Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.20 no.3 Lisboa dez. 2019
https://doi.org/:10.15309/19psd200314
Qualidade psicométrica de escalas portuguesas de espiritualidade: uma revisão de literatura
Psychometric quality of portuguese measures of spirituality: a systematic review
João Pedro Da Silva1
https://orcid.org/0000-0001-9362-221X
Anabela Pereira2,
Sara Monteiro3,
Ana Bártolo3
1 Universidade de Aveiro, Campus de Santiago, Aveiro, Portugal, jp.dasilva@outlook.com
2Centro de Investigação de Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF), Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, Campus de Santiago, Aveiro, Portugal, anabelapereira@ua.pt
3Centro de Investigação e Tecnologias em Serviços de Saúde (CINTESIS), Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, Campus de Santiago, Aveiro, Portugal, smonteiro@ua.pt, anabartolo@ua.pt
RESUMO
A presente revisão de literatura teve por objectivo esclarecer quanto à adequação das medidas psicométricas de religiosidade e espiritualidade, desenvolvidas ou adaptadas para o contexto português. Procedeu-se a uma pesquisa sistemática conduzida em Dezembro de 2018 e actualizada em Junho de 2019 nas seguintes bases de dados: EBSCO (Fonte Académica, Psyc Artcles, Psychology and Behavioral Sciences, e PsycINFO); SCOPUS; Web of Scienc; Scielo e RCAAP (Repositórios Científicos de Acesso Aberto em Portugal). Verificou-se, entre 935 entradas em bases de dados, a existência de 7 estudos de aferição de medidas métricas de espiritualidade que foram avaliados quanto à qualidade metodológica e quanto às características psicométricas. Concluiu-se que as medidas de espiritualidade disponíveis em Portugal são discrepantes entre si e que carecem de uma apropriada adequação psicométrica. Sugere-se a necessidade de condução de novos estudos que revejam as fragilidades metodológicas sinalizadas nesta revisão e alerta-se para o estado de arte, nomeadamente, para questões de ordem conceptual no desenvolvimento de novas escalas.
Palavras-Chave: Revisão de literatura, espiritualidade, religiosidade, escalas, psicometria
ABSTRACT
The purpose of this review was to clarify the adequacy of the existing measures of religiosity and spirituality at the Portuguese context. A systematic survey was conducted in December 2018 and updated in June 2019 through the electronic databases EBSCO (Fonte Académica, Psyc Artcles, Psychology and Behavioral Sciences, e PsycINFO); SCOPUS; Web of Scienc; Scielo e RCAAP (Repositórios Científicos de Acesso Aberto em Portugal). It was selected 7 studies amongst 935 entries that correspond to the psychometric analysis of new scales, which were evaluated regarding its methodological and metrical quality. It was concluded that the measures of spirituality available in Portugal are discrepant with each other and lack an appropriate psychometric adequacy. It is suggested the need to conduct new studies that would resolve the methodological weaknesses signalled in this review as also the necessity to attend to the state of art, namely, the conceptual issues in the development of new scales.
Keywords: Systematic review, spirituality, religiosity, scales, psychometry
O estabelecimento da Divisão 36 da American Psychological Association proporcionou um grande impulso no estudo da religião e espiritualidade em psicologia, assente na constituição de medidas psicométricas que visam a avaliação objectiva destes dois constructos. Porém, surgiram dúvidas quanto à licitude de modelos teórico-conceptuais de uma espiritualidade e de uma religiosidade em psicologia, dada a incongruência entre as propostas conceptuais de diferentes autores (Hill, 1999; Reich, 2000; Stifoss-Hanssen, 1999) que se reflectiram, por sua vez, na insuficiente adequação das medidas psicométricas propostas atinentes a uma mera ‘religificação’ ou ‘espiritualização’ de variáveis psicológicas que, à partida, não se associam necessariamente com o domínio religioso ou espiritual (Piedmont, 1999; Van Wicklin, 1990). A primeira sistematização das críticas metodológicas e conceptuais ao campo psicométrico deste domínio da psicologia é avançado por Gorsuch (1990), que defendeu a acepção de que as medidas de espiritualidade e religiosidade existentes são: 1) pouco adequadas; 2) negligenciam determinados constructos; 3) são incongruentes com a teoria e com modelos conceptuais; e 4) não são apropriadas a determinadas populações clínicas. Estas considerações foram igualmente subscritas por Hill (2005) que advogou que as medidas psicométricas existentes poderão não estar a avaliar estes constructos propondo os General Rating Criteria for Evaluating Measures of Religion or Spirituality como directriz no desenvolvimento de novos instrumentos. A reiteração das críticas de Hill espaçadas no tempo (Hill, 2015; Hill & Edwards, 2013) sugerem que no espaço de 30 anos o estado periclitante da psicometria da espiritualidade e da religiosidade pouco ou nada se alterou e a proposta de uma “rating criteria” não terá sensibilizado, o suficiente, os investigadores para reverem as suas práticas metodológicas.
