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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.20 no.2 Lisboa ago. 2019
https://doi.org/10.15309/19psd200219
Intervenção em grupo para mulheres com endometriose
Group intervention for women with endometriosis
Gabriela Gonzáles1, Giuliana Inocente1, & Maria Soares1
1Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento; Universidade Estadual de Londrina; Londrina-PR, Brasil, gabriellagonzales@hotmail.com, giulianainocente@gmail.com, ritazoega@hotmail.com
RESUMO
A intervenção psicológica em grupo apresenta vantagens no contexto da saúde. Permite atender maior número de pacientes, promover a interação entre os membros e fornecer modelos de comportamentos adequados. É considerado uma condição socialmente reforçadora e semelhante ao contexto fora de sessão, o que facilita a generalização de comportamentos. Atualmente existem poucas publicações sobre intervenção psicológica em grupo direcionada a mulheres com endometriose. O presente artigo descreve um modelo de atendimento em grupo para mulheres com tal diagnóstico com enfoque Analítico Comportamental. Foram realizadas dez sessões, elaboradas a partir de literatura pertinente, com uma hora e meia de duração. O grupo possuía característica fechada e era formado por seis participantes com condição homogênea. Os objetivos incluíram o desenvolvimento de habilidades sociais, expressão de sentimentos, autoconhecimento e relaxamento. Os dados foram obtidos por meio da observação do comportamento das participantes e registros realizados pelas psicoterapeutas. Os resultados corroboraram com a literatura com relação à demora em receber o diagnóstico e a necessidade de trabalhar habilidades sociais, com o intuito de diminuir a frequência de comportamentos relacionados à fuga e à esquiva de contextos sociais. No grupo foi possível observar que após a intervenção, as mulheres discutiram com mais frequência sobre gravidez, tema considerado aversivo, o que pode indicar a aquisição de repertórios relacionados à expressão de sentimentos e ao enfrentamento.
Palavras-chave: Psicologia, intervenção, grupo, endometriose, saúde
ABSTRACT
Group psychological intervention has advantages when used in the context of health. It allows a greater number of patients to be attended, promote interaction between members and provide models of appropriate behaviors. Is considered a socially reinforcing condition and similar to the out-of-session context, which facilitates the generalization of behaviors. Currently there are few publications about psychological intervention in group directed to women with endometriosis. This article describes a model of treatment group for women with such a diagnosis with a behavioral analytic approach. Ten sessions were held, based on pertinente literature, with an hour and a half of duration. The group had closed feature and was formed by six participants with homogeneous condition. The objective included developing of social skills, expression of feelings, self-knowledge, and relaxation. The data were obtained by observing the behavior of the participants and the records made by the psychotherapists. The results corroborated with the literature regarding the delay in receiving the diagnosis and the need to work with social skills, in order to reducing the frequency of behaviors related to escape and avoidance of social contexts. In the group, it was possible to observe after the intervention, women discussed more frequently about pregnancy, a subject considered aversive, which may indicate the acquisition of repertoires related to the expression of feelings and coping.
Keywords: psychology, intervention, group, endometriosis, health
A psicoterapia em grupo é uma alternativa à psicoterapia individual e apresenta vantagens relacionadas a atender uma maior demanda em menor tempo, permitir interação social, fornecer modelos comportamentais, organizar condições reforçadoras e possibilitar generalização de comportamentos mais adaptativos adquiridos (Coêlho & Barros, 2011; Delitti & Derdyk, 2008).
Grupos psicoterapêuticos voltados para pacientes diagnosticados com infertilidade e para pacientes com dor crônica têm apresentado bons resultados, colaborando para melhorar a qualidade de vida e diminuir a ansiedade e a depressão (Gorayeb, Borsari, Rosa-e-Silva, & Ferriani, 2012; Liz & Strauss, 2005; Oliveira, Marques, Silva, Tolotti, & Vandenberghe, 2014; Saban, 2013; Vowles, McCracken & Eccleston, 2007). Embora a dificuldade de engravidar e dores crônicas sejam os principais sintomas da endometriose, pouco tem sido abordado na literatura sobre intervenção psicoterapêutica em grupo para essa população (Botão, 2016).
Os sintomas da endometriose influenciam vários âmbitos da vida da portadora, uma vez que dificultam a realização de tarefas e/ou afetam seu estado emocional. O tratamento médico visa aliviar os sintomas e não a cura da doença. Desse modo faz-se necessário um trabalho multidisciplinar para auxiliar as pacientes (Caldeira, Noronha, Oliveira, & Amorim, 2008).
