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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.21 no.2 Lisboa ago. 2020
https://doi.org/10.15309/20psd210221
Ecossistemas de aprendizagem e bem-estar: fatores que influenciam o sucesso escolar
Learning and well-being ecosystems: factors that influence school success
Tania Gaspar1, Gina Tomé2, Lúcia Ramiro2, Adriano Almeida2, & Margarida Gaspar de Matos2,3
1CLISSIS/Universidade Lusíada de Lisboa, ISAMB/Universidade de Lisboa, Portugal, tania.gaspar.barra@gmail.com
2Faculdade de Motricidade Humana, Universidade de Lisboa, ISAMB, Universidade de Lisboa, Portugal, ginatome@sapo.pt, lisramiro@sapo.pt, almeida.adriano1@gmail.com
3APPsyCI, ISPAInstituto Universitário, Lisboa, Portugal, margaridagaspar@netcabo.pt
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
RESUMO
O ecossistema escolar pode funcionar como um promotor de sucesso escolar e bem-estar. O presente artigo pretende compreender e caracterizar os fatores do ecossistema escolar que influenciam o sucesso escolar e o gosto pela escola. São incluídos alunos de 6º (30,7%), 8º (33,7%), 10º (20,8%) e 12º anos (14,8%), num total de 8215 alunos, sendo 4327 meninas (52,7%), de idade média de 14,36 anos (DP=2,28), de todo o continente, participantes no estudo Health Behaviour in School aged Children/HBSC (Inchley et al., 2016; Matos et al., 2015, 2018). Os resultados revelam diferenças de género e idade em relação às variáveis relacionadas com o ecossistema escolar, sendo que, de um modo geral, os rapazes e os estudantes mais novos reportam indicadores mais positivos. No entanto, são os rapazes que referem um menor gosto global pela escola e os mais novos que revelam valores de ansiedade/stress/falta de controlo mais elevados. Foram realizados modelos de regressão que ajudam a explicar o gosto pela escola, a perceção de sucesso e a pressão com os trabalhos de casa através do género, idade, apoio da família, relação com os colegas, e professores, preocupações na escola, gosto global da escola e ansiedade/stress/falta de controlo. Conclui-se que a perceção de sucesso e o gosto pela escola são fenómenos complexos e multidimensionais, mas que em geral os alunos os reduzem às classificações escolares, sentindo-se pressionados com a escola (com o peso das avaliações, a pressão dos pais face às notas; o excesso de matéria, a matéria afastada da vida) e prejudicando o seu gosto pela aprendizagem.
Palavras-chave: ecossistema escolar, gosto pela escola, sucesso escolar, bem-estar, stress escolar
ABSTRACT
The school’s ecosystem can work as a promoter of both school success and well-being. This article describes and intends to shed light on the factors of the school’s ecosystem that influence school success and students’ fondness for school. This specific work includes students from 6th (30.7%), 8th (33.7%), 10th (20.8%) and 12th school years (14.8%), a total of 8215 students, 4327 of whom are girls (52 , 7%), with a mean age of 14.36 years (SD = 2.28), from all over the continent, and that participated in the Health Behavior in School-Aged Children / HBSC study (Inchley et al., 2016; Matos et al ., 2015, 2018). Results reveal gender and age differences related to the school’s ecosystem, and, overall, boys and younger students report more positive indicators. However, boys report the worst global perception related to school and younger students reveal higher anxiety / stress / lack of control. Regression models were performed that explain fondness for school, perception of success and pressure with homework by gender, age, family support, relationship with colleagues, teachers, classes at school, overall fondness for school and anxiety / stress / lack of control. It was concluded that perception of success and fondness for school are complex and multidimensional phenomena. Nevertheless, overall, students scale them down to school grades and feeling pressured at school (with evaluations, parents’ pressure about grades; having too much to study and the lack of life relatedness of school topics), thus impairing students’ fondness for learning.
Keywords: school’s ecosystem, fondness for school, school success, well-being, school stress
As escolas são identificadas como um cenário privilegiado para a construção de resultados sociais, emocionais e comportamentais uma vez que os alunos passam bastante tempo neste contexto.