A dificuldade central na constituição de medidas psicométricas reside em problemas estruturais referentes à conceptualização da espiritualidade e religiosidade e discrepâncias teóricas entre linhas de investigação (Hill, 2005, 2013; Tsang & McCullough, 2003) sem uma aparente resolução (cf. Oman, 2013; Skrzypinska, 2014). A principal divergência entre modelos teórico-conceptuais reside entre os preponentes a uma convergência entre espiritualidade e religiosidade (Zinnbauer & Pargament, 2005) e os que defendem uma independência conceptual (Helminiak, 2008) ou os que assumem uma religiosidade e negam a existência da espiritualidade (Koenig, 2009), arrastando-se a discórdia para o domínio psicométrico. As medidas neste âmbito apresentam, assim, problemas discrepância relativamente aos constructos avaliados remetendo para um variado leque de instrumentos.
Desenvolvimentos psicométricos em português
A publicação de novas medidas para avaliação da espiritualidade e da religiosidade tem tido um grande incremento nos últimos anos, verificando-se a necessidade em agrupar as diferentes medidas em função de critérios teóricos e amostrais (Austin, MacDonald, & MacLeod, 2018; Monod et al., 2011). As medidas psicométricas disponíveis apresentam níveis de adequação diferentes, com maior circunspecção a contextos mais específicos do que outros, sem se aferir satisfatoriamente uma espiritualidade ou religiosidade que seja transversal a todos os indivíduos, sendo este problema claramente manifestado quando se atende à avaliação destes constructos em contextos clínicos (Zwingmann, Klein, & Bussing, 2011).
O estudo da espiritualidade no domínio da saúde tem, por seu lado, recebido uma crescente atenção em Portugal com o incremento de investigações académicas dentro de linhas de investigação de diferentes áreas disciplinares (Romeiro, Martins, Pinto, & Caldeira, 2018). Contudo, o panorama de escalas e inventários em língua portuguesa é diminuto, não existindo informações que permitam sistematizar o progresso psicométrico neste campo em Portugal - aspeto relevante quanto se pretende determinar e assegurar a adequação das investigações realizadas quanto ao objeto de estudo em aferição, tal como um “sentimento de espiritualidade” ou um “comportamento religioso”.
O presente estudo tem como propósito a caracterização do desenvolvimento de medidas de avaliação da espiritualidade e da religiosidade em língua portuguesa, quanto às suas propriedades psicométricas e quanto à sua adequação teórico-conceptual com vista a responder à seguinte questão: qual é a adequação das medidas psicométricas aferidas para a população portuguesa para avaliar a religiosidade e/ou a espiritualidade?
Método
A presente revisão de literatura envolveu uma pesquisa sistemática conduzida em Dezembro de 2018 e actualizada em Junho de 2019. Tendo por base o protocolo PRISMA-P (Moher et al., 2015), delineou-se a revisão de literatura em quatro passos gerais: 1) estratégia de procura; 2) critérios de selecção; 3) extração de dados; e 4) avaliação da qualidade das medidas métricas.
Estratégia de Pesquisa
A pesquisa foi conduzida em cinco bases de dados nomeadamente: EBSCO (Fonte Académica, Psyc Artcles, Psychology and Behavioral Sciences, e PsycINFO); SCOPUS; Web of Scienc; Scielo e RCAAP (Repositórios Científicos de Acesso Aberto em Portugal) para a indentificação da literatura cinzenta. Os termos utilizados foram usados juntamente com operadores lógicos no motor de busca sendo estes termos os seguintes: “escala”; “espiritualidade”; “questionário”; “religiosidade”; “scale”; “questionnaire”; “spirituality”; “religiosity”; “portuguese” (ver Quadro 1 ).