Lorençatto, Vieira, Marques, Benetti-Pinto, e Petta (2007) realizaram um grupo de apoio multiprofissional, com a participação de médicos, fisioterapeutas e psicólogos cognitivos comportamentais, para mulheres com endometriose. Os autores constataram sofrimento emocional e dificuldade no relacionamento interpessoal das participantes, além de indicativos de depressão e estresse. Ao final do grupo de apoio, as participantes obtiveram melhora nos escores de dor e depressão. Embora o grupo não tenha propiciado um alivio total da dor, os resultados apontaram melhora no bem-estar físico e emocional das pacientes, o que indica a relevância do grupo de apoio como auxilio para o tratamento da endometriose.
Oliveira et al. (2014) apresentam um protocolo de atendimento comportamental em grupo para pessoas com dor crônica. A partir da hipótese de mutua influência entre sensação de dor e problemas e esquivas sociais, sensação de dor e estresse físico e mental, os autores sugerem 12 sessões com objetivos pertinentes a essas questões. Como por exemplo, reconhecimento e descrição da dor; análise da história individual e suas consequências atuais; análise e manejo adequado de relações interpessoais conflituosas; elaboração de objetivos de mudanças no cotidiano; aumento da atenção para emoções positivas; diversificação de repertório comportamental no intuito de obter mais reforçadores naturais; discriminação de sentimentos; ensino de comportamentos de enfrentamento; autoconhecimento; e aceitação de diferenças interpessoais.
O presente artigo é resultado da intervenção psicoterapêutica em grupo para mulheres com endometriose a partir de uma abordagem Analítico Comportamental. Os objetivos da intervenção foram elaborados a partir de literatura pertinente, que apontaram a necessidade de trabalhar à expressão de sentimento; desenvolvimento de habilidades sociais; maior padrão de enfrentamento da dor e ao tratamento; menor esquiva emocional; maior repertório de autoconhecimento e desenvolvimento de estratégias de relaxamento (Botão, 2016; De Graaf et al., 2013; Gilmour, Huntington, & Wilson, 2008; Lorençatto et al., 2007; Matta & Muller, 2006; Oliveira et al., 2014).
As habilidades sociais são tema importante para se trabalhar com estas mulheres, uma vez observado o afastamento de atividades sociais. Esta condição pode ter como causa a dor incapacitante ou mesmo a esquiva para abordar assuntos como endometriose e fertilidade, geralmente considerados estímulos aversivos para estas mulheres (Botão, 2016).
Dentre esta classe de respostas relacionada às habilidades sociais, encontra-se o comportamento assertivo. De acordo com Bolsoni-Silva (2002) o comportamento assertivo faz menção à resposta verbal do indivíduo em expressar sentimentos e pensamentos de maneira adequada, defendendo seus próprios direitos e respeitando os diretos dos próximos. Comportamentos assertivos tendem a aumentar a autoestima de quem o emite, sentindo-se mais satisfeito e confiante. De maneira contrária o comportamento passivo refere-se a respostas em que o próprio indivíduo se desvaloriza, acedendo a opinião do outro, independentemente da sua. Já o comportamento agressivo faz com que o indivíduo se valorize, porém desvaloriza os que estão a sua volta, o que traz prejuízos ao relacionamento social.
Para emitir comportamento assertivo é importante que o indivíduo também apresente comportamentos empáticos. Empatia é definida como uma habilidade de comunicação. Em interações sociais, a empatia acontece em duas etapas. Primeiro, o indivíduo se envolve em compreender a perspectiva e os sentimentos da outra pessoa, experienciando o que está acontecendo com o outro. A segunda etapa consiste em comunicar esse entendimento de forma sensível. De maneira resumida, a compreensão empática inclui ouvir e verbalizar sensivelmente (Barrett-Lennard, 1981; Falcone, 1999).
