Responsável por mais de 255.000 casos de infeção em Portugal, e por mais de 3.800 óbitos, a COVID-19 foi reconhecida como pandemia no dia 11 de março de 2020 (DGS, 2020). De entre as várias medidas tomadas para controlo da doença, o confinamento social foi a medida que mais afetou toda a população, incluindo a saúde física, mental e bem-estar emocional dos adolescentes e jovens (AEJ) (Lancet, 2020). Confinados nas suas casas, com o encerramento das escolas e universidades, e privados do modelo de ensino tradicional, a metodologia de ensino-aprendizagem online foi adotada por inúmeros países, de entre os quais, Portugal (Golberstein et al., 2020).
Ainda que fundamental no controlo da propagação da doença, esta medida de saúde pública pode não somente afetar a saúde e bem-estar dos AEJ, como o seu processo de desenvolvimento, na medida em priva as relações presenciais com os amigos; origina o cancelamento ou adiamento de planos; cria incertezas em relação ao futuro; e a potencial ameaça que o vírus representa para si e a para as suas famílias (Lancet, 2020). Um fator cumulativo e com impacto na saúde mental, pode ser a recessão económica resultante da pandemia.
Considerados recursos capazes de identificar os seus problemas e estratégias para a sua solução (Lerner et al., 2009), contribuindo com a sua Voz e experiência (Branquinho et al., 2020; Branquinho et al., 2016; Kim, 2016; Matos, 2015), a participação de AEJ pode ser um recurso essencial na pandemia COVID-19.
Frequentemente perspetivados enquanto alvos, mas também capazes de assumir o papel de agentes de mudança (Branquinho et al., 2020; Branquinho et al., 2016; Checkoway & Gutiérrez, 2006; Matos et al., 2015), este trabalho pretende apresentar o que sentiram e vivenciaram os AEJ portugueses durante o confinamento do social (impacto na sua geração, estratégias de coping e lições para futuras pandemias); e apoiar os profissionais de saúde e educação numa melhor preparação para as futuras necessidades dos AEJ. Este estudo revela ainda maior importância, agora que atravessamos uma segunda vaga da pandemia.
Método
Esta investigação teve a aprovação ética da Ordem do Psicólogos Portugueses (OPP, 2020), cumprindo todos os procedimentos éticos, incluindo o anonimato, confidencialidade e consentimento informado de todos os participantes.
Desenho e participantes
O estudo foi desenhado com base numa metodologia online, e divulgado pela rede de contactos da equipa de investigação, assim como pela Ordem dos Psicólogos Portugueses, Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P. e pela Câmara Municipal de Cascais. A recolha de dados foi realizada no período de 14 de abril a 18 de maio de 2020.
No total, foram recolhidas 674 respostas, das quais 617 foram consideradas válidas, após a eliminação de respostas incompletas ou duplicadas.
Instrumentos
O questionário online foi desenvolvido para AEJ com idades compreendidas entre os 16 e os 24 anos. O instrumento incluiu questões sociodemográficas, a par de oito questões de resposta aberta, focadas nos impactos do confinamento e isolamento social da primeira vaga da pandemia COVID-19 na vida social e amizades dos AEJ, suas rotinas e vida quotidiana, escola, trabalho e lazer, saúde e bem-estar, estratégias de coping e lições para futuras pandemias ou nova vaga da doença. O questionário tinha um tempo de preenchimento de 15-20 minutos.
Procedimentos
A análise dos dados foi realizada com recurso aos softwares SPSS v. 26 e MAXQDA 2020. Depois de uma primeira análise, os dados foram estudados com base no princípio “rule of thumb” e foi realizado o estudo das palavras mais frequentes no documento: 50 palavras mais proferidas, repetidas mais de 20 vezes, de forma a identificar as áreas temáticas-chave. Os conceitos foram agrupados por similaridade nas categorias: (C1) impacto na vida social e relações de amizade; (C2) impacto na vida diária e rotinas; (C3) impacto na saúde e bem-estar; (C4) estratégias de coping; (C5) lições para futuras pandemias ou nova vaga da doença, e sua integração em subcategorias relacionadas com os impactos nos AEJ: “positivos”, “negativos” ou “neutros”.
Resultados
Os 617 participantes tinham uma idade média de 19,1 anos (DP = 2,352 anos; Min = 16 e Max = 24); 69,5% eram raparigas, 95,1% dos participantes tinha nacionalidade portuguesa e eram residentes na região de Lisboa e Vale do Tejo (64,3%). Na sua maioria, os estudantes (74,2%), 38,7% frequentavam o ensino universitário e 35,8% o secundário.