A escola também fornece um contexto de socialização no qual os alunos são capazes de aprender uma série de competências de vida, muitas das quais estão associadas ao desempenho académico e sucesso escolar e é considerado um cenário exclusivo no qual o bem-estar social e emocional dos jovens pode ser promovido. Deste modo, competências fundamentais para a escola, para o futuro profissional e para a vida podem ser aprendidas, desenvolvidas e otimizadas (Goldberg et al., 2019). Aparentemente, as intervenções produzem resultados mais bem-sucedidos quando integradas na prática do dia-a-dia e na cultura escolar, procurando envolver todos os atores e profissionais do contexto escolar, reforçando competências fora da sala de aula, como corredores e recreios, apoiando o envolvimento dos pais e coordenando o trabalho com entidades e parceiros externos, enfatizando a importância de adotar uma abordagem escolar global para melhorar o desenvolvimento de competência sociais e emocionais dos jovens (Barry, Clarke, & Dowling, 2017; Goldberg et al., 2019; Tomé, Almeida, Ramiro, Gaspar, & Matos, 2020).
Encontra-se uma forte relação entre competências sociais e pessoais e bem-estar psicológico e estão fortemente correlacionadas com crescimento e desenvolvimento, enfatizando que essas competências estão positivamente relacionadas ao bem-estar (Gaspar, Rebelo, Mendonça, Albergaria, & Matos, 2014; Gaspar, Bilimória, Albergaria, Matos, 2016)
De acordo com a iniciativa Escolas Promotoras de Saúde (OMS, 1998), uma abordagem escolar global define toda a comunidade escolar como a unidade de mudança e envolve ações coordenadas entre três componentes inter-relacionados: currículo, ensino e aprendizagem; ethos e meio ambiente escolar; e parcerias familiares e comunitárias. A saúde emocional e a promoção do bem-estar são aspetos primários da iniciativa das Escolas Promotoras de Saúde da OMS. Há evidências de que os programas de promoção da saúde mental nas escolas, especialmente aqueles que adotam uma abordagem escolar global, levam a resultados positivos em termos de saúde mental, social e educacional (Barry, Clarke, Jenkins, & Patel, 2013). Os programas escolares podem abranger uma grande diversidade de jovens, em termos sociais e culturais. Além disso, o contexto escolar representa um conjunto natural e interativo de sistemas, incluindo sistemas diretos (por exemplo, família, colegas, classe, escola) e sistemas mais distais (por exemplo, culturais, políticos) (Bjorklund et al., 2014; Matos, 2020).
Goldberg et al. (2019) consideram que na escola as competências são fortalecidas de maneira não curricular por meio de políticas, relações sociais, dinamizando atividade com toda a equipa, estrutura organizacional e atividades diárias da escola que promovam um ambiente escolar positivo, o que facilita os jovens a desenvolver positivamente ao nível académico, social, emocional e comportamental. A incorporação de famílias em toda a abordagem escolar reforça os papéis complementares de famílias e educadores e amplia as oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento de competências nos dois contextos. Os parceiros da comunidade fornecem apoio externo e serviços de saúde mental na comunidade, garantindo assim o acesso a serviços para estudantes que precisam, entre outros, de apoio social e emocional.
Intervenções escolares preventivas que reduzem o risco e aumentam os fatores de proteção podem limitar o início e a progressão de situações clínicas e promover uma boa saúde mental. As escolas representam uma plataforma eficaz promotora de programas universais disponíveis para todos os alunos.
Os resultados encontrados por Hudson, Lawton e Hugh-Jones (2020) sugerem que a direção da escola é uma peça chave, desde o início, na promoção das competências referidas e na promoção do bem-estar no ecossistema escolar.
Um projeto inovador (http://aventurasocial.com/verartigo.php?article_id=657) desenvolvido em Portugal em 2020 em 9 escolas em conjunto com a Direção geral de Educação (ESABEEcossistemas de Aprendizagem e Bem-estar), foi já concebido e está em fase de implementação para analisar e propor em co-construção com as escolas envolvidas e os vários intervenientes, o perfil de escola mais capaz de desenvolver nos alunos a autonomia, responsabilidade, o bem-estar, o sucesso escolar e o gosto e envolvimento na escola.
Método
Participantes
Neste trabalho específico serão incluídos alunos de 6º (30,7%), 8º (33,7%), 10º (20,8%) e 12º anos (14,8%), num total de 8215 alunos, sendo 4327 meninas (52,7%), de idade média de 14,36 anos (DP=2,28), de todo o continente, participantes no estudo Health Behaviour in School aged Children/HBSC (Inchley et al., 2016; Matos et al., 2015, 2018).
