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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.1 Lisboa abr. 2018

https://doi.org/10.15309/18psd190108 

Avaliação da imagem corporal na cirurgia bariátrica: o contributo português

Evaluation of body image in bariatric surgery: the portuguese contribution

André Ferreira1,2,* & Anabela Pereira2

 

1Hospital do Espírito Santo de Évora, Évora, Portugal;

2Departamento de Educação e Psicologia, Universidade de Aveiro, Aveiro, Portugal. andreferreirapsi@gmail.com ; anabelapereira@ua.pt

 

Endereço para Correspondência

 

RESUMO

Para os graus de obesidade mais elevados, a cirurgia bariátrica é atualmente o tratamento mais eficaz, recomendando-se a avaliação e intervenção psicológica. Este é um estudo exploratório, observacional, e transversal, com amostra não probabilística de 293 sujeitos (amostra clínica de 165 sujeitos de dois hospitais portugueses e amostra não clínica de 128 alunos do Ensino Superior). Para avaliar a insatisfação com a imagem corporal (IIC), utilizou-se a Escala de Silhuetas para Cirurgia da Obesidade (ESCO). Toda a amostra clínica apresentou IIC (preferia corpo de menor volume). Cerca de 41% da amostra não clínica estava satisfeita com a imagem corporal e 58,6% apresentava IIC (47,7% preferia corpo de menor volume e 10,9% corpo de maior volume). Os doentes bariátricos apresentaram IIC mais elevada (5,15 ± 1,75), do que os sujeitos normoponderais ou com pré-obesidade (0,54 ± 0,84), t(274) = 29,06, p = 0,001. A diferença entre participantes com diferentes classes de índice de massa corporal (IMC), em relação à imagem corporal atual (ICA) é estatisticamente significativa, χ2 (7) = 105,94, p = 0,001, sendo que os sujeitos da amostra clínica escolheram figuras de ICA correspondentes a IMC bastante mais acima do seu IMC atual, comparativamente aos sujeitos da amostra não clínica. Este estudo sugere que a ESCO, único instrumento desenhado para avaliar a IIC dos doentes bariátricos portugueses, contribui para os clínicos desenharem intervenções psicológicas individualizas, e potenciar os resultados cirúrgicos.

Palavras-chave: obesidade, cirurgia bariátrica, imagem corporal, escala de silhuetas, avaliação psicológica

 

ABSTRACT

Currently bariatric surgery is the most effective treatment for the most severe forms of obesity, to which psychological assessment and intervention are recommended. This study is exploratory, observational, and transversal, with a non-probabilistic sample of 293 subjects (clinical sample of 165 subjects from two Portuguese hospitals and non-clinical sample of 128 college students). In order to assess body image dissatisfaction (BID), we used the Scale of Silhouettes for Obesity Surgery [Escala de Silhuetas para Cirurgia da Obesidade (ESCO)]. The entire clinical sample presented BID (preferred a body with less volume). Approximately 41% of the non-clinical sample was satisfied with the body image and 58.6% presented BID (47.7% preferred a body with less volume and 10.9% a body with higher volume). Bariatric patients presented higher BID (5.15 ± 1.75), than normal-weigh subjects or with pre-obesity (0.54 ± 0.84), t(274) = 29.06, p = 0.001. The difference between participants with different body mass index (BMI) classes, in relation to current body image (CBI) is statistically significative, χ2 (7) = 105.94, p = 0.001, once the subjects from the clinical sample chose images of CBI corresponding to a much higher BMI than their current BMI, in comparison to the subjects from the non-clinical sample. This study suggests that the ESCO, the only instrument designed to assess BID of the Portuguese bariatric patients, contributes to the task of the clinics to design individualized psychological interventions, and to enhance the surgical results.

Key-words: obesity, bariatric surgery, body image, silhouette scale, psychological assessment

 

Durante as últimas três décadas, tem-se verificado o aumento da obesidade em crianças e adultos (Ng et al., 2014). Na União Europeia em 2014, 35,7% dos adultos estavam em situação de pré-obesidade e 15,9% de obesidade. Em Portugal, 36,9% estavam em situação de pré-obesidade e 16,6% de obesidade (Eurostat, 2017). A obesidade acarreta várias implicações para a saúde física e psicológica dos doentes, nomeadamente a insatisfação com a imagem corporal (IIC) (Sarwer & Polonsky, 2016). Para os graus de obesidade mais elevados, a cirurgia bariátrica é atualmente o tratamento mais eficaz (National Health and Medical Research Council, 2013), para a qual se recomenda a avaliação e intervenção psicológica (Ratcliffe et al., 2014).

