Desde dezembro de 2019, em Wuhan, na China, e desde fevereiro de 2020 na Europa e em Portugal a partir de março, surgiu um surto pandémico de pneumonia provocado pelo novo corona vírus SARS-CoV-2. A Organização Mundial da Saúde declarou o atual surto de COVID-19 como uma emergência de saúde pública de impacto internacional. Em Portugal, os primeiros casos registados na comunidade foram confirmados no início de março de 2020 tendo sido de seguida declaradas medidas de isolamento dos pacientes identificados e dos seus conviventes e, logo após, foi imposta uma quarentena obrigatória em larga escala para a população.
Quarentena, que se refere à separação e restrição de movimento de pessoas que podem ser expostos a uma doença contagiosa, é comummente usada para conter a propagação da infeção (Brooks et al., 2020). Como esta situação é relativamente rara, há pesquisas limitadas sobre o impacto psicológico em indivíduos em quarentena e a maioria dos estudos de pesquisa existentes utilizaram avaliações retroativas exclusivamente realizadas após a quarentena (Brooks et al., 2020; Wang et al., 2020). Sprang e Silman (2013) referem que o confinamento familiar e o isolamento social (toda a família a partilhar um espaço relativamente reduzido por um período de tempo longo e, eventualmente com crianças separadas dos cuidadores) terão como consequências negativas a inibição dos rituais familiares, das normas e valores que regulam o funcionamento do sistema familiar e poderá causar perturbações no processo de vinculação, podendo levar a que cerca de 30% das crianças apresentem manifestações de stresse pós-traumático a curto prazo e também potenciar o risco de perturbações do humor ou psicose, a longo prazo. No entanto, este período de confinamento poderá ser igualmente uma oportunidade de promoção da interação criativa entre os membros da família, de envolvimento em atividades prazerosas que poderão promover o desenvolvimento dos seus membros, favorecendo a resiliência (Sprang & Silman, 2013; Wang et al., 2020). Estudos recentes, como é o caso do recente bloqueio devido à COVID-19 na China (Wang et al., 2020), encontraram níveis elevados de ansiedade, angústia e depressão entre indivíduos em quarentena (Brooks et al., 2020; Liu et al., 2020).
Antecipar estas sequelas psicossociais é fundamental para mitigar o impacto negativo da quarentena quer nas crianças diagnosticadas com COVID-19 que ficam isoladas (mesmo do resto da família) quer nos cuidadores - especialmente quando se tem que enfrentar medidas sem precedentes de quarentena, isolamento e distanciamento social.
Por sua vez, a experiência de ter um filho diagnosticado com uma doença desconhecida ou potencialmente ameaçadora da vida é altamente angustiante para os cuidadores devido à incerteza que desencadeia na vida pessoal e familiar que é agravada por se tratar de uma potencial ameaça à vida de uma criança ou adolescente podendo aumentar a angústia dos cuidadores (Silva et al., 2018; Webster, 2018). Nestas condições os progenitores poderão desenvolver níveis clínicos de ansiedade ou depressão e, futuramente, de stresse pós-traumático pelo que se torna necessário delinear desde logo um projeto de intervenção protetor (Cabizucat al., 2009; Gudmundsdóttir & Gudmundsdóttir, 2006; Muscara et al., 2015; Stuber & Shemesh, 2006; Wise & Delahanty, 2017; Woolfet al., 2015).
Programa de intervenção em crise
O programa de intervenção integrado desenvolvido para esta situação de crise procurou dar uma resposta atempada às necessidades emocionais das crianças diagnosticadas e respetivas famílias, promovendo suporte informativo e estratégias para regular as emoções e enfrentar a situação (Duan & Zhu, 2020; Xiang, 2020). Teve um caráter dinâmico, adaptado à rápida evolução da crise, às caraterísticas de cada família e à fase de desenvolvimento psicossocial dos pacientes (crianças desde os 1 mês de idade até aos 17 anos). Foi implementado através de contacto telefónico regular, programado e procurava dar uma resposta integradora e atempada (Hollander & Brendan, 2020).