Instrumento e Procedimento
Este trabalho encontra-se integrado no Health Behaviour in School aged Children/HBSC (Inchley et al., 2016; Matos et al., 2015; 2018), que é um inquérito realizado de 4 em 4 anos em 48 países, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde, seguindo um protocolo internacional (Roberts et al., 2009).
Pretende estudar os comportamentos dos adolescentes nos seus contextos de vida e a sua influência na sua saúde e bem-estar. São apresentadas questões relacionadas com aspetos demográficos, família, escola, amigos, saúde, bem-estar, sexualidade, alimentação, lazer, sono, sedentarismo, atividade física, consumo de substâncias, uso de medicamentos, violência, uso de tecnologias, migrantes e participação social.
Portugal está incluído desde 1998 (www.aventurasocial.com).
O estudo HBSC 2018 em Portugal teve a aprovação de Comissão de Ética e do MIME (Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar). Os agrupamentos escolares aceitaram participar e foi obtido consentimento informado dos pais ou tutores legais. As respostas ao inquérito (online) foram voluntárias e anónimas.
Análise de dados
Foi realizada estatística descritiva, análise ANOVA e Regressões logísticas para 3 variáveis dependentes em estudo: gosto pela escola; pressão pelos trabalhos da escola e considerar-se aluno de sucesso. Para efeitos destas regressões logísticas foram utilizados os valores Zscore das variáveis de intervalo.
Numa segunda parte do estudo, os dados qualitativos resultantes da pergunta aberta relacionada com o que os alunos consideram importante para serem ou não alunos de sucesso, foram alvo de análise de conteúdo, os resultados foram organizados em categorias e subcategorias e indicados exemplos ilustrativos das respostas dos estudantes.
Resultados
Com o objetivo de estudar os fatores do ecossistema escolar que influenciam o sucesso escolar dos estudantes, verificamos que 30,4% dos estudantes referem não gostar da escola, cerca de metade refere que sente alguma ou muita pressão relacionada com os trabalhos de casa e tem a perceção que tem sucesso na escola. Em relação à perceção que os professores têm da sua capacidade escolar, 45,1% refere que a capacidade é média ou má. Em relação ao que gostam na escola, oque mais gostam é dos colegas (90,0%) e dos intervalos/recreio (91,4%) e o que menos gostam é comida (41,5%) e aulas (66,4%). Quando questionados em relação às dificuldades que têm na escola salientam que a avaliação é um stress (32,5%), que a matéria é demasiada (31,9%) e que os tempos letivos são muito grandes (25,9%).
Os resultados indicados no quadro 3 reportam valores elevados relativos ao apoio familiar, relação com colegas e professores. A Ansiedade, Stress, Falta de Controlo e a qualidade do sono são os fatores que revelam valores menos positivos.
O estudo das diferenças de género em relação às variáveis relacionadas com o ecossistema escolar, indicam diferenças estatisticamente significativa entre rapazes e raparigas para todas as dimensões. As raparigas revelam valores menos positivos em relação ao apoio familiar, à relação com os professores e colegas, maiores preocupações na escola, mais ansiedade, stress e falta de controlo e menor qualidade de sono. Os rapazes referem um menor gosto global pela escola.
O estudo das diferenças de idade em relação às variáveis relacionadas com o ecossistema escolar, indicam diferenças estatisticamente significativa entre os estudantes segundo a sua idade para muitas das dimensões. São os estudantes mais novos (12 anos ou menos) que revelam valores mais positivos em relação ao apoio familiar, à relação com os professores e colegas e maior gosto global pela escola.
No entanto, também são os mais novos que revelam mais ansiedade, stress e falta de controlo.
No estudo dos fatores relacionados com o gosto pela escola verificamos que a falta de gosto pela escola é melhor explicada pelo género, relação com os professores, gosto global com a escola, preocupações na escola e ansiedade/stress/falta de controlo. O ser rapariga, o ser mais velhos, a má relação com os professores, o não gostar das diversas componentes da escola, as preocupações e o ter ansiedade/ stress/ falta de controlo explicam melhor a falta de gosto pela escola. O modelo encontrado explica 25% da variância.
