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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.20 no.3 Lisboa dez. 2019
https://doi.org/10.15309/19psd200320
Autoeficácia no trabalho e síndrome de burnout em profissionais de enfermagem
Self-efficacy at work and burnout syndrome in nursing professionals
Elainy Loiola1 & Maria do Carmo Martins2
1Universidade Federal de Rondônia, Guajará-Mirim/RO, Brasil, elainypsi@hotmail.com
2Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo/SP, mcf.martins@uol.com.br
RESUMO
Este estudo verificou a relação da autoeficácia sobre o burnout em profissionais de enfermagem que trabalham em Unidades de Pronto Atendimento (UPA’S). A autoeficácia no trabalho representa a percepção do indivíduo sobre as suas próprias competências na execução de tarefas. O burnout é compreendido como uma síndrome específica do meio laboral como consequência da cronificação do estresse ocupacional, apresentando três dimensões: a exaustão, o cinismo (despersonalização) e a baixa realização profissional. Participaram da pesquisa 82 profissionais de enfermagem, os quais responderam a Escala de Autoeficácia no Trabalho (EAT), construída e validada por Martins e Siqueira (2010); a Escala de Caracterização do Burnout (ECB), adaptada por Tamayo e Tróccoli (2009) a partir do Maslach Inventory Burnout, de Maslach e Jackson (1986); e um questionário sociodemográfico. Os dados foram submetidos a análises exploratórias e descritivas, análise de variância (ANOVA), análise de correlação de Pearson e regressão linear múltipla padrão. Os resultados indicaram que os profissionais de enfermagem apresentaram níveis médios de autoeficácia, bem como dos componentes exaustão e baixa realização profissional do burnout; e, por sua vez, baixo nível de despersonalização. Constatou-se ainda correlação significativa entre autoeficácia com dois dos três fatores do burnout: exaustão emocional e decepção no trabalho. Conclui-se que os profissionais de enfermagem que apresentam maior nível de autoeficácia são os que menos desenvolvem a síndrome de burnout.
Palavras-chave: Autoeficácia no trabalho, síndrome de burnout, psicologia organizacional e do trabalho.
ABSTRACT
This study verified the relationship of self-efficacy on burnout in nursing professionals working in Emergency Care Units (UPA'S). Self-efficacy at work represents the individual's perception of their own competencies in the execution of tasks. Burnout is understood as a specific workplace syndrome because of occupational stress chronification, with three dimensions: exhaustion, cynicism (depersonalization) and low professional achievement. Eighty-two nursing professionals participated in the survey, who answered the Work Self-Efficacy Scale (EAT), constructed and validated by Martins and Siqueira (2010), the Burnout Characterization Scale (ECB), adapted by Tamayo and Tróccoli (2009) from the Maslach and Jackson Maslach Inventory Burnout (1986) and a sociodemographic questionnaire. Data were submitted to exploratory and descriptive analysis, analysis of variance (ANOVA), Pearson correlation analysis and standard multiple linear regression. The results indicated that nursing professionals presented average levels of self-efficacy, as well as exhaustion components and low professional performance of burnout; and, in turn, low level of depersonalization. There was also a significant correlation between self-efficacy with two of the three burnout factors: emotional exhaustion and disappointment at work. It is concluded that the nursing professionals with the highest level of self-efficacy are the ones who least develop the burnout syndrome.
Keywords: Self-efficacy at work, burnout syndrome, organizational and work psychology.
Os aspectos do trabalho de enfermagem que podem tornar essa atividade uma ocupação sujeita ao burnout são diversos. Por essa razão, cabe verificar quais características desses profissionais auxiliam para minimizar os sofrimentos gerados a partir dessa síndrome, buscando constatar como alguns atributos pessoais, por exemplo, diferentes níveis de autoeficácia, influenciam o desenvolvimento do burnout em trabalhadores de enfermagem. É importante verificar ainda se, e o quanto esses níveis de autoeficácia no trabalho colaboram para que profissionais dessa área não apresentem a falta de realização profissional, a despersonalização das pessoas com as quais lidam e a exaustão, configurada como ausência de energia, as quais são características da síndrome de Burnout, proporcionadas pelo ambiente organizacional.
