Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.19 no.3 Lisboa dez. 2018
https://doi.org/10.15309/18psd190319
Resiliência e gravidez na adolescência: uma revisão integrativa
Resilience and pregnancy in adolescence: an integrative review
Maria Helena Rêgo1, Alessandra Cavalcanti1, Eulália Maia1
1Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Natal, Rn, Brasil.
RESUMO
O presente estudo objetiva obter um panorama da produção científica acerca da resiliência e gravidez na adolescência. Foi realizado um levantamento bibliográfico integrado de artigos publicados em periódicos científicos utilizando os descritores na língua inglesa "pregnancy" and "adolescent" and “psychological resilience”, e na língua portuguesa “gravidez” and “adolescente” and “resiliência psicológica”. As bases de dados pesquisadas foram o SciELO, Scopus, Portal Regional BVS, PsycInfo e Web of Science, com artigos indexados entre os anos de 2012 a 2017. As informações coletadas foram organizadas em categorias cientométricas. Foram identificados 82 artigos, dos quais 44 foram excluídos por repetição e 30 por não abordarem especificamente a gravidez na adolescência ou a resiliência, por serem artigos de revisão ou não apresentarem o texto completo de livre acesso. Foram selecionados os 8 artigos restantes, dos quais todos são internacionais. Desses, 37,5% abordam fatores que podem influenciar as jovens a engravidarem, 100% identificam aspetos intrínsecos e extrínsecos que se relacionam com a resiliência e 50% avaliam os níveis de resiliência nas gestantes adolescentes. Foi identificado que experiências adversas podem relacionar-se com a maternidade precoce e interferir na adaptação a ela. Há uma maior prevalência de baixo estrato sócio-económico, da idade mais avançada, do abandono dos estudos após a gravidez e da dependência financeira de pais ou parceiros antes e após a descoberta da gestação. Destaca-se a necessidade de produções brasileiras que avaliem a resiliência em adolescentes grávidas.
Palavras-chave: resiliência psicológica, adolescente, gravidez, gravidez na adolescência
ABSTRACT
This study aims to obtain an overview of the scientific production about resilience and pregnancy in adolescence. An integrated bibliographic survey of articles published in scientific journals using the descriptors in the English language "pregnancy" and "adolescent" and "psychological resilience" and in the Portuguese language "gravidez" and "adolescente" and "resiliência psicológica". The data bases researched were SciELO, Scopus, BVS Regional Portal, PsycInfo and Web of Science, with articles indexed between the years of 2012 to 2017. The information collected was organized into scientometric and methodological categories. We identified 82 articles of which 44 were excluded per repetition and 30 because they did not specifically adolescent pregnancy or resilience because they were review articles or did not present the full text of free access. The remaining 8 articles were selected, all of them are international. Of these, 37.5% address factors that may influence young women to become pregnant, 100% identify intrinsic and extrinsica spects that are related to resilience, and 50% evaluate resilience levels in adolescent pregnant women. It has been identified that adverse experiences can be related to early motherhood and interfere in the adaptation. There is a higher prevalence of low socioeconomic stratum, older age, dropout after pregnancy and financial dependence of parents or partners before and after the discovery of gestation. The need for Brazilian studies that evaluating resilience in pregnant adolescents.
Keywords: psychological resilience, adolescent, pregnancy, pregnancy in adolescence
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a adolescência como o período dos 10 aos 19 anos de idade (OMS, 2014). É a etapa do desenvolvimento entre a infância e a fase adulta, que apresenta grande importância para formação da identidade (Erikson, 1972). Nela ocorrem muitas transformações físicas - marcadas pelo processo de obtenção da maturidade sexual e alcance da capacidade reprodutiva -, psicológicas e sociais (Nascimento, Xavier, & Sá, 2011; Papalia, Olds, & Feldman, 2012).
Com o início da atividade sexual precoce e desprotegida, os adolescentes estão expostos ao contágio por doenças sexualmente transmissíveis e susceptíveis a uma gravidez nem sempre planejada (Almeida, Medeiros, Sousa, Maia, & Maia, 2016; Queiroga et al., 2014). A gestação na adolescência também provoca grandes mudanças físicas, psíquicas, sociais e econômicas para as jovens, demandando adaptações intrapsíquicas e interpessoais que oportunizam tanto o crescimento psíquico como a sua deteorização (Maldonado, 2013). Alguns fatores intrínsecos e extrínsecos às adolescentes grávidas podem funcionar como fatores de risco - os quais dificultam o enfrentamento as situações difíceis, potencializando os efeitos críticos desse evento -, ou fatores de proteção - que podem influenciar de forma positiva as respostas do indivíduo e auxiliar no processo de adaptação às situações adversas (Junqueira, & Deslandes, 2003; Sousa, 2015).
