SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.20 número1Repercussões psicológicas após um acidente vascular cerebral (avc): uma revisão de literaturaAspectos neuropsicológicos e socioemocionais em crianças com dermatite atópica índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.20 no.1 Lisboa mar. 2019

https://doi.org/10.15309/19psd200103 

Adição ao jogo - novos desafios num velho problema

Game addition - new challenges in an old problem

José Antunes1

1 Centro de Respostas Integradas de Lisboa Ocidental - Equipe de Tratamento do Eixo Oeiras - Cascais, Portugal; Divisão de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP, Lisboa, Portugal, setuan59@hotmail.com


 

RESUMO

A adição ao jogo apresenta na atualidade novos desafios. Os progressos tecnológicos digitais vieram facilitar o acesso ao jogo e introduziram novas e apelativas possibilidades como são os jogos de vídeo e os jogos online. Os progressos na investigação científica mudaram a compreensão do problema, agora considerado como uma adição comportamental ou sem substância. Fez-se uma pesquisa, na literatura biomédica, das revisões sistemáticas publicadas sobre o assunto nos últimos dez anos tendo-se concluindo que fenómeno se encontra em expansão mas permanece pouco estudado e mal quantificado. A falta de critérios objetivos na definição do problema tem dificultado a sua investigação. As questões neurológicas e bioquímicas envolvidas, as comorbilidades e a idade condicionam o problema. Um tratamento eficaz implica o reconhecimento da intrincada rede que se estabelece-se entre jogador, plataformas e especificidades do próprio jogo.

Palavras-chave: adição ao jogo, adições comportamentais, revisão de literatura


 

ABSTRACT

Game addition presents new challenges nowadays. The digital facilitated the access to games and introduced new and appealing possibilities such as video games and online games. Advances in scientific research have changed the understanding of the problem now considered a behavioral addition or addition without substance. A research in the biomedical literature available, systematic reviews published on the subject in the last ten years, lead to conclude that the phenomenon is expanding but remains poorly studied and poorly quantified. The lack of objective criteria in problem definition further difficult research. Neurological and biochemical issues, the comorbidities and age condition the problem. An effective treatment implies the recognition of the intricate networks established between player(s), platform(s) and the specificities of the game(s).

Keywords: game addition, behavioral additions, review of literature


 

O termo adição foi durante muito tempo usado, quase exclusivamente, para o álcool e as substâncias psicoativas. Um acumular de evidências recentes veio reconhecer que outros comportamentos, como o jogo patológico, apresentam muitas semelhanças com a dependência de substâncias. Assim a Perturbação de Jogo, a nova designação dada ao Jogo Patológico, foi reclassificada na 5ª e última revisão do Manual de Diagnostico e Estatística das Perturbações Mentais (DSM-5) passando do capitulo das Perturbações do Controlo do Impulsos para o capitulo das Perturbações Relacionadas com Substâncias e Perturbações Aditivas, dando apoio à ideia da dependência comportamental ou adição sem substância (Yvonne, Yau & Potenza, 2015). Uma das mudanças mais notáveis em relação aos diagnósticos de dependência no DSM-5 é a introdução da dependência sem substância como um diagnóstico psiquiátrico formal. O sistema médico reconheceu e aceitou a adição comportamental como uma perturbação aditiva (Lee, Lee, & Choo, 2016). O DSM-5 incluiu a Perturbação de Jogo pela Internet na secção de condições para estudo adicional, que agrupa as situações que exigem mais investigação, para poderem ser classificadas como entidades nosológicas autónomas (Weinsteina, Livnyb, & Weizmanca, 2017). Embora esta perturbação tenha sido colocada no capítulo das adições e tenha sido aparentada ao jogo patológico é provável que no futuro os critérios de diagnóstico se possam alterar. Uma das vantagens da inclusão nas condições para estudo adicional é a criação de critérios objetivos que passam a poder ser usados em estudos futuros de forma a assegurar a comparabilidade dos resultados (King & Delfabbro, 2014). Ambas as situações compartilham com as perturbações pelo uso de substâncias critérios de diagnósticos comuns e podem prejudicar múltiplos domínios como sejam os dos relacionamentos interpessoais, sociais, académicos e ocupacionais aparecendo associadas a múltiplos problemas psiquiátricos (Lee et al., 2016). Já o uso excessivo e compulsivo do computador e de jogos de vídeo com consequências adversas na saúde não tem definição ou classificação oficial de perturbação em nenhum sistema de classificação e diagnóstico (Weinstein, 2010).

Os estudos epidemiológicos sugerem que a prevalência do jogo patológico varie entre 0,1 e 2,7%. Um estudo de comorbilidade, de base populacional, realizado nos Estados Unidos da América encontrou 0.6 % dos inquiridos com critérios de jogo patológico tendo sido reportadas elevadas taxas de comorbilidade com doença mental e com adições a substâncias (Yvonne et al., 2015). Outro estudo publicado em 2012 na Alemanha estimou a prevalência da adição ao jogo em 0.2% concluindo à semelhança do verificado na população norueguesa e holandesa, que a prevalência da adição ao jogo é muito baixa (Festl, Scharkow & Quandt, 2012). Já para a Perturbação de Jogo pela Internet, devido às diferenças de medição associadas com a falta de critérios diagnósticos universalmente aceites, as estimativas de prevalência são muito variáveis, o mesmo sucedendo com o uso problemático dos jogos de vídeo que segundo alguns autores poderão ter prevalências bem mais elevadas entre os adolescentes e adultos jovens (Yvonne et al., 2015). Em alguns países do sudoeste asiático, o impacto negativo da adição aos jogos pela internet, levaram os governos e os cuidados de saúde a desenvolver uma série de iniciativas para refrear e aliviar o problema (Koo, Wati, Lee, & Oh, 2011; Kuss, 2013). Atualmente os jogos de vídeo são muito populares e uma opção de entretenimento muito prevalente. O aumento das tecnologias digitais, como são os telefones portáteis e os computadores, expõem fatias imensas da população aos jogos de vídeo, podendo ser considerados como jogadores ocasionais. O estudo destes jogos ganhou um interesse redobrado não parando de crescer o número de publicações científicas que se ocupam do assunto (Palaus, Marron, Viejo-Sobera & Redolar-Ripoll, 2017). Os países que mais publicam são os Estados Unidos da América, China, Reino Unido e Taiwan sendo que mais de metade dos estudos dizem respeito a adolescentes e estudantes universitários (Carbonell, 2009). Não obstante os progressos significativos, as dependências ditas sem substância ou comportamentais permanecem pouco estudadas (Yvonne et al., 2015).

