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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.3 Lisboa dez. 2018
https://doi.org/10.15309/18psd190311
Estratégias cognitivas de regulação emocional: associação com sintomas pós-traumáticos
Cognitive strategies of emotional regulation: association with post-traumatic symptoms
Amanda Borges Fortes¹, Cintia Pacheco Maia¹, Christian Haag Kristensen²
¹Acadêmica do curso de psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, Brasil.²Doutor em psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre, Brasil, christian.kristensen@pucrs.br
RESUMO
É possível identificar no Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) uma intensa variedade de respostas emocionais prejudiciais à qualidade de vida do indivíduo. Há, com isso, a importância de compreender a associação da regulação emocional em relação aos desfechos da exposição a eventos traumáticos. O presente estudo tem como objetivo comparar o uso das estratégias cognitivas de regulação emocional entre populações com alta e baixa sintomatologia de TEPT. A amostra total consiste em 38 participantes que foram divididos em dois grupos de acordo com o grau de sintomatologia de TEPT. Foi aplicado o Post-Traumatic Stress Disorder Checklist (PCL-5) para avaliar o grau de sintomatologia de TEPT e o Cognitive Emotion Regulation Questionnaire (CERQ) para avaliar as estratégias mais utilizadas pelos participantes. Como resultados, encontrou-se diferenças estatisticamente significativas, visto que o grupo com alta sintomatologia faz mais uso de estratégias desadaptativas no geral (p<0.001) e específicas: Auto-Culpa (p<0.004); Ruminação (p<0.001); Catastrofização (p<0.001); e Culpabilização dos Outros (p<0.005). Quanto às estratégias adaptativas, só houve diferença estatisticamente significativa na estratégia específica de Focalização no Positivo (p<0,044). Desta forma, o estudo confirma a ideia proposta na literatura, apresentando que as estratégias desadaptativas de regulação emocional estão associadas a populações com índices elevados de sintomas para TEPT.
Palavras-chave: bregulação emocional cognitiva, estratégias de regulação emocional, TEPT
ABSTRACT
There are a vast variety of emotional responses that is prejudicial to the quality of life in Post-Traumatic Stress Disorder (PTSD). Therefore, it is very important to understand the importance of scarcity on the literature in this matter. The present study aims to compare the use of cognitive emotion strategies between populations with high and low PTSD symptoms. The sample consisted in 38 participants, who were divided in two groups according to the degree of PTSD symptomatology. The instruments used were the Post-Traumatic Stress Disorder Checklist (PCL-5) to evaluate the symptom’s level of PTSD and the Cognitive Emotion Regulation Questionnaire (CERQ) to track the cognitive emotion strategies. As results, it was found that there is statistically significant differences between the groups, since the group with high symptomatology makes more use of maladaptive strategies (p<0.001): auto-blame (p<0.004), rumination (p<0.001); and guilting others (p<0.005). About the adaptive strategies, there was only one specific strategy that appeared statistically significant difference, which was Positive Focalization (p<0.044). Thus, the present study confirms the idea proposed in the literature, showing that the maladaptive strategies of emotional regulation are associated with high symptoms for PTSD.
Keywords: cognitive emotional regulation, strategies of emotional regulation, PTSD
Todas as pessoas estão vulneráveis à exposição a eventos estressantes que ameaçam o bem-estar físico e mental (Scher, 2004). Estima-se que aproximadamente 60 a 90% das pessoas passarão por situações potencialmente traumáticas (Ogle, Rubin, Berntsen, & Siegler, 2013). Compreende-se como evento traumático as situações de estresse intenso, experimentados diretamente ou testemunhadas, em que há ameaça à vida de uma pessoa ou de alguém próximo, lesão grave ou violência sexual (APA, 2013). A vivência de situações como essas pode resultar em efeitos adversos para a saúde e qualidade de vida (Hoffman, Cole, Playford., Grill, Soberg, & Brohi, 2014), tornando o indivíduo vulnerável a apresentar sintomatologias clínicas, bem como prejuízos sociais e econômicos significativos (Keane, Marshall & Teft, 2006).