Teve uma componente clínica (pediátrica) com contacto inicial telefónico por um pediatra para comunicação à família do resultado positivo no teste de rastreio de COVID-19 no filho, seguido de contacto telefónico diário com a mesma para avaliação sintomática e orientação de estratégias de controlo de sintomas ou de acesso privilegiado aos cuidados de saúde (SU). Este contacto manteve frequência diária enquanto os sintomas clínicos de COVID-19 estiveram presentes espaçando-se gradualmente, quando deixavam de se manifestar, mas mantendo-se até à recuperação clínica.
O programa de intervenção teve também uma vertente psicológica. Esta intervenção, implementada nas 24 horas após a comunicação do diagnóstico e reforçada 7 dias depois, decorreu de forma articulada com a componente médica e teve como objetivo imediato conhecer o estado emocional desencadeado pela comunicação do diagnóstico na criança e na família. Procurou ainda identificar potenciais stressores decorrentes do diagnóstico de uma doença ameaçadora da vida da criança ou adolescente (Stuber & Shemesh, 2006; Gudmundsdóttir & Gudmundsdóttir, 2006; Muscara et al., 2015) mas também do isolamento decorrente da quarentena imposta a estas famílias (Johal, 2009) e, antecipando os seus efeitos, normalizar o seu impacto com recurso a processos de regulação emocional de pacientes e cuidadores bem como a promoção de competências para lidar com o diagnóstico ou mesmo ou mesmo de desenvolvimento pessoal em crianças e cuidadores (Chaves et al., 2013).
Neste estudo, tivemos como primeiro objetivo identificar sinais de sofrimento emocional em pacientes de idade pediátrica diagnosticados com COVID-19 e nos seus cuidadores e implementar um plano de apoio psicoterapêutico para a situação de crise desencadeada entre as crianças e adolescentes diagnosticados com COVID-19 e respetivas famílias em isolamento profilático e quarentena na área do grande Porto.
Foi igualmente objetivo implementar um programa integrado de intervenção (médico e psicológico) breve através de contacto regular entre a equipa clínica e as famílias para mitigar a situação de crise emocional desencadeada pelo diagnóstico, quer nas crianças e adolescentes quer nos cuidadores (Yu, 2020) e avaliar as suas repercussões.
O principal objetivo desta resposta integrada, foi criar um ambiente e relação entre a instituição CHUSJ, os pacientes e as famílias que fosse securizante e limitador do stresse nos pacientes e cuidadores através do reforço da disponibilidade integral de toda a equipa para promover o suporte imediato em caso de necessidade de cuidados de saúde física (por agravamento de sintomas, surgimento de novos dados clínicos ou outros) ou psicológica. Desta forma procurou-se, para além de uma resposta imediata, evitar as repercussões psicológicas a longo prazo desta condição, designada por “quarta vaga”(Liu et al., 2012; Zhang et al., 2020).
Teve como estratégia identificar auto-verbalizações catastróficas e disfuncionais nos pacientes e cuidadores (relacionadas com o diagnóstico e condições de isolamento impostas) e, através de debate racional, corrigir crenças inadaptativas (i.e., confrontar por uma lado as crenças catastróficas deduzidas da informação veiculada pelos meios de comunicação e, por outro lado, o estado clínico do filho e a atitude atenta e vigilante do serviço de saúde face ao impacto do diagnóstico de COVID-19 nas crianças e adolescentes e ainda com o conhecimento científico produzido sobre as manifestações de COVID-19 na população pediátrica e a realidade do Centro Pediátrico) (Calvo et al., 2020; Kelvin & Halperin, 2020; Santaeufemia et al., 2020; Tagarro et al., 2020).
Procuramos também capacitar os cuidadores para a identificação precoce de sinais de perturbação emocional em si e nos seus filhos, ensinando-os a examinar preditores situacionais, comportamentais, psicológicos, associados à ansiedade e à depressão, a fim de identificar possíveis áreas que necessitassem de intervenção.