A imagem corporal pode ser definida como o conjunto de pensamentos, sentimentos, e perceções de uma pessoa sobre o seu corpo. A IIC pode ser definida como o conjunto de pensamentos negativos, sentimentos, e perceções de uma pessoa sobre o seu corpo (Ferreira & Pereira, 2016). As pessoas com obesidade tendem a apresentar elevados níveis de IIC, comparativamente aos sujeitos normoponderais (Weinberger, Kersting, Riedel-Heller, & Luck-Sikorski, 2016).

Existem várias escalas de silhuetas para avaliar a imagem corporal em diversos contextos. Contudo, a revisão sistemática de Ferreira e Pereira (2016), encontrou apenas duas escalas de silhuetas claramente associadas a índices de massa corporal (IMCs) superiores a 35 kg/m2 (obesidade grave). Posteriormente, os mesmos autores criaram uma nova escala de silhuetas, a Escala de Silhuetas para Cirurgia da Obesidade (ESCO) (Ferreira & Pereira, 2017), especificamente desenhada para avaliar a IIC dos doentes bariátricos portugueses. O presente artigo, tem como objetivo principal apresentar os principais dados referentes à utilização desta escala numa amostra de doentes bariátricos portugueses e numa amostra de estudantes do Ensino Superior.

Foram estabelecidas cinco hipóteses de investigação. A primeira considera que os sujeitos com obesidade da amostra clínica terão maior IIC, do que os sujeitos normoponderais ou com pré-obesidade da amostra não clínica; a segunda que os sujeitos com IMCs mais elevados (de ambas as amostras) terão níveis mais elevados de IIC, do que os sujeitos com IMCs mais baixos; a terceira que os sujeitos com obesidade da amostra clínica, escolherão uma figura de imagem corporal atual (ICA) correspondente a índice de massa corporal (IMC) bastante mais elevado do que o seu IMC atual, e os sujeitos normoponderais da amostra não clínica, escolherão figura de ICA correspondente a IMC igual ou semelhante ao IMC atual. A quarta, considera que não há diferenças estatisticamente significativas entre sexos e grupos etários, para a IIC. A quinta, considera que não existem diferenças estatisticamente significativas na ICA, imagem corporal desejada (ICD), e IAC, entre os sujeitos do Hospital do Espírito Santo de Évora–EPE (HESE) e do Hospital de Santa Maria–CHLN–EPE (HSM).

 

MÉTODO

Participantes

A amostra total não probabilística é de 293 sujeitos, com uma amostra clínica multicêntrica de 165 sujeitos de dois hospitais portugueses (110 sujeitos do HESE; 55 sujeitos do HSM), e uma amostra não clinica, constituída por 128 alunos da Universidade de Évora.

Material

Foi utilizada uma balança eletrónica digital (SECA®), para pesar os doentes sem registo de peso recente, e um questionário para recolha de dados sociodemográficos.

Para avaliar a imagem corporal, utilizou-se a ESCO (Ferreira & Pereira, 2017) (Fig. 1 e 2). Esta é constituída por 11 figuras a preto e branco representativas de volumes corporais, distribuídos por ordem crescente nas categorias de IMC, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2000) e, Mechanick e Brett (2012), desde baixo peso (< 18,5 kg/m2), a obesidade de grau V (super-super obesidade, ≥ 60 kg/m2). A administração da escala é efetuada numa folha A4. Na primeira página constam 11 silhuetas (masculinas ou femininas, consoante o sexo do sujeito), organizadas por ordem crescente e numeradas de 1 a 11, onde o sujeito deverá selecionar a silhueta que corresponde à sua ICA. Na segunda página constam as mesmas silhuetas, devendo o sujeito selecionar a figura que corresponde à sua ICD (imagem corporal desejada). A diferença entre a primeira e a segunda pontuação (a pontuação corresponde ao número da figura selecionada), permite obter a presença ou a ausência, e o nível, da IIC. Zero indica satisfação com a imagem corporal, resultados entre 1 e 10 indicam IIC, com preferência por corpo de menor volume (10 representa a maior insatisfação).

 

 

 

 

Procedimento

Todos os participantes leram e assinaram um consentimento informado, segundo as normas da Comissão Nacional de Protecção de Dados, os princípios éticos da Declaração de Helsínquia, e os princípios que regem a investigação em psicologia. O protocolo do estudo foi apreciado e aprovado pelo Conselho de Administração do HESE e pela Comissão de Ética do Centro Académico de Medicina de Lisboa.