Dentre os fatores de risco, podemos citar: prematuridade, baixo peso, atraso no desenvolvimento, dificuldade de acesso à saúde, evasão escolar, sentimento de culpa, isolamento, uso de drogas, desemprego, ambiente familiar desestruturado, situações de negligência, violência e ausência de redes de apoio (Knorst, 2012; Sousa, 2015). Já alguns exemplos dos fatores de proteção são: sociabilidade, auto-imagem positiva, auto-estima elevada, confiança, forte senso de identidade, autonomia, forte rede de apoio, capacidade de resolver problemas e estratégias de enfrentamento (coping) (Barakin, 2013; Knorst, 2012).
A relação entre esses fatores no nível intrapessoal e ambiental influencia a adaptação do indivíduo as situações adversas (Tusaie, & Dyer, 2004). A capacidade do sujeito de adaptar-se, superar o momento crítico e sair fortalecido dele, podendo utilizar tal experiência no seu desenvolvimento biopsicossocial é denominado resiliência (Barakin, 2013; Tusaie, & Dyer, 2004). Trata-se de um processo dinâmico que abarca as habilidades comportamentais do indivíduo, seus recursos psicológicos, sociais e ambientais (Knorst, 2012; Sousa, 2015).
Desse modo, um maior grau de resiliência pode possibilitar à gestante a capacidade de lidar com as transformações inerentes a gravidez, podendo facilitar o acesso aos recursos necessários para enfrentar os medos, as ansiedades, as oscilações hormonais e o novo papel social, bem como auxiliar na promoção de autonomia, responsabilidade e satisfação em ser mãe (Silva, Nakano, Gomes, & Stefanello, 2009; Sousa, 2015).
Nesse sentido, obter o perfil das produções científicas relacionadas a resiliência e a gravidez na adolescência possibilita um direcionamento tanto para o desenvolvimento de novos estudos sobre a temática, como para a organização das práticas em saúde ofertadas para as adolescentes. Diante disso, o presente estudo tem como objetivo obter, por meio de uma revisão integrativa, um panorama da produção científica sobre os temas da resiliência e gravidez na adolescência.
Método
O presente estudo consiste em um trabalho de revisão integrativa. Tal método visa aprofundar o conhecimento acerca de um determinado assunto ou tema, por meio do levantamento da literatura e a sintetização dos resultados de pesquisas significativas (Souza, Silva, & Carvalho, 2010). Ele pode auxiliar no direcionamento de novas pesquisas e fornecer subsídios para a estruturação da prática profissional (Almeida et al., 2016; Souza et al., 2010).
O processo da revisão integrativa seguiu seis passos, objetivando conferir maior confiabilidade ao estudo. O primeiro passo foi a elaboração da questão de pesquisa norteadora; o segundo consistiu no estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão para a seleção dos artigos, o terceiro na coleta de dados, o quarto na análise crítica dos estudos incluídos, o quinto na comparação entre os dados obtidos e o referencial teórico e a identificação das lacunas existentes, e o sexto a construção da conclusão acerca dos resultados obtidos, com base na análise crítica (Souza et al., 2010).
Foi realizada uma busca em periódicos científicos utilizando os descritores em língua inglesa “pregnancy” AND “adolescent” AND “psychological resilience”, e na língua portuguesa “gravidez” AND “adolescente” AND “resiliência psicológica”. As bases de dados pesquisadas foram SciELO, Scopus, Portal Regional BVS, PsycInfo e Web of Science, com artigos indexados entre os anos de 2012 a 2017. As etapas de coleta, organização e análise dos dados aconteceram durante os meses de janeiro a junho de 2017.
Os critérios de inclusão definidos foram artigos publicados entre os anos de 2012 e 2017, inseridos nas bases de dados citadas anteriormente, com texto completo de livre acesso, e que abordem a temática da resiliência e da gravidez na adolescência. Já os critérios de exclusão foram artigos de revisão, teses, dissertações, relatos de casos, ou artigos que abordassem a gravidez na fase adulta.
Para a análise dos dados foi realizada uma leitura cuidadosa de cada texto, e uma posterior sistematização das informações em categorias cientométricas (Bufrem, & Prates, 2005). Os resultados foram descritos em tabelas, onde a primeira contém as bases de dados acessadas, os filtros utilizados, o número de artigos encontrados e o número de artigos selecionados. A segunda abarca informações sobre os autores e os anos de publicação, os objetivos dos estudos, o desenho das pesquisas e principais resultados. Já a terceira apresenta o nível de evidência dessas publicações, e a quarta as características sociodemográficas da população estudada.
Resultados
No quadro 1, visualizado logo abaixo, foram identificados 82 artigos, dos quais 44 foram excluídos por repetição, 30 por não abordarem especificamente a temática da gravidez na adolescência ou a resiliência, por serem artigos de revisão ou não apresentarem o texto completo de livre acesso. Foram selecionados para o estudo os 8 artigos restantes.
Em relação ao período temporal de publicação dos artigos selecionados, foi possível evidenciar que o ano de maior publicação foi 2015 com 04 artigos, seguido por 2014 com 02, e pelos anos de 2016 e 2017, ambos com 01 pesquisa, os anos de 2012 e 2013 não apresentaram nenhuma produção.
O quadro 2 demonstra que 75% dos artigos são de abordagem quantitativa, 12,5% qualitativa e 12,5% mista. Dos artigos selecionados, 37,5% abordam fatores que podem influenciar as jovens a engravidarem, 100% identificam aspectos intrínsecos e extrínsecos que se relacionam com a resiliência e 50% avaliam os níveis de resiliência nas gestantes adolescentes.
No quadro 3, em que constitui os níveis de evidência (Stillwell, Fineout-Overholt, Melnyk, & Williamson, 2010) dos artigos utilizados para a revisão, é possível observar que dos 8 artigos encontrados, 7 deles eram estudos de natureza qualitativa ou de cunho descritivo, em que confere a necessidade de mais estudos voltados as intervenções nesses grupos de modo a verificar mudanças, refutar ou confirmar hipóteses desenvolvidas a partir dos achados de estudos teóricos ou descritivos. Apenas 1 dos artigos confere a avaliação de estudo de coorte (nível de evidência IV), pontuando a importância de se verificar como determinadas características são construídas ao longo do desenvolvimento humano.
Um estudo que realizou uma análise espacial da gravidez na adolescência e características socioeconômicas dos municípios do Estado de São Paulo, Brasil (Martinez, Roza, Caccia-Bava, Achcar, & Dal-Fabbro, 2011), verificou a relação entre os fatores sociais e econômicos com a incidência de gravidez na adolescência. Dentre as pesquisas selecionadas para esse estudo, que traçaram o perfil sociodemográfico das gestantes, percebeu-se uma maior prevalência de baixo estrato sócio-econômico (Machado, Saito, & Szarfarc, 2007; Solivan, Wallace, Kaplan, & Harville, 2015; Ulloque-Caamaño et al., 2015)0, a idade mais avançada (Ahorlu, Pfeiffer, & Obrist, 2015; Shpiegel, 2016; Ulloque-Caamaño et al., 2015), o abandono dos estudos após a gravidez e a dependência financeira de pais ou parceiros antes e após a descoberta da gestação (Machado et al., 2007; Ulloque-Caamaño et al., 2015; Wilson-Mitchell et al., 2014). Tais achados corroboram com a literatura sobre gravidez na adolescência, que aponta as meninas mais pobres, com baixa escolaridade e com iniciação sexual precoce, como mais susceptíveis a engravidar (Mendonça, Abreu, Silva, & Andrade, 2012; Senna, & Dessen, 2015; Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), 2013). E identifica que 95% dos partos no mundo ocorrem em países em desenvolvimento (UNFPA, 2013).
Corroborando esses aspectos socioeconomicos e gestacionais apresentados nos estudos, foi possível desenvolver um compêndio das características presentes de acordo com a descrição no quadro 4.
Com relação ao perfil ginecológico das gestantes, identificou-se que a idade da menarca das jovens foi de 12,2 anos (DP: +- 1,3 anos), 56,6% tiveram sua primeira relação sexual antes dos 15 anos, 85% não planejou a gravidez e 97,8% realizou pré-natal precoce (Ulloque-Caamaño et al., 2015). O alto número de gestantes que realizaram pré-natal está em concordância com outro estudo de relevância (Suzuki et al., 2007), o qual sugere que apesar do sistema básico de saúde não ser o ideal, tem conseguido garantir o direito ao acesso a saúde. Além disso, autores identificam que há uma tendência a diminuição da idade da menarca que associada à iniciação sexual precoce podem propiciar a gravidez na adolescência (Queiroga et al., 2014).
Discussão
Na análise realizada acerca dos trabalhos selecionados, constatou-se que todos eles são internacionais, e como a gravidez na adolescência relaciona-se com padrões culturais, costumes e questões sociais, os quais influenciam nos níveis de resiliência das jovens (Ulloque-Caamaño, Monterrosa-Castro, & Arteta-Acosta, 2015), a investigação na realidade brasileira é de substancial importância e relevância para as evidências científicas e a contribuição em nível social, na construção de políticas públicas de saúde, bem como na assistência especializada a esse publico específico.
De acordo com os achados, 12,5% dos artigos identificaram a evitação da gravidez como característica de resiliência em jovens em situação de vulnerabilidade, e verificaram que, em comparação com meninos, as meninas são menos propensas a evitar a gravidez na adolescência (Shpiegel, 2016).
Em relação à maternidade precoce não intencional, 37,5% dos trabalhos destacam que experiências adversas vividas na infância como, por exemplo, privação sócio-econômica e emocional, abuso físico e sexual, e negligência educacional, podem influenciá-la (Bellis, Hughes, Leckenby, Perkins, & Lowey, 2014; Ndjukendi et al., 2017; Wilson-Mitchell, Bennett, & Stennett, 2014). Quanto mais experiências adversas na infância, maior a prevalência de gravidez na adolescência (Bellis et al., 2014). Um estudo realizado com 66 adolescentes em Kinshasa (Ndjukendi et al., 2017) ainda apontou que a gravidez na adolescência pode configurar-se como uma forma de enfrentamento a essas situações adversas. Tal ideia corrobora com alguns autores, os quais consideram que para algumas adolescentes que vivenciam contextos de extrema vulnerabilidade social, a gravidez pode constituir-se como um fator protetivo ao desenvolvimento e representar uma renovação das perspectivas futuras (Oliveira - Monteiro, Freitas, & Farias, 2014).
Uma pesquisa que investigou o impacto da gravidez na saúde psicológica das gestantes adolescentes (Wilson-Mitchell et al., 2014) sugere que a circunstância de vulnerabilidade e negligência também pode afetar a saúde psicológica das mães adolescentes, causando sofrimento e levando a ideação suicida. Assim, a literatura indica que o contexto social vivido pelas gestantes influencia nos sentidos e significados atribuídos a gravidez, podendo interferir na adaptação a ela (Santos, 2010; Inácio, & Rasera, 2016).
Foi verificado ainda a existência de relação significativa entre educação e competência para evitar a gravidez na adolescência, sugerindo que jovens mais instruídas possuem maior capacidade de evitar filhos (Ahorlu et al., 2015). Além disso, identificou que o abandono dos estudos em virtude da gestação pode acarretar na perda de oportunidades, na manutenção da dependência financeira, na exposição a circunstâncias de marginalização social, abuso e violência familiar, subdesenvolvimento e pobreza (Ahorlu et al., 2015; Machado et al., 2007; Suzuki, Ceccon, Falcão, & Vaz, 2007).
Nesse sentido, a literatura aponta que a explicação para a ocorrência da gestação nesta fase do desenvolvimento é multifatorial, pois sua decorrência sofre influência do contexto social, dos níveis socioeconômicos, de escolaridade e informação, e do acesso aos serviços de saúde e métodos contraceptivos (Queiroga et al., 2014). Além disso, essa gravidez pode exercer um papel de risco ou proteção ao desenvolvimento dessas jovens diante dos contextos vivenciados.
Dando destaque a resiliência, em uma pesquisa realizada com 406 gestantes adolescentes do departamento de Bolívar, Caribe Colombiano (Ulloque-Caamaño et al., 2015)0, foi observado que ela possui correlação com a idade da gestante, a idade do companheiro, a idade da primeira relação sexual, a idade entre a primeira relação sexual e a idade da gestante, anos entre a menarca e a idade em que engravidou, anos de estudo, número de controles pré-natais e o número de ecografias acompanhadas pelo companheiro.
Os fatores intrínsecos as adolescentes encontrados nos estudos, que podem modificar de forma positiva a resposta às situações adversas durante a gravidez na adolescência e ajudá-las no processo de adaptação, são: atitude positiva, auto-eficácia - tomar medidas para alcançar um objetivo -; estar motivada para definir e alcançar metas educacionais e de carreira; resistir a estereótipos culturais e estigmas em torno da maternidade na adolescência (Solivan et al., 2015); sentir-se aceita dentro do seu ambiente social (Ahorlu et al., 2015); efeito estabilizador da gravidez - a gestação modifica os comportamentos de risco da mães como, por exemplo, fumar, usar drogas e consumir bebidas alcoólicas, possibilitando a reorganização de suas vidas e a transformação do ambiente de risco -; concluir ou estar interessada em prosseguir com a educação (Solivan et al., 2015); e os níveis de auto-estima moderado e alto (Ulloque-Caamaño et al., 2015)0.