Dentre vários desfechos negativos associados à vivência de situações traumáticas, o Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) é o mais frequentemente estudado. De acordo com o DSM-5 (APA, 2013), o TEPT caracteriza-se por ser um quadro de intenso sofrimento provocado pela exposição a um evento traumático. Os estudos de prevalência sugerem que aproximadamente 6,8% da população americana irá apresentar TEPT ao longo da vida (Kessler, et al., 2005). Em nosso país tal prevalência pode ser ainda maior, uma vez que o Brasil é classificado como terceiro, em ranking com mais de cem países, no índice de mortalidade por arma de fogo e ocupa a posição de liderança em acidentes de trânsito (ONU, 2013). Embora não exista um estudo de prevalência nacional, dados sobre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, indicaram a prevalência de TEPT de 10,2% em São Paulo e 8,7% na cidade do Rio de Janeiro (Ribeiro et al., 2013).
Devido à prevalência e às consequências do TEPT, torna-se relevante a compreensão dos fatores relacionadas à sua etiologia e manutenção (Taylor, 2006). Há pessoas que apresentam tais características no seu funcionamento por um tempo, porém se recuperam gradualmente de forma efetiva e natural (Boden, et al., 2013; Ehlers & Clarck, 2000). Dentre os fatores de risco associados ao desenvolvimento do TEPT, encontram-se os pré-traumáticos (anteriores ao trauma, como a existência de traumas anteriores, sintomas depressivos, entre outros); peri-traumáticos (durante a exposição ao trauma, como a percepção de risco à vida); e pós-traumáticos (após o trauma, como a percepção do apoio social que obteve) (Brewin, Andrews & Valentine, 2000; Ozer, Best, Lipsy & Weiss et al., 2003).
A exposição a eventos traumáticos pode evocar intensa variedade de respostas emocionais (Tull, Barret & Roemer, 2007). Associado a isso, ressalta-se a importância de compreender a implicação do construto de regulação emocional em relação aos desfechos da exposição a eventos traumáticos (Seligowski, Lee, Bardeen, & Orcutt, 2014). Sabe-se, por exemplo, que indivíduos com alta sintomatologia de TEPT podem experimentar um estado de entorpecimento emocional, sendo relativamente difícil experenciar tanto emoções positivas (amor, alegria, satisfação), como emoções negativas (medo, raiva, tristeza) (APA, 2013). Por outro lado, podem também experimentar de modo intenso emoções secundárias, como culpa e vergonha (Resick & Schnike, 1992). Considera-se, portanto, que, além de todas as repercussões relatadas em decorrência da exposição a um evento traumático, outra consequência importante é o prejuízo na capacidade de regulação emocional (Margis, 2003).
Para melhor compreender o panorama geral de estudos a respeito da regulação emocional, torna-se relevante contextualizar a perspectiva teórica das emoções. Atualmente, as emoções são consideradas como um elemento central para a compreensão do comportamento e funcionamento humano (Lazarus, 2000). Elas são geradas quando uma pessoa ou situação chama atenção; quando estes possuem um significado para quem as sente; e quando desencadeiam um multi-sistema de processos complexos de respostas biológicas e comportamentais (Mesquita & Frijida, 2011), tendo como principais características as mudanças fisiológicas, cognitivas, experienciais e comportamentais que preparam para uma ação (Gross & Thompson, 2007). Além disso, elas influenciam a atenção, tomada de decisão, memória, resposta fisiológica e interações sociais (Gross & Thompson, 2007).
A forma como os indivíduos lidam com situações estressantes é fundamental na determinação do seu bem-estar (Lazarus, 2000). Sendo assim, não é somente a experiência das emoções que importa, mas também suas interpretações e as estratégias utilizadas para lidar com elas ou regulá-las (Garnefski & Kaaji, 2007). Neste entendimento, ressalta-se a capacidade de regular as emoções e mantê-las a nível “controlado” com o objetivo de produzir respostas adequadas às exigências ambientais mesmo diante de intensas experiências emocionais. Sendo assim, o processo de regulação emocional consiste em uma tentativa controlada ou automática para lidar com as emoções (Gross, 2013).