Ainda dentro da classe de habilidades sociais, identificam-se os comportamentos de autoconhecimento e expressão de sentimentos. A expressão de sentimento se faz importante, principalmente para mulheres com endometriose, visto que a grande maioria se queixa de desvalidação de sentimentos, geralmente advinda do ambiente familiar e social, no período em que reclamam sobre os sintomas sem ter o diagnóstico correto. O diagnóstico de endometriose é concluído, em média, seis anos após o aparecimento dos primeiros sintomas para ser concluído, uma vez que cada paciente pode apresentar um sintoma específico, ou não apresentar sintomas. Tal condição pode levar a diferentes hipóteses diagnósticas, que devem ser testadas e analisadas para chegar ao resultado. A possibilidade de relatar seu sofrimento e ser acolhida pode diminuir a angústia vivida por estas mulheres (Matta & Muller, 2006). Ainda segundo Matta e Muller (2006):
Reconhecer seus sentimentos frente à dor ou à dificuldade de engravidar e as mudanças que estes limites trouxeram para sua vida pode ser um começo para viver melhor. Não que isto signifique que os sintomas desaparecerão, o objetivo de considerar o aspecto emocional no tratamento da endometriose é de compreender a associação existente entre esse fator com a doença e seus sintomas, para estabelecer um tratamento mais efetivo, garantindo atenção para as queixas físicas e emocionais. (Matta & Muller, 2006, p. 69).
O grupo também possuiu como objetivo o autoconhecimento, ou seja, incentivou-se a observação do seu próprio comportamento, facilitando a discriminação dos estímulos que o alteram. O autoconhecimento é definido pela capacidade de o indivíduo realizar a análise funcional de seu próprio comportamento, identificando os três termos da contingência, antecedente, resposta e consequente. Assim, indivíduos com repertório comportamental de autoconhecimento estão mais aptos a manipular as contingências com efetividade para alcançarem o que desejam (Skinner, 1974).
De maneira similar, o autoconhecimento corporal, que pode ser adquirido mediante relaxamento, auxilia no alívio dos sintomas de endometriose, uma vez que permite o indivíduo explorar-se, experimentar-se e aceitar-se (Payné, 2005). Oliveira et al. (2014) afirmam que o relaxamento pode auxiliar o indivíduo a manipular sua tensão muscular, produzindo alivio da dor.
O presente artigo pretende descrever um processo de intervenção comportamental em grupo, elaborado para auxiliar mulheres com diagnóstico de endometriose. Os temas levantados em literatura (expressão de sentimento; desenvolvimento de habilidades sociais; maior padrão de enfrentamento da dor e ao tratamento; menor esquiva emocional; maior repertório de autoconhecimento e desenvolvimento de estratégias de relaxamento) foram trabalhados e adaptados de acordo com as experiências das psicoterapeutas em intervenções em grupo e análise funcional realizada em um grupo de supervisão, com colaboração de mais duas psicoterapeutas após cada sessão. Dessa forma, pretendia-se aplicar uma intervenção adaptada às participantes do grupo com o intuito de melhorar a qualidade de vida.
Método
Participantes
A intervenção psicoterapêutica em grupo teve aprovação do comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Londrina com o protocolo nº50121615.1.0000.5231. Participaram da intervenção seis mulheres diagnosticadas com endometriose, com mais de 18 anos e que não estavam em atendimento psicoterapêutico. O número de participantes se justifica por permitir realizar trocas de experiências e fornecer modelos comportamentais, além de possibilitar uma intervenção com foco nos interesses individuais das participantes (Delitti & Derdyk, 2008).
O recrutamento das participantes se deu via rádio, TV e cartazes. Antes do início da intervenção oito mulheres interessadas realizaram entrevista para investigar dados sociodemográficos, características da doença, consequências da enfermidade e expectativas quanto ao grupo de intervenção. Como cumpriram o critério de inclusão, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (Botão, 2016). Nas três primeiras sessões, o grupo teve uma condição aberta, permitindo o ingresso de novas participantes. Posteriormente, para o melhor desenvolvimento das atividades, foi necessário restringir a entrada de novos membros, tornando o grupo fechado. Duas mulheres desistiram do grupo antes dele adquirir a característica fechada e não apresentaram motivo. O Quadro 1 apresenta as características das participantes do grupo fechado.