Método

Foi realizada uma pesquisa na PubMed, que é um mecanismo de busca para acesso gratuito à base de dados MEDLINE de citações e resumos da investigação biomédica, desenvolvida pela National Library of Medicine (NLM), utilizando o termo MeSH: Game addiction e selecionando as revisões sistemáticas publicadas entre Dezembro de 2007 e Dezembro de 2017. Para a estruturação desta análise aplicou-se o modelo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses) considerado como indispensável para elaborar uma revisão sistemática ou meta- análise (Liberati et al., 2009). Os critérios de inclusão foram: serem artigos de revisão sobre adição ao jogo, estarem redigidos em língua inglesa e terem sido publicados nos últimos dez anos. Foram critérios de exclusão: artigos duplicados, artigos de opinião ou de reflexão, artigos escritos em outras línguas que não a inglesa, artigos de revisão baseados em casos clínicos e artigos discordantes com o objetivo da revisão como por exemplo os referentes a outras adições sem substância, que não o jogo e ainda os estudos efetuados com modelos animais.

Resultados

A pesquisa efetuada resultou na identificação de 33 artigos e na escolha de 23 que respeitavam todos os critérios de inclusão e de exclusão. A Figura 1 representa o fluxograma da seleção dos estudos.

 

 

Discussão

Aspectos gerais

Uma das mudanças mais visíveis no que respeita aos diagnósticos de dependência no DSM-5 é a introdução da adição comportamental como um diagnóstico psiquiátrico formal. A Perturbação de Jogo e a Perturbação de Jogo pela Internet compartilham critérios de diagnóstico comuns com as Perturbações pelo Uso de Substâncias (Lee et al., 2016). A adição, um termo que durante muito tempo esteve reservado apenas para o álcool e as substâncias psicotrópicas, caracteriza-se por vários componentes como sejam o envolvimento persistente num comportamento apesar das consequências adversas, a perda do controle sobre o mesmo, a compulsividade e o desejo intenso de prosseguir nesse comportamento. A investigação veio demonstrar que o envolvimento excessivo em comportamentos como o jogo, o uso da internet, dos jogos de vídeo, do sexo e das compras poderiam ser considerados como adições ditas sem substância ou comportamentais embora o conceito continue a ser controverso. A adição comportamental e a adição a substâncias compartilham muitas características em termos de história natural, fenomenologia e consequências adversas havendo mesmo autores que sugerem a existência de uma base genética comum e de uma única entidade, a adição, que se manifestaria de diferentes formas (Yvonne et al., 2015). Existem características neurobiológicas similares nas adições com e sem substância nomeadamente nas funções cerebrais, na neuroquímica e na sensibilização cruzada, um fenómeno de neuro-adaptação em que a exposição repetida leva a respostas mais fortes ao nível dos circuitos de recompensa (Leeman & Potenza, 2013).

Segundo Duss (2013) a adição ao jogo caracteriza-se por um comportamento saliente, uma preocupação excessiva do individuo com o jogo, uma utilização do comportamento com a finalidade de modificar o humor, escapar à realidade ou sentir euforia, aparecendo tolerância, isto é, com o passar do tempo o individuo irá precisar de mais tempo para sentir o mesmo efeito, ocorrendo sinais de privação com a interrupção do comportamento como ansiedade, depressão e irritabilidade. Os conflitos nas relações interpessoais como consequência do comportamento que se manifestam por problemas no trabalho e na família são frequentes. Após a interrupção do comportamento o individuo muitas vezes recai e recomeça de novo a jogar.

O modelo biopsicossocial sugere existir uma predisposição genética que se expressa nos sistemas de neurotransmissão ou numa personalidade impulsiva que constitui uma vulnerabilidade para desenvolver problemas com o jogo. Neste modelo o comportamento do jogador patológico é influenciado pelo condicionamento clássico levando ao incremento da participação e ao desenvolvimento da adição. Foi levantada a hipótese que os jogadores começam por usar o jogo como mecanismo de enfrentamento e só mais tarde surgem os padrões comportamentais desadaptados, enfraquecendo a capacidade de autocontrolo apesar das consequências negativas, criando-se assim um círculo vicioso que perpetua os problemas (van Holst, van den Brink, Veltaman & Goudriaan, 2010). Muitos investigadores acreditam que a adição se estabelece através de alterações neuroanatómicas e fisiológicas no cérebro (Weinstein, 2010; Clark & Limbrick- Oldfield, 2013; Goodman & Packard, 2016; Weinsteina, Livnyb, & Weizmanc, 2017). As perturbações da adição ao jogo são um fenómeno heterogéneo cujas manifestações podem ser modeladas por muitos fatores de natureza individual como por exemplo traços de personalidade e relacionados com o desenvolvimento, com a existência de comorbilidades e por fatores relacionados com o ambiente cultural e socioeconómico ou mesmo com estressores externos e ainda com características relacionadas com o próprio jogo (Lee et al., 2016).

Os jogos também variam na sua natureza desde aqueles baseados nas habilidades em contextos específicos apresentando indicadores de progressão e sucesso até aos jogos de fortuna e azar

baseados em mecanismos de aposta e com resultados predominantemente determinados pelo acaso envolvendo riscos de pagamento pelo jogador (King, Gainsbourg, Delfabbro, Hing & Abarbanel, 2015). A acessibilidade e a oferta de jogo na comunidade, parecem ser determinantes no número de pessoas que se irá envolver nestas atividades, o que está de acordo com outras investigações realizadas no domínio da Saúde Pública relativamente ao álcool, tabaco e substâncias ilícitas (Thorne, Rockloff, Langham, & Li, 2016). Os custos para a sociedade destes problemas podem ser reduzidos através da implementação de estratégias de prevenção como campanhas de educação para a saúde que informem sobre os efeitos nefastos destes comportamentos e alertem os profissionais e a comunidade para a importância de avaliar e tratar estes problemas sendo que as intervenções centradas nas escolas parecem ser especialmente uteis (Yvonne et al., 2015).