No estudo dos impactos na vida social e relações de amizade, os AEJ referiram que a pandemia pode causar perda de contatos, diminuir as competências interpessoais, e que impossibilitou a vivência de momentos e acontecimentos importantes, como o baile ou viagem de finalistas. Contudo, pontos positivos como a maior valorização da amizade e o fortalecimento de relações, são também identificados por alguns AEJ.
A sua vida quotidiana tornou-se mais entediante, e as rotinas mais difíceis de cumprir. Como consequência de uma maior procrastinação, a sua produtividade diminuiu. Os atletas viram a sua prática de atividade física muito diminuída, mas os não-praticantes reportaram um aumento da prática de exercício. Mais tempo para a realização de atividades de desenvolvimento pessoal como formações, foi identificado como ponto positivo, assim como uma maior disponibilidade para estar em família.
A categoria da saúde e bem-estar foi a que reuniu uma maior diversidade de respostas. Se a nível físico foram enunciados sintomas como dores de cabeça e musculares, a nível psicológico foi destacada uma maior sintomatologia depressiva, ansiedade, irritabilidade e solidão. As alterações no padrão de sono, peso e alimentação foram igualmente apontadas, passíveis de serem associadas ao seu reporte de maior tempo de ecrã e uso de substâncias. Do maior tempo em família, surgem os conflitos familiares e a preocupação do aumento de episódios de violência doméstica. Ainda que o facto de estarem confinados nas suas casas e não poderem apanhar sol os incomode, assim como o aumento do tempo de dedicação aos trabalhos de casa, referiram menor fadiga e que a pandemia lhes proporcionou uma oportunidade de crescimento pessoal.
As estratégias de coping para lidar com o confinamento passam por manter o otimismo, pela comunicação frequente com os amigos e família, o desenvolvimento de atividades agradáveis, e a mais referida, o estabelecimento de uma rotina e horários.
Como lições para futuras pandemias ou nova vaga da doença, os AEJ não têm dúvidas da importância de valorizar a liberdade; de seguir as normas estabelecidas pela Direção-Geral da Saúde; de ter um Sistema Nacional de Saúde preparado para futuros surtos; do investimento no treino de professores e alunos para a metodologia de ensino-aprendizagem online; e de ter rotinas. No último, propõem a televisão como recurso no estabelecimento de rotinas.
Para facilitar a apresentação dos resultados, apresentam-se os impactos positivos e negativos da COVID-19 nos AEJ, agrupados com base no modelo integrativo do desenvolvimento saudável e positivo (Kia-Keating et al., 2011), bem como as estratégias de coping e lições para futuras pandemias ou nova vaga.
Apoiado nas categorias e subcategorias identificadas, apresentam-se trechos exemplificativos dos AEJ (ver Tabela 1).
Discussão
Este estudo explorou a Voz dos AEJ portugueses, relacionada com os impactos da COVID-19 na sua geração, em simultâneo com estratégias de coping e lições para futuras pandemias ou nova vaga da doença.
Os AEJ expressaram impactos a nível social, explicando que a diminuição de contacto com os amigos terá impactos no futuro, diminuindo a componente física da relação, a confiança no outro e as suas competências interpessoais. Contudo, consideram que este distanciamento poderá ajudar a perceber a importância das relações e a fortalecer amizades.
A nível emocional, ainda que a visão otimista de alguns se mantenha, referindo que nunca viveram tempos tão felizes como agora com a escola encerrada e aulas online, ou que se sentem menos cansados e mais relaxados, existe quem reporte um maior número de sintomas depressivos, ansiedade e solidão. Estes sintomas foram encontrados noutras investigações (Liang et al., 2020; Pereira et al., 2020; Qiu et al., 2020; Wang et al., 2020). Um maior número de episódios de discussões familiares foi também destacado, acreditando que no futuro a taxa de divórcios tenderá a aumentar. O confinamento levou a uma organização do quotidiano, obrigando toda a família a lidar com o stress e distanciamento social (Fegert et al., 2020). Durante este período, a intensificação do papel dos pais e a prevalência de outros fatores de stress, como o desemprego e a menor capacidade económica, tendem a intensificar as situações de conflito (Lebow, 2020). Os impactos na estrutura financeira, com a diminuição da capacidade económica foi também destacada pelos AEJ.
A perda de momentos de vida importantes, como o cancelamento de viagens ou baile de finalistas, surge como um dos impactos negativos da pandemia. Na verdade, a literatura já identificou não apenas o impacto da pandemia COVID-19 na saúde e bem-estar, mas também a influência no desenvolvimento de AEJ, como resultado da redução das relações face a face com seu grupo de pares, o cancelamento ou adiamento de planos e a incerteza em relação ao futuro (Lancet, 2020).