Equipe
O grupo psicoterapêutico foi conduzido por duas psicoterapeutas (autoras do presente trabalho). Os papeis de psicoterapeuta e co-terapeuta foram estabelecidos previamente a cada sessão, com a possibilidade de cada uma assumir as duas funções no processo. A psicoterapeuta teria a tarefa de intervir diretamente, enquanto a co-terapeuta deveria observar, anotar e em caso de necessidade, redirecionar a sessão, auxiliando a terapeuta (Delitti & Derdyk, 2008). O objetivo de cada sessão foi readequado após a realização de análise funcional da sessão anterior, realizada em um grupo de supervisão, formado por quatro psicólogas clínicas (orientadora, psicóloga clínica e as duas terapeutas que conduziram o processo), todas com experiência profissional em psicologia clínica e na condução de grupos.Local e Material
A intervenção foi realizada em uma Clínica de Diagnóstico por Imagem e Psicologia em Análise do Comportamento, localizada em uma cidade no sul do Brasil. A sala apresentava condições físicas para o desenvolvimento da intervenção em grupo, com cadeiras, sofás, mesa e televisão. Foi utilizada uma câmera filmadora digital para registro de áudio e vídeo.
Procedimento
A intervenção teve duração de dez sessões, realizadas com frequência semanal, com uma hora e meia de duração. O número de sessões foi definido em função dos objetivos encontrados na literatura (Botão, 2016; De Graaf et al., 2013; Gilmour et al., 2008; Lorençatto et al., 2007; Matta, & Muller, 2006).
De modo geral, as sessões realizadas apresentavam três fases: iniciação, intervenção e encerramento. O objetivo da fase de iniciação foi facilitar a adaptação das participantes com a situação e permitir um diálogo livre, com duração média de 20 minutos. Durante a intervenção, as psicólogas conduziram atividades com o intuito de cumprir o objetivo de cada sessão. Tal fase teve duração média de 50 minutos. Na fase de encerramento, era realizada uma avaliação da sessão, com duração média de 20 minutos. Tal descrição pode ser observada no Quadro 2. Após cada sessão, era realizado o registro escrito dos procedimentos e resultados observados.
Estudos ressaltaram a importância de grupos multiprofissionais para mulheres com endometriose (Caldeira et al, 2008; Lorençatto et al., 2007). Assim, foram organizados dois encontros extras com a participação de profissionais de outras áreas. Foi convidada uma médica ginecologista com especialização em fertilidade com o intuito de esclarecer dúvidas específicas sobre o processo de fertilização. Além disso, duas fisioterapeutas especializadas no tratamento da região pélvica, forneceram estratégias alternativas para o alívio da dor. Tais sessões não serão descritas no presente artigo.
Resultados
O grupo teve início no dia vinte e sete de novembro de 2015, sendo possível realizar três encontros (sessão 1, 2 e 3) antes do final do ano e tiveram como objetivo em comum, o desenvolvimento do vínculo entre psicoterapeutas e participantes. A 1ª sessão de atendimento consistiu em apresentar os membros do grupo, além de discutir regras como sigilo, pontualidade e assiduidade. Houve preocupação em incentivar a participação, cooperação e respeito entre os membros. Como técnica de apresentação, foi utilizada a dinâmica “Cosme e Damião” (Bolsoni-Silva, 2009), na qual as participantes foram divididas em duplas para dialogarem seguindo um roteiro pré-estabelecido que incluía nome, expectativas em relação ao grupo e trajetória realizada para chegar ao diagnóstico de endometriose. Posteriormente, cada membro apresentou ao grupo a participante com quem dialogou, permitindo a discussão sobre a história de cada uma e suas expectativas em relação ao grupo.
A 2ª sessão teve como objetivo o estabelecimento de vínculo e empatia entre os membros do grupo. Para isso, foi incentivado que dialogassem livremente, possibilitando a troca de informações entre elas. Em seguida, foram distribuídos papeis coloridos, sendo que cada participante ficou com uma única cor, e foi escrito em um quadro as frases: “gosto quando amigos desabafam comigo”; “me sinto sobrecarregada”; “gosto de sair, ver amigos, estar sempre rodeada de pessoas”; “eu sinto que as pessoas me acham chata”; “me sinto culpada pelo que acontece comigo”; e “não crio expectativas quanto ao meu futuro”. Cada frase foi apresentada e discutida separadamente, de modo que as participantes não tivessem acesso a todas as frases de uma só vez. Após a apresentação de cada frase, solicitou-se que as participantes se levantassem e colassem no quadro o papel colorido, caso se identificassem com a frase. Disponibilizou-se um tempo para que elas pudessem expor os motivos por terem se identificado ou não com cada frase. Para finalizar a atividade, promoveu-se uma discussão sobre as semelhanças e diferenças do grupo (frases com mais ou menos papeis). No encerramento, foi questionado sobre os sentimentos levantados ao longo da atividade.