As tipologias dos jogadores

Várias tipologias de jogadores foram propostas. Lee et al. (2016) fizeram uma revisão dessas classificações propondo uma nova para a Perturbação de Jogo pela Internet. Uma classificação clássica divide os jogadores relativamente ao surgimento do problema entre os de início precoce e os de início tardio. Os de início precoce são habitualmente homens solteiros com baixos rendimentos e uma perturbação de personalidade do cluster B que inclui as perturbações de personalidade borderline, antissocial, narcísica e histriónica. Os de início tardio são mais propenso a sofrer de uma perturbação do humor. No entanto não existem diferenças significativas no que respeita a tipos de jogo, procura de tratamento ou preferências por jogos específicos. Um estudo empírico classificou os jogadores patológicos, segundo a gravidade, relativamente à abstinência e perda do controle em ligeiros, moderados e graves sendo que os jogadores dos grupos com problemas moderados e graves diferem significativamente dos primeiros por apresentarem uma maior morbilidade psiquiátrica. O grupo com problemas graves apresentava também maior dependência de nicotina e mais problemas comportamentais nomeadamente perturbações de personalidade antissocial. Outro estudo encontrou diferenças na mesma linha com os jogadores considerados graves a apresentarem maior envolvimento em atividades ilegais para suportarem o jogo. Usando um modelo integrado de desenvolvimento da patologia outros autores propuseram uma classificação em três grupos: jogadores condicionados em termos comportamentais, jogadores emocionalmente vulneráveis e jogadores impulsivos e antissociais. Neste modelo os jogadores do subtipo condicionados em termos comportamentais não apresentavam problemas psiquiátricos de base e tinham melhor prognóstico ao contrário dos do subtipo impulsivo e antissocial que apresentavam o pior prognóstico e a mais baixa motivação para o tratamento. Este subtipo caracterizava-se por um início precoce dos problemas, pela impulsividade e desatenção, por problemas concomitantes de abuso de substâncias e tendências suicidas ou comportamentos criminosos. O subtipo dos jogadores emocionalmente vulneráveis apresentava antecedentes de ansiedade e depressão e experiencias precoces de vida adversas. Tinham iniciado os seus problemas com o jogo tardiamente, geralmente usavam o jogo como escape para as emoções negativas e tinham pouca capacidade de enfrentamento dos problemas. Tanto os jogadores do subtipo impulsivo e antissocial quanto os emocionalmente vulneráveis apresentavam uma maior gravidade do que os condicionados em termos comportamentais. Os jogadores condicionados em termos comportamentais preferiam os jogos como a roleta enquanto os impulsivos e antissociais preferiam os jogos de fortuna e azar e de apostas desportivas, sendo que os jogos de máquinas caça niqueis ou slot machines e de cartões de loteria instantânea de raspar eram os preferidos pelo subtipo emocionalmente vulnerável. Aproveitando estas classificações dos jogadores patológicos Lee et al. (2016) propuseram uma muito semelhante para a Perturbação de Jogo na Internet considerando que em cada subtipo se salienta uma das características do modelo biopsicossocial. Definiram assim três tipos de jogadores: Os impulsivos/agressivos, os emocionalmente vulneráveis e os condicionados socialmente considerando para cada tipo as condições de vulnerabilidade predisponentes, as motivações para o jogo e as suas preferências explicitando ao mesmo tempo as abordagem e o plano de tratamento.

À semelhança do antissocial, ou do subtipo impulsivo na Perturbação de Jogo existem jogadores de tipo impulsivo/agressivo na internet que se envolvem nesta atividade como forma de escapar ao aborrecimento e descarregar os seus impulsos agressivos. Neste subtipo as condicionantes de tipo biológico parecem ser determinantes. O seu principal objetivo ao envolverem-se no jogo seria libertar a raiva. Dai a preferência por jogos combate envolvendo múltiplos parceiros ou jogos de tiro em detrimento de jogos de conteúdo menos violento como os jogos de personagem com múltiplos parceiros em rede. Em geral, a impulsividade é condicionada por fatores genéticos e do neurodesenvolvimento que condicionam a neurotransmissão. Estudos em gêmeos demonstraram que cerca de 45 % das diferenças individuais no que respeita à impulsividade podem ser explicadas por fatores genéticos. Polimorfismos ligados à serotonina e dopamina exercem efeitos sobre a impulsividade. Níveis diminuídos de serotonina têm sido implicados na impulsividade e foi sugerido que a dopamina modula o controle cognitivo baseado em recompensas. Durante a adolescência, o cérebro imaturo tem uma relativa falta de capacidade de inibição e o controle pré- frontal descendente desenvolve-se de uma forma mais lenta do que as funções nas regiões subcorticais. Assim a impulsividade e o comportamento de busca de recompensa, que são controlados pelo córtex frontal ainda imaturo, podem explicar a maior prevalência de Perturbação de Jogo na Internet em adolescentes e jovens do que em adultos. As evidências sugerem que a função pré-frontal alterada melhora após seis semanas de tratamento com Buproprion apesar de os fatores genéticos e ligados ao neurodesenvolvimento não poderem ser modificados.

O subtipo emocionalmente vulnerável, onde as características psicológicas são determinantes, usa os jogos como escape ou como forma de condicionar o humor usando-os como automedicação para estados de sofrimento e insatisfação. A baixa autoestima e a pouca satisfação com as atividades do dia-a-dia, bem como os níveis de ansiedade e depressão, influenciam a gravidade do problema nestas pessoas. São vários os estudos que mostram a correlação entre ansiedade e depressão e a gravidade da Perturbação pelo Jogo na Internet.

O subtipo socialmente condicionado, onde as características sociais são determinantes, envolve- se nos jogos como forma de socializar em tarefas de jogo que envolvem trabalho de equipa. Baixas competências sociais, solidão e relações familiares pobres têm sido associadas à Perturbação de Jogo pela Internet nestes indivíduos. Neste subtipo o envolvimento no jogo não é condicionado pelo próprio jogo, mas preexistente, por existirem necessidades sociais não satisfeitas no mundo real. Buscam na rede, relações sociais que não conseguem encontrar no mundo real, criando relacionamentos online, onde procuram reconhecimento e sentido de pertença, sem as críticas e os riscos da vida real. Enquanto a Perturbação de Hiperatividade e Deficit de Atenção (PHDA) é preponderante no subtipo impulsivo/agressivo, a depressão domina no subtipo emocionalmente vulnerável e as fobias sociais tem tendência a estar associadas ao subtipo socialmente condicionado. Estudos clínicos desenvolvidos com jogadores patológicos sugerem que a comorbilidade com o abuso de substâncias é comum sendo também frequentes os diagnósticos de perturbação do impulso, do humor, de ansiedade e da personalidade. Foi sugerido que as perturbações do humor e de ansiedade antecedem os problemas com o jogo que se podem manifestar como tentativas mal sucedidas de enfrentamento do problema. A presença ou ausência de comorbilidades é determinante no desenvolvimento de estratégias de tratamento (Yvonne et al., 2015). A comorbilidade entre adições com e sem substância, como é a adição ao jogo, com outras doenças psiquiátricas parece dever-se a fatores genéticos comuns (Leeman & Potenza, 2013).

