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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.1 Lisboa abr. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190104 

Sexo casual: autoestima e busca de sensações sexuais em universitárias

Casual sex: self-esteem and sexual feelings in university

Andresa Pinho Soster 1,2,*& Elisa Kern de Castro1,2

 

1Grupo de Estudos Avançados em Psicologia da Saúde – GEAPSA Unisinos; apsoster@hotmail.com

2 Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, RS, Brasil; elisa.kerndecastro@gmail.com

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

A prática do sexo casual tem sido relacionada à busca de sensações e à autoestima. O objetivo do estudo foi examinar a autoestima, a busca de sensações sexuais e a percepção da satisfação sexual em universitárias com (CEX) e sem experiência (SEX) de sexo casual. Com um desenho transversal comparativo, 1.133 universitárias entre 18 e 25 anos responderam a um questionário on-line com a Escala de Autoestima de Rosenberg e a Escala de Busca de Sensações Sexuais. A autoestima das universitárias dos grupos CEX e SEX foram semelhantes. Contudo, o grupo CEX apresentou maior busca de sensações sexuais geral (t = 10,73; p < 0,001), que esteve correlacionada neste grupo com autoestima (r = 0,13; p < 0,001), número de parceiros sexuais (r = 0,23; p < 0,001), número de experiências sexuais (r = 0,20; p < 0,001) e satisfação com o sexo casual (r = 0,27; p < 0,001). No grupo SEX, a busca de sensações sexuais geral esteve correlacionada negativamente à percepção de prejuízo social (r = -0,16; p < 0,01) e psicológico (r = -0,32; p < 0,001). Os resultados demonstram diferenças na busca de sensações sexuais e percepção da satisfação do sexo casual entre os grupos. Quanto maior é a busca de sensações sexuais, maior é a percepção da satisfação e menor é a percepção dos riscos, prejuízos psicológicos e sociais do sexo casual. No CEX a busca de sensações esteve correlacionada positivamente ao número de parceiros e experiências de sexo casual. Não houve diferença na autoestima entre os grupos.

Palavras-chave: sexo casual, autoestima, busca de sensações sexuais, satisfação sexual, saúde sexual

 

ABSTRACT

The practice of casual sex has been related to the sensation seeking and self-esteem. The objective of the study was to examine the self-esteem, the sexual sensation seeking and the perception of sexual satisfaction in women college students with (CEX) and without experience (SEX) of casual sex. With a comparative cross-sectional design, 1.133 women college students between the ages of 18 and 25 responded to an online questionnaire with the Rosenberg Self-Esteem Scale and the Sexual Sensation Seeking Scale. The self-esteem of the women college students of the CEX and SEX groups was similar. However, the CEX group had a greater search for general sexual sensation seeking (r = 11.46, p <0.001), which was correlated in this group with self-esteem (r = 0.13, p <0.001), number of sexual partners (r = 0.23; p < 0.001), number of sexual experiences (r = 0.20, p <0.001) and satisfaction with casual sex (r = 0.27, p <0.001). In the SEX group, the general sexual sensation seeking was negatively correlated with the perception of social prejudice (r = -0.16, p <0.01) and psychological prejudice (r = -0.32, p <0.001). The results demonstrate differences in the sexual sensation seeking and perception of satisfaction of casual sex between the groups. The greater the sexual sensation seeking, the greater the perception of satisfaction and the lower the perception of the risks, the psychological and social losses of casual sex. In CEX the sexual sensation seeking was positively correlated to the number of partners and experiences of casual sex. There was no difference in self-esteem between groups.

Keywords: casual sex, self-esteem, sexual sensation seeking, sexual satisfaction, sexual health

 

O sexo casual pode ser definido como um tipo de relacionamento ou experiência sexual que ocorre fora de relacionamentos fixos e formais (Claxton & van Dulmen, 2013). Este tema vem sendo pesquisado com universitários na faixa da adultez emergente (Fielder, Walsh, Carey, & Carey, 2014). Nesta fase, que compreende jovens entre 18 e 25 anos, os indivíduos estão mais propensos a vivenciar experiências (relações sexuais e afetivas, trabalho) e explorar sua identidade a fim de desenvolver seus padrões de comportamento (Arnett, 2000). Estudos atuais sobre o sexo casual (Claxton & van Dulmen, 2013; Fielder et al., 2014; Vrangalova, 2015) relacionam esse fenômeno à autoestima e à busca de sensações (Kalichman & Rompa, 1995; Vrangalova, 2015).