Para atingir os objetivos globais referidos, teve-se em conta os seguintes objetivos específicos:
- Promover estratégias de confronto com as notícias divulgadas pelos meios de comunicação (diminuição do tempo de exposição) e de relativização das mesmas,
- Reforçar a prestação de informação científica adequada (envio ou indicação de meios de suporte informativo - sites da DGS, da OPP ou outros, com informação adequada e credível);
- Fornecer informação factual, com base empírica da realidade do Centro Pediátrico do CHUSJ;
- Promover ou reforçar as estratégias de autorregulação emocional nos cuidadores;
- Promover estratégias de enfrentamento da doença do filho;
- Promover estratégias de suporte social e emocional dentro do sistema familiar;
- Promover estratégias o apoio psicológico e o suporte emocional direto (pelo psicólogo às crianças e adolescentes) e indireto (mediadas pelos cuidadores);
- Promover a interação familiar, a gestão do tempo com os filhos em situação de isolamento (promoção de regras e rotinas, de suporte emocional e criação de momentos de “tempo especial” dedicados à criança);
- Promover um padrão de comunicação aberto e securizante e partilha de emoções;
Procuramos ainda que as famílias perspetivassem este momento de crise como uma oportunidade para promover uma interação familiar positiva, em especial com os filhos (Brooks et al., 2020; Chaves et al., 2013; Liu et al., 2020; Silva et al., 2014).
Método
Participantes
A população foi composta pelos pacientes em idade pediátrica atendidos entre o início de março e o final de abril de 2020 e seguidos no CHU S. João com diagnóstico de COVI-19.
Foram identificados 117 sujeitos, crianças e adolescentes, entre o 1 mês e os 17 anos de idade (e respetivos cuidadores). Destes, 7 foram seguidos em outros serviços que não o Centro Pediátrico, por razões clínicas ou de humanização da prestação de cuidados de saúde. Da amostra restante, 110 pacientes e respetivos cuidadores, foram excluídos 3 sujeitos - dois porque foram alvo de acompanhamento em instituições de saúde da área de residência e um porque não foi possível contacto telefónico; outros 2 sujeitos foram excluídos por iliteracia que não permitia a compreensão e resposta aos instrumentos de avaliação (HADS) nem pelos cuidadores nem pelos pacientes.
Material
A reação emocional de ansiedade face ao diagnóstico foi avaliada em dois momentos, quando do contacto inicial e uma semana após a informação aos pais do diagnóstico de COVID-19 no(s) filho(s). Foi utilizada uma adaptação da Escala de Unidades Subjetivas de Stresse (SUDS) (Tanner, 2012). Os entrevistados (adolescentes e cuidador principal) foram solicitados a avaliar a intensidade da sua reação emocional numa escala de 0 a 10, com opções de resposta que variavam entre “0 = totalmente calmo e relaxado, sem sofrimento emocional”, a “10 = o maior sofrimento emocional, angústia ou medo sentido”.
No final da primeira semana (7 dias após o diagnóstico) os adolescentes (idade igual ou superior a 10 anos) e os respetivos cuidadores foram convidados a responder à HADS - Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar. A HADS permite a avaliação dos níveis ligeiros de distresse em doentes com patologia física. É uma escala de autoadministração e demora cerca de 10 minutos a ser preenchida - no presente estudo foi administrada por entrevista telefónica. É composta por 14 itens (7 itens para avaliar a ansiedade e 7 itens para avaliar a depressão), desenvolvida por Zigmond e Snaith (1983), para avaliar de uma forma breve, os níveis de ansiedade e depressão em doentes com patologia física. Esta escala é, na atualidade, largamente utilizada na investigação e prática clínica para avaliar de uma forma breve os referidos sintomas em populações não psiquiátricas (Herrmann, 1997). Outro aspeto relevante, prende-se com o facto de o HADS não incluir itens focados em componentes somáticos, o que é apropriado para doentes com patologia não psiquiátrica, visto que poderia confundir as respostas e falsear os resultados finais. Os seus criadores (Snaith & Zigmond, 1994; Zigmond & Snaith, 1983) consideram que a severidade da ansiedade e da depressão podem ser classificadas como “normal” (0-7), leve (8-10), moderada (11-15) e severa (16-21). Está adaptada para Portugal (Pais-Ribeiro et al., 2007; Silva et al., 2006). Pode ser aplicada a adolescentes de idade superior a 10 anos sem alteração da sua estrutura ou consistência.