Critérios de Elegibilidade
Para inclusão dos artigos nesta revisão sistemática foram definidos como critérios de elegibilidade: (a) manuscritos publicados em Português ou Inglês; (b) que objetivem o desenvolvimento e/ou validação de medidas psicométricas para a avaliação da religiosidade e da espiritualidade para o contexto português; (c) publicadas nos últimos 19 anos (2000-2019). Não foram consideradas restrições no que concerne à faixa etária.
Extracção e Síntese dos Dados
Todas as entradas auferidas das bases de dados foram selecionadas a partir dos resumos/abstracts, considerando-se como elegíveis todas aquelas que tinham como âmbito a aferição de uma medida métrica de ‘espiritualidade’/’religiosidade’ para a população portuguesa e excluindo-se aquelas que se encontraram repetidas. Assim, das 935 entradas obtiveram-se 7 (ver Figura 1).
No que respeita à síntese dos dados, todas as escalas incluídas foram analisadas quanto ao ano de publicação, instituição, construto avaliado, amostragem, tipo de escala, consistência interna, variância e validade convergente (ver Quadros 1 e 2). Quanto construto avaliado pela escala, optou-se por classificar entre medidas de religiosidade e de espiritualidade; uma vez que em alguns casos as medidas de espiritualidade faziam-se acompanhar de elementos de teor marcadamente religioso atribuímos a designação de “espiritualidade teísta”; outros casos evidenciaram medidas de enfoque religioso com componentes tidas ‘espirituais’ pelos autores pelo que as consideramos ser escalas cuja espiritualidade está incluída.
Avaliação da Qualidade dos Estudos
A avaliação da qualidade dos estudos inclui parâmetros distintos: metodologia e propriedades psicométricas. A qualidade metodológica é dada pela COSMIN Bias Checklist (c.f. Mokkink et al., 2018; Terwee et al., 2018), que apresenta um sistema de classificação em quatro pontos (inadequado, dúbio, adequado e muito bom) para um conjunto de parâmetros modulares, dos quais se considerou os seguintes: desenho do constructo; consistência interna; variância; validade de conteúdo; validade/convergente/discriminante. Os parâmetros de avaliação da COSMIN Bias Checklist reportam-se a contextos clínicos, pelo que estes parâmetros foram examinados com vista a poderem ser adaptados ao âmbito de indagação religiosa e espiritual, o qual não converge necessariamente com o clínico (Hill & Edwards, 2013). A qualidade das propriedades psicométricas é dada, por seu lado, pela General Rating Criteria for Evaluating Measures of Religion or Spirituality desenvolvida por Hill (2005), que não assenta nos procedimentos metodológicos das investigações envolvidas, mas, no peso estatístico das escalas e na qualidade do racional com que se departe. Esta General Rating Criteria compreende de quatro parâmetros (base teórica, representatividade, fiabilidade e validade) avaliados como de qualidade mínima ou inexistente, aceitável, bom e exemplar.
Resultados
Incluiram-se nesta revisão sete estudos das propriedades psicométricas de medidas de avaliação de espiritualidade - não foi encontrada nenhuma cujo enunciado se refere a uma religiosidade ou a um sentimento religioso. A medida mais antiga de acesso público, Escala de Avaliação da Espiritualidade, é datada de 2007 e é a única que remeteu para um desenvolvimento de uma escala nova em contexto português. Os restantes sete estudos remeteram para a adaptação de medidas já existentes. A medida mais recente, SISRI-24, é de 2018 (ver Quadro 1).
Quanto ao constructo avaliado, mais de metade dos instrumentos (n=4) reportaram-se a uma espiritualidade teísta; i.e. a uma concepção de espiritualidade que se faz a partir de descritores religiosos ou teológicos. Dois instrumentos avaliaram uma espiritualidade com uma religiosidade inclusa tomando a religiosidade um papel métrico subserviente mas convergente em determinado grau com uma espiritualidade; e um estudo, por seu lado, avaliou uma religiosidade com uma espiritualidade inclusa. Dos sete instrumentos em análise a Escala de Avaliação Espiritual de Rego (2008) é aquela cujo enunciado da medida métrica não corresponde com o âmbito do que é medido, por se tratar de uma medida de conteúdo estritamente religioso quando a escala pretende avaliar uma espiritualidade. A Escala de Avaliação da Espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro (2007), a única desta lista a ser desenvolvida por portugueses, apresenta, por sua vez, o desenho do constrcuto da espiritualidade e a sua validade de conteúdo como parâmetros insuficientes - ainda que haja uma definição do constructo a ser mensurado, os autores não fornecem um racional teórico que se baseie na actualidade do estado de arte na altura em que o estudo foi conduzido, faltando, também, a adopção de uma proposta teórica concreta em relação à conceptualização da espiritualidade (ver Quadro 2). De um modo geral, nenhum estudo se assentou numa base teórica exemplar - i.e. que atende ao estado de arte, partindo de uma proposta coerente com base em modelos teóricos consensuais - sendo que somente três apresentaram uma boa adequação, dois uma adequação meramente satisfatória e os restantes dois apresentam-se como inadequados (ver Quadro 3).