É importante destacar que um aspecto que pode ser considerado um fator de proteção em alguns casos, pode tornar-se um fator de ameaça em outras situações. O estudo realizado com as 406 gestantes adolescentes do departamento de Bolívar (Ulloque-Caamaño et al., 2015) também identificou que a incidência de baixa auto-estima influencia negativamente os níveis de resiliência, uma vez que interfere na percepção do indivíduo sobre si mesmo e o valor que possui (Monteiro, Azevedo, Sobreiro, & Constantino, 2012).
O estudo realizado com 66 adolescentes em Kinshasa (Ndjukendi et al., 2017) avaliou as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas gestantes adolescentes frente às adversidades da gravidez, e também quais os fatores estão associados a essa adoção. As estratégias referem-se aos empenhos cognitivos e comportamentais que o indivíduo promove buscando lidar com as situações estressoras (Folkman, & Lazarus, 1980). Os pesquisadores verificaram que 100% das jovens grávidas utilizam a resolução emocional e 52,2% a auto-crítica. Os fatores associados à utilização da primeira foram sexo feminino, fase intermediária da adolescência (15 - 18 anos) e temperamento extrovertido; e à segunda foi o sexo feminino. Para os autores, essas estratégias são disfuncionais e configuram-se enquanto uma tentativa de redução da tensão experienciada, porém não garantem a resolução do problema psicossocial, ocasionando a ausência da promoção de senso de competência em situações de desajuste social básico. A literatura sobre o tema aponta que as estratégias direcionadas para o enfrentamento do problema ou a elaboração das dificuldades são mais freqüentes nos indivíduos resilientes (Pesce, Assis, Santos, & Oliveira, 2004).
Já os fatores extrínsecos as adolescentes que influenciam positivamente no processo de resiliência são os fortes sistemas de apoio (emocional, monetário e de saúde), fornecidos principalmente pela mãe (Solivan et al., 2015; Wilson-Mitchell et al., 2014), mas também pelo pai, irmãos, pai do bebê (Ahorlu et al., 2015; Solivan et al., 2015), médicos e enfermeiras (Ahorlu et al., 2015). O calor materno foi avaliado como um reflexo da sensibilidade das mães das gestantes em responder ao ambiente estressor vivido pelas jovens, auxiliando na adaptação (Zeiders, Umaña-Taylor, Updegraff, & Jahromi, 2015). No tocante a relação dos pais com as adolescentes, autores (Ahorlu et al., 2015; Wilson-Mitchell et al., 2014) verificaram que o diálogo entre eles sobre sexualidade e métodos contraceptivos é deficiente. Tal dificuldade pode relacionar-se com questões culturais e/ou com a falta de preparo para exercer esta função (Ahorlu et al., 2015).
Tais achados apresentam relação com os resultados encontrados em uma pesquisa desenvolvida com 90 adolescentes de ensino médio na cidade de Fortaleza, uma capital do nordeste brasileiro (Gondin et al., 2015), a qual identificou a família como transmissora de informações com caráter principalmente regulador da sexualidade, limitando-se a regras de comportamento e transmissão de valores.
Além desses fatores, destacam-se também o capital cultural - acesso a mídia, como TV, rádio, livros e músicas, que oferecem informações sobre prevenção e gravidez -, ele pode funcionar como um complemento diante da lacuna no conhecimento, fruto da falta de diálogo com os pais; e os cuidados pré-natais precoces, onde a busca por este atendimento pode estar relacionado a fatores intrínsecos às gestantes como, por exemplo, autoeficácia direcionada ao comportamento saudável e o apoio social (Solivan et al., 2015).
A pesquisa realizada com adolescentes do ensino médio sobre acessibilidade a informações sobre saúde sexual e reprodutiva (Gondin et al., 2015), identificou também que os principais locais onde os jovens participavam de atividades educativas sobre sexualidade são a escola e a igreja. Além disso, eles buscam informações sobre o tema com os amigos, familiares, televisão, internet, revistas e livros. Por isso, destaca a necessidade de articulação da rede em que o jovem se insere, abarcando desde a família, a escola e o sistema de saúde, de modo que eles recebam as informações e assistência de forma correta (Gondin et al., 2015).
É importante ressaltar que para pensar as ações de saúde direcionadas a essa população faz-se necessário compreender o modo como as adolescentes experimentam, entendem e lidam com os acontecimentos característicos da adolescência e da gestação, bem como os significados e crenças que atribuem a tais vivências (Senna, & Dessen, 2015). Desse modo, poderemos construir intervenções mais acessíveis e eficazes.
Um estudo realizado com 204 mães adolescentes de origem mexicana (Zeiders et al., 2015) investigou um fator ambiental e social que pode dificultar a adaptação à gravidez na adolescência. A pesquisa foi realizada com jovens mexicanas que passam pela adaptação dual-cultural, ou seja, que experimentam múltiplas expectativas, princípios, crenças e regras dentro da cultura que vivem e na própria cultura de origem. O processo de adaptação aos novos valores, expectativas e normas é chamado de aculturação, enquanto que a retenção desses aspectos do seu país ou família de origem é denominada enculturação (Berry, 2003). A vivência de tal processo pode causar estresse e angústia. Os autores identificaram o estresse aculturativo e enculturativo como fatores que podem dificultar o enfrentamento às situações adversas na gestação e ocasionar sintomas depressivos.
Por fim, a literatura revisada aponta a resiliência como a capacidade de adaptação positiva em contextos adversos, que contribui para a qualidade de vida e o crescimento pessoal (Ulloque-Caamaño et al., 2015)0. Ela é influenciada por uma determinada ameaça em um contexto prevalecente, por isso, não se constitui enquanto uma situação estática, construída uma vez para todas as ameaças (Ahorlu et al., 2015). Os estudos que avaliaram a resiliência em gestantes adolescentes verificaram a maior incidência de resiliência moderada ou alta e a presença de habilidades para lidar com os desafios apresentados pela gravidez (Ahorlu et al., 2015; Ulloque-Caamaño et al., 2015; Wilson-Mitchell et al., 2014; Zeiders et al., 2015). Não houve diferença significativa nos níveis de resiliência em função do semestre da gestação (Ulloque-Caamaño et al., 2015).
Diante dos resultados apontados, considera-se de extrema relevância a produção de estudos de medição do grau de resiliência em gestantes adolescentes, capazes de identificar os fatores de risco e proteção psicossociais que permeiam esse público, a fim de auxiliar os pesquisadores na orientação de novas pesquisas, e os profissionais da área da saúde no planejamento das intervenções que serão realizadas com as jovens.
Muitas das variáveis que apresentam correlação com a resiliência podem ser trabalhadas por programas de educação sexual. Nesse sentido os serviços de pré-natal precisam estar cada vez mais acessíveis e capacitados para atender as adolescentes, promovendo a tomada de consciência da maternidade e dos seus direitos, bem como dos aspectos psicológicos envolvidos, objetivando auxiliá-las no enfrentamento a gravidez e na tomada de decisões conscientes e responsáveis.
É importante dar destaque a necessidade do acompanhamento psicológico para as gestantes adolescentes, dando suporte adequado para aquelas que estão em sofrimento psíquico fruto, em alguns casos, de situações de negligência e abuso. Além disso, os profissionais de saúde devem estar atentos as crenças e valores das gestantes e seus familiares e atuarem facilitando o desenvolvimento estratégias de enfrentamento mais eficientes. Por fim, destaca-se a necessidade de produções brasileiras que avaliem a resiliência em adolescentes que vivenciam a experiência da gravidez, uma vez que essa variável sofre influência de aspectos sociais, ambientais e culturais.
REFERÊNCIAS
Ahorlu, C. K., Pfeiffer, C., & Obrist, B. (2015). Socio-cultural and economic factors influencing adolescents resilience against the threat of teenage pregnancy: a cross-sectional survey in Accra, Ghana. Reproductive Health, 12,117. doi: 10.1186/s12978-015-0113-9 [ Links ]
Almeida, D. S., Medeiros, A. P. S., Sousa, W. P. S., Maia, R. S., & Maia, E. M. C. (2016). Reincidência da gravidez na adolescência: uma revisão integrativa. Revista Adolescência e Saúde, 13(2), 124-132. Recuperado em 05 de maio, 2017 de: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=592 [ Links ]
Barakin, T. (2013). Aperfeiçoar a resiliência de adolescentes e suas famílias. Revista Adolescência e Saúde, 10(2), 17-22. Recuperado em 01 de maio, 2017, de: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=401 [ Links ]
Bellis, M. A., Hughes, K., Leckenby, N., Perkins, C., & Lowey, H. (2014). National household survey of adverse childhood experiences and their relationship with resilience to health-harming behaviors in England. BMC Medicine, 12, 72. doi: 10.1186/1741-7015-12-72 [ Links ]
Berry, J. W. (2003). Conceptual approaches to acculturation. In: Chun, KM.; Organista, PB.; Marin, G., editors. Acculturation: Advances in theory, measurement and applied research (pp. 17-37). Washington, DC: American Psychological Association.
Bufrem, L., & Prates, Y. (2005). O saber científico registrado e as práticas de mensuração da informação. Ciência da Informação, 34(2), 9-25. doi: 10.18225/ci.inf..v34i2.1086 [ Links ]
Erikson, E. (1972). Identidade, juventude e crise. Rio de Janeiro: Zahar. [ Links ]
Folkman, S., & Lazarus, R.S. (1980). An analysis of coping in middleaged community sample. Journal of Health and Social Behaviour, 21, 219-239. Recuperado em 05 de abril, 2017, de: http://www.jstor.org/stable/2136617 [ Links ]
Fundo de População das Nações Unidas (2013). Maternidade precoce: enfrentando o desafio da gravidez na adolescência. UNFPA. Recuperado em 05 de maio, 2017, de: http://unfpa.org.br/Arquivos/swop2013.pdf [ Links ]
Gondin, P. S., Souto, N. F., Moreira, C. B., Cruz, M. E. C., Caetano, F. H. P., & Montesuma, F. G. (2015). Acessibilidade dos adolescentes às fontes de informações sobre saúde sexual e reprodutiva. Journal of Human Growth and Development, 25, 50-53. doi: 10.7322/jhgd.96767 [ Links ]
Inácio, A. L. R., & Rasera, E. F. (2016). Repetição da “gravidez na adolescência” e o planejamento familiar. Psicologia, Saúde & Doenças, 17(2), 179-188. doi: 10.15309/16psd170206
Junqueira, M. F. P. S., & Deslandes, S. F. (2003). Resiliência e maus-tratos à criança. Cadernos de Saúde Pública, 19, 227-235. doi: 10.1590/S0102-311X2003000100025 [ Links ]
Knorst, C. E. K. (2012). Resiliência: instrumentos de avaliação no contexto brasileiro. (Monografia de especialização) Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. Recuperado de: http://hdl.handle.net/10183/40112 [ Links ]
Machado, N. O., Saito, M. I., & Szarfarc, S. C. (2007). Características sócio-demográficas e reprodutivas de adolescentes atendidas no pós-parto no instituto da criança da universidade de São Paulo. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 17(3), 01-07. Recuperado em 18 de maio, 2017, de: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rbcdh/v17n3/01.pdf [ Links ]
Maldonado, M. T. (2013). Psicologia da gravidez. Jaguatirica Digital: Rio de Janeiro.
Martinez, E. Z., Roza, D. L., Caccia-Bava, M. C. G. G., Achcar, J. A., & Dal-Fabbro, A. L. (2011). Gravidez na adolescência e características socioeconômicas dos municípios do Estado de São Paulo, Brasil: análise espacial. Caderno de Saúde Pública, 27(5), 855-867. doi: 10.1590/S0102-311X2011000500004 [ Links ]
Mendonça, G. M. M., Abreu, L. D. P., Silva, M. A. M., & Andrade, M. P. (2012). Promoção da saúde sexual de puérperas adolescentes: conhecimento e práticas. Revista Adolescência e Saúde, 9(2), 14-20. Recuperado em 06 de abril, 2017, de: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=311 [ Links ]
Monteiro, R. F., Azevedo, L. F., Sobreiro, R. T., & Constantino, P. (2012). Autoestima e resiliência dos adolescentes da margem da linha: redes de apoio social como fator de proteção. Perspectiva online: biol. & saúde, Campos do Goytacazes, 4(2), 41-55. Recuperado em 4 de fevereiro, de: http://www.seer.perspectivasonline.com.br/index.php/biologicas_e_saude/article/view/238/144 [ Links ]
Nascimento, M. G., Xavier, P. F., & Sá, R. D. P. (2011). Adolescentes grávidas: A vivência no âmbito familiar e social. Revista Adolescência e Saúde, 8(4), 41-47. Recuperado em 12 de maio, 2017, de: http://www.adolescenciaesaude.com/detalhe_artigo.asp?id=294 [ Links ]
Ndjukendi, A., Okitundu, D., Nsitu, A., Mpaka, A., Lukeba, T., Ngoma, V., Moro, M-R., & Falissard, B. (2017). Adolescents en situation difficile à Kinshasa: quelles strategies dadaptation? Lévolution psychiatrique, 82, 75-87. doi: 10.1016/j.evopsy.2015.12.008 [ Links ]
Oliveira - Monteiro, N. R., Freitas, J. V., & Farias, M. Z. (2014). Gravidez: Associação de fatores de risco e proteção na adolescência. Journal of Human Growth and Development, 24(3), 354-360. doi: 10.7322/jhgd.88977 [ Links ]
Organização Mundial da Saúde. (2014). Salud para los adolescentes del mundo: uma segunda oportunidad em la segunda década. Genebra: OMS. Recuperado em 10 de setembro, 2016, de: http://apps.who.int/adolescent/second-decade/files/WHO_FWC_MCA_14.05_spa.pdf [ Links ]