A autoestima está relacionada ao autocuidado, aos comportamentos de promoção em saúde e prevenção de riscos (Zou, Tian, Chen, Cheng, & Fan, 2016; Hutz, Zanon, & Vazquez, 2014). Rosenberg (1965) conceitua a autoestima como a maneira que o indivíduo atribui significado, valor, competência e adequação a si mesmo. A partir desta maneira de enxergar-se, a pessoa atribui uma visão positiva ou negativa em relação a si próprio, o que terá um reflexo importante sobre seus comportamentos e suas expectativas em relação ao seu futuro (Hutz, Zanon, & Vazquez, 2014; Rosenberg, 1965). Estudos (Claxton & van Dulmen, 2013; Fielder et al., 2014; Vrangalova, 2015) têm associado o sexo casual ao sofrimento psicológico e à diminuição da autoestima, principalmente para as mulheres (Fielder et al., 2014). Porém, ainda não se pode afirmar que indivíduos com baixa autoestima são atraídos para o sexo casual (Paul, McManus, & Hayes, 2000).

Determinadas características pessoais podem estar relacionadas à prática regular de sexo casual, como é o caso da busca de sensações. É considerado um traço de personalidade que tem influência na tomada de decisão do indivíduo, que geralmente é feita com base na emoção e envolve necessariamente um alto elemento de risco (Zuckerman & Kuhlman, 2000). A busca de sensações sexuais se caracteriza como uma dimensão da busca de sensações e diz respeito à necessidade de procurar experiências novas, variadas e complexas de forma a amplificar as sensações sexuais mesmo correndo riscos físicos e sociais (Santos Pechorro et al., 2015). Diante disso, pode-se afirmar que indivíduos com alto nível de busca de sensações sexuais tendem a minimizar a percepção de risco das situações e deixar de usar medidas de proteção diante dos riscos envolvidos (uso de preservativo, prevenção à violência) (Fielder, Walsh, Carey, & Carey, 2014; Hoyle, Fejfar, & Miller, 2000; Skakoon-Sparling, Cramer, & Shuper, 2016).

O interesse em conduzir estudos envolvendo as variáveis sexo casual, autoestima e busca de sensações está em prevenir comportamentos de riscos em saúde e propor intervenções preventivas aos comportamentos de risco (Santos Pechorro et al., 2015). Nesse sentido, o presente estudo busca examinar a autoestima, a busca de sensações sexuais e correlacionar com percepção da satisfação sexual, percepção de prejuízo psicológico e à vida social e a percepção de risco do sexo casual em universitárias com e sem experiência de sexo casual.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo 1144 universitárias, divididas posteriormente em dois grupos: com experiência de sexo casual (CEX; n = 804) e sem experiência de sexo casual (SEX; n = 329), a partir das suas respostas sobre experiência sexual. A amostra foi selecionada por conveniência, entre aquelas mulheres que tiveram acesso à divulgação da pesquisa nas redes sociais e se propuseram a respondê-la. Os critérios de inclusão para participar neste estudo foram: ser mulher, ser brasileira, possuir entre 18 e 25 anos e ser estudante universitária de curso de graduação. Foram excluídas 11 mulheres que não eram brasileiras ou não eram estudantes de cursos de graduação, totalizando para esse estudo uma amostra de 1133 universitárias.

Material

Ficha de dados sociodemográficos e de saúde: Foram coletados dados referentes à escolaridade, idade, religião, naturalidade, estado civil, dados profissionais, dados clínicos, comportamentos de autocuidado em saúde, além de histórico, hábitos e comportamento sexual.

Questionário de investigação de percepção do sexo casual em universitárias (QPSC). Questionário semiestruturado online, construído a partir dos dados da literatura, para medir a percepção de riscos relacionadas ao sexo casual. O questionário foi composto por 95 questões de múltipla escolha e questões abertas para explorar percepções de risco envolvendo o sexo casual. Para este estudo foram utilizadas as seguintes questões contidas neste questionário: percepção da satisfação do sexo casual, percepção do prejuízo social e do prejuízo psicológico, percepção do risco do sexo casual e do risco da relação casual sem preservativo. As participantes poderiam responder dando seu grau de concordância com a afirmação (tipo Likert de dez pontos), variando de 0 (nenhum risco/prejuízo) a 10 (máximo risco/prejuízo).