Autoeficácia teve como precursor Bandura (1977), que a conceituou como a percepção do sujeito em relação à sua capacidade no desenvolvimento de uma tarefa, significando que suas crenças a respeito das próprias aptidões para produzir determinados resultados têm influência sobre acontecimentos que afetam sua vida. A percepção de autoeficácia é modificada ao longo da vida, cada fase apresenta demandas que fazem com que os indivíduos tenham de lidar com novas situações, avaliando e reavaliando constantemente suas crenças de eficácia. Para tanto, os indivíduos possuem uma estrutura interna, permitindo-lhes ter propriedade sobre as suas ações e pensamentos. Esse sistema é essencial para se atingir metas e executar com sucesso as tarefas propostas (Bandura, 1994).
Estudado no contexto organizacional, esse constructo é definido como autoeficácia no trabalho, o qual teve a contribuição de Stajkovic e Luthans (1998) em sua definição, indicando em seus estudos uma significativa correlação entre a autoeficácia geral e desempenho no trabalho. Além disso, Bandura e Locke (2003) concluíram que é necessário o desenvolvimento de crenças de autoeficácia para lidar com as adversidades em ambientes competitivos. Outros teóricos, como, Speier e Frese (1997) verificaram que a autoeficácia no trabalhado tem relação positiva com a iniciativa de autodesenvolvimento e criatividade para melhorar os processos de trabalho.
Levando-se em consideração esses aspectos, cabe analisar o papel da autoeficácia no trabalho como preditora de variável que trata sobre a saúde/doença do trabalhador, como a síndrome de burnout.
Burnout é um termo antigo que veio do jargão inglês burn-out, alusivo àquilo que deixou de funcionar por absoluta falta de energia. Benevides-Pereira (2010) define burnout como “uma metáfora para significar aquilo ou aquele que chegou ao seu limite e, por falta, de energia, não tem mais condições de desempenho físico ou mental” (p. 21).
Maslach, Schaufeli, e Leiter (2001), descrevem o burnout como uma resposta prolongada ao estresse laboral crônico e a exaustão, a qual é a principal característica e manifestação mais evidente dessa síndrome. As autoras ainda afirmam que existe uma concordância subjacente entre os pesquisadores sobre a síndrome de burnout, a presença de três dimensões fundamentais: a exaustão, o cinismo (despersonalização) e a baixa realização profissional.
A exaustão é definida como uma sensação de esgotamento físico e mental. Refere-se a sentimentos de exigências excessivas e à diminuição dos recursos emocionais para lidar com a situação estressora. O cinismo ou despersonalização é entendido como uma tentativa de distanciamento emocional em relação a alguns aspectos do trabalho. O profissional tende a racionalizar o vínculo afetivo, desencadeando comportamentos apáticos, o que pode acarretar o distanciamento cognitivo, desenvolvendo uma indiferença ou atitude cínica quando estão exaustos e desanimados. Por último, a dimensão baixa realização profissional diz respeito a sentimentos de incapacidade e uma falta de realização e produtividade no trabalho e por um sentimento de fracasso, de baixa motivação e insatisfação com as atividades laborais, tornando-se frequente o anseio de abandonar o trabalho.
Maslach et al. (2001) separam as pesquisas sobre burnout em duas fases, a pioneira, iniciando em 1974, e a empírica, começando em 1980. O objetivo da primeira fase foi de articular o fenômeno de burnout, e a sua principal contribuição foi descrever o fenômeno básico e dar-lhe um nome. Esses estudos eram realizados com base na experiência de profissionais que trabalhavam em serviços de atendimento às pessoas, e a maior parte das observações iniciais foi “descritiva e de natureza qualitativa, utilizando técnicas como entrevistas, estudos de caso e observações in loco” (Maslach et al., 2001, p. 400).
