliado.
A predominância de amostras compostas tanto por indivíduos do sexo masculino quanto por indivíduos do sexo feminino se deu no intuito de determinar se havia diferenças significativas quanto ao estresse crônico entre estes grupos de sujeitos. Nesse sentido, embora alguns estudos (Henley et al., 2013; Gidlow, Randall, Gillman, Smith & Jones, 2016) tenham apontado menor concentração de cortisol capilar entre as mulheres, a maioria das pesquisas demonstraram não haver diferença estatisticamente significativa para a concentração deste hormônio entre os sexos (Gao et al., 2010; Skoluda, Dettenborn, Stalder & Kirschbaum, 2012; Gerber et al., 2013; Wosu et al., 2015). Procurando justificar tal diferença, no artigo de Kirschbaum, Wüst e Hellhammer (1992) foram realizados 4 estudos para verificar se existiria diferença na produção de cortisol entre os sexos masculino e feminino, concluindo que a concentração de cortisol se manteve inalterada ou era menor em mulheres. Os autores apontam que esta diferença não reflete uma resposta inferior do córtex adrenal feminino, sugerindo que esses resultados se devem as diferenças sexuais nas respostas cognitivas ou emocionais a situações psicossociais de estresse, que podem influenciar na secreção de cortisol. Vale ressaltar que em animais existe esta diferença na concentração de cortisol (Justel, Bentosela, & Mustaca, 2009), o que pelo princípio evolutivo, poderia explicar essa diferença encontrada em humanos.
Os estudos se propuseram a analisar o cortisol a partir de amostras de pelo (Sharpley, Kauter & McFarlane, 2010a; Sharpley, Kauter & McFarlane, 2010b) buscaram verificar se havia um padrão nas concentrações do cortisol capilar em diversas áreas do corpo. Os achados destes estudos ainda são controversos, o estudo de Sharpley, Kauter e McFarlane (2010a) demonstrou que não existiu diferença estatística significativa entre as diferentes áreas do corpo onde foram coletadas as amostras de pelo, o que pode ser explicado pela presença de um sistema mediador central, que controlaria a produção de cortisol, enquanto que no estudo de Sharpley, Kauter e McFarlane (2010b) foi concluído que existiu diferença estatística significativa entre as diferentes áreas do corpo onde o pelo foi coletado, o que quebraria a presença de um sistema mediador central, pois cada folículo piloso seria um produtor independente de cortisol. Vale ressaltar que nenhum destes estudos procurou associar as concentrações de cortisol obtidas a partir de amostras de cabelo com as obtidas a partir de amostras de pelo corporal, o que ainda deixa uma lacuna a ser pesquisada.
Contudo, o método de coleta mais estudado é feito a partir de amostras de cabelo (Cooper, Kronstrand & Kintz, 2012). O vértice posterior da cabeça foi a região de maior predominância para as coletas das amostras de cabelo, possivelmente por ser a região com a menor variabilidade da taxa de crescimento do cabelo, em comparação com outras regiões da cabeça (Sauvé, Koren, Walsh, Tokmakejian & Van Uum, 2007), além de essa região possuir o maior teor de cortisol e menor variabilidade inter-individual, em comparação com outras regiões estudadas (Li et al., 2012). Na maioria dos estudos, os cortes eram realizados o mais próximo o possível da raiz do cabelo, pois as concentrações de cortisol apresentam um declínio constante de acordo com o afastamento do couro cabeludo (Stalder & Kirschbaum, 2012), possivelmente pelo desgaste da fibra capilar ao longo do comprimento do cabelo (efeito “wash out”) (Russell, Koren, Rieder, & Van Uum, 2012).
Quanto ao comprimento dos fios de cabelo utilizados para análise, a maioria dos estudos revisados coletou segmentos de 3cm de comprimento, variando de acordo com o objetivo de cada estudo. Vale ressaltar que o crescimento do cabelo varia de acordo com a etnicidade da amostra (Loussouarn, 2001), sendo demonstrado que a taxa de crescimento do cabelo em pessoas de ascendência africana é mais lenta em comparação com os indivíduos brancos, estimando-se um crescimento mensal de 0.80cm.
A quantidade de fios utilizada na análise da concentração de cortisol foi, de alguma forma, relatada na maioria dos estudos revisados, seja em quantidade de fios, mechas ou em seu peso. Considerando que a Society of Hair Testing recomenda uma quantidade de 10 a 50 mg para uma análise mais precisa (Cooper, Kronstrand & Kintz, 2012), a maioria dos estudos atenderam a este critério, o que demonstra o rigor metodológico dos estudos revisados, onde uma quantidade inferior a recomendada pode alterar os resultados obtidos, o que poderia justificar os resultados controversos encontrados, além da perda amostral encontrada em alguns estudos.
Os poucos estudos que relataram o método de armazenagem das amostras dos fios de cabelo, após a coleta, apenas 2 (9.1%) atenderam completamente às recomendações da Society of Hair Testing, devendo estas estarem alinhadas com a extremidade da raiz, armazenadas em ambiente seco, escuro, à temperatura ambiente e sem contato com a luz solar. Não devem ser armazenadas em geladeiras ou congelador e, caso tenham umidade, devem ser secas antes de serem armazenadas (Cooper, Kronstrand & Kintz, 2012).
Nos estudos analisados foi verificado uma maior presença de procedimentos de pulverização dos fios, a fim de se realizar a análise com uma amostra em pó, sendo pouco encontrado pesquisas que utilizaram os fios inteiros ou picotados. Foi verificado nos estudos de Xiang, Sunesara, Rehm e Marshall Jr (2016) que esse tipo de tratamento da amostra de fios, permitiu observar concentrações estatisticamente maiores nas amostras pulverizadas, quando comparado com as amostras picadas, o que pode refletir em uma análise mais precisa e fácil deste hormônio.