Na 3ª sessão o objetivo foi trabalhar a expressão de sentimentos e a empatia entre os membros do grupo. Iniciou-se com um período para diálogo livre entre as participantes. Como atividade principal, as participantes foram divididas em dois subgrupos, sendo que para cada grupo uma delas tinha a função de “secretária”, a qual deveria anotar os tópicos abordados ao longo da atividade. Solicitou-se que cada participante falasse “o que viesse à cabeça, sem censura” sobre seus medos, em um tempo de cinco minutos, cronometrado. Após a exposição de todas as participantes, a mesma instrução foi dada para que verbalizassem sobre suas esperanças. Finalizada a atividade, as secretárias leram as anotações para o grande grupo, discutindo as diferenças e as semelhanças. A sessão foi finalizada com recurso retirado de Silva (2002), no qual as participantes foram solicitadas a responderem uma das seguintes perguntas: “o que eu mais gostei na sessão foi”; “o que eu menos gostei na sessão foi; o que eu mudaria no grupo é”; “o que eu estou achando do grupo”; “o que eu aprendi com o grupo foi”; “o que eu ainda gostaria de aprender com o grupo é”. A resposta teria que ter a duração da chama de um palito de fósforo, ou seja, antes de iniciar a resposta a participante acendia o fósforo e deveria finalizar ao apagar.
O objetivo da 4ª sessão foi incentivar a expressão de sentimentos. Iniciou-se com espaço para diálogo livre. A atividade principal consistiu em abordar questões relacionadas à incontrolabilidade de sentimentos e pensamentos. Discutiu-se os pensamentos e sentimentos que cada uma teve diante da notícia da gravidez de alguém próximo. O tema foi escolhido em função da observação de relatos a respeito do tema e para possibilitar que uma das psicoterapeutas contasse sobre a própria gravidez. Finalizou-se a sessão com o incentivo à expressão de sentimentos das participantes ao longo da sessão.
Na 5ª sessão discutiu-se sobre empatia, por meio de uma vivência, utilizando uma música tranquila, a psicoterapeuta forneceu a seguinte instrução: “Fechem os olhos e pensem em uma situação triste que alguém te contou. Você conseguiu se colocar no lugar dela? Como foi para você? Pense agora em uma situação triste que você passou. Como as pessoas se comportaram? O que você não gostou? Como você gostaria que as pessoas se comportassem? Como seria se as pessoas se colocassem no seu lugar e experimentassem o que você estava sentindo? Você consegue se colocar no lugar dela?”. Assim, houve a possibilidade de se discutir a importância da empatia na relação interpessoal. Por fim, a avaliação da atividade foi realizada utilizando o controle de tempo realizado na terceira sessão (chama de fósforo).
No início da 6ª sessão, solicitou-se para que uma das participantes fizesse um resumo do que foi trabalhado na última sessão. Em seguida inseriu-se o tema assertividade, por meio da leitura de dois contos adaptados de Oliveira (1998). Cada conto apresentava três finais diferentes: passivo, agressivo e assertivo, porém a psicoterapeuta não identificou a que padrão se referia cada um dos desfechos. Após a leitura de cada conto, solicitou-se que as participantes descrevessem em qual desfecho elas se identificavam mais. Foi uma oportunidade para que se realizasse uma explicação sobre as diferenças entre os três tipos de padrão de comportamento e para que as participantes realizassem auto-observação. Por fim, foi solicitado que indicassem o que aprenderam na sessão.
A 7ª sessão consistiu em trabalhar autoconhecimento, sendo possível que cada participante reconhecesse seus comportamentos e ambientes. No iniciou, retomou-se a discussão da última sessão, solicitando que um dos membros fizesse um resumo sobre os pontos mais importantes. Após, com a música ao fundo, solicitou-se que elas se acomodassem de modo confortável e respirassem de maneira profunda e calma, seguindo a instrução: “Agora nós vamos fazer uma viagem no tempo e relembrar de quando éramos crianças e frequentávamos a escola. Como era? Onde eu morava? Como era meu relacionamento com as pessoas no geral? Como era meu relacionamento com meus pais e irmãos? Eu podia falar dos meus sentimentos com eles, os bons e os ruins? Eu dava minhas opiniões? Era criticada? Quando fazia algo errado, como meus pais agiam? E meus irmãos? Agora vamos para a adolescência. Quais foram as principais mudanças que ocorreram no meu relacionamento com minha família? Os momentos mais felizes e aqueles de extrema dificuldade. Guardei alguma magoa? E hoje em dia como está meu relacionamento com meus pais e irmãos? O que mudou de positivo? O que continua sendo dificuldade? O que me pareço com meus pais e irmãos? O que quero mudar daqui para frente?” (Bolsoni-Silva, 2009). A avaliação da sessão foi realizada por meio de notas sobre a participação dos membros do grupo e da intervenção das psicólogas.