No estudo dos fatores relacionados com a pressão com os trabalhos de casa verificamos que esta é melhor explicada pelo género, idade, relação com os colegas, preocupações na escola e ansiedade/stress/falta de controlo. O ser rapariga, o ser mais velho, a má relação com os colegas, as preocupações e o ter ansiedade/ stress /falta de controlo explicam melhor a pressão com os trabalhos de casa. O modelo encontrado explica 18% da variância.
No estudo dos fatores relacionados com a perceção de ser um estudante de sucesso verificamos que a perceção de sucesso é melhor explicada pela idade, relação com os professores, preocupações na escola e ansiedade/stress/falta de controlo. O ser mais novo, a boa relação com os professores, ter menos preocupações, e ter menos ansiedade/ stress / falta de controlo explicam melhor a perceção de ser um estudante de sucesso. O modelo encontrado explica 14% da variância.
Na Figura 1 apresenta-se a análise da questão relacionada com o Gosto pela Escola ao longo dos estudos HBSC realizados em Portugal, organizadas pelos três grupos de idade e separadas por género. Verifica-se um decréscimo em relação ao gosto pela escola consistente ao longo dos anos, e à medida que os estudantes vão ficando mais velhos, e as raparigas referem gostar mais da escola do que os rapazes.
Estudante de Sucesso
Quando questionados em relação ao que consideravam mais importante para serem ou não alunos de sucesso, 4315 (52.5%) apresentaram a sua resposta, que de seguida iremos apresentar tendo como base o modelo COM-B, que é um modelo compreensivo dos comportamentos que defende que para que ocorra a mudança de comportamento, é necessária a existência de três fatores: (1) capacidade, ou seja competências psicológicas e físicas necessárias para realizar o comportamento, nomeadamente, conhecimento e competências; (2) motivação, ou seja, a intenção de realizar o comportamento que inclua processos emocionais e impulsivos de respostas assim como processos reflexivos de tomada de decisão; e (3) oportunidade, ou seja, que não se verifiquem fatores no contexto externo ao indivíduo, que impossibilitem a realização do comportamento (Michie, van Stralen, & West, 2011).
Os estudantes referem diversos níveis de fatores que estão relacionados com o seu sucesso e insucesso escolar.
Capacidades
Identificam diversas capacidades e competências individuais que funcionam como fatores ligados ao risco e ligados à proteção do sucesso escolar. Como fatores positivos salientam capacidades intelectuais “A facilidade como aprendo”, competências sociais “a minha solidariedade, ajudar os outros quando precisam” e emocionais “confiança nas minhas capacidades”, autorregulação “criar objetivos” e princípios e valores “ser eticamente bom”. Como fatores menos positivos referem questões emocionais “a minha insegurança”; “depressão”, desinteresse, desinvestimento e comportamentos de risco “droga”.
Motivação
Ao nível da Motivação, revelam que tem interesse e gosto por aprender, revelam algumas estratégias que utilizam para se motivar “Para além das boas notas, sinto que me esforcei e tento melhorar todos os dias e aprender coisas novas”; “Sentimento de dever cumprido” e perseguir os objetivos de sucesso escolar, tais como, “Bons métodos de estudo diários e Estudar mais diariamente”. Refletem que o sucesso e manutenção da motivação são complexos e envolvem a articulação e conjugação de diversas variáveis “Competência, motivação, atenção e ter foco em obter bons resultados académicos”; “O facto de estudar, mas também ter o meu tempo livre”. Como aspetos menos positivos relacionados com a motivação referem dificuldades de aprendizagem e desmotivação em relação à escola “A falta de vontade de vir para a escola” e falta de empenho “O facto de não me aplicar mais para superar as minhas dificuldades”, e falta de expectativa face ao futuro “Não ter média suficiente para ingressar no curso que eu queria em primeira opção”.
Oportunidade
Ao nível da oportunidade, os estudantes referem aspetos relacionados com a família, com a escola e com a sociedade em geral. A família surge como um fator de apoio ao sucesso escolar “A confiança que os meus pais me dão para eu continuar no curso que frequento”, mas também é referida como um fator de risco “As minhas notas estarem a descer e sentir com a autoestima em baixo, a partir do que os meus pais me dizem”.