Caraterísticas dos jogos

Os jogos têm sofrido grandes alterações sobretudo devido aos progressos tecnológicos apontando todos os estudos para um aumento das oportunidades de jogo com as novas ofertas digitais (King et al., 2015). O uso excessivo do computador e de jogos de vídeo e as suas consequências adversas não estão classificados como adições no DSM-5 nem são classificados como doença em nenhum sistema de diagnósticos (Weinstein, 2010). Diferentes formas de jogo em diferentes contextos apresentam diferentes riscos para o desenvolvimento de uma perturbação (Yvonne et al., 2015). Uma das dificuldades que os investigadores e os clínicos enfrentam resulta do facto de atividades comummente consideradas como jogo apresentarem na realidade propriedades estruturais muito diversas e proporcionarem experiencias muito variadas. King et al. (2015) propuseram um sistema de avaliação dos jogos baseados em certas características como: interatividade, monetarização, mecânica de apostas, papel da habilidade versus sorte na determinação dos resultados, natureza dos resultados, fidelidade estrutural, contexto, centralidade, propaganda e interatividade dando instruções sobre a forma de avaliar estes parâmetros. A interatividade significa que o comportamento ou ação do jogador muda o resultado. A monetarização refere-se à utilização de elementos financeiros no jogo. A mecânica de apostas refere-se à opção do jogador de apostar algo sobre o resultado de um evento. O papel da habilidade versus sorte na determinação dos resultados diz respeito ao papel da habilidade e da sorte no resultado do jogo. A medição dos resultados respeita ao papel dos indicadores de progressão durante a atividade. A fidelidade estrutural refere-se ao grau de realismo e semelhança com um jogo habitualmente conhecido. O contexto refere-se ao posicionamento estrutural e situacional da atividade de jogo. A propaganda avalia a existência de publicidade ou de ligações de internet para publicidade e atividades de apostas. A centralidade diz respeito à proporção do jogo sem a experiência típica da atividade inicial. A partir destas características os autores classificam os jogos em vários grupos embora acabem por considerar que existem basicamente dois grandes tipos de jogos: aqueles a que chamam jogos propriamente ditos, que são definidos pela interatividade apelando a competências dos jogadores e apresentam indicadores de sucesso e progressão e os jogos de tipo aposta determinados pela sorte e implicando pagamentos e risco de perdas para os jogadores.

Os jogos de vídeo

Griffiths (2017) fez uma revisão extensa sobre o caso especial dos jogos de vídeo e sobre as razões pelas quais algumas pessoas desenvolvem comportamentos problemáticos em torno deste tipo de jogos. Considera o autor que o problema é multifacetado e que implica um estudo a vários níveis como sejam o psicológico, biológico, social, situacional e estrutural mas destaca este último e analisa as implicações da estrutura, dos elementos e das componentes do jogo propriamente dito, considerando que as características estruturais do jogo são importantes no estabelecimento da dependência. As atividades de jogo variam consideravelmente em termos das suas características estruturais, como sejam a probabilidade de ganhar, a duração do intervalo entre a aposta e o resultado dessa mesma aposta, o número de apostas que podem ser feitas ao longo do tempo, o valor do prémio e a sua disponibilidade a seguir às vitórias. Diferenças estruturais em termos de cor e efeitos sonoros associados ao jogo parecem influenciar também a atratividade do jogo. As características estruturais dos jogos de vídeo podem ter implicações na motivação dos jogadores e no seu potencial aditivo. Nos jogos de vídeo os jogadores têm de responder a estímulos visuais que são controlados por um computador, devem ter uma boa capacidade de concentração e coordenação oculo-manual e competências para enfrentar a rapidez de desenvolvimento do mesmo, sendo recompensados com estímulos visuais quando ganham e muitas vezes com a aprovação dos pares.

Jogos cujas competências demoram muito tempo a adquirir parecem facilitar a adição a esse mesmo jogo. A esperança de estar quase a ganhar facilita a excitação e favorece a continuação do jogo assim como as recompensas frequentes e os poucos obstáculos apresentados. Os jogos efetuados em fundo azul facilitam a sua progressão e os sons apresentados quando associados à cor vermelha aumentam a excitação. Os jogos de vídeo com muito boa qualidade de imagem facilitam a imersão e a sensação de estar dentro do jogo. A narrativa que está subjacente ao jogo também influencia a motivação dos jogadores. Assim jogos como os de combate, são pobres em termos de narrativa mas os jogos de personagens proporcionam ricos e intensos enredos. Existem variados tipos de jogos disponíveis online tais como: os jogos de personagem com múltiplos parceiros que permitem criar personagens virtuais com dinâmicas próprias e agregar numerosos jogadores, os jogos de tiro na primeira pessoa centrados no combate com armas de fogo no qual se visualiza a partir do ponto de vista do protagonista, como se o jogador e personagem do jogo fossem um único observador, os jogos de campo de batalha com múltiplos jogadores onde duas equipes se defrontam e que são uma variante dos jogos de estratégia em tempo real. O estudo dos jogos de vídeo a partir de uma perspetiva estrutural pode ajudar investigadores, decisores e programadores de jogos a serem agentes de prevenção com uma maior responsabilidade social.