A 8ª sessão continuou com o objetivo de autoconhecimento e expressão de sentimentos, com comentários das participantes sobre as atividades realizadas na última sessão. Como atividade principal, foi aplicada uma vivência adaptada de Hayes, Strosahl, e Wilson (1999). Ao som de uma música tranquila, foram instruídas para que fechassem os olhos e imaginassem que ocorreu um acidente muito grave com elas e os familiares e amigos estariam reunidos: “Imagine as pessoas que você ama em um mesmo local, aquelas que você tem certeza que amam você, mesmo as que moram distantes, elas deram um jeito de ir ao encontro. Quem está ali? Seu pai? Sua mãe? Seus irmãos? Quem mais da sua família? E seus amigos, quem está? Agora vamos imaginar o que eles devem estar falando sobre você? O que cada uma dessas pessoas fala de você? Falam coisas boas? Apontam algum defeito seu? Quais lembranças de vocês eles comentam? Vamos imaginar o que cada uma dessas pessoas falaria: seus pais, irmãos, familiares, amigos…”. Posteriormente, foram incentivadas a contarem como foi a vivência, indicando o que foi mais difícil e o mais prazeroso. Indagou-se sobre como cada uma tem se comportado e como poderiam mudar alguma condição. Aproveitando a música, foi realizado treino de respiração lenta e profunda e o relaxamento de Jacobson (Payne, 2005).
A 9ª sessão teve início com o relato das participantes sobre o que aprenderam na última sessão. Em seguida, foi solicitado que listassem cinco características de uma pessoa com quem tinham um relacionamento difícil, além de abordarem situações que vivenciaram nesse relacionamento nos últimos tempos. Foram questionadas sobre: “O que te incomodou? Você já fez alguma coisa parecida com outra pessoa?”. Deveriam tentar imaginar a situação sob o ponto de vista do outro, além de levantar os pontos positivos desta outra perspectiva. Finalizou-se a sessão novamente com o relaxamento de Jacobson.
Na 10ª e última sessão foi feita a avaliação geral dos encontros. Para isso, foi realizado um amigo secreto, com a distribuição de papeis com os nomes de cada participante e a solicitação para que cada uma fizesse uma avaliação da pessoa que tirou. Nesse sentido, deveriam ressaltar a característica que consideravam que mais tinha contribuído para o desenvolvimento do grupo e o que achavam que a outra participante tinha mais aprendido durante as sessões. Em seguida, foi solicitado que cada participante escrevesse o que mais gostou no grupo, o que não gostou e o que acrescentaria no programa. Houve espaço para discussão sobre o que foi escrito. A sessão foi finalizada com exposição dialogada sobre como as participantes avaliaram o processo e a condução das psicoterapeutas.
Discussão
Nas três primeiras sessões, o principal objetivo foi desenvolver um ambiente acolhedor, que permitisse a exposição e a interação entre as participantes. De acordo com Delitti e Derdyk (2008), ao conduzir atividades em grupo, o psicoterapeuta deve buscar que os membros participem e interajam, mediar conflitos e estabelecer o objetivo do grupo e/ou da sessão. Também é necessário criar um ambiente reforçador e de encorajamento para que os participantes possam se expor.
Constatou-se que as participantes do grupo possuíam uma história que incluía longo tempo para obter diagnóstico correto, além da desvalidação em relação ao relato dos sintomas da endometriose. Segundo Matta e Muller (2006) o diagnóstico de endometriose é estabelecido em cerca de seis anos após o primeiro sintoma, o que pode influenciar na diminuição da frequência de respostas relacionadas à expressão de sentimentos, principalmente aos que se referem à doença. Nesse sentido, buscou-se incentivar o desenvolvimento de vínculo entre os membros do grupo para possibilitar a expressão de sentimentos.