Em relação à escola e professores referem que é muito importante ter opinião positiva por parte dos professores "Feedback" positivo de professores / opiniões dos professores” e boa “Relação com os professores e colegas” e salientam a importância da escola ser um espaço relacionado com a felicidade e bem-estar “Bem-estar psicológico no que toca à escola”. Em termos negativos os estudantes referem baixas expectativas “Como não gosto do curso e só me interessa acabar o 12º, não me esforço e tiro as notas necessárias”, dificuldades na gestão do tempo e estudo “Pois não tenho tempo para estudar tudo e se tivesse mais tempo para estudar iria conseguir ter melhores notas e não consigo devido a ter muito horário escolar” e dificuldades com os professores e colegas “Para haver sucesso é preciso que para além de eu me esforçar, que haja professores que saibam lecionar”. Ao nível da sociedade, alguns estudantes tem a perceção que esta lhe dá oportunidades “Ser reconhecida a nível nacional não só pelo desporto, mas também pelo sucesso na escola e conseguir conciliar tudo”, “Estar no centro de estudos”. No entanto alguns estudantes referem que a sociedade pode ser uma barreira ao sucesso escolar “Tenho notas más... não gosto do curso, mas não existe o curso que quero na escola e tenho pouco dinheiro para ir para outra escola” mas também alguns defendem que ter sucesso não se deveria apenas prender com as notas de avaliação “Infelizmente na nossa sociedade atual, um aluno para ter sucesso é só devido as notas que tem”.
Através da utilização do programa MAXQDA, a nuvem de palavras resultante inclui as 25 palavras com significado mais frequentes, no quadro 12 encontra-se a frequência das palavras utilizadas. As notas de avaliação são o fator que mais surge associado ao sucesso escolar, seguida pelo funcionamento das aulas, comportamentos e esforço e os professores.
Discussão
O estudo permite compreender e caracterizar com maior profundidade os fatores que condicionam o gosto pela escola e a perceção de sucesso escolar dos adolescentes, levando em consideração as especificidades relacionadas ao género e idade e compreender quais os fatores do ecossistema escolar ligados ao risco e à proteção relacionados com o gosto pela escola, pressão para os trabalhos de casa e perceção de sucesso.
O gosto pela escola está associado ao género, idade, à relação com os professores, com as preocupações com a escola, com a ansiedade/stress e perceção de controlo e com a qualidade do sono, a pressão com os trabalhos de casa está relacionada com género, idade, relação com os colegas, preocupações na escola e ansiedade/stress/falta de controlo. Por seu lado a perceção de sucesso dos alunos está relacionada com idade, relação com os professores, preocupações na escola e ansiedade/stress/falta de controlo.
Os resultados permitem compreender mais aprofundadamente os diferentes níveis de influência na perceção de sucesso dos alunos, através da identificação da capacidades, motivações e oportunidades (Michie, van Stralen, & West, 2011).
Através da análise das respostas dos estudantes concluímos que as notas e as boas notas são o que mais define o sucesso escolar. Esse sucesso também se relaciona com o empenho, dedicação e investimento, assim como com a relação com os colegas e professores, sendo também condicionado com as expectativas futuras.
Ao nível das capacidades os estudantes identificam diversas capacidades e competências individuais que funcionam como fatores ligados ao risco e ligados à proteção do sucesso escolar. Como fatores positivos salientam capacidades intelectuais e emocionais e princípios e valores. Como fatores de risco referem questões emocionais, desinteresse, desinvestimento e comportamentos de risco.
Em relação à motivação revelam que tem interesse e gosto por aprender, revelam algumas estratégias que utilizam para se motivar. Refletem que o sucesso e manutenção da motivação são complexos e envolvem a articulação e conjugação de diversas variáveis. Como aspetos menos positivos relacionados com a motivação referem dificuldades de aprendizagem e desmotivação em relação à escola, falta de empenho e falta de expectativa face ao futuro.
Quanto à oportunidade os estudantes referem aspetos relacionados com a família, com a escola e com a sociedade em geral. A família surge como um fator de apoio ao sucesso escolar, mas também é referida como um fator de risco. Em relação à escola e professores referem que é muito importante ter opinião positiva por parte dos professores e salientam a importância da escola ser um espaço relacionado com a felicidade e bem-estar. Em termos negativos os estudantes referem baixas expectativas, dificuldades na gestão do tempo e dificuldades com os professores e colegas. Ao nível da sociedade, alguns estudantes tem a perceção que esta lhe dá oportunidades, mas também referem que a sociedade pode ser uma barreira ao sucesso escolar.