Procedimento
Após a realização do teste de rastreio de COVID-19 no S.U. do Centro Pediátrico do CHSJ as famílias foram contactadas telefonicamente por um Pediatra que comunicou o resultado positivo e reforçou a necessidade de aplicação de medidas de isolamento e higienização com vista ao controlo da infeção e sobre sinais e sintomas de COVID-19 na criança.
A informação sobre o estado de criança era partilhada com o psicólogo clínico o qual, nas 24 horas após o diagnóstico, estabelecia contacto telefónico com a família. Era avaliado o nível de stresse do cuidador principal e do adolescente através de um termómetro emocional (SUDs). Seguidamente, através de teleconsulta era implementado programa de apoio psicoterapêutico breve para situações de crise, a pais e crianças (a partir dos 10 anos de idade através de contacto com o psicólogo e até essa idade por mediação parental). O mesmo contacto era repetido uma semana após, identificando-se sinais de sofrimento emocional (nova aplicação do termómetro emocional e da HADS). Sempre que necessário foram implementadas medidas de acompanhamento e intervenção psicológica baseadas na evidência ou fornecida orientação clínica para lidar com as situações problemáticas ou emoções.
Resultados
Caraterísticas clínicas e sociodemográficas
A amostra total é composta por 105 pacientes, 56 do sexo feminino (53,3%) e 49 do sexo masculino (46,7%), e seus cuidadores, seguidos ao longo de todo o processo terapêutico no Centro Pediátrico do CHSJ.
A média das suas idades é 8,8 anos (DP=5,9) com valor mínimo 21 dias e máximo 17 anos. Com idade inferior a 1 ano havia 16 crianças (15,2%), com idade pré-escolar (acima de 1 anos e inferior a 6 anos) registamos 20 crianças (19,0%) e 53 eram adolescentes (50,5%) com idade superior a 9 anos.
Quanto aos antecedentes clínicos, 69 crianças eram previamente saudáveis (65,7%), 32 apresentavam problemas de saúde física (30,5%) e 4 problemas de saúde mental (3,8%).
Relativamente à intensidade dos sintomas de COVID-19, todos os pacientes apresentavam sintomatologia ligeira, pelo que receberam cuidados sintomáticos no domicílio, com exceção de uma criança que preenchia os critérios definidos pela DGS (febre elevada persistente) para internamento.
Estes pacientes, na sua maioria (n=83), estavam inseridos em famílias (79,0%) sem registo prévio de problemas de saúde em qualquer dos seus membros; 13 famílias apresentavam algum dos seus membros com patologia crónica sendo que em duas famílias decorria uma gestação. As restantes 9 famílias (8,6%) reportavam problemas de saúde mental entre os seus membros (ansiedade ou depressão) com seguimento por especialista.
Quando do contacto inicial com as famílias verificava-se que apenas 20 famílias (19,4%) não apresentavam qualquer outro membro com COVID-19, para além da criança; 73 famílias tinham pelo menos outra pessoa infetada (69,5%); 5 famílias (4,8%) tinham um membro internado em enfermaria geral por infeção e outras tantas tinham um membro internado em UCI. Neste momento (8 dias prévios) haviam-se registado dois falecimentos de familiares (uma das quais não relacionada com COVID), número que aumentou para 7 óbitos uma semana depois (4 por COVID-19).
A intensidade da reação emocional (SUDs) ao diagnóstico de COVID-19, registado numa escala de 0 a 10 SUDs (Unidades Subjetivas de Distresse), apenas foi avaliada nos adolescentes (idade igual ou superior a 10 anos (n=53), quer no dia após o diagnóstico quer uma semana depois.