A adição ao computador ou aos jogos de vídeo é definida pelo seu uso excessivo ou compulsivo que interfere com as atividades da vida diária. Embora os jogos de vídeo possam apresentar benefícios educacionais, sociais e terapêuticos a verdade é que utilizados em excesso podem conduzir à adição. No entanto os jogos de vídeo têm sido utilizados em programas de treino específicos para o tratamento da esquizofrenia, devido à sua capacidade de modificarem certas áreas cerebrais (Suenderhauf, Walter, Lenz, Lang, & Borgwardt, 2016) e também no tratamento da ambliopia (Xu, Chen, & Adelman, 2015). Foram documentados por técnicas de imagem aumentos de matéria cinzenta na zona pré-frontal após treino cognitivo com jogos de vídeo. Durante os jogos de vídeo esta zona do cérebro aumenta a sua atividade como resposta às exigências cognitivas postas pelas dificuldades do jogo. No entanto o volume do estriado, principalmente do estriado ventral, que tem um papel chave no circuito da recompensa aparece diminuído em pessoas com uso excessivo de jogos de vídeo assim como o volume da insula o que acarreta disfunções nos circuitos dopaminérgicos (Wenstein, 2010). Leeman e Potenza (2013) referem o aumento do volume da matéria cinzenta no tálamo esquerdo e a diminuição do volume de outras áreas nomeadamente do giro do cíngulo temporal inferior. O aumento da atividade cerebral na zona orbito-frontal mediana, observado nos jogadores de jogos de vídeo, poderá refletir o processamento cognitivo da recompensa enquanto o metabolismo diminuído no giro do cíngulo poderá explicar a diminuição da sensibilidade às consequências negativas. Alterações funcionais e estruturais do cérebro foram documentadas nomeadamente nas áreas ligadas à recompensa, motivação, memória e controle cognitivo aparentadas às que se observam em outras adições (Duss, 2013). Não obstante o campo de estudo ser extraordinariamente heterogéneo foi possível estabelecer uma série de ligações entre os aspetos neuronais e cognitivos particularmente no que respeita ao controle cognitivo, competências oculo-espaciais e processos de recompensa. O interesse em conhecer os efeitos da utilização dos jogos de vídeo a longo prazo, quer os positivos sobre a cognição e as emoções quer os negativos como a exposição à violência, o fomento da obesidade e os riscos de adição, não têm deixado de aumentar. Paulus et al. (2017) referem que a utilização dos jogos de vídeo proporciona benefícios em termos dos processos de atenção e da integração entre as áreas sensoriais e motoras melhorando a atenção visual seletiva e periférica ao mesmo tempo que otimizam a destreza em tarefas visuais. No entanto, não deixam de salientar, o forte impacto destes jogos nos circuitos de recompensa e o papel destes circuitos na adição. Realçam ainda os riscos da exposição à violência, através dos jogos de vídeo, que pode conduzir a dessensibilização aos estímulos violentos resultando em diminuição das respostas emocionais a situações de violência, menor empatia com as vítimas e diminuição do limiar para comportamentos relacionados com a agressividade. Forsyth e Malone (2016) referem a possível relação entre conteúdos relacionados com o tabaco ou a presença de fumadores nas imagens dos jogos de vídeo com a aquisição do hábito de fumar. A adição aos jogos de vídeo parece dever-se a deficiências no estilo de vida nomeadamente nas áreas das relações interpessoais, das problemáticas em torno da imagem e da inabilidade não havendo evidência de base genética nem de associação com comorbilidade psiquiátrica. Os efeitos adversos da adição aos jogos de vídeo são relativamente pequenos e temporários resolvendo-se muitas vezes de maneira espontânea com a diminuição do tempo e da frequência da utilização do jogo e afetam apenas pequenos grupos (Wenstein, 2010).

Plataformas e ambientes de jogo

O contexto do jogo e o ambiente envolvente influenciam as escolhas dos jogadores e o comportamento de jogar. Thorne, Rockloff, Langham e Li (2016) estudaram a forma como os jogadores fazem as suas escolhas, concluindo que o ambiente, isto é, tudo o que está fora da mente do jogador tem um papel decisivo. As escolhas dos jogadores parecem obedecer a uma hierarquia onde primeiro se escolhe a plataforma ou seja o como jogar, depois o provedor ou seja onde jogar e só no fim o jogo que se vai jogar. Da mesma forma parece ser mais fácil mudar de jogo, do que mudar de provedor e mais fácil mudar de provedor do que de plataforma. A preferência pelas plataformas online parece dever-se à sua grande acessibilidade e conveniência e ao anonimato que proporcionam, afastando o medo do julgamento social. Sem exposição física, sem escrutínio social, sem necessidade de executar levantamentos de dinheiro, sem interagir com um operador de caixa para trocar fichas ou receber dinheiro desaparecem muitos dos fatores que podem ser protetores relativamente ao jogo patológico ou aos gastos excessivos. Além disto os constantes progressos tecnológicos fazem-se sentir nas plataformas, nos provedores e nos próprios jogos alimentando uma teia em crescimento de onde pode ser difícil escapar. A cada dia que passa surgem novas opções de jogo cada vez mais atrativas, imitando em termos gráficos ambientes conhecidos, conjugando sons e estímulos visuais que aumentam a excitação do jogador enquanto manipulam jackpots e ofertas de jogo grátis de formas estudadas ao pormenor para agarrar o jogador solitário que se arrisca a ficar perdido num mundo virtual que atualmente não conhece nem leis, nem fronteiras.

Aspetos neurológicos e bioquímicos relacionados com a adição ao jogo

Nos últimos anos a psiquiatria começou a fazer uso da evidência apresentada pelas neurociências para compreender e conceptualizar as doenças mentais introduzindo a patofisiologia e sublinhando a importância desta relativamente às abordagens subjetivas tradicionais como a fenomenologia ou a apresentação clinica. Numerosos estudos têm demonstrado modificações na estrutura e atividade cerebral em regiões envolvidas na recompensa, motivação, memória e controle cognitivo nos jogadores problemáticos (Duss, 2015). Alterações nos mecanismos cognitivos da tomada de decisão relacionados com a desinibição têm sido relacionados com a intensidade dos problemas com o jogo e a tendência para a recaída. As dificuldades em controlar o comportamento parecem ser frustradas pela antecipação da recompensa rápida e pelo afastar das suas consequências negativas. Indivíduos com problemas com o jogo, assim como aqueles com problemas com o uso de substância, preferem selecionar recompensas pequenas e rápidas em detrimento de outras maiores mas diferidas no tempo. Este padrão de tomada de decisão parece ser devido a uma diminuição do controle descendente do córtex pré-frontal sobre processos subcorticais (Yvonne et al., 2015). A inervação dopaminérgica também se vai alterando gradualmente, à medida que o comportamento aditivo se torna mais frequente, acabando depois por se tornar permanente, levando a que a experiencia da