Dentre todas as terminologias utilizadas na tentativa de definir regulação emocional na literatura, há uma proposta integrativa de conceitos de Gratz e Romer (2004). Para as autoras, regulação emocional deve envolver: 1) consciência e compreensão das emoções; 2) aceitação das emoções; 3) habilidade de controlar comportamentos impulsivos e 4) habilidade de usar estratégias de regulação emocional de forma flexível e apropriada para cada situação. A ausência de algumas dessas dimensões indica a presença de dificuldades de regulação emocional. Essas habilidades estão relacionadas a bons desfechos nas relações íntimas, na resolução de problemas, nas tomadas de decisão, na expressão das emoções apropriadas, no controle das emoções e no local de trabalho (Grewal, Brackett & Salovey, 2006). Por outro lado, os déficits na regulação das emoções já foram relacionados a várias psicopatologias, como, por exemplo, o Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) (Leahy, Tirch & Napolitano, 2013), uma vez que a desregulação emocional tem sido estudada como um fator crítico no desenvolvimento e manutenção do transtorno (Seligowski, Lee, Bardeen, & Orcutt, 2014).
Conforme visto, o processo de regulação emocional é muito amplo e complexo em sua totalidade (Schmidt, et al. 2010) e, devido a isso, o presente estudo foca apenas nos aspectos cognitivos da regulação emocional. A regulação emocional cognitiva representa apenas a forma consciente de lidar com as emoções (Garnefski & Kaaji, 2007). A maneira na qual as pessoas regulam suas emoções são consideradas estratégias cognitivas de regulação emocional e essas envolvem processos controlados e conscientes, que são usadas em prol de diminuir emoções negativas (como raiva, ansiedade e tristeza) e aumentar emoções positivas (como amor, interesse e alegria) de acordo com o contexto e suas demandas (Gross 2013; Koole, 2009; Rottenberg & Gross, 2007). Existem diferentes estratégias de regulação emocional para lidar com diferentes emoções específicas. Por exemplo, para melhor lidar com a tristeza, estratégias como reestruturação cognitiva, execução de tarefas de lazer, sociais e esportivas são empregadas. Já para a raiva, os autores relatam efetividade em relação ao uso de estratégias de distração, assertividade, mudança de pensamentos, entre outros (Arándiga & Tortosa, 2004).
O Cognitive Emotion Regulation Questionnaire (CERQ) consiste em um questionário com nove estratégias cognitivas de regulação emocional: auto-culpabilização, aceitação, ruminação, reorganização positiva, planejamento, reavaliação positiva, colocar em perspectiva, pensamento catastrófico e culpabilização do outro. Através da CERQ, é possível mencionar as estratégias cognitivas de regulação emocional que os indivíduos geralmente usam quando experenciam algo desagradável, classificando-as em adaptativas ou desadaptativas (Quadro 1). Tais estratégias são consideradas adaptativas quando são apropriadas ao contexto e usadas de forma flexível, possibilitando o envolvimento com comportamentos saudáveis, assim como a modulação das respostas emocionais de acordo com a situação. Já as estratégias desadaptativas não alteram a resposta emocional indesejada, gerando prejuízos maiores a longo prazo (OBryan, McLeish., Kraemer, 2015; Schaefer, et al., 2018).