No processo de lavagem dos fios, após a coleta, a maioria dos estudos utilizou o composto isopropanol. O uso de um procedimento de limpeza eficaz é imprescindível antes da extração do cortisol da fibra capilar para, então, proceder à análise, a fim de reduzir os efeitos negativos das substâncias presentes em amostras biológicas que podem interferir no resultado (Quinete, Bertram, Reska, Lang & Kraus, 2015). Neste processo, é recomendado que a lavagem dos fios de cabelo seja realizada com uso de solvente orgânico e soluções aquosas, sendo necessários procedimentos de limpeza adicionais para amostras mais sujas (Cooper, Kronstrand & Kintz, 2012). Dentre os produtos utilizados para limpeza dos fios, o isopropanol foi considerado o melhor solvente, pois após três lavagens consecutivas, promoveu uma melhor lavagem da parte externa do fio, mantendo intacto o cortisol da parte interna do cabelo (Davenport, Tiefenbacher, Lutz, Novak, & Meyer, 2006).
Dentre os diversos procedimentos de análise do cortisol capilar encontrados na literatura, na presente revisão o método mais utilizado foi o CLIA, seguidos pelo método ELISA e o LC-MS/MS. O método CLIA é um ensaio de quimiluminescência que possui boa sensibilidade inerente e simplicidade de realização (Wang, Hofmann, Das, Barrett & Bradley, 2007). O método ELISA oferece várias vantagens com relação aos outros métodos, tendo boa sensibilidade, uma obtenção de resultados mais rápida, além de um baixo custo (Gow et al., 2010). Vale ressaltar que os métodos CLIA e ELISA foram desenvolvidos originalmente para a mensuração do cortisol salivar (Sauvé et al., 2007) e, devido à reatividade cruzada de outros hormônios com os anticorpos utilizados nesses ensaios, a análise feita a partir desses procedimentos possui uma especificidade relativamente baixa, podendo resultar em uma avaliação da concentração de cortisol maior do que os valores reais (Gao et al., 2013). O método LC-MS/MS é uma das análises de espectrometria de massa, consideradas “padrão ouro” na análise do cabelo, possuindo maior sensibilidade e grande especificidade, entretanto é um método relativamente caro de análise (Gow et al., 2010) e que requer pré-tratamento para separar a substância a ser analisada de outras substâncias interferentes (Quinete et al., 2015), sendo, possivelmente, por tais razões que não seja predominantemente utilizado nos estudos revisados.
No presente estudo de revisão, embora tenha-se encontrado grande diversidade em todos os aspectos analisados, constatou-se que, a maioria das pesquisas que trabalharam com cortisol capilar utilizaram em suas amostras indivíduos de ambos os sexos, objetivaram mensurar o cortisol capilar a partir de amostras de fios de cabelo, cortados na região do vértice posterior da cabeça, o mais próximo possível da raiz, por ser a área com a menor variabilidade da taxa de crescimento, além de ter a maior concentração de cortisol. O comprimento e a quantidade de fios coletados variaram de acordo com os objetivos propostos e poucos artigos levaram em consideração as diferenças étnicas relacionadas a taxa de crescimento mensal do cabelo. A maioria dos estudos priorizou o uso de fios de 3 cm de comprimento.
Ainda constatou-se a ausência de um protocolo único quanto ao método de lavagem das amostras de cabelo, ao tratamento dos fios antes de se realizar às análises, bem como quanto ao método utilizado para extração e análise deste hormônio, o que dificulta a comparação dos resultados encontrados. O que se destacou quanto a estes aspectos é que, em geral, os estudos utilizaram o composto isopropanol para lavagem de suas amostras, pulverizaram as amostras de cabelo e realizaram a análise da concentração de cortisol com três métodos principais, o CLIA, o ELISA e o LC-MS/MS. Destaca-se, também a escassez de estudos que tenham pretendido identificar o estresse crônico em atletas ou em indivíduos realizando algum tipo de exercício.
REFERÊNCIAS
Boumba, V. A., Ziavrou, K. S., & Vougiouklakis, T. (2006). Hair as a biological indicator of drug use, drug abuse or chronic exposure to environmental toxicants. International Journal of Toxicology, 25. doi: 10.1080/10915810600683028. [ Links ]
Cooper, G. A., Kronstrand, R., & Kintz, P. (2012). Society of Hair Testing guidelines for drug testing in hair. Forensic science international, 218. doi: 10.1016/j.forsciint.2011.10.024. [ Links ]
Silva, A. M. B. D., & Enumo, S. R. F. (2014). Estresse em um fio de cabelo: revisão sistemática sobre cortisol capilar. Avaliação Psicológica, 13.
Xue, X., Zheng, C., Jifeng, L., Jing, Z., Huihua, D., & Zuhong, L. (2013). Study on dissolution mechanism of cortisol and cortisone from hair matrix with liquid chromatography–tandem mass spectrometry. Clinica Chimica Acta, 421. doi:10.1016/j.cca.2013.02.035. [ Links ]
Wosu, A. C., Gelaye, B., Valdimarsdóttir, U., Kirschbaum, C., Stalder, T., Shields, A. E., & Williams, M. A. (2015). Hair cortisol in relation to sociodemographic and lifestyle characteristics in a multiethnic US sample. Annals of epidemiology, 25. doi:10.1016/j.annepidem.2014.11.022 [ Links ]
Endereço para Correspondência
Código Postal 80210-132, Rua Coração de Maria, 92, Campus Jardim Botânico, Curitiba, PR, Brasil. E-mail: diegostammp@gmail.com
Recebido em 31 de Janeiro de 2017
Aceite em 01 de Outubro de 2017