No domínio comportamental, a dificuldade em ter uma rotina tem levado a uma menor produtividade, e acreditam que a dependência tecnológica e consumo de substâncias também tenha aumentado. Num estudo desenvolvido por Xiang e colegas (2020), o aumento do tempo de ecrã foi também mencionado. Numa visão otimista, consideram que durante o confinamento existiu mais tempo para realizar atividades prazerosas, como a prática de exercício físico.
Os AEJ concordaram que o surto alterou o padrão fisiológico de sono e alimentação. Estes resultados são congruentes com o estudo de Abbas e colaboradores (2020), no qual referem que o stress da pandemia pode afetar os mecanismos comportamentais, levando a uma maior ingestão de alimentos, diminuindo a prática de atividade física e prejudicando a qualidade do sono (Abbas et al., 2020). Decorrente das mudanças comportamentais, sintomas físicos, como dores de cabeça e dores musculares são igualmente referidos pelos AEJ, o que é consistente com estudos sobre o surto de COVID-19 no Oriente (Wang et al., 2020).
Unânimes no nível educacional, no facto das aulas online terem trazido uma maior carga de trabalhos de casa, acreditam que o domínio cognitivo foi favorecido, uma vez que tiveram mais tempo para um maior enriquecimento a nível pessoal e formativo.
Nas estratégias de coping, os AEJ enfatizaram a importância da comunicação regular com a família e amigos; realizar formações online e atividades agradáveis; ter uma rotina com horários definidos; e tentar viver com calma.
O presente estudo confirma que a Voz dos AEJ deva ser ouvida, e que estes desejam estar ativamente envolvidos na identificação de problemas e soluções e ainda nas decisões relacionadas com situação global atual. Num exemplo da sua competência e na tentativa de consciencializar stakeholders e órgãos de poder político para a importância de incluir (verdadeiramente) os AEJ nas questões que os afetam, foram apresentadas as suas estratégias para futuras pandemias ou nova vaga da doença: a necessidade de seguir as diretrizes da Direcção-Geral da Saúde; melhor preparação do Sistema Nacional de Saúde para lidar com surtos; professores e alunos treinados para uma metodologia de ensino-aprendizagem online; manutenção de rotinas utilizando meios audiovisuais como a televisão; e aprender a valorizar a liberdade.
Forças e Limitações
Perante as particularidades da situação pandémica, o estudo foi realizado online, através da aplicação de um questionário, não permitindo um aprofundamento das respostas. Apesar desta limitação, destaca-se que até onde sabemos, este é o primeiro trabalho a dar Voz aos AEJ sobre o impacto da COVID-19 nas suas vidas, assim como a identificar estratégias para lidar com pandemia e lições para futuras pandemias ou nova vaga da doença; a elevada taxa de respostas, que se pensa poder contribuir para ter alguma confiança na generalização à população dos AEJ; a informação disponibilizada, que se considera de extrema relevância para as ações políticas, educativas e de saúde, na mitigação dos efeitos negativos nos AEJ, mas também para a consciencialização da capacidade desta geração em participar nos assuntos que os afetam.
Mensagens-Chave
As perspetivas dos AEJ reportam impactos positivos, negativos e neutros, tanto de uma perspetiva pessoal, como social e ambiental.
Enfrentando agora uma segunda vaga, esperamos que este estudo contribua para a promoção do bem-estar e prosperidade dos AEJ, ainda que o confinamento, até ao dia de hoje, seja mais flexível e limitado. O confinamento não é por enquanto total, o que permite uma maior flexibilidade relacional, mas por outro lado os AEJ, como aliás a restante população, acusa um cansaço “pandémico” uma vez que já há vários meses estão numa situação sanitária, económica, política e social atípica, o que multiplica os efeitos adversos aqui ilustrados e muito provavelmente dilui alguns dos efeitos positivos. Reforça-se a necessidade urgente de atender às necessidades relatadas pelos AEJ, como o treino de professores e alunos para o ensino-aprendizagem online; uma carga de trabalhos de casa adaptada ao novo contexto; profissionais de saúde melhor preparados, e no apoio no estabelecimento de rotinas, aos jovens, famílias; e profissionais de apoio psicológico, nas casas, nos cuidados de saúde primários, nas escolas e nos postos de trabalho.
O acompanhamento da situação dos jovens face à pandemia continua a ser monitorizado por esta equipa, e em breve teremos resultados sobre o “pós-pandemia COVID-19”.