Segundo Garnefski, Kraaji e Spinhoven (2007), as estratégias de ruminação, pensamentos catastróficos e auto-culpabilização estão associadas a sintomas de psicopatologias. Em relação aos fatores que corroboram a manutenção do TEPT destaca-se a variável de ruminação (Steihl & Ehlers, 2000). Embora seu mecanismo ainda não esteja claro, a ruminação provavelmente fortalece as percepções negativas, tornando o indivíduo mais vulnerável a catastrofizar sobre o evento aversivo (Ehlers & Çlarck 2000). Por outro lado, as estratégias de reavaliação positiva e focalização em aspectos positivo servem como fator protetivo para a saúde mental. Esta diferenciação é compreendida através do efeito que produz sobre comportamentos e cognições, bem como através de associações com psicopatologias (Aldao & Nolen-Hoeksema, 2010). Esta classificação é de suma importância para planejar a finalidade e o conteúdo de uma intervenção (Garnefski, Kraaji & Spinhoven, 2002). É evidente o crescimento, principalmente a nível internacional, de estudos que buscam investigar associação entre sintomas de TEPT e a desregulação emocional, destacando a relevância do tema no contexto de saúde mental. Por outro lado, a revisão da literatura sobre esta temática ainda evidencia a escassez de estudos que correlacionem as estratégias específicas de regulação emocional com determinadas psicopatologias. Diante disto, o objetivo deste trabalho consiste em avaliar se há diferenças nas estratégias utilizadas por uma população baixa sintomatologia de TEPT e uma população com alta sintomatologia de TEPT.
Método
Participantes
A amostra total consiste em 38 participantes, homens e mulheres, com idades entre 18 e 60 anos, M = 33,42 (DP = 9,56), que foram divididos em dois grupos (alta sintomatologia de TEPT e baixa sintomatologia de TEPT). O grupo com baixa sintomatologia consiste em 20 estudantes universitários que tenham participado da pesquisa de mestrado “Afeto, Estratégias Cognitivas de Regulação Emocional e Sintomas Pós-traumáticos: Validação Do CERQ e um Modelo de Mediação Moderada”, de Julia Schäfer do grupo de pesquisa Cognição Emoção e Comportamento (CEC - PUCRS) e que tenham respondido o questionário CERQ (Cognitive Emotion Regulation Questionnaire), bem como pontuado abaixo do ponto de corte (33 pontos) no questionário PCL-5 (Post-Traumatic Stress Disorder Checklist - 5). Para a amostra com alta sintomatologia, foi utilizado dados de 18 pacientes, que tenham buscado atendimento psicoterápico no ambulatório de Trauma e Estresse da PUCRS (NEPTE - PUCRS), obtido pontuação alta na PCL-5 e respondido o CERQ ao longo da avaliação clínica exigida pelo local. Foram excluídos da amostra aqueles indivíduos não alfabetizados e aqueles que relataram, no questionário de dados sócio-demográficos, a presença de um diagnóstico de Transtornos Psicóticos ou Transtornos Neurológicos (dados por profissionais da saúde).
Material
Ficha de Dados Pessoais e Sócio-Demográficos: As perguntas retiradas do questionário aplicado abordaram dados relativos à idade, sexo, escolaridade, profissão, histórico de saúde e renda familiar. Há também perguntas referentes a possíveis transtornos neurológicos ou psicóticos
Cognitive Emotion Regulation Questionnaire (CERQ): Instrumento desenvolvido por Garnefski, Kraaij e Spinhoven, 2001e adaptado e validado no Brasil por Schaefer, Cibilis, Moura, Tavares, Arteche e Kristensen (2018). CO instrumento consiste em um questionário autoaplicável, que vvisa analisar a capacidade de se regular emocionalmente, bem como os tipos de estratégias mais utilizadas pelos indivíduos em momentos de estresse, classificando-as em adaptativas e desadaptativas.
Post-Traumatic Stress Disorder Checklist - (PCL-5: A PCL-5 foi desenvolvida por Weathers, Litz, Huska e Kaene (1993) e adaptada e validada no Brasil por Berger, Mendlowicz, Vitor, Souza e Figueira (2004). O instrumento é destinado para a aplicação na população civil para avaliar a sintomatologia clínica de diversos tipos de experiências traumáticas. Através da pontuação final, avalia-se a presença de uma sintomatologia clínica pós-traumática significativa.
Procedimento
A coleta de dados do grupo com baixa sintomatologia de TEPT foi realizada via web no primeiro semestre de 2016. A pesquisa foi divulgada através de cartazes e nas secretarias de diferentes cursos da PUCRS.