Os valores intensidade da reação emocional (SUDs) registados nestes pacientes variaram ente 1 e 10. O valor médio de 5,3 (DP=2,2) e mediana 5. Não se encontraram diferenças entre o sexo masculino (média =5,4) e o sexo feminino (média =5,7). A avaliação da intensidade da reação emocional sentida uma semana após sentida pelos filhos (SUDs) apresenta como média o valor de 2,3 (DP=1,6).
O valor médio da intensidade da reação emocional percebido pelos cuidadores (N=105) no momento da primeira entrevista foi 6,5 (DP=2,6), variando entre 0 SUDs e 10 SUDs (valores mínimos e máximos possíveis) e mediana 6. Neste caso encontramos uma distribuição claramente assimétrica (assimetria= -.28) com 40,9% dos cuidadores a responder nos 3 níveis mais elevados de intensidade da reação emocional (8 a 10).
A avaliação da intensidade da reação emocional sentida pelos cuidadores (SUDs) uma semana após apresenta média de 3,8 (DP=1,9).
Não se registam diferenças nas médias das respostas de cuidadores em função do sexo da criança (M = 6,5 para ambos, DP=2,6).
Relativamente às respostas à avaliação da ansiedade, depressão e distresse (respostas à HADS), começamos por apresentar os resultados dos pacientes e dos pais, de acordo com os níveis de severidade apresentados pelos autores.
Os valores registados pelos pacientes (com idade acima dos 9 anos) situam-se na zona normal na totalidade da escala de depressão, havendo 11,5% a referirem ansiedade ligeira e apenas 1 (1,9%) revela distresse ligeiro (Tabela 1).
A análise da Tabela 2 permite verificar que a distribuição das respostas dos cuidadores apresenta um perfil bastante distinto dos referidos pelos filhos. A maioria dos cuidadores apresenta níveis de ansiedade normal (60,0%) ou ligeira (18,1%). Com níveis de ansiedade considerados relevantes estão 16 cuidadores com um nível de ansiedade moderado (15,2%) e 7 cuidadores (6,7%) revelam ansiedade severa, ou seja, 22,1% dos cuidadores apresentam níveis de ansiedade considerados de risco. Quanto aos valores de escala de depressão, constata-se que 85 (80,9%) dos cuidadores apresentam valores normais e somente 3 cuidadores (2,9%) revelam níveis de depressividade moderada e unicamente 1 revela um nível elevado. Quanto à sub-escala de distresse, verificamos que a maioria dos progenitores (74) revela níveis normais (70,5%), 19 progenitores (18, 1%) refere sentir distresse ligeiro, 11 (10,6%) moderado e apenas 1 refere um nível de distresse elevado.
Num segundo momento, procuramos saber se cuidadores de crianças e adolescentes com maior intensidade na sua reação emocional ao diagnóstico teriam também filhos com resposta emocional mais elevada. Para tal, correlacionaram-se entre si os valores de intensidade da reação emocional (SUDs) registados por crianças e respetivos cuidadores em ambos os momentos (ao diagnóstico e uma semana após). Na Tabela 3 podem observar-se os resultados que a seguir se descrevem.
No momento de diagnóstico, existe uma correlação entre o nível de intensidade da reação emocional (SUD1s) dos cuidadores e dos filhos (Pearson r=,298; p=,05). A mesma correlação verifica-se também uma semana após o diagnóstico (Pearson r=,342; p=,05).
A intensidade da reação emocional dos pais (n=105) no momento de diagnóstico (SUD 1) está correlacionada com o nível de ansiedade (r=.35; p=,000), com o nível de depressão (r=,31; p=,002) e também com o distresse (r=0,39;p=,000) registado na HADS. As correlações são mais elevadas quando comparamos as reações emocionais registado uma semana após o diagnóstico. Neste caso, a intensidade da reação emocional dos pais (SUD 2) está também correlacionada com o nível de ansiedade (r=,37; p=,000), com o nível de depressão (r=,33; p=,001) e também com o nível de distresse (r=,41; p=,000) registado na HADS.