Relativamente às características da amostra, verifica-se novamente no Quadro 1 que três estudos usaram uma amostra clínica, três uma amostra geral da população e um deles uma amostra de enfermeiros. O número de participantes variou entre os 159 (min.) e os 718 (máx.). Entre as sete escalas em estudo, cinco não consideraram as crenças religiosas dos participantes como possível variável parasita, aquando o tratamento dos dados-socio-demográficos, e os dois estudos que a consideraram circunscreveram-se a uma amostra na sua maioria de religiosos, especificamente cristãos. De um modo geral, o critério de selecção da amostra no Sistema de Classificação de Hill é tido como bom, apesar de restritivo (ver Quadro 3).
As escalas são todas do tipo Likert e o número de items constitutivos destas escalas variaram em conformidade com as propostas teóricas avançadas, sendo que a mais curta tem apenas 5 items e a mais extensa 83 itens.
A respeito das propriedades métricas destes sete instrumentos, constatou-se uma heterogeneidade que se reflecte no número de factores, nos respectivos valores do alfa de Chronbach e na variância. Duas escalas apresentaram 2 factores, outras duas 3 factores, duas 5 factores e uma 4 factores. Os factores obtidos reportaram-se a dimensões que são diferentes de escala para escala, com pontuais exceções: a Escala de Avaliação Espiritual arrogou as dimensões “Paz” e “Fé” da FACIT-Sp e a dimensão “Religiosidade” da Spirituality and Spiritual Rating Care; o Questionário de Bem-Estar Espiritual compreendeu a dimensão “Sentido Comunitário” da SISRI-24. Outras conexões entre dimensões não foram possíveis de determinar satisfatoriamente dadas as discrepâncias etimológicas e conceptuais inerentes ao racional das escalas em análise (ver Quadro 4).
A confiabilidade destas medidas é, em geral, razoável atendendo que, apesar de todos os estudos terem cumprido os critérios para o cálculo da fiabilidade, a força dos resultados estatísticos é módica (comparar Quadros 3 e 4). Todos os valores de alfa das pontuações globais foram superiores .70, e nas sub-escalas o valor mais baixo foi .59 e o mais alto .95 (ver Quadro 6). No que respeita à análise da variância explicada, dois estudos não a contemplaram e dos cinco estudos que a apresentaram, a variância mais baixa no domínio da pontuação global foi de 54,90% e a mais alta de 66.43%.
O parâmetro da validade convergente foi aquele que se apresentou mais negligenciado (comparar Quadros 3 e 4). Apenas dois estudos procederam ao cálculo da validade convergente/discriminante a partir de medidas critério, outros dois procederam meramente à correlação entre factores e três estudos não consideraram este parâmetro. Dos dois estudos que procederam à validade convergente/discriminante, apenas a Escala de Avaliação de Espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro (2007) apresentou uma relação positiva com uma medida critério (coping religioso) congruente com o âmbito da escala (ver Quadro 6).
Discussão
Constata-se, em primeiro lugar, que o número de medidas métricas de espiritualidade aferidas em Portugal é circunscrito a sete escalas, existindo apenas uma de autoria portuguesa. Nenhuma destas escalas avalia uma espiritualidade per se; i.e. que não dependa semanticamente ou conceptualmente de outras variáveis que poderão não estar relacionadas com o domínio espiritual. Verifica-se, também, que as diferentes escalas diferem substancialmente entre si quer na constituição dos itens quer na sua estrutura factorial, sugerindo que os seus objetos de estudo efetivos poderão não remeter para o mesmo constructo a que visam, ou seja, a variável latente inerente às escalas em estudo não será a mesma para cada uma delas. A diferença entre escalas torna-se ainda mais vincada quando se atende às suas propriedades métricas. Portanto, é pouco crível que a espiritualidade seja um constructo apropriadamente avaliado pelas sete escalas estudadas nesta revisão. Por último, apura-se a inexistência de alguma medida de religiosidade, propriamente dita, aferida para o contexto português. Averiguemos, agora, com mais detalhe a pertinência das propriedades psicométricas das escalas encontradas.