Escala de Autoestima de Rosenberg (Rosenberg,1989). É uma escala unidimensional autoaplicável com dez questões, que tem o objetivo de avaliar autoestima a partir do autoconceito e autovalor. A versão brasileira do instrumento demonstra consistência interna satisfatória (alfa de Cronbach = 0,90) e avalia a autoestima através de uma escala tipo Likert de quatro pontos variando de 1 (discordo totalmente) a 4 (concordo totalmente) (Hutz, Zanon, &Vazquez, 2014).

Escala de busca de sensações sexuais (Kalichman et al., 1995; Pechorro et al., 2015; Zuckerman et al., 1964). É uma escala unidimensional autoaplicável com dez questões, respondidas através de uma escala tipo Likert de quatro pontos variando de 1 (discordo totalmente) a 4 (concordo totalmente). A escala tem o objetivo de avaliar a busca de sensações sexuais. Valores altos na pontuação correspondem a níveis altos de busca de sensações sexuais. A escala foi desenvolvida a partir dos estudos de Zuckerman et al. (1964) por Kalichman et al. (1995). A versão do instrumento em língua portuguesa foi validada e demonstra consistência interna satisfatória (alfa de Cronbach = 0,70) (Pechorro et al., 2015).

Procedimentos de Coleta de dados e Éticos

A pesquisa foi divulgada em redes sociais (Whatsapp e Facebook) direcionadas a grupos de universitários e universidades, além de divulgação junto às instituições universitárias e professores universitários. Foi direcionado aos grupos um link para resposta de um questionário online contendo os instrumentos utilizados neste estudo. Após a concordância das participantes com os termos expressos no Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), as mesmas prosseguiram respondendo às questões da ficha de dados sociodemográficos e de saúde, ao questionário QPSC, a Escala de Busca de Sensações e a Escala de Rosenberg.

A presente pesquisa foi amparada pela Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, órgão do Ministério da Saúde que estipula as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas com seres humanos. Além disso, foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale dos Sinos (por número CAAE). Os dados das participantes foram mantidos em sigilo, tendo acesso aos dados apenas os pesquisadores envolvidos na pesquisa. Esta pesquisa apresentou risco mínimo às participantes sendo o único ônus o tempo dispensado para responder ao instrumento de pesquisa. As participantes podem ter acesso aos resultados por meio de publicações científicas que serão elaboradas a partir dos resultados da pesquisa.

Procedimentos de Análise de dados

Os dados foram tabulados e analisados através do programa SPSS, versão 22.0. O tratamento dos dados foi realizado através de estatística descritiva (frequência e percentual, médias e desvios-padrão) das variáveis sociodemográficas e de autoestima e busca de sensações. Foi utilizado o teste t de student para comparação das médias das variáveis avaliadas nos grupos CEX e SEX (análise intergrupos) e de correlações de Pearson para análise da correlação das variáveis em cada grupo separadamente (análise intragrupos).

 

RESULTADOS

Análises descritivas

Do total de 1133 participantes, do grupo CEX composto por 804 universitárias, a média de idade foi de 21,73 anos (DP = 2,17) e no grupo SEX composto por 329 universitárias, a média de idade foi de 21,05 anos (DP = 2,05). A média de parceiros sexuais do grupo CEX foi de 2,58 (DP = 4,76) nos últimos 6 meses. Já a média de relações de sexo casual no grupo CEX foi de 5,59 (DP = 14,9) no último semestre. O Quadro 1 demonstra os principais dados sociodemográficos das universitárias, distribuídos por grupos.

 

 

Análises intergrupos

O Quadro 2 descreve os resultados obtidos sobre autoestima, busca de sensações sexuais, percepção da satisfação do sexo casual, percepção do prejuízo à vida social, do prejuízo psicológico, percepção do risco do sexo casual e risco da relação sexual casual sem preservativo. As universitárias do grupo CEX apresentaram maiores níveis de busca de sensações sexuais e de satisfação com o sexo casual, e relataram menor prejuízo à vida social e prejuízo psicológico, bem como menor percepção de risco com sexo casual e menor percepção de risco do sexo casual sem uso de preservativo.

 

 

Análises de correlação intragrupo da autoestima, busca de sensações e variáveis sobre o sexo casual

Foram feitas análises de correlação entre as variáveis autoestima, busca de sensações e variáveis sobre sexo casual separadas para cada grupo. O Quadro 3 apresenta os resultados das correlações entre as variáveis.