As primeiras observações das manifestações de burnout foram feitas em profissionais de enfermagem, professores, policiais e terapeutas, cujo caráter implica em relacionamentos frequentes e diretos com pessoas que demandam cuidados e/ou ajuda (Maslach, 1982; Maslach & Leiter, 1997; Maslach, Schaufeli, & Leiter, 2001).
Gil-Monte (2002) afirma que essa síndrome está mais presente em profissionais que estão expostos ao contato direto com o sofrimento e com a morte, com a falta de autonomia e com a sobrecarga trabalhista. Ressalta-se que todas essas características estão presentes nas atividades dos profissionais de enfermagem. Maslach et al. (2001), acrescentam que dentro dos serviços humanos, as demandas emocionais do trabalho podem esgotar a capacidade de um profissional de estar envolvido com as necessidades dos pacientes.
Freundenberger (1974) por sua vez observou em sua pesquisa que a maioria desses profissionais, quando expostos aos cuidados com as pessoas que precisam de ajuda, após algum tempo, sofreu uma perda progressiva de energia, de motivação, falta de interesse no trabalho até chegar à exaustão, juntamente com vários sintomas de ansiedade e depressão (Mingote Adan, 1998; Moreno, González, & Garrosa, 2001).
O tipo de trabalho desses profissionais foi caracterizado por falta de horário fixo, com um número muito elevado de horas para cumprir, com um salário escasso e um contexto social exigente, normalmente tenso e que demanda muita responsabilidade (Leiter, 1991). Para Freudenberger (1974), essas pessoas se tornam menos sensíveis, pouco compreensivas e agressivas com os pacientes, tratando-os com distanciamento e podem culpar o paciente pelos próprios problemas que foram acometidos.
Warren, Schafer, Crowley, e Olivardia (2013) estudaram o burnout em profissionais de saúde e identificaram a experiência da morte do paciente como um preditor de exaustão emocional entre os médicos especializados no tratamento dos transtornos alimentares.
Albaladejo et al. (2004) relatam que os profissionais que trabalham nos serviços de emergência e em unidades de cuidados intensivos estão mais sujeitos ao burnout, pois para a execução do trabalho é imprescindível ter experiência clínica e maturidade profissional a fim de tomar decisões difíceis que o trabalho requer.
No Brasil, alguns estudos abordaram a relação do burnout na enfermagem com variáveis do trabalho e da organização. Benevides-Pereira (2002) realizou uma pesquisa com 228 enfermeiros e auxiliares de enfermagem, lotados em três hospitais da região norte do Paraná. Esse trabalho evidenciou pontuações mais altas em exaustão emocional para o grupo que apresentava uma jornada semanal de 44 horas dedicadas à enfermagem.
Deste modo, é necessário considerar os aspectos do ambiente de trabalho, e perceber se tais características sinalizam para o desenvolvimento do burnout, a fim tornar o ambiente laboral com menos riscos psicossociais, capaz de evitar o aparecimento do burnout nos trabalhadores com o desenvolvimento de boas estratégicas organizacionais.
Portanto, este estudo objetiva analisar o impacto da autoeficácia sobre o burnout em profissionais de enfermagem que trabalham em Unidades de Pronto Atendimento.
Método
Participantes
A pesquisa foi realizada com 82 profissionais de enfermagem que trabalham em Unidades de Pronto Atendimento. A maior parte dos participantes é do sexo feminino (78%), com idade média de 31 anos (DP=6,8), 47% disseram ser solteiros; 31% casados e 22% responderam ter outro tipo de estado civil.
A escolaridade variou entre ensino médio completo até ensino superior completo, sendo que 48% (n=39) dos participantes concluíram o nível médio e 30% (n=24) têm o nível superior completo. A maioria ocupa o cargo de técnico de enfermagem (55%) e um percentual de 35% são enfermeiros. Um total de 43% dos profissionais trabalha há menos de 1 (um) ano na instituição. No que se refere à carga horária de trabalho, 40% (n=33), trabalham de 21 a 30 horas semanais e um total de 60% não têm outro emprego.