Os estudos de aferição das escalas obtidas nesta revisão são exímios na questão do cálculo da fiabilidade, mas, há algum descuro e omissão em relação à análise da variância factorial e da validade convergente-discriminante. Os dados sugerem que as medidas apresentadas explicam, de um modo mediano, a variância do constructo que é medido, sendo que a Escala da Avaliação da Espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro (2007) apresenta a maior variância factorial, ainda que o menor indicador de consistência interna. A maior consistência interna apresentada nos estudos em análise (α=.92) pertence respetivamente à FACIT-Sp e à Escala de Inteligência Espiritual Integrada. A Escala de Inteligência Espiritual Integrada de Jorge, Esgalhado e Pereira (2016) apresenta, porém, os indicadores mais baixos de variância factorial entre todas e não considerou o estudo da validade convergente. A medida FACIT-Sp tem uma variância aceitável, porém, ainda que apresente um valor correlativo moderado entre subescalas, está em desvantagem para com a Escala de Avaliação da Espiritualidade, uma vez que esta última socorre-se de uma medida critério (religiosidade) para o estudo da validade convergente com um índice de correlação positivo e moderado que se encontra próximo de uma correlação forte. A SISRI-24, a última das três escalas a contemplar todos os parâmetros métricos avaliados nesta revisão (ver Quadro 6), falha na validade convergente para com a medida critério de espiritualidade, mas, associa-se positivamente para com um questionário sobre o propósito laboral - o que põe em causa o facto desta escala avaliar algo como uma espiritualidade. Assim, das sete escalas contempladas nesta revisão, a Escala de Avaliação da Espiritualidade de Pinto e Pais-Ribeiro (2007), desenvolvida na Escola Superior de Enfermagem do Porto, é a medida psicométrica mais adequada dentro do propósito a que se propõe.
É pertinente notar, também, que quer o processo de aferição de seis das escalas quer o desenvolvimento de uma escala original de espiritualidade não ficaram isentos de problemas metodológicos susceptíveis de gerar equívocos na capacidade de previsão do constructo estudado:
a) Os modelos teóricos subjacentes às escalas conduziram ao uso de medidas para o teste da validade critério não diretamente relacionadas com o construto de espiritualidade como hoje é conhecido;
b) Negligência das crenças pessoais como possível variável parasita nos resultados métricos;
c) Uso de amostras restritivas a contextos particulares que poderão limitar a compreensão da espiritualidade enquanto constructo.
Compreende-se, deste modo, que apesar de as sete escalas em estudo obterem bons resultados quanto à sua fiabilidade, apresentam algumas fragilidades importantes. A este respeito, Hill e Hill (2016) constataram que a fiabilidade de uma escala não é uma garantia de que a escala possa medir aquilo que pretende medir e, no que diz respeito às medidas consideradas nesta revisão, o único parâmetro sólido das escalas analisadas é, precisamente, a consistência interna (fiabilidade).
Em função dos dados, pode-se concluir que o contexto português da avaliação psicométrica da espiritualidade e da religiosidade é pouco fiável, não atendendo ao estado de arte deste campo que fora sistematizado pela primeira vez em 2005 (c.f. Paloutzian & Park, 2005) e reiterado anos mais tarde, porém, sem muitas atualizações relevantes (c.f. Paloutzian & Park, 2015; Pargament, Exline, & Jones, 2013). Contata-se, também, ncia geral da espiritualidadeica, 2013; Pargament, 2013)uma discrepância geral entre o que medidas psicométricas aferidas se propõem a medir e aquilo que efetivamente medem. As medidas de espiritualidade e de religiosidade disponíveis em Portugal são dissemelhantes entre si, refletindo as fragilidades metodológicas avançadas por Hill (2005, 2015) na sua proposta de uma rating criteria. Os dados extraídos desta revisão são, assim, concordantes com estudos similares que apontam para a insuficiência das medidas existentes em avaliar uma espiritualidade e à necessidade de se proceder ao desenvolvimento de medidas mais adequadas (c.f. Austin, MacDonald, & MacLeod, 2018; Monod et al., 2011).