Verificou-se que as participantes se encontravam em etapas diferentes em relação aos tratamentos de endometriose. Algumas, por exemplo, estavam no período de recém diagnóstico e identificação de aspectos relacionados à dificuldade para engravidar. Outras, já haviam se submetido à estimulação ovariana ou outros procedimentos de fertilização. Tal fato pode ter contribuído para dificultar a apresentação de repertório relacionado à demonstração de empatia entre elas. Barrett-Lennard (1981) define empatia como os comportamentos de ouvir o que o outro está dizendo e se comunicar de forma sensível, demonstrando compreensão da situação. Em sessão foi observado que as participantes ouviam umas as outras, mas a comunicação realizada entre elas não era sensível, havendo relatos de rejeição diante de algumas decisões tomadas por uma participante (por exemplo, optar por determinado tratamento e não outro). Por esta razão, sugere-se que grupos de intervenção com tal temática, procurem selecionar participantes que estejam em uma fase parecida do tratamento médico.
Foi observada a presença de determinados padrões de comportamentos das participantes relacionados à fuga/esquiva, principalmente em condições que envolviam cobrança social para terem filhos. Botão (2016) relatou isolamento social das portadoras de endometriose pela presença de dor incapacitante e por esquiva de assuntos relacionados à enfermidade, considerados estímulos aversivos para estas mulheres. Tal afirmação, corrobora com os dados obtidos no presente estudo, onde a maioria das participantes relatou que evitava ir a festas infantis ou frequentar ambientes com a presença de mulheres grávidas ou com filhos. Nessas situações, segundo elas, geralmente procuravam não falar no assunto e apresentavam um padrão mais hostil diante de questionamentos. Assim, foi necessário incluir estratégias para trabalhar habilidades sociais para permitir que lidassem melhor com tais cobranças. A gravidez de uma das psicoterapeutas pode ter favorecido a discussão sobre gravidez e que enfocassem sentimentos advindos da descoberta e aceitação de situações semelhantes.
Realizou-se em sessão, análise sobre o padrão comportamental das participantes quando estavam em eventos sociais, diante do estímulo dor e em relação aos tratamentos de infertilidade, buscando alternativas de respostas mais adequadas. O autoconhecimento foi trabalhado no sentido de tornar as participantes mais conscientes das consequências produzidas por seus próprios comportamentos, além de discutir a possibilidade de planejar mudanças em variáveis ambientais, com o intuito de obter reforçadores mais vantajosos. No grupo, o autoconhecimento também foi trabalhado com o reconhecimento corporal através de exercícios de respiração e do relaxamento físico.
As sessões de psicoeducação com outros profissionais da área da saúde tiveram o objetivo de fornecer informação sobre a enfermidade e os tratamentos disponíveis. Acredita-se que a participação de outros profissionais, como por exemplo, fisioterapeutas, nutricionistas, acupunturistas, médicos especializados em dor e em fertilização, podem colaborar para que pacientes se sintam mais seguras e desenvolvam repertório compatível com o enfrentamento da situação.
A intervenção multiprofissional em grupo psicoterapêutico para mulheres com endometriose pode ser considerada de extrema relevância por ter potencial de aliviar sintomas de dor, depressão e ansiedade, além de aumentar o repertório comportamental mais adaptativo. De acordo com Matta e Muller (2006, p.64): “Quando conhecem outras mulheres com endometriose, as participantes relatam que há empatia e troca de experiências, contato que é tido como agradável e que auxilia na transformação de expectativas mais negativas associadas à doença.”.
O presente artigo esboça o que as autoras realizaram em seu trabalho com mulheres portadoras de endometriose. Verifica-se que atualmente, há poucos relatos científicos sobre estratégias de intervenção para esta população. Pesquisas e a troca de experiências entre profissionais podem auxiliar para o desenvolvimento de programas de intervenção de qualidade, compatíveis com a diminuição do sofrimento e melhora da qualidade de vida desta população.
REFERÊNCIAS
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Agradecimentos
Agradecemos a colaboração da psicóloga Hellen Mello que participou do grupo de supervisão para a presente intervenção. Sinceros agradecimentos ao Dr. Luc Marcel Adhemar Vandenberghe e à Dra. Márcia Cristina Caserta Gon, banca de defesa da autora Giuliana Inocente, que forneceram sugestões relevantes para o presente artigo.
Recebido em 08 de Agosto de 2018/ Aceite em 30 de Maio de 2019