recompensa seja menos satisfatória reduzindo-se assim a capacidade de controlo do comportamento. A neuro-adaptação conduz à sensibilização comportamental. As sinapses do tegumento ventral fortalecem-se, o glutamato no nucleus accumbens reduz-se e a atividade na amígdala e no hipocampo que estão relacionadas com a memória aumentam, o que parece estar na base do craving aditivo. A consequente falta de dopamina nas regiões mesocorticais do cérebro pode levar a sintomas de abstinência e, a fim de superá-los, ao prosseguimento no comportamento aditivo acabando por afetar as funções do córtex orbito-frontal e do cíngulo. Na última década as técnicas de neuro-imagem aplicadas ao estudo do jogo pela Internet permitiram identificar as alterações fisiológicas e estruturais cerebrais que estão na sua base (Duss, 2015). A baixa sensibilidade à punição poderá explicar como algumas pessoas se tornam dependentes do jogo. Uma baixa atividade do córtex pré-frontal e do estriado ventral foram associadas a uma menor sensibilidade à punição durante as perdas de dinheiro no jogo o que poderá explicar a diminuição das respostas a estas perdas nos jogadores patológicos (van Holts et al., 2010). Muitos investigadores acreditam que o hábito tem uma base neuroanatómica envolvendo os circuitos da aprendizagem e da memória, o que poderá explicar a passagem de uma utilização recreativa para uma situação de abuso ou mesmo adição e que se manifesta por uma mudança de controlo do comportamento da zona do hipocampo e estriado médio-dorsal para um controle do comportamento pelo estriado dorso-lateral (Goodman & Packard, 2016).

A dopamina, um neurotransmissor, implicado na aprendizagem, motivação e no processamento de recompensas e perdas parece desempenhar um papel importante na problemática da adição ao jogo. Existe um vasto consenso sobre o papel dos sistemas dopaminérgicos na mediação da recompensa em geral e dos efeitos das drogas psicoativas (Weinstein, 2010). Um estudo recente realizado por tomografia de emissão de fotões mostrou que a libertação de dopamina no estriado ventral durante um jogo de vídeo no computador era semelhante à libertada por drogas psicostimulantes como as anfetaminas ou o Metilfedinato. Também os agonistas dos recetores de dopamina usados no tratamento da Doença de Parkinson foram relacionados com o desenvolvimento de perturbações pelo jogo e outras adições comportamentais. Estas descobertas conjugadas com a indução de perturbações do jogo por drogas bloqueadoras da atividade dos recetores de dopamina fazem pensar na centralidade deste neurotransmissor nas perturbações do jogo. Também a serotonina, que está implicada nas emoções, motivação, controle do comportamento e tomada de decisões parece desempenhar um papel importante na adição ao jogo. A adição ao jogo foi relacionada com níveis reduzidos de um metabolito da serotonina e níveis baixos de monoaminooxidase nas plaquetas, outro marcador da atividade serotoninérgica, o que aponta para a possibilidade de uma disfunção serotoninérgica estar na base destes problemas. No entanto pouco se conhece sobre o papel da noradrenalina na excitação desencadeada pelo jogo (Yvonne et al., 2015).

Adição ao jogo e comorbilidades

Existe uma crescente evidência da associação entre a adição aos jogos de computador e aos jogos de vídeo com a PHDA. A ocorrência da adição ao jogo como comorbilidade da PDAH parece dever-se a mecanismos fisiológicos e genéticos comuns. Parece plausível que exista uma relação bidirecional através da qual, os sintomas da perturbação, tornam os jogos de vídeo e de computador mais atraentes ao mesmo tempo que o jogo pode reforçar os sintomas da perturbação como sejam a desatenção, a desinibição, a resposta impulsiva e a avidez pela recompensa imediata (Weinstein & Weizman, 2012). Embora todos os autores ressalvem, que a adição à internet, não está listada como perturbação psiquiátrica no DSM- 5, esta parece comportar-se como tal e sintomas como o aborrecimento e a aversão a recompensas não imediatas, duas características centrais dos indivíduos com PHDA, são facilmente combatidas na internet que proporciona recompensas rápidas e uma variedade de atividades que parecem facilitar a adição. Existe evidência sugestiva da utilidade do Metilfenidato, que tem sido usado no tratamento da PHDA, também nos utilizadores excessivos da internet e nos adictos aos jogos de vídeo com sintomas de PHDA. Ambas as situações parecem compartilhar mecanismos comuns de recompensa e sensibilização que são mediados pela dopamina (Weinstein & Weizman, 2012).

Certos comportamentos, com características hedonistas, como são o jogo, as compras, o sexo, o uso da internet e os jogos de vídeo podem num número reduzido de indivíduos virem a tornar-se compulsivos. Classificadas no passado como perturbações do impulso, são atualmente considerados como adições comportamentais ou sem substância. Processos neurobiológicos similares ocorrem nas adições com e sem substância nomeadamente em termos de neuro-adaptação dos circuitos de recompensa e da sensibilização com a exposição repetida. A comorbilidade entre adições com e sem substância e outras doenças psiquiátricas parece dever-se a mecanismos genéticos comuns (Leeman & Potenza, 2013). Um estudo de base populacional realizado nos Estados Unidos da América encontrou nos jogadores patológicos uma elevada taxa de comorbilidade com doença mental estimando que 96% apresentavam outro diagnóstico psiquiátrico e 49% tinham sido anteriormente tratados para outra doença mental. Uma meta-analise recente sugere uma elevada comorbilidade também entre o jogo patológico e a dependência de substâncias. Os estudos apontam para múltiplas sobreposições entre as adições com e sem substância ou comportamentais, sugerindo mesmo que possam ser manifestações diferentes de um mesmo problema, levando alguns autores a falarem de uma única entidade, a adição (Yvonne et al., 2015).

O jogo na adolescência e na terceira idade

Durante a adolescência, o cérebro imaturo tem uma relativa falta de capacidade de inibição e o controle pré-frontal descendente desenvolve-se de uma forma mais lenta do que as funções nas regiões subcorticais. Assim a impulsividade e o comportamento de busca de recompensa que são controlados pelo córtex frontal ainda imaturo podem explicar a maior prevalência de Perturbação de Jogo pela Internet em adolescentes e adultos jovens. Indivíduos vivendo sós com um progenitor ou com pouca supervisão parental são mais propensos ao jogo, assim como os provenientes de estratos socioeconómicos mais baixos. As atividades com os progenitores parecem ser fatores de proteção e os jovens de meios rurais parecem ser mais propensos a envolverem-se em jogos na internet do que os de meios urbanos, o que pode ter a ver com a menor oferta de atividades extraescolares em ambientes rurais. Os conflitos com os pais são fator de risco (Lee et al., 2016).