Material
As variáveis do estudo foram avaliadas mediante a Escala de Autoeficácia no Trabalho, construída e validada por Martins e Siqueira (2010), composta por 6 itens, unifatorial, com índice de fidedignidade (alpha de Cronbach) de 0,84. As respostas são marcadas em uma escala de quatro pontos, variando de 1 (nunca é verdade) a 4 (sempre é verdade), e a Escala de Caracterização do Burnout - ECB, adaptada por Tamayo e Tróccoli (2009) a partir do Maslach Inventory Burnout de Maslach e Jackson (1986). Apresenta uma escala de cinco pontos, variando de 1 (nunca) a 5 (sempre). A escala é constituída de 35 itens, distribuídos em três fatores: 12 itens de Exaustão Emocional (alfa de Cronbach = 0,93; e.g. item: “Meu trabalho me exige mais do que posso dar”), 10 itens de Desumanização (alfa = 0,85; e.g. item: “Trato alguns pacientes com frieza”) e 13 itens de Decepção (alfa = 0,91; e.g. item: “Eu me sinto desiludido com meu trabalho”).
Os participantes informaram seus dados demográficos em um questionário de auto resposta com os itens: idade; sexo; estado civil; escolaridade; se estudam atualmente; qual o cargo ocupam; há quanto tempo trabalha na instituição; sem têm filho(s); qual a idade do(s) filho(s); se menor que 14 anos, com quem deixam os filhos no horário de trabalho.
Após obter autorização institucional para a realização da pesquisa e a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, foi iniciada a coleta de dados mediante aplicação individual dos instrumentos no local de trabalho dos participantes.
As respostas dos questionários formaram um banco de dados, a partir do qual foi analisado por meio do software Statistical Package for the Social Sciences, versão 21 (SPSS) e submetido a análises exploratórias, buscando avaliar o banco de dados, em relação a variâncias e normalidade das distribuições das variáveis, dados ausentes ou incongruentes com as escalas de medida; análise descritiva da amostra para identificar as frequências, médias e desvios-padrão, amplitudes de variação e percentis; técnicas de comparação entre grupos, tais como Teste t e ANOVA; e análise de fidedignidade das escalas, calculada por meio do alpha de Cronbach, com intuito de avaliar a consistência interna e a estabilidade das escalas com a amostra pesquisada.
Resultados
Descrição estatística
Em relação a descrição estatística das variáveis, foram calculadas as médias, os desvios padrão e os valores mínimos e máximos dos fatores das escalas utilizadas.
Os coeficientes de variação indicam que houve muita variabilidade nas respostas dos participantes, pois a maioria deles ultrapassa o índice de 0,15 (Levin, 1987). Assim, foram estimados os quartis para que se tivesse ideia da porcentagem de respondentes cujos valores das respostas se encontrassem acima dos valores determinados nos cálculos para os três quartis.
O quadro 2 mostra que a média encontrada de autoeficácia no trabalho foi de 3,4 (DP=0,5), indicando o ponto três da escala de autoeficácia no trabalho (às vezes, é verdade). Como o coeficiente de variação foi pequeno, não houve problemas em seguir com a análise da média. Assim, os resultados apontam que os participantes, ocasionalmente, percebem-se capazes para o desenvolvimento de suas tarefas no local de trabalho. Nesse sentido, Bandura (1997) afirma que as pessoas com autoeficácia aprimoram os métodos e controlam a maneira como elas usam seus conhecimentos e suas capacidades. Os profissionais de enfermagem participantes desta pesquisa somente algumas vezes apresentam essa capacidade, que conforme o autor tem estreita relação com a melhor forma de organizar e realizar as tarefas laborais. Bandura (1977) ainda garante que as crenças de autoeficácia colaboram com o quanto as pessoas se dedicam na elaboração de uma atividade, quanto tempo elas perseveram ao se depararem com tarefas mais difíceis e o quanto resistem frente a uma situação adversa. Pela garantia de ter a crença de autoeficácia, mesmo que em determinados momentos, os participantes podem ter a facilidade de administrar tarefas mais complexas como desafios que eles conseguirão dominar e não como ameaças a serem evitadas, como propôs Bandura (1994).