 

 

DISCUSSÃO

Os resultados demonstram diferenças significativas entre os grupos nas médias da busca de sensações sexuais, percepção da satisfação, prejuízos psicológicos, prejuízos à vida social, do risco do sexo casual e do risco da relação sexual casual sem preservativo. Não houve diferença na autoestima entre os grupos. Quanto maior é a busca de sensações sexuais, maior é a percepção da satisfação e menor é a percepção dos riscos, prejuízos psicológicos e sociais do sexo casual. No CEX a busca de sensações esteve correlacionada positivamente ao número de parceiros e experiências de sexo casual.

Este estudo demonstrou que não há diferença entre os níveis de autoestima nos grupos com e sem experiência de sexo casual, contrariando estudos anteriores que associavam sexo casual à baixa autoestima (Fielder et al., 2014; Vrangalova, 2015). As diferenças entre os estudos anteriores talvez possam ser explicadas por diferenças culturais entre as amostras. Estudos anteriores foram realizados com universitários americanos que cursavam o primeiro ano da graduação. Pode ser que níveis baixos de autoestima estejam relacionados à outras variáveis deste momento de adaptação à universidade e não somente ao sexo casual (Lee, Dickson, Conley, & Holmbeck, 2014). No grupo CEX a autoestima esteve relacionada à menor percepção de prejuízo psicológico e à vida social. A autoestima vem sendo relacionada ao ajustamento emocional e utilização de estratégias de coping em universitários (Hutz, Zanon, & Vazquez, 2014; Lee et al., 2014). Neste sentido pode também ser vista como um fator de proteção e não como uma consequência negativa do sexo casual. Indivíduos com alta autoestima geralmente têm uma visão positiva de si, se sentem agradáveis ​​e bem-sucedidos em muitos domínios, incluindo relações interpessoais. Isto pode sugerir o uso de estratégias que vão afetar as interações sociais e o ajustamento psicológico (Lee et al., 2014). Além disto, as universitárias brasileiras, possuem características envolvendo autoafirmação, sociabilidade e abertura à experiências (Bartholomeu, Sancineto, & Machado, 2008). Estas características podem refletir sua autoestima e contribuir para perceber e agir nas interações sociais, inclusive no sexo, de uma maneira natural, reduzindo os prejuízos psicológicos do sexo casual.

Ao perceber menor risco e maior prazer/satisfação em relação ao sexo, as universitárias poderiam deixar de tomar medidas de proteção (Zuckerman & Kuhlman, 2000). Porém, mesmo a média do constructo da busca de sensações no CEX sendo maior, a média da percepção de risco da relação com parceiro (a) casual sem preservativo foi alta (Quadro 2). Neste sentido, pode-se pensar que as universitárias não deixem de tomar medidas de proteção (uso de preservativo) nas relações com parceiros (as) casuais pelo risco percebido em relação à saúde física (Leventhal, Phillips, & Burns, 2016). É visto que a busca de sensações é considerada preditora na tomada de decisão envolvendo riscos (Kalichman & Rompa, 1995). Porém existem outras variáveis que podem interagir na tomada de decisões sexuais e na decisão pelo sexo desprotegido, dentre elas: o papel da excitação sexual (Norris et al., 2009). Neste sentido a tomada de decisão para o risco pode interagir com outros fatores e este fenômeno demonstra ser mais complexo. Para tanto, o estudo sobre a tomada de decisões de risco envolvendo o sexo casual e sua interação com variáveis psicológicas deve ser ampliado.

Acredita-se que a limitação deste estudo resida no fato de não levar em conta outras variáveis que auxiliem a compreender a vivência do sexo casual pelas universitárias. Os dados encontrados neste estudo não são decisivos, mas abrem campo para novas perspectivas no estudo sobre o sexo casual. Estes achados podem auxiliar o psicólogo da saúde a compreender a percepção e comportamento sexual da mulher. Isto contribui para estratégias de prevenção à saúde (doenças) numa esfera física, psicológica e social. Busca-se auxiliar para que a mulher vivencie a sexualidade preservando sua saúde, com satisfação e equidade.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para Correspondência

Av. Unisinos, 950, Bairro Cristo Rei São Leopoldo, RS, Brasil 93022-000. e-mail: apsoster@hotmail.com .

 

Recebido em 29 de Novembro de 2017/ Aceite em 31 de Dezembro de 2017

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