Papalia, D. E., Olds, S. W., & Feldman, R. D. (2012). Desenvolvimento humano. 11º edição. São Paulo: Editora ARTMED. [ Links ]
Pesce, R. P., Assis, S. G., Santos, N., & Oliveira, R. V. C. (2004). Risco e proteção: Em busca de um equilíbrio promotor de resiliência. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20(2), 135-143. doi: 10.1590/S0102-37722004000200006. [ Links ]
Queiroga, K. R. B., Farias, M. C. A. D., Casimiro, G. S., Nascimento, A. R. S., Maia, P. C. G. G. S., Abrantes, K. S. M., et al. (2014). O que é e como se explica a gravidez na adolescência. Journal of Human Growth and Development, 24(2): 142-149. doi: 10.7322/jhgd.81013
Santos, R. A. B. (2010). Gravidez na adolescência: aspectos sociais e psicológicos. (Monografia de especialização) Faculdade de Medicina/NESCON, Universidade Federal de Minas Gerais; Curvelo. Recuperado em 20 de outubro, 2016, de: https://www.nescon.medicina.ufmg.br/biblioteca/imagem/2330.pdf
Senna, S. R. C. M., & Dessen, M. A. (2015). Reflexões sobre a saúde do adolescente brasileiro. Psicologia, Saúde & Doenças, 16(2), 217-229. doi: 10.15309/15psd160208 [ Links ]
Shpiegel, S. (2016). Resilience Among Older Adolescents in Foster Care: the Impact of Risk and Protective Factors. International Journal of Mental Health and Addiction, 14, 6-22. doi: 10.1007/s11469-015-9573-y [ Links ]
Silva, L. A., Nakano, A. M. S., Gomes, F. A., & Stefanello, J. (2009). Significados atribuídos por puérperas adolescentes à maternidade: autocuidado e cuidado com o bebê. Textocontexto - enferm., 18, 48-56. doi: 10.1590/S0104-07072009000100006. [ Links ]
Solivan, A. E., Wallace, M. E., Kaplan, K. C., & Harville, E. W. (2015). Use of a Resiliency Framework to Examine Pregnancy and Birth Outcomes Among Adolescents: A Qualitative Study. Families, Systems, & Health, 33(4), 349-355. doi: 10.1037/fsh0000141 [ Links ]
Sousa, W. P. S. (2015). Resiliência e apoio social em gestantes tardias. (Dissertação de mestrado) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal. Recuperado em 10 de setembro, 2016, de: https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/20001/1/WelytonParaibaDaSilvaSousa_DISSERT.pdf [ Links ]
Souza, M. T., Silva, M. D., & Carvalho, R. (2010). Integrative review: what is it? How to do it?. Einstein, 8, 102-6. doi: https://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010rw1134 [ Links ]
Stillwell, S. B., Fineout-Overholt, E., Melnyk, B. M., & Williamson, K. M. (2010). Evidence-based practice, step by step: searching for the evidence. American Journal of Nursing. 110(5), 41-7. doi: 10.1097/01.NAJ.0000372071.24134.7e [ Links ]
Suzuki, C. M., Ceccon, M. E. J., Falcão, M. C., & Vaz, F. A. C. (2007). Análise comparativa da freqüência de prematuridade e baixo peso entre filhos de mães adolescentes e adultas. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 17(3), 95-103. doi: 10.7322/jhgd.19851 [ Links ]
Tusaie, K., & Dyer, J. (2004). Resilience: A historical review of construct. Holistic Nursing Practice, 18, 3-8. Recuperado em 10 de setembro, 2016, de: https://www.researchgate.net/publication/8883380_Resilience_a_historical_review_of_the_construct [ Links ]
Ulloque-Caamaño, L., Monterrosa-Castro, A., & Arteta-Acosta, C. (2015). Prevalencia de baja autoestima y nivel de resiliencia bajo, en gestantes adolescentes de poblaciones del caribe colombiano. Revista Chilena de Obstetricia y Ginecología 80(6), 462-474. doi: 10.4067/S0717-75262015000600006 [ Links ]
Wilson-Mitchell, K., Bennett, J., & Stennett, R. (2014). Psychological Health and Life Experiences of Pregnant Adolescent Mothers in Jamaica. International Journal of Environmental Research and Public Health, 11(5), 4729-4744. doi: 10.3390/ijerph110504729 [ Links ]
Zeiders, K. H., Umaña-Taylor, A. J., Updegraff, K. A., & Jahromi, L. B. (2015). Acculturative and Enculturative Stress, Depressive Symptoms and Maternal Warmth: Examining Within-Person Relations among Mexican-origin Adolescent Mothers. Development and Psychopathology, 27, 293-308. doi: 10.1017/S0954579414000637 [ Links ]
Recebido em 17 de Outubro de 2017/ Aceite em 23 de Outubro de 2018