A análise estatística foi efetuada com SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 21.0 para Windows. Utilizámos estatísticas descritivas e inferenciais. O nível de significância para rejeitar a hipótese nula foi de alfa ≤ 0,05. Utilizámos o coeficiente de correlação de Pearson, o teste do Qui-quadrado de independência, e o test t de Student para amostras independentes. A análise de variância One-Way ANOVA, seguida do teste post-hoc de Tuckey, foi efetuada para verificar se existiam diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de IMC e a IIC.

 

RESULTADOS

Na amostra clínica, a maioria eram mulheres (84,5% – HESE; 80% – HSM). Quanto ao IMC, distribuiu-se pela obesidade de grau II (19,1% – HESE; 20,0% – HSM), grau III (63,6% – HESE; 58,2% – HSM), grau IV (10,9% – HESE; 14,5% – HSM), e grau V (1,8% – HESE; 5,5% – HSM). Na amostra não clínica, a maioria também eram mulheres (64,1%), 10,2% dos sujeitos tinham baixo peso, 71,1% eram normoponderais, 15,6% tinham pré-obesidade, e 3,1% obesidade de grau I.

A totalidade da amostra clínica apresentava IIC, preferindo um corpo de menor volume. Os sujeitos do HESE apresentavam um valor médio de IIC de 5,39 (± 1,76) e, os sujeitos do HSM apresentavam um valor médio de 4,65 (± 1,65). Verificou-se que 41,4% da amostra não clínica estava satisfeita com a imagem corporal e que 58,6% apresentava IIC (47,7% preferia corpo de menor volume e 10,9% corpo de maior volume). Foi efetuado o teste de Qui-quadrado com simulação de Monte Carlo, para analisar a relação entre a IIC e as categorias de IMC, o que resultou numa correlação estatisticamente significativa entre o valor de IIC e o IMC, χ2 (14) = 174,72, p = 0,001.

Testando as Hipóteses

A Hipótese 1 foi confirmada, uma vez que se verifica a diferença estatisticamente significativa entre os sujeitos normoponderais ou com pré-obesidade (amostra não clínica), e os sujeitos com obesidade da amostra clínica, com os sujeitos bariátricos a apresentarem IIC mais elevada (5,15 ± 1,75), do que os sujeitos normoponderais ou com pré-obesidade (0,54 ± 0,84), t(274) = 29,06, p = 0,001.

Verificou-se a confirmação da Hipótese 2, uma vez que através da análise de variância One-Way ANOVA, se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os participantes de diferentes grupos de IMC em relação à IIC, F(7, 37,536) = 161,25, p = 0,001. Particularmente, com o teste post-hoc de Tukey, encontraram-se diferenças estatisticamente significativas entre os sujeitos normoponderais (0,31 ± 0,66) e os sujeitos com obesidade de grau I (2,70 ± 1,42) e II (4,31 ± 1,60), mas não entre os sujeitos com obesidade de grau III, IV, e V.

Também a Hipótese 3 foi confirmada, tendo em conta que a diferença entre participantes de diferentes grupos de IMC em relação à ICA é estatisticamente significativa, χ2(7) = 105,93, p = 0,001. Existe uma elevada proporção significativa de sujeitos da amostra não clínica que escolheram figuras de ICA correspondentes ao seu IMC atual (15,6%) ou uma figura acima (58,6%), e de sujeitos da amostra clínica que escolheram três (22,4%), quatro (23,6%), ou cinco (12,7%) figuras de ICA acima do seu IMC.

Confirmou-se também a Hipótese 4, ao não se verificarem diferenças estatisticamente significativas na IIC entre homens e mulheres, nem entre as várias categorias etárias.

Quanto à Hipótese 5, foi parcialmente confirmada. Encontraram-se diferenças marginalmente significativas de ICA, com valores médios ligeiramente superiores no HESE (8,93 ± 1,64), comparativamente ao HSM (8,42 ± 1,64), t(163) = 1,87, p = 0,06. Também encontrámos diferenças estatisticamente significativas na IIC, uma vez que o HESE apresentava valores médios mais elevados (5,39 ± 1,76), do que o HSM (4,65 ± 1,65), t(163) = 2,58, p = 0,01. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas na ICD.

 

DISCUSSÃO

Encontrámos que toda a amostra clínica apresentava IIC e, como esperado, preferia um corpo com menor volume, o que é consonante com vários estudos, que verificam elevada prevalência de IIC entre os doentes bariátricos pré-cirúrgicos (e.g., Price, Gregory, & Twells, 2014). Tal parece consistente com o facto de muitos doentes referirem a melhoria da sua aparência, como uma das principais razões para enveredar pela cirurgia bariátrica, a seguir às preocupações com a saúde e às limitações físicas (e.g., Wee et al, 2013).

Também como esperado, os doentes com obesidade pré-cirúrgicos apresentavam maior IIC, do que os sujeitos normoponderais ou com pré-obesidade da amostra não clínica. O mesmo observaram Weinberger et al. (2016), com uma revisão sistemática e meta-análise. Analisaram 14 estudos, quatro dos quais utilizaram escalas figurativas, e encontraram que os sujeitos com obesidade apresentavam maior IIC, do que os sujeitos normoponderais (utilizando questionários e escalas figurativas).

Uma das hipóteses assumia que os sujeitos com IMCs mais elevados teriam níveis de IIC mas elevados, do que os sujeitos com IMCs mais baixos, o que os nossos resultados confirmaram, corroborando o reportado na literatura (e.g., Bucchianeri, Arikian, Hannan, Eisenberg, & Neumark-Sztainer, 2013). Contudo, encontrámos que o nível de IIC era diferente, dependendo do grupo de IMC. Os participantes com maior IIC apresentam maior IMC, apesar de não existirem diferenças significativas na IIC entre os sujeitos com obesidade de grau III, IV, e V.

Indo também ao encontro do expectado, os sujeitos com obesidade da amostra clínica sobrestimavam o seu tamanho corporal, muito mais do que os sujeitos normoponderais, uma vez que os doentes bariátricos escolheram figuras de ICA correspondente a IMC atual bastante superior. Resultados diferentes são encontrados na literatura, dependendo de fatores como o desenho dos estudos e os instrumentos utilizados. Por um lado, Docteur, Urdapilleta, Defrance, e Raison (2010), relataram que os pacientes com obesidade tinham maior nível de distorção (perceção de corpos mais volumosos do que a realidade) e insatisfação corporal, do que os sujeitos normoponderais. Para além disso, os sujeitos com obesidade mais grave perceberam os seus corpos como sendo mais volumosos do que a realidade, comparativamente aos doentes com graus de obesidade inferiores. Por outro lado, o estudo de Price et al. (2014), observou que mais de metade dos candidatos a cirurgia bariátrica (53%) subestimavam o seu verdadeiro tamanho corporal (através de escala figurativa). A distorção do tamanho corporal, poderá estar associada com as perturbações do comportamento alimentar, as quais estão associadas a sobrestimação do tamanho corporal (Gutiérrez-Maldonado, Ferrer-García, Caqueo-Urízar, & Moreno, 2010). Apesar de estas não terem sido avaliadas no nosso estudo, a sua elevada prevalência nos pacientes bariátricos está bem documentada (e.g., Allison et al., 2006), podendo ter influenciado os resultados de distorção do tamanho corporal encontrados.

Apesar de o trabalho apresentar algumas limitações, nomeadamente o facto de não ter sido possível obter uma amostra da comunidade com as características sociodemográficas da amostra clínica, consideramos que se sobrepõe a utilidade dos resultados obtidos. O presente estudo suscitou o interesse de novas investigações. Seria bastante relevante a sua replicação com uma amostra da comunidade com características sociodemográficas equivalentes às da amostra clínica. A grande redução ponderal obtida após a cirurgia bariátrica, poderá levar ao aparecimento de excesso de peles, alterando o aspeto corporal para além do volume. Assim, seria importante utilizar a ESCO após a cirurgia bariátrica, avaliando-se a necessidade de alterações nesta, para criar silhuetas para o pós-cirúrgico.

A avaliação psicológica dos doentes candidatos a cirurgia bariátrica é fundamental. Os dados obtidos neste estudo através da ESCO, corroboram a noção clínica da importância da avaliação da imagem corporal. Esta avaliação contribuirá para o desenho de intervenções psicológicas específicas para cada doente, promovendo o sucesso cirúrgico. Atualmente, estas tarefas serão facilitadas com o novo instrumento (ESCO) aqui utilizado para avaliar a IIC, o único desenhado especificamente para os doentes bariátricos portugueses.

 

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Endereço para Correspondência

Largo Senhor da Pobreza, 7000-811 Évora. e-mail: andreferreirapsi@gmail.com

 

Recebido em 06 de Outubro de 2017/ Aceite em 31 de Dezembro de 2017

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