Os fatores que compõem o burnout obtiveram média que variam de 1,6, na dimensão desumanização (DP=0,6) a 2,6 na dimensão exaustão emocional (DP=0,9). No fator desumanização, metade dos participantes tiveram médias fatoriais de até 1,40, o que indica que a média sofreu um impacto muito grande das respostas de valores extremos. Assim, pode-se verificar no Quadro 2 que metade dos respondentes tiveram médias fatoriais de até este valor. Isso significa que, raramente, os participantes racionalizam o vínculo afetivo e sentem-se distantes emocionalmente dos pacientes. Esse resultado corresponde ao que Maslach et al. (2001) afirmaram a respeito do envolvimento do profissional com os pacientes, quando relatam que nas atividades laborais que demandam cuidado com as pessoas, como são as de enfermagem, existem demandas emocionais que podem esgotar a capacidade dos trabalhadores de estar envolvidos com as necessidades do paciente.
Desse modo, ainda que em raros momentos, os técnicos de enfermagem e os enfermeiros apresentam esse sentimento em relação aos pacientes, os quais podem ocorrer pela exposição por período prolongado ao sofrimento do outro e, além disso, ter de cuidar da pessoa doente. Isso tem relação com o que Freundenberger (1974) observou em sua pesquisa, a maioria dos profissionais de enfermagem, quando expostos, em um período entre 1 a 3 anos, aos cuidados com as pessoas que precisam de ajuda, sofreu uma perda progressiva de energia e distanciamento emocional dos seus pacientes. Para este autor, essas pessoas mostram ser insensíveis, pouco compreensivas e agressivas com os pacientes, tratando-os com distanciamento, podendo até culpá-los pelos próprios problemas pessoais.
Na dimensão exaustão emocional os participantes apresentaram média de 1,6 e DP=0,9. Mas como o coeficiente de variação foi muito amplo (0,34), foram estimados os quartis. Assim, o primeiro quartil, reuniu pessoas com respostas de valores até 1,89, o segundo até, 2,67 e o terceiro até 3,33. Isso significa que 50% dos respondentes tiveram médias fatorais de até 2,67 nesta dimensão. Os participantes mostraram que algumas vezes se sentem esgotados, física e mentalmente, com o trabalho, apontado pela proximidade das respostas de metade deles ao ponto três da escala de caracterização do burnout. Tal resultado sugere que a metade dos ocupantes do cargo de técnico de enfermagem e enfermeiro apresenta esgotamento físico e mental, tem sentimentos de exigências excessivas e de diminuição dos recursos emocionais para lidar com a situação estressora. Para Maslach et al. (2001) e Tamayo e Tróccolli (2009) a exaustão emocional é a manifestação mais evidente do burnout, pois isso pode refletir nas atitudes inadequadas do profissional e problemas no ambiente de trabalho.
A dimensão decepção apresentou média 2,2 (DP=0,5), mas com coeficiente de variação igualmente muito amplo (0,22). Estimados os quartis, percebeu-se que metade dos participantes tiveram médias fatoriais de até 2,11, correspondendo ao ponto 2 da escala. Isso significa que 50% dos participantes raramente apresentam sentimentos de incapacidade, uma falta de realização e produtividade no trabalho, bem como de fracasso, de baixa motivação e insatisfação com as atividades laborais.
Diante dos resultados das três dimensões do burnout, é importante frisar que os técnicos de enfermagem e os enfermeiros apesar de, em alguns momentos, apresentarem exaustão emocional, frequentemente não evitam o relacionamento afetivo com os pacientes e raramente mostram-se decepcionado com o seu trabalho, trazendo à tona mais uma vez a capacidade que mostraram ter de lidar com acontecimentos estressores.