Nas crianças, a intensidade da reação emocional no momento de diagnóstico (SUD1) está correlacionada com o nível de ansiedade (r=,27; p=,049), com o nível de depressão (r=,34; p=,015) e com o nível de distresse (r=,31; p=,025). Já a intensidade da reação emocional sentida uma semana após o diagnóstico (SUD 2) apenas se correlaciona significativamente com o nível de distresse (r=,27; p=,05) registado na HADS.
Quando comparamos a intensidade da reação emocional (SUDs) dos cuidadores com o mesmo parâmetro percebido pelos filhos doentes com COVID-19 (teste t para amostras emparelhadas), constatamos que, no momento do diagnóstico a intensidade da reação emocional sentida pelos pais (SUD1) é significativamente mais elevada que a experimentada pelos filhos (t=3,10; p=,003). Uma semana após, a reação emocional sentida pelos cuidadores (SUD2s) continuava a ser significativamente superior à descrita pelos filhos (SUD2) (t=5,6; p=,000). Estes resultados apresentam-se na Tabela 4.
Também, os níveis de ansiedade (respostas à sub-escala Ansiedade da HADS) descritos pelos cuidadores são significativamente superiores aos apresentados pelos filhos (t=5,8; p=,000). Relativamente aos níveis de depressão (respostas à sub-escala Depressão da HADS), constata-se que os cuidadores apresentam valores significativamente mais elevados que os sentidos pelos filhos (t=5,2; p=,000). O mesmo acontece com o nível de distresse em que o valor registado pelos cuidadores é significativamente superior ao descrito pelos filhos (t=7,21;p=,000).
Comparamos os resultados obtidos no HADS (subescalas Ansiedade, Depressão e Distresse) em crianças e também nos cuidadores em função dos antecedentes Patológicos das crianças e considerando o fator Patologia das crianças dividido em dois grupos, com patologia e sem patologia de qualquer tipo. Encontramos uma diferença estatisticamente significativa apenas no que refere à Ansiedade somente entre os adolescentes. Na Tabela 6 observa-se que os pacientes com patologia prévia relatam ansiedade mais elevada do que as crianças sem patologia (t= -2,186; p=,034).
Procuramos saber se crianças e adolescentes com COVID-19, bem como os respetivos cuidadores, que tinham familiares que apresentavam níveis diversos de sintomas de COVID-19 bem como de exigências terapêuticas (ausência de sintomas, presença de sintomas com tratamento domiciliário, internamento em enfermaria, internamento em UCI ou morte) apresentavam também níveis de ansiedade, depressão e distresse (avaliados pelas respostas à HADS) diferentes consoante a expressão sintomática de COVID-19 e respetiva exigência terapêutica.
A concretização desta análise foi realizada através de uma ANOVA (Tabela 7) em que procuramos diferenciar os níveis de ansiedade, de depressão e de distresse (avaliados pelas respostas à HADS em função de expressão manifesta de gravidade do atingimento da família pela COVID-19: famílias sem outros indivíduos afetados, para além da criança; famílias com outros indivíduos afetados pela COVID-19 mas em tratamento domiciliário; famílias com membros internados em unidades de saúde; famílias com internamentos em UCI e ainda com falecimentos recentes.
A análise dos resultados na Escala de Ansiedade, Escala de Depressão e Escala de Distresse, da HADS, mostra que as diferenças entre o nível de ansiedade, depressão e distress verificado nos adolescentes quando separados em função dos grupos de exposição a COVID-19 nas suas famílias não foi estatisticamente significativa.