Sugere-se aqui cautela quanto ao uso indiscriminado das sete medidas aqui estudadas em futuras investigações, bem como, propõe-se a execução de novas pesquisas acerca das propriedades psicométricas destas mesmas escalas que colmatem as falhas presentes nos estudos de aferição iniciais.
REFERÊNCIAS
Antunes, R. R., Silva, A. P., & Oliveira, J. (2018). Spiritual intelligence self-Asessment inventory: Psychometric properties of the Portuguese version of SISRI-24. Journal of Religion, Spirituality and Aging, 30(1), 12-24. DOI: 10.1080/15528030.2017.1324350. [ Links ]
Austin, P., Macdonald, J., & MacLeod, R. (2018). Measuring spirituality and religiosity in clinical settings: a scoping review of available instruments. Religions, 9(3), 1-14. DOI: 10.3390/rel9030070. [ Links ]
Gorsuch, R. L. (1990). Measurement in psychology of religion revisited. Journal of Psychology and Christianity, 9(2), 82-92. [ Links ]
Gouveia, M. J., Marques, M., & Pais-Ribeiro, J. L. (2009). Versão portuguesa do questionário de bem-estar espiritual (SWBQ): análise confirmatória da sua estrutura factorial. Psicologia, Saúde & Doenças, 10(2), 285-293. [ Links ]
Helminiak, D. A. (2008). Confounding the divine and the spiritual: challenges to a psychology of spirituality. Pastoral Psychology, 57, 161-182 [ Links ]
Hill, P. C. (1999). Giving religion away: what the study of religion offers psychology. The International Journal for the Psychology of Religion, 9(4), 229-249 [ Links ]
Hill, P. C. (2005). Measurement in the psychology of religion and spirituality: current status and evaluation. In R. F. Paloutzian & C. L. Park (Eds.), Handbook of the psychology of religion and spirituality (pp. 21-42). New York: Guilford Press. [ Links ]
Hill, P. C., & Edwards, E (2013). Measurement in the psychology of religiousness and spirituality: existing measures and new frontiers. In K. I., Pargament, J. J. Exline & J. W. Jones (Eds.) (2013). APA handbooks in psychology. APA handbook of psychology, religion, and spirituality (Vol. 1): context, theory, and research. Washington, DC, US: American Psychological Association.
Hill, P. C. (2015). Measurement, assessment and issues in the psychology of religion and spirituality. In R. F. Paloutzian & C. L. Park (Eds.), Handbook of the psychology of religion and spirituality (2nd Ed.) (pp. 23-47). New York: Guilford Press [ Links ]
Hill, M. M., & Hill, A. (2016). Investigação por questionário (2ª Edição). Lisboa: Edições Sílabo [ Links ]
Jorge, D. F. O., Esgalhado, G., & Pereira, H. (2016). Inteligência espiritual: validação preliminar da versão portuguesa da escala de inteligência espiritual integrada (EIEI). Análise Psicológica, 3(XXXIV), 325-337 [ Links ]
Koenig, H. G. (2009). Research on religion, spirituality, and mental health: a review. The Canadian Journal of Psychiatry, 54(5), 283-291. DOI: 10.1177%2F070674370905400502. [ Links ]
Martins, A. R., Pinto, S., Caldeira, S., & Pimentel, F. L. (2015). Tradução e adaptação da spirituality and spiritual care rating scale em enfermeiros portugueses de cuidados paliativos. Revista de Enfermagem, IV(4), 89-97. DOI: 10.12707/RIII13129. [ Links ]
Moher, D., Shamseer, L., Clarke, M., Ghersi, D., Liberati, A., Petticrew, M., … the PRISMA-P Group (2015). Preferred reporting items for systematic review and meta-analysis protocols (PRISMA-P) 2015 statement. Systematic Reviews, 4(1), 1-9. DOI: 10.1186/2046-4053-4-1. [ Links ]
Mokkink, L. B., de Vet, H. C. W., Prinsen, C. A. C., Patrick, D. L., Alonso, J., Bouter, L. M., & Terwee, C. B. (2018). COSMIN risk of bias checklist for systematic reviews of patient-reported outcome measures. Quality of Life Research, 27(5), 1171-1179. DOI: 10.1007/s11136-017-1765-4. [ Links ]
Monod, S., Brennan, M., Rochat, E., Martin, E., Rochat, S., & Bula, C. J. (2011). Instruments measuring spirituality in clinical research: a systematic review. Journal of General Internal Medicine, 26, 1345-1357. DOI: 10.1007/s11606-011-1769-7. [ Links ]
Oman, D. (2013). Defining religion and spirituality. In R. F. Paloutzian & C. L. Park (Eds.), Handbook of the psychology of religion and spirituality (2nd Ed.). New York: Guilford Press [ Links ]
Paloutzian, R. F., & Park, C. L. (2005). Handbook of the psychology of religion and spirituality. New York: Guilford Press [ Links ]
Paloutzian, R. F., & Park, C. L. (2015). Handbook of the psychology of religion and spirituality (2nd Ed.). New York: Guilford Press [ Links ]
Pargament, K. I., Exline, J. J., & Jones, J. W. (Eds.) (2013). APA handbooks in psychology. APA handbook of psychology, religion, and spirituality (Vol. 1): context, theory, and research. Washington, DC, US: American Psychological Association.