Correlações e Regressões
O quadro 4 apresenta os coeficientes de correlações (r de Pearson) entre as variáveis da pesquisa. A correlação foi interpretada com base em Bisquerra, Sarriera, e Martinez (2004), que ponderam a correlação da seguinte forma: muito alta (r > 80); alta (r entre 60 e 80); moderada (r entre 40 e 60); baixa (r entre 20 e 40); correlação muito baixa (r entre 9 e 20); perfeita (r=1); e nula (r=0).
Os resultados da correlação de Pearson indicaram que há associações negativas significativas moderadas entre autoeficácia e o fator exaustão emocional de Burnout. Isso sugere que os sujeitos que percebem a sua capacidade para o desenvolvimento de uma tarefa em um determinado contexto, apresentam menor possibilidade de desenvolver exaustão emocional. Deste modo, os participantes ao diminuírem suas crenças nas próprias habilidades para executar suas tarefas, tendem a elevar os níveis de burnout, já que conforme Maslach et al. (2001) e Tamayo e Tróccolli (2009) a exaustão emocional é a principal evidência desta síndrome. Isso conduz ao achado de Souza (2013), quando diz que as crenças de autoeficácia ajudam os trabalhadores a enfrentarem os eventos estressores encontrados na rotina laboral.
Percebe-se também correlação negativa significativa com intensidade baixa entre autoeficácia e a dimensão decepção (r = -0,32, p < 0,01), implicando que os indivíduos que reconhecem suas capacidades para o desenvolvimentos de suas tarefas têm menor propensão a se decepcionarem no trabalho, ou seja, os profissionais de enfermagem que podem resolver problemas em seus trabalhos, que cumprem com as obrigações, que têm criatividade para o cumprimento de seus objetivos e que dominam os procedimentos novos que surgem em seu trabalho apresentam menos sentimentos de incapacidade, de falta de realização e de produtividade no trabalho. Estes resultados confirmam o que foi estudado por Costa (2003) ao pesquisar a relação de autoeficácia com burnout, em que verificou que autoeficácia é um preditor de burnout, por sua crescente evidência no fortalecimento das estratégias de enfrentamento das situações que podem colaborar com o sentimento de fracasso, de baixa motivação e de insatisfação com as atividades laborais, características do fator decepção no trabalho da síndrome de burnout.
Para avaliar a hipótese de que a síndrome de burnout é modificada por autoeficácia no trabalho, foram testados 3 modelos, já que burnout possui três fatores, cada um deles como uma variável dependente em um dos modelos de regressão, tendo autoeficácia no trabalho como variável independente antecedente.
Percebe-se que autoeficácia no trabalho prediz significantemente dois dos fatores de burnout: decepção no trabalho e exaustão, confirmando parcialmente a hipótese, pois o burnout possui três dimensões. No caso de decepção, autoeficácia no trabalho teve peso Beta de -0,34 (t=-3,15, p<0,01) e de exaustão, teve peso Beta de -0,45 (t=4,53, p<0,01), significando que altos níveis de autoeficácia no trabalho explicam baixos níveis de exaustão emocional e de decepção no trabalho. Assim, profissionais de enfermagem que se consideram competentes e preparados para desempenhar suas atividades laborais, que podem resolver problemas em seus trabalhos, que cumprem com as obrigações de seus trabalhos, que dominam a tecnologia e os procedimentos que utilizam para a realização de seus trabalhos e que são criativos no trabalho são aqueles que menos padecem de exaustão e menos sentem-se decepcionados no trabalho. São, portanto, os que menos sucumbem ao burnout, esta síndrome tão devastadora que ataca de maneira impiedosa os profissionais que lidam no atendimento às pessoas. Benevides-Pereira (2010), Arrogante (2014) e Tamayo (2002) confirmam isso ao declararem que os profissionais de enfermagem precisam de atenção especial a respeito do desenvolvimento do burnout, pois existem vários aspectos específicos das atividades desses trabalhadores que tornam esta profissão vulnerável a essa patologia e, ainda, que há maior evidência de burnout em profissionais que trabalham em hospitais e escolas. Alguns estudos de autores como Gil-Monte (2002), Olza (1999) e Benevides-Pereira (2010) realizados com profissionais de enfermagem, resultaram em altos níveis dos componentes de burnout nestes profissionais.