A análise dos resultados obtidos pelos progenitores (Tabela 7) na Escala de Ansiedade, de Depressão e Escala de Distresse (da HADS) permite constatar que apenas são significativas as diferenças nos níveis de ansiedade dos pais, de acordo com os níveis de diagnósticos de COVID-19 na família (p= 0,003). No entanto quando aplicada a correção de Bonferroni conclui-se que apenas são significativas as diferenças entre os resultados entre as “Famílias com COVID-19 Internados” e as “Famílias com COVID-19 em UCI” (p=0,03), e entre os resultados das “Famílias com COVID-19 Internados” e “Famílias com COVID-19 falecidos” (p=0,04).
Ao longo do processo da avaliação e intervenção psicológica constatamos que havia algumas famílias com cuidadores que apresentavam problemas de saúde crónicos, especialmente psiquiátricos (diagnósticos prévios de perturbação de ansiedade ou de depressão, com seguimento por especialista de saúde mental), e que o seu nível de ansiedade, depressão ou distresse (respostas à HADS) parecia situar-se em níveis mais elevados que os descritos pelos restantes cuidadores.
Para analisar esta hipótese procedemos a uma análise de variância (ANOVA) comparando as respostas dos diversos tipos de famílias -famílias sem problemas de saúde física registados (n=83), com problemas de saúde física de algum tipo (n=13) e problemas emocionais (n=9) - à Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HEADS).
Os resultados na Anova (Tabela 8) mostram no caso das três subescalas, Ansiedade, Depressão e Distresse, que os resultados dos cuidadores quando separados pelos três níveis de “Patologia” são estatisticamente diferentes (F=9,12; 10,89 e F=14,4, respetivamente, sendo nos três casos p=0,000). No entanto, também para os resultados obtidos nas três subescalas, a correção de Bonferroni mostra que apenas as diferenças são estatisticamente significativas (p=0,000) entre “Famílias sem patologia” e “Famílias com patologia psiquiátrica”, e também as diferenças entre “Famílias com doença “Física” e “Famílias com patologia psiquiátrica”. Ou seja, não há diferenças entre “Famílias sem Patologia” e “famílias com doença “física”.
Procuramos ainda saber se crianças e adolescentes com COVID-19 e os respetivos cuidadores apresentavam uma diminuição da intensidade da resposta emocional ao diagnóstico de COVID-19 (SUDs) como resultado do acompanhamento médico e psicológico de intervenção em crise implementado. Para tal, foi realizado um teste de diferenças (teste t para amostras emparelhadas) para comparar o nível de sofrimento emocional (SUDs) registado após o diagnóstico (pré-intervenção) com o mesmo valor avaliado uma semana depois. Estes resultados são apresentados na Tabela 9.
A análise das diferenças das respostas dadas pelos cuidadores (n=101) permite verificar um decréscimo significativo dos valores de sofrimento emocional, SUDs 1 da pré-intervenção, para a avaliação pós-intervenção, com SUDs (t=13,93; p=,000). No que se refere aos adolescentes (n=53) os valores indicadores de sofrimento emocional, SUDs 2, registados na segunda avaliação - após a intervenção clínica (médica e psicológica) integrada eram significativamente inferiores aos inicialmente relatados no contacto realizado após o diagnóstico, SUDs1 (t= 13,15; p= ,000).
Discussão
Os resultados do presente estudo permitem constatar que estamos perante uma população pediátrica diagnosticada com COVID-19 que apresenta uma baixa intensidade de sintomas. Todos os pacientes, à exceção de um, foram seguidos no domicílio seguindo as regras de isolamento e proteção prescritas pela DGS, mantendo-se em quarentena, bem como os seus familiares diretos, e recebendo apoio pediátrico por telefone com regularidade. Talvez por estas razões, e pelas caraterísticas próprias da fase de desenvolvimento, as crianças do presente estudo apresentam uma baixa reação emocional ao diagnóstico a qual diminui de forma significativa ao final de uma semana. Encontramos também uma taxa de ansiedade e ausência se sinais de depressão e distresse relativamente pequena, comparada com o referido na literatura (Brooks et al.,2020; Liu et al., 2020).