Pereira, F., & Santos, C. (2011). Adaptação cultural da functional assessment of chronic illness therapy-spiritual well-being (FACIT-Sp): estudo de avaliação em doentes oncológicos na fase final de vida. Cadernos de Saúde, 4(2), 37-45 [ Links ]
Piedmont, R. L. (1999). Does spirituality represent the sixth factor of personality? Spiritual transcendence and the five-factor model. Journal of Personality, 67(6), 985-1013. DOI: 10.1111/1467-6494.00080. [ Links ]
Pinto, C., & Pais-Ribeiro, J. L. (2007). Construção de uma escala de avaliação da espiritualidade em contextos de saúde. Arquivos de Medicina, 21(2), 47-53. [ Links ]
Reich, K. H. (2000). What characterizes spirituality? A comment on Pargament, Emmons and Crumpler, and Stifoss-Hanssen. International Journal for the Psychology of Religion, 10(2), 125-128. DOI: 10.1207/S15327582IJPR1002_05. [ Links ]
Rego, A. C. C. (2008). O processo de avaliação dos níveis de bem-estar spiritual: um contributo para a sua validação. Cadernos de Saúde, 1(2), 199-204 [ Links ]
Romeiro, J., Martins, H., Pinto, S., & Caldeira, S. (2018). Review and characterization of Portuguese theses, dissertations, and papers about spirituality in health. Religions, 9, 1-22. DOI: 10.3390/rel9090271. [ Links ]
Skrzypinska, K. (2014). The threefold nature of spirituality (TNS) in a psychological cognitive framework. Archive for the Psychology of Religion, 36, 277-302. DOI: 10.1163/15736121-12341293. [ Links ]
Stifoss-Hanssen, A. (1999). Religion and spirituality: what an European ear hears. The International Journal for the Psychology of Religion, 91(1), 25-33. DOI: 10.1207/s15327582ijpr0901_4. [ Links ]
Terwee, C. B., Prinsen, C. A. C., Chiarotto, A., Westerman, M. J., Patrick, D. L., Alonso, J., Bouter, L. M., de Vet, H. C. W., & Mokkink, L. B. (2018). COSMIN methodology for evaluating the content validity of patient-reported outcome measures: a Delphi study. Quality of Life Research, 27(5), 1159-1170. DOI: 10.1007/s11136-018-1829-0. [ Links ]
Tsang, J.-A., & McCullough, M. E. (2003). Measuring religious constructs: a hierarchical approach to construct organization and scale selection. In S. J. Lopez & C. R. Snyder (Eds.), Positive psychological assessment: a handbook of models and measures (pp. 345-360). Washington, DC, US: American Psychological Association. DOI: 10.1037/10612-022.
Van Wicklin, J. F. (1990). Conceiving and measuring ways of being religious. Journal of Psychology and Christianity, 9(2), 27-40 [ Links ]
Zinnbauer, B. J., & Pargament, K. I. (2005). Religiousness and spirituality. In R. F. Paloutzian & C. L. Park (Eds.), Handbook of the psychology of religion and spirituality (pp. 21-42). New York: Guilford Press [ Links ]
Zwingmann, C., Klein, C., & Bussing, A. (2011). Measuring religiosity/spirituality: theoretical differentiations and categorization of instruments. Religions, 2(3), 345-357. DOI: 10.3390/rel2030345. [ Links ]
Recebido em 18 de Julho de 2019/ Aceite em 26 de Setembro de 2019