As conclusões permitem um conhecimento fundamentado maior para o delineamento de programas e intervenções psicológicas, a fim de promover efetivamente competências sociais e pessoais no processo da adolescência.
Encontra-se uma forte relação entre competências sociais e pessoais, bem-estar psicológico e perceção de sucesso e estão fortemente correlacionadas com crescimento e desenvolvimento, enfatizando que essas competências estão positivamente relacionadas ao bem-estar.
Na mesma linha de pensamento, Leme, Del Prette, e Coimbra (2015) concluíram nas suas investigações que as competências sociais são os bons preditores do bem-estar psicológico dos adolescentes. O desenvolvimento de competências psicossociais apresenta-se como um potencial fator de proteção no desenvolvimento (Cunha & Rodrigues, 2010) e está positivamente relacionado a todos os indicadores de bem-estar psicológico (Gaspar, Rebelo, Mendonça, Albergaria, & Matos, 2014; Gaspar, Bilimória, Albergaria, & Matos, 2016; Segrin, Hanzal, Donztein, Taylor, & Domschke, 2007; Segrin & Taylor, 2007). Beauchamp e Anderson (2010), fazendo uma análise mais profunda, concluem que o fracasso em adquirir as principais competências pessoais e sociais tem consequências profundas para o indivíduo e pode comprometer o desenvolvimento e o ajustamento futuro do adolescente. O deficit de competência pessoais e sociais podem contribuir para o sofrimento psicológico, o isolamento social, a baixa autoestima e refletem-se no nível da qualidade de vida e bem-estar.
Para que as intervenções sejam eficazes, além do envolvimento e promoção de competências junto dos adolescentes, também os pais e os profissionais de educação devem ter competências e treino adequados para responder de forma eficaz e positiva às necessidades específicas dos adolescentes. Os programas devem promover o bem-estar, competências sociais e de resolução de problemas, promovendo o envolvimento e sucesso escolar, e não apenas prevenir comportamentos de riscos. Os adolescentes mais velhos e as raparigas podem ser considerados grupos de maior risco com necessidade de intervenção\ao especificas. Além disso, como os comportamentos estão inseridos no contexto psicossocial, a intervenção preventiva deve ser implementada nos níveis escolar, familiar e comunitário.
Conclui-se que a perceção de sucesso e o gosto pela escola são fenómenos complexos e multidimensionais, mas que em geral os alunos os reduzem às classificações escolares, sentindo-se pressionados com a escola (com o peso das avaliações, a pressão dos pais face às notas; o excesso de matéria, a matéria afastada da vida) e prejudicando o seu gosto pela aprendizagem. Num contributo para a promoção do bem-estar e sucesso na escolar urge ativar um debate amplo sobre estas questões, ouvindo os alunos e envolvendo-os nesta mudança.
A relação aluno-professor, aparece saliente no gosto pela escola e bem-estar dos alunos, pelo que também deverá ser considerada, remetendo para a questão do bem-estar dos alunos como do bem-estar dos próprios professores (Tomé, Matos, Gomes, Camacho, & Gaspar, 2017).
O projeto ESABE (Ecossistemas de Aprendizagem e Bem-estar) (http://aventurasocial.com/verartigo.php?article_id=657) desenvolvido em Portugal em 2020/21 em 9 escolas, em conjunto com a Direção-Geral de Educação, foi já concebido e está em fase de implementação para analisar e propor em co construção com as escolas envolvidas e os vários intervenientes, o perfil de escola mais capaz de desenvolver nos alunos a autonomia, responsabilidade, o bem-estar, o sucesso escolar e o gosto e envolvimento na escola e as conclusões serão públicas em breve.
Políticos, educadores, profissionais de saúde e outros grupos profissionais são incentivados a enfrentar o desafio de implementar as medidas necessárias para promover uma escola global promotora de sucesso, de gestão eficaz e positiva dos riscos, dos desafios e do bem-estar na Escola.
REFERÊNCIAS
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Recebido em 16 de Janeiro de 2020/ Aceite em 26 de Junho de 2020