O programa de avaliação e intervenção, centrado na identificação de sinais de disforia e na promoção de competências de regulação emocional bem como na identificação e resolução de sintomas de COVID-19 terá igualmente contribuído para a referida baixa expressão de sinais de ansiedade, depressão e distresse entre as crianças e familiares no segundo momento de avaliação, o que vai ao encontro de outros estudos (Sprang & Silman, 2013; Wang et al., 2020; Yu, 2020). Estes resultados evidenciam a necessidade de integração de intervenções multidisciplinares (nomeadamente psicológicas e pediátricas) nos cuidados de saúde com vista à redução da intensidade dos sintomas emocionais (Silva et al., 2018) e que a promoção de um ambiente familiar positivo contribui para a diminuição de sinais de distresse na criança e na família.
Os cuidadores das crianças e adolescentes com COVID-19 apresentam uma perceção de ameaça intensa à data do diagnóstico, tal como seria de esperar. Constatamos que a intensidade da reação dos pais está relacionada com a intensidade da reação dos filhos (ao aumento da reacção emocional de uns traduz-se no incremento das emoções do outro). Os problemas de saúde pediátricos agudos requerem cuidados adicionais por parte dos cuidadores primários, destas crianças/adolescentes, originando maior sobrecarga emocional naqueles, os quais podem apresentar níveis mais elevados de desgaste (Green, 2007; Ramaglia et al., 2007), maior distresse psicológico (Canning et al., 1996) e mais sintomas depressivos (Goldbeck, 2006) e de stresse (Krulik et al., 1999). Esta reação não só é mais intensa que a dos seus filhos, como também se traduz em níveis de ansiedade, depressão e distresse que se prolongam ao longo da primeira semana, apesar da implementação de um programa de apoio integrado (pediátrico e psicológico (Cabizuca et al., 2009; Gudmundsdóttir & Gudmundsdóttir, 2006; Muscara et al., 2015; Stuber & Shemesh, 2006; Wise & Delahanty, 2017; Woolf et al., 2015). Em especial, poderemos considerar que os cuidadores que apresentam morbilidade psicológica prévia ou aqueles que integram famílias em que ocorreram sintomas mais intensos nos seus familiares (com necessidade de internamento em UCI) ou mesmo morte poderão estar em situação de risco de descompensação ou de apresentação de perturbação de stresse pós-traumático pelo que necessitarão de um acompanhamento psicoterapêutico longitudinal (Gudmundsdóttir & Gudmundsdóttir, 2006; Muscara et al., 2015; Stuber & Shemesh, 2006).
Também as crianças que apresentam morbilidade prévia, ou sinais de ansiedade mais intensos, poderão apresentar maiores dificuldades em regular as suas emoções no futuro pelo que deverão beneficiar de avaliação e apoio no processo de desconfinamento e de regresso às atividades sociais e escolares plenas (Yu, 2020). Por estas razões e pelo facto de não termos conseguido avaliar integralmente a reação das crianças de idade inferior a 10 anos (o que é uma limitação deste estudo), iremos proceder à avaliação das repercussões emocionais a longo prazo quer na totalidade da população quer nos cuidadores.
O presente trabalho permite concluir que o grupo de adolescentes com COVID-19 manifestou níveis relativamente baixos de ansiedade, depressão e distresse.
Os níveis de ansiedade, depressão e distresse dos cuidadores estavam associados aos níveis dos seus filhos mas foram comparativamente mais elevados, traduzindo a esperada preocupação com a patologia nos seus descendentes.
Nos adolescentes com doença prévia a ansiedade com o COVID-19 era menor, o que sugere que uma maior experiência com a doença pode constituir factor de protecção da ansiedade por COVID-19.
Quer nos adolescentes quer nos cuidadores os sinais emocionais associados à doença baixaram entre a primeira a segunda avaliação em que o processo de intervenção psicológica se fez sentir.
Foram factores dos sinais emocionais mais intensos dos cuidadores a presença de patologia prévia ao diagnóstico de COVID-19 nos seus filhos, o diagnóstico anterior de perturbações emocionais e haver na família outros elementos infectados com COVID-19 com sintomas que obrigaram a internamente em cuidados intensivos.