A habilidade em tomar decisões tem um papel decisivo na sobrevivência e é afetada pelo envelhecimento. Liebherr, Schiebener, Averbeck e Brand (2017) estudaram a influência da idade na tomada de decisões em termos da cognição e das emoções tendo concluído que a idade influencia os sistemas responsáveis pelo controle do impulso e pela reflexão. Achados neurofisiológicos mostraram uma atividade mais reduzida do estriado e do córtex orbito-frontal, estruturas envolvidas nas decisões impulsivas assim como alterações relacionadas com a idade no córtex pré-frontal dorso lateral e no lobo parietal estruturas associadas a decisões reflexivas. Os idosos têm tendência a desprezar as informações negativas e a intensificar as positivas sendo que o processamento da recompensa e da punição, na tomada de decisões, tem uma componente eminentemente emocional que é afetada pelos processos de envelhecimento. Muitos dos processos que atuam como moderadores e mediadores nos processos de tomada de decisão como são as capacidades cognitivas, a perceção visual, a expectativa ou seja capacidade de prever resultados futuros, a regulação emocional, a inteligência e as funções executivas são condicionadas pelo envelhecimento. Assim nos idosos parece combinar-se a negligência para com os aspetos negativos associada a um enviesamento para os aspetos positivos que condiciona os problemas com o jogo nesta faixa etária.

Tratamento

Os tratamentos para as adições podem ser divididos em três fases: desintoxicação, recuperação e prevenção da recaída. A desintoxicação destina-se a obter a paragem do comportamento reduzindo os sintomas de abstinência, na segunda fase devem ser trabalhadas as estratégias de motivação e a aprendizagem de comportamentos saudáveis e na terceira fazer-se a prevenção da recaída (Yvonne et al., 2015). As intervenções psicológicas e farmacológicas são altamente eficazes na melhoria dos sintomas da Perturbação de Jogo pela Internet e nas comorbildades associadas, como a ansiedade e a depressão, não havendo diferenças significativas em termos da sua eficácia (King & Delfabbro, 2014). As intervenções psicoterapêuticas e comportamentais trazem benefícios significativos nas Perturbações de Jogo. A autoajuda parece também ter benefícios. Os grupos de Jogadores Anónimos, que seguem o modelo dos 12 passos utilizado pelos Alcoólicos Anónimos e buscam a abstinência, oferecendo uma rede de suporte social e um responsável, apresentam resultados promissores. Os benefícios destes grupos podem ser ainda maiores se conjugados com a terapia individual podendo ser mutuamente benéficos. A entrevista motivacional mostrou bons resultados como forma de envolver os doentes no tratamento. Outras intervenções como as familiares apresentaram também bons resultados. As abordagens combinadas com psicofármacos e intervenções psicológicas parecem favorecer os resultados (Yvonne et al., 2015). Kuss (2013) chama a atenção para a importância da abordagem holística no tratamento enfatizando a necessidade da compreensão do significado, do contexto e das e das práticas associadas ao jogo e evitando a sua medicalização. Nenhum medicamento recebeu aprovação para uso na Perturbações de Jogo nos Estados Unidos da América, no entanto existem muitos estudos demonstrando as vantagens de alguns medicamentos relativamente aos placebos. A Naltrexona reduz o impulso de jogar, os pensamentos de jogo e comportamentos relacionados com o jogo benefícios que persistem mesmo após a interrupção do tratamento, devendo ser usada em doses entre 100 e 200 mg por dia, o mesmo acontecendo com o Nalmefeno que deverá ser utilizado em doses de 40 mg por dia (Yvonne et al., 2015). Os jogadores de casino parecem beneficiar mais da Naltrexona e do Nalmefeno do que os jogadores de máquinas caça-níqueis, com uma vertente mais obsessivo-compulsiva e que tiram maiores benefícios do uso de Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS). O Modanafil diminui a impulsividade para o jogo e favorece a capacidade de controlo em sujeitos muito impulsivos, mas tem efeitos contrários nos jogadores com baixa impulsividade. A N-acetil- cisteina, que modela os circuitos glutaminérgicos, tem apresentado resultados promissores no jogo patológico (van Holst et al., 2010). Os ISRS foram dos primeiros fármacos a ser utilizados na Perturbação de Jogo e as investigações prosseguem com resultados muito promissores. Já o Topiramato não apresentou vantagens comparativamente com o placebo (Yvonne et al., 2015). Os estudos existentes sobre a utilização do Metilfenidato e do Buproprion em populações adolescentes são escassos e chamam a atenção para os efeitos adversos destes fármacos, sendo incerto qual a intensidade de sintomas que justificam uma intervenção farmacológica (King & Delfabbro, 2014). Na realidade a adesão ao tratamento é baixa e apenas 10% dos jogadores patológicos procuram um tratamento formal. Os motivos são a negação, a vergonha e o desejo de enfrentar o problema sozinho. A história natural da doença parece ser a de entradas e saídas sucessivas ao longo da vida (Yvonne et al., 2015).

Os problemas relacionados com a adição ao jogo continuam pouco estudados e mal quantificados. Os jogos têm sofrido grandes alterações nos últimos anos sobretudo devido aos progressos tecnológicos e ao aumento das oportunidades de jogo com as crescentes ofertas digitais. No entanto o uso excessivo do computador e de jogos de vídeo e as suas consequências adversas não estão presentes no DSM-5 nem são classificadas como doenças nos principais sistemas de diagnóstico. Se a Perturbação de Jogo tem baixa prevalência a verdade é que um crescente número de estudos apontam para muito maiores prevalências da Perturbação de Jogo pela Internet principalmente em adolescentes e jovens adultos e de problemas relacionados com o uso excessivo de jogos de vídeo, do computador e da internet. A falta de definições objetivas destes últimos não permite o conhecimento exato da sua de prevalência, mas a acreditar na imensa quantidade de publicações que têm surgido nos últimos anos e até de programas de iniciativa governamental, tudo leva a crer que se encontram em forte expansão. A adição ao jogo, tal como outras adições ditas comportamentais ou sem substancia, compartilham muitas semelhanças com as adições a substâncias e à semelhança destas beneficiam de uma abordagem biopsicossocial. Características genéticas e relacionados com o desenvolvimento, a idade, alterações do funcionamento cerebral por mecanismos de neuro-adaptação, modificações nos processos cognitivos, traços de personalidade, conflitos interpessoais e intrapessoais, comorbilidades, e condicionantes sociais devem ser tidas em conta na análise do problema sem esquecer as especificidades dos jogos, das plataformas onde estes se desenvolvem e da rede intricada que se estabelece entre as múltiplas condicionantes do problema. Só assim se poderá definir um plano de tratamento eficaz e desenhar intervenções que possam ajudar a prevenir o aparecimento destas adições.