Diante dos achados, evidencia-se a importância de se considerar o desenvolvimento de autoeficácia dos profissionais de enfermagem, pois conforme Bandura (1982) essa variável pode ser desenvolvida através de experiências de domínio, experiências vicárias, persuasões sociais e estados somáticos e emocionais. Assim, com o desenvolvimento da autoeficácia seria possível compreender menores níveis de burnout dentre os participantes deste estudo, podendo resultar em menores índices de desgaste emocional e decepção no trabalho, uma vez que este estudo comprova a capacidade preditiva da autoeficácia sobre as duas dimensões do burnout citadas acima.
Discussão
A partir das pesquisas realizadas para a elaboração do referencial teórico, notou-se que a autoeficácia constitui uma variável consistente e mantém uma solidez conceitual e operacional, este constructo é o elemento central da Teoria Social Cognitiva de bandura (1977). Apreendeu-se também que o burnout é amplamente estudado e que os pesquisadores concordam sobre as três dimensões fundamentais da experiência de burnout como sendo a exaustão, o cinismo (despersonalização) e a baixa realização profissional.
Os resultados deste estudo revelaram associação entre autoeficácia e burnout, o que constitui uma contribuição desta investigação para a área. Bandura (1997) já apontara que as crenças de autoeficácia são capazes de intensificar os processos que controlam a maneira como as pessoas utilizam seus conhecimentos e suas capacidades. Além disso, este estudo contribuiu com o acréscimo de conhecimento sobre a relação entre as variáveis autoeficácia e burnout. Outra contribuição remete à falta de estudos que correlacionam autoeficácia e burnout, uma vez que não foi encontrada pesquisa na ciência psicológica, em sua área organizacional, que investiguem relações sobre as duas variáveis anteriormente citadas.
O estudo foi limitado devido ao fato de a pesquisa ter sido realizada somente na cidade de Rio Branco - AC, implicando no limite da generalização dos resultados para todos os profissionais de enfermagem que trabalham em Unidades de Pronto Atendimento.
Outro problema que se pode apontar foi o tamanho de sua amostra, considerado pequeno, segundo alguns princípios estatísticos. Por exemplo, ele pode ter limitado o poder do teste, definido por Hair et al. (2005) como a probabilidade de uma relação significante ser encontrada por um teste estatístico, quando ela realmente existir. O tamanho da amostra é um dos principais aspectos que impactam o poder de qualquer teste estatístico. Se o poder for calculado para este estudo, mesmo que se tenha garantido o tamanho da amostra por outros métodos como a recomendação de Tabachnick e Fidell (2001), citada na seção Método (que totalizava 82, o número exato de participantes deste estudo), percebe-se que o poder da regressão linear padrão para este estudo (cálculo realizado utilizando-se o G*Power, software gratuito disponível na internet), foi de 0,78 para um efeito de 0,15, (p<0,05, 4 preditores, F=2,49, gl numerador=4), considerado pequeno.
Ponderando os resultados, as contribuições e limitações expostos, recomenda-se uma agenda de pesquisa que contemplem: estender o estudo nas Unidade de Pronto Atendimento de outras cidades, buscado investigar se autoeficácia prediz níveis baixos de burnout, favorecendo na ampliação da quantidade da amostra; inserir outras variáveis de estudo para alargar a compreensão de fatores preditores de burnout; pesquisar o modelo em diferentes classes profissionais a fim de averiguar se ele explica o burnout em outras profissões.
Deste modo, Almeja-se que este estudo provoque interesse de pesquisadores e os incite a compreender o comportamento dos profissionais de enfermagem que trabalham em hospitais de pronto atendimento, principalmente no que se refere a situações que promova a saúde física e mental, buscando investigar a dinâmica entre autoeficácia como fator que pode diminuir o índice de desenvolvimento da síndrome de burnout.
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Recebido em 31 de Agosto de 2018/ Aceite em 26 de Setembro de 2019