Os dados do grupo com alta sintomatologia de TEPT foram obtidos através da avaliação clínica realizada no NEPTE. Os indivíduos buscam o ambulatório voluntariamente ou através de encaminhamento de outros profissionais, solicitando uma triagem (realizada por telefone) e, então, aguardam ser chamados para a realização das avaliações. Ao ser realizada a triagem, é necessário, para permanecer no ambulatório, que o paciente feche critérios para o diagnóstico de TEPT ou TEA.
Procedimentos éticos
Todos os dados utilizados foram aprovados pela Comissão Científica da Faculdade de Psicologia e pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da PUCRS. Como apresentado na resolução nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, os participantes foram informados a respeito de todas as informações necessárias, incluindo tratar-se de participação voluntária e sem riscos iminentes à participação. Além disso, a resolução nº 510/2016 também detalha os requisitos para o consentimento dos sujeitos investigados através de um sistema com mecanismos de proteção dos direitos e dos deveres dos participantes. A aprovação para coleta com ambos os grupos foi adquirida através da submissão do projeto de mestrado de Julia Schäfer, “Afeto, Estratégias Cognitivas de Regulação Emocional e Sintomas Pós-Traumáticos: Validação do CERQ e um Modelo de Mediação Moderada” (2016) da PUCRS.
Análise de dados
Os dados foram tabulados e analisados no programa Statistical Package for the Social Sciences(SPSS). Foi realizada a análise quantitativa dos resultados e verificada a normalidade da amostra. As análises estatísticas foram realizadas com testes paramétricos para as variáveis que apresentarem distribuição normal, mas poderão ser utilizados seus equivalentes não paramétricos caso não haja distribuição normal. Para a análise das respostas do questionário sócio-demográfico foram realizadas análises descritivas (frequência, média e desvio padrão).
Para verificar relações entre os escores total e das sub-escalas do CERQ e das variáveis sócio-demográficas contínuas, foi utilizado medidas de correlação. Para verificar se há diferença nas estratégias cognitivas de regulação emocional entre os grupos serão realizadas comparações entre as médias, tendo como variáveis independentes os grupos, os gêneros e as faixas etárias e como variáveis dependentes a pontuação total do instrumento.
Resultados
A amostra selecionada consistiu em 38 participantes que passaram por um evento potencialmente traumático, e, a partir disto, há dois grupos distintos, separados pela presença de alta ou baixa sintomatologia para o TEPT. Dos 38 participantes, 20 estudantes são estudantes universitários da PUCRS com baixa sintomatologia de TEPT e 18 são pacientes que buscaram ambulatório de trauma e estresse da PUCRS que possuem alta sintomatologia de TEPT. No Quadro 2 apresenta os dados demográficos específicos de ambos os grupos, com e sem sintomatologia de TEPT. A comparação foi realizada através de análise descritiva das variáveis.
Em relação às estratégias cognitivas de regulação emocional (conforme avaliadas pelo CERQ), inicialmente foram analisadas as diferenças em relação ao uso de estratégias desadaptativas (auto-culpa, culpar o outro, ruminação e catastrofização) e adaptativas (aceitação, foco no positivo, planejamento, colocar em perspectiva e reavaliação). Verificou-se que as estratégias desadaptativas são mais utilizadas pelo grupo com alta sintomatologia de TEPT [t (36) = 6,48; p < 0,01). Por outro lado, não foi observada diferença estatisticamente significativa em relação ao uso de estratégias adaptativas entre os grupos com alta e baixa sintomatologia de TEPT [t (36) = -0,48; p > 0,05].
Após, foram analisadas as estratégias específicas de regulação emocional. Conforme pode ser visualizado no Quadro 3, foram observadas diferenças entre os grupos em relação às estratégias desadaptativas de regulação emocional, com o predomínio de maior frequência de uso dessas estratégias nos indivíduos com alta sintomatologia de TEPT. Todas essas diferenças são estatisticamente significativas e com tamanhos de efeito grandes (min = 0,96; máx = 1,89). Em relação ao uso de estratégias adaptativas, apenas foi observada uma diferença estatisticamente significativa no uso da estratégia de Focalização no Positivo, que predominou entre os indivíduos com baixa sintomatologia de TEPT. Em relação às demais estratégias adaptativas, não foi possível visualizar um padrão consistente.
Discussão
Atualmente, tem-se buscado compreender a implicação do construto de regulação emocional em relação aos desfechos da exposição aos eventos traumático como fator protetivo ou mantenedor dos sintomas pós-traumáticos (Seligowweki, Lee, Bardeen & Orcutt, 2014). Sabe-se que algumas estratégias específicas utilizadas pelos indivíduos após vivenciar uma situação traumática estão relacionadas à etiologia e manutenção do TEPT (Aldao & Nolen-Hoeksma, 2010). A partir disto, torna-se inegável a relevância do tema e o presente estudo visou adicionar à literatura a identificação das estratégias específicas de regulação emocional que estão associadas ao grau de sintomatologia para TEPT.
Na amostra investigada, todas as estratégias desadaptativas de regulação emocional são mais utilizadas pelo grupo com alta sintomatologia de TEPT. Há possíveis explicações para este resultado, visto que de acordo com a APA (2013), indivíduos com alta sintomatologia de TEPT podem experimentar um estado de entorpecimento emocional, o qual pode ser caracterizado pela dificuldade em experenciar, expressar ou descrever qualquer tipo de emoção. Além disso, a maior reatividade emocional indica dificuldade de regular as emoções e isto pode predizer a severidade dos sintomas de TEPT (Badour & Feldner, 2013).
Ainda mais especificamente, o grupo com alta sintomatologia para o TEPT apresentou maiores escores em todas as estratégias específicas de regulação emocional desadaptativas: Ruminação, Culpabilização do outro, Catastrofização e Autoculpabilização. Resick & Schnike (1992) sugerem que indivíduos com altas sintomatologias podem experimentar de modo intenso emoções secundárias como, por exemplo, culpa. A pesquisa realizada sugere que tanto a estratégia cognitiva de Auto-culpa quanto a de Culpabilização do outro é mais utilizada pelo grupo com alta sintomatologia de TEPT, indo ao encontro da teoria proposta em relação à emoção de culpa. Ehlers e Clarck (2000), ao falarem sobre os prováveis fatores que mantém a sintomatologia pós-traumática, destacaram a variável de ruminação como fortalecedora de crenças disfuncionais sobre o evento, podendo gerar distorções cognitivas como a catastrofização, por exemplo. É possível integrar a teoria com as evidências a partir do resultado encontrado na pesquisa, visto que as estratégias cognitivas de ruminação e catastrofização são também mais utilizadas pelo grupo com alta sintomatologia de TEPT. Estes resultados corroboram com o que está descrito na literatura, visto que as estratégias de ruminação, pensamentos catastróficos e auto-culpabilização estão associados a sintomas de psicopatologias (Garnefsi, Kraaji & Spinhoven, 2007), ao passo que foram estatisticamente significativas no grupo com alta sintomatologia de TEPT.
Por outro lado, a pesquisa concluiu que o grupo com alta sintomatologia de TEPT faz menos uso da estratégia adaptativa de Focalização em aspectos positivos. Sabe-se que após a vivência de um evento traumático, há um aumento das crenças negativas sobre o self, sobre o mundo e sobre os outros. É evidente que há uma mudança significativa nas cognições de indivíduos que possuem sintomatologia de TEPT (Foa et al., 1999). Segundo Aldao e Nolen-Hoeksema (2010), as estratégias de reavaliação positiva e focar no positivo podem ser usadas como fator protetivo para a saúde mental. A única correlação significativa de estratégia adaptativa em relação ao grupo com baixa sintomatologia de TEPT está em congruência com esta ideia, sugerindo que a estratégia de Focalização no positivo serviu como proteção para o desencadeamento de sintomas clínicos significativos.
Embora a maior parte dos resultados das estratégias adaptativas não tenha sido estatisticamente significativa, é pertinente destacar que não há um padrão consistente em relação à utilização de estratégias adaptativas entre o grupo com alta e com baixa sintomatologia. Sabe-se que a capacidade de regular as emoções está associada a bons desfechos na vida profissional, nos relacionamentos interpessoais e no bem-estar individual (Gross & Thompson, 2007). Portanto, devido à variedade dos resultados das estratégias adaptativas em relação aos grupos, conclui-se que indivíduos com baixa sintomatologia de TEPT não fazem maior uso das estratégias adaptativas se comparado aos indivíduos com alta sintomatologia de TEPT. Tal fato questiona a perspectiva proposta por Boden e colaboradores (2013), que ressalta a falta de utilização de estratégias adaptativas em indivíduos com alta sintomatologia pós-traumática, visto que não foi observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos.
De acordo com Gross e Thompson (2007), o uso de medicação inibe a expressão de algumas emoções negativas, tais como tristeza e ansiedade. O autor coloca, também, que a medicação possa atuar como safety signal, ou seja, um “amuleto” que regula a emoção do indivíduo, quando exposto à situação aversiva. Em controvérsia à teoria, os resultados encontrados no estudo mostram que há um maior número de participantes do grupo de alta sintomatologia clínica que faz uso de medicação psicoativa e pontuaram escores maiores no uso de estratégias desadaptativas.
Este estudo verificou a relação entre as estratégias cognitivas de regulação emocional e o grau de sintomatologia de TEPT. Foi possível identificar o alto índice de prevalência de estratégias desadaptativas utilizadas pelo grupo com alta sintomatologia de TEPT, tendo um impacto importante na capacidade de regulação emocional desta população. Conclui-se com o que foi exposto até o momento que a regulação emocional pode ser identificada como um fator significativo no desenvolvimento e manutenção de sintomas pós-traumáticos (Seligowski et al., 2014). Dados oriundos da literatura sugerem que o aumento na capacidade de regulação emocional auxilia os indivíduos a neutralizar experiências negativas (Gross & Thompson, 2007).
O tópico vem se tornando relevante no campo da saúde mental, devido à crescente associação entre as estratégias para lidar com a regulação das emoções com a etiologia ou manutenção de determinadas psicopatologias (Aldao & Nolen-Hoeksema, 2010). Compreender a forma com que as estratégias cognitivas de regulação emocional são utilizadas possibilita pensar em formas de intervenções que interfiram nestes mecanismos, resultando em desfechos mais adaptativos para a qualidade de vida dos indivíduos.
Não houve pretensão em generalizar os resultados, devido às limitações referentes ao número de participantes da amostra, bem como às características específicas em relação aos dois grupos. Além disso, outra limitação do estudo diz respeito à metodologia aplicada, visto que os questionários foram aplicados de forma distintas: o grupo com baixa sintomatologia respondeu os questionários em plataforma online, enquanto com participantes de alta sintomatologia foi realizada as sessões presenciais de avaliação clínica. Isso se deu devido às diferentes fontes das quais os participantes foram selecionados.
As conclusões obtidas se referem somente ao uso cognitivo consciente das estratégias que as pessoas utilizam para lidar com eventos estressores. A partir deste conhecimento, pode-se desenvolver e aprimorar intervenções mais efetivas que impactem diretamente na capacidade de regulação emocional. Sendo assim, a pesquisa acrescenta à literatura preenchendo as lacunas relacionadas às estratégias cognitivas de regulação emocional relacionadas a sintomas de estresse pós-traumático. Destaca-se a necessidade de mais pesquisas que identifiquem estas estratégias cognitivas, visto que é um recurso muito importante que deve ser usado em prol do aprimoramento do bem-estar físico e psíquico dos indivíduos.
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Recebido em 07 de Agosto de 2018/ Aceite em 25 de Outubro de 2018