 

REFERÊNCIAS

Carbonell, X., Guardiola, E., Beranuy, M., & Belles, A. (2009). A bibliometric analysis of the scientific literature on Internet, video games, and cell phone addiction. Journal of the Medical Library Association, 97, 102-107. doi: 10.3163/1536-5050.97.2.006.         [ Links ]

Clark, L. & Limbrick-Oldfield, E. (2013). Disordered gambling: a behavioral addiction. Current Opinion in Neurobiology, 23, 655-659. doi: 10.1016/j.conb.2013.01.004.         [ Links ]

Festl, R., Scharkow, M., & Quandt, T. (2012). Problematic computer game use among adolescents, younger and older adults. Addiction, 108, 592-599. doi: 10.1111/add.12016.         [ Links ]

Forsyth, S. & Malone, R. (2016). Smoking in video games. Nicotine & Tobacco Research, 18, 1390-1398. doi: 10.1093/ntr/ntv160.         [ Links ]

Goodman, J. & Packard, M. (2016). Memory Systems and the Addicted Brain. Frontiers in Psychiatry, 7, 1-9. doi: 10.3389/fpsyt.2016.00024.         [ Links ]

Griffiths, M. & Nuyens, F. (2017). An Overview of Structural Characteristics in Problematic Video Game Playing. Current Addiction Reports, 4, 272 - 283. doi: 10.1007/s40429-017-0162-y.         [ Links ]

King, D. & Delfabbro, P. (2014). Internet Gaming Disorder Treatment: A Review of Definitions of Diagnosis and Treatment Outcome. Journal of Clinical Psychology, 0, 1-14. doi: 10.1002/jclp.22097.         [ Links ]

King, D., & Delfabbro, P. (2014). The cognitive psychology of Internet gaming disorder. Clinical Psychology Review, 34, 298-308. doi: 10.1016/j.cpr.2014.03.006.         [ Links ]

King, D., Gainsbury, S., Delffabro, P., Hing, N., & Abbarbanel, B. (2015). Distinguishing between gaming and gambling activities in addiction research. Journal of Behavioral Addictions, 4, 215- 220. doi: 10.1556/2006.4.2015.045.         [ Links ]

Koo, C., Wati, I., Lee, C., & Oh, H. (2011). Internet-Addicted Kids and South Korean Government Efforts: Boot-Camp Case. Cyberpsychology, Behavior, and Social Networking, 14, 391-394. doi: 10.1089/cyber.2009.0331.         [ Links ]

Kuss, J. (2013). Internet gaming addiction: current perspectives. Psychology Research and Behavior Management, 6, 125-137. doi: 10.2147/PRBM.S39476.         [ Links ]

Lee, S., Lee, H., & Hyekyung, C. (2016). Typology of Internet gaming disorder and its clinical implications. Psychiatry and Clinical Neurosciences, 71, 479-495. doi: 10.1111/pcn.12457.         [ Links ]

Leeman, R. & Potenza, M. (2013). A Targeted Review of the Neurobiology and Genetics of Behavioral Addictions: An Emerging Area of Research. Canadian Journal of Psychiatry, 58, 260-273. doi: 10.1177/070674371305800503.         [ Links ]

Liberati, A., Altman, D., Tetzlaff, J., Mulrow, C., Gøtzsche, P., Loannidis,J., …. Moher, D. (2009). The PRISMA statement for reporting systematic reviews and metaanalyses of studies that evaluate health care interventions: explanation and elaboration. British Medical Journal Online, 339, b2700. doi: 10.1136/bmj.b2700.         [ Links ]

Liebherr, M., Schiebener, J., Averbeck, H., & Brand, M. (2017). Decision Making under Ambiguity and Objective Risk in Higher Age - A Review on Cognitive and Emotional Contributions. Frontiers in Psychology, 8, 1-12. doi: 10.3389/fpsyg.2017.02128.         [ Links ]

Palaus, M., Marron, E., Viejo-Sobera R., & Redolar-Ripoli, D. (2017). Neural Basis of Video Gaming: A Systematic Review. Frontiers in Human Neuroscience, 11, 1-40. doi: 10.3389/fnhum.2017.00248.         [ Links ]

Suenderhauf, C., Walter, A., Lenz, C., Lang, U., & Borgwardt, S. (2016). Counter striking psychosis: Commercial video games as potential treatment in schizophrenia? A systematic review of neuroimaging studies. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 68, 20-36. doi: 10.1016/j.neubiorev.2016.03.018.         [ Links ]

Thorne, H., Rockloff, M., Langham, E., & Li, E. (2016). Hierarchy of Gambling Choices: A Framework for Examining EGM Gambling Environment Preferences. Journal of Gambling Studies, 32, 1101-1114. doi: 10.1007/s10899-016-9601-2.         [ Links ]

van Holst, R., van den Brink, W., Veltman, D., & Goudriaan, A. (2010). Why gamblers fail to win: A review of cognitive and neuroimaging findings in pathological gambling. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 34, 87-107. doi: 10.1016/j.neubiorev.2009.07.007.         [ Links ]

Weinstein, A. (2010). Computer and Video Game Addiction-A Comparison between Game Users and Non-Game Users. The American Journal of Drug and Alcohol Abuse, 36, 268-276. doi: 10.3109/00952990.2010.491879.         [ Links ]

Weinstein, A., & Weizman, A. (2012). Emerging Association Between Addictive Gaming and Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Current Psychiatry Reports, 14, 590-597. doi: 10.1007/s11920-012-0311-x.         [ Links ]

Weinstein, A., Livny, A, & Weizman, A. (2017). New developments in brain research of internet and gaming disorder. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, 75, 314-330. doi: 10.1016/j.neubiorev.2017.01.040.         [ Links ]

Xu, C., Chen, J., & Adelman, R. (2015). Video Game Use in the Treatment of Amblyopia: Weighing the Risks of Addiction. Yale Journal of Biology and Medicine, 88, 309-317.         [ Links ]

Yvonne, H., Yau, M., & Potenza, MD, N. (2015). Gambling Disorder and Other Behavioral Addictions: Recognition and Treatment. Harvard Review of Psychiatry, 23, 134-146. doi: 10.1097/HRP.0000000000000051.         [ Links ]

 

Recebido em 12 de Novembro de 2018/ Aceite em 05 de Março de 2018

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons