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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.21 no.3 Lisboa dez. 2020  Epub 31-Dez-2020

https://doi.org/10.15309/20psd210316 

Artigo

Validação para português das escalas communication with physicians e cognitive symptoms management

Validation of the cognitive symptoms management/ communication with physicians scales to portuguese

Priscila Marconcin1 

Gina Tomé2 

Filomena Carnide1 

Flávia Yazigi3 

Pedro Campos1 

Sandra Pais4 

Margarida Espanha1 

1 Universidade de Lisboa, Faculdade de Motricidade Humana, Laboratório de Biomecânica e Morfologia Funcional, CIPER, Lisboa, Portugal, pri_edf@hotmail.com, fcarnide@fmh.ulisboa.pt, pedro.lopes.campos@gmail.com, mespanha@fmh.ulisboa.pt

2 Universidade de Lisboa, Faculdade de Motricidade Humana, Departamento de Educação Especial e Reabilitação, Lisboa, Portugal

3 Universidade de Lisboa, Faculdade de Motricidade Humana, Departamento de Desporto e Saúde, Laboratório de fisiologia e bioquímica do exercício, Lisboa, Portugal, fyazigi@fmh.ulisboa.pt,

4 Universidade do Algarve, Departamento de Ciências Biomédicas e Medicina, Faro, Portugal, sandra.rafael.pais@gmail.com


Resumo

A autogestão na saúde é compreendida como a habilidade para gerir recursos internos, externos, conhecimentos e motivações relacionados com uma condição clínica crónica. O presente estudo propõe a tradução e adaptação cultural para a população portuguesa, bem como as propriedades psicométricas, das escalas Communication with Physicians (CwP) e Cognitive Symptoms Management (CSM). Após constituída a versão final das escalas no idioma português europeu e adaptada culturalmente para a população adulta com doença crónica, as escalas foram aplicadas inicialmente a uma amostra de 30 participantes, tendo em vista a obtenção da fiabilidade teste reteste, e posteriormente a uma amostra de 217 participantes para avaliação das propriedades psicométricas. Os participantes tinham todos pelo menos uma doença crónica e idade superior a 18 anos. Os resultados demonstraram valores adequados para a fiabilidade teste reteste de 0,72 para a escala CwP e 0,84 para a escala CSM. Após Análise Fatorial Confirmatória (AFC), foram encontrados índices de ajustamento aceitáveis variando de 0,37 a 0,87. Os valores da fiabilidade compósita foram de 0,75 para a CwP e de 0,73 para a CSM. A variância extraída da média (VEM) dos contructos foi de 0,75 para a CwP e 0,32 para a CSM. O valor de CFI foi de 0,84 e o de GFI foi de 0,90. Os questionários foram traduzidos e adaptados culturalmente com sucesso. Os valores da AFC evidenciam a validade das escalas CwP e CSM para a população portuguesa com doença crónica.

Palavras-Chave: Autogestão na saúde; doenças crónicas; validação de escalas; adaptação cultural

Abstract

Healh self-management is the ability to manage internal and external resources, knowledge and motivations related to a chronic clinical condition. The present study proposes the translation and cultural adaptation for the portuguese language, as well as the psychometric properties, of the Communication with Physicians (CwP) and Cognitive Symptoms Management (CSM) scales. After constituting the final version of the scales in the European Portuguese language and culturally adapted to the adult population with chronic disease, the scales were initially applied to a sample of 30 participants, in order to obtain the test-retest reliability, and later to a sample of 217 participants for evaluation of psychometric properties. Participants all had at least one chronic illness and were over 18 years old. The results showed adequate values for the test-retest reliability of 0.72 for the CwP scale and 0.84 for the CSM scale. After confirmatory factor analysis (CFA), acceptable adjustment indexes ranging from 0.37 to 0.87 were found. The composite reliability values were 0.75 for CwP and 0.73 for CSM. Contracts VEM was 0.75 for CwP and 0.32 for CSM. The CFI value was 0.84 and the GFI value was 0.90. The questionnaires were successfully translated and culturally adapted. The AFC values confirm the validity of the psychometric properties to be used in the portuguese population with chronic disease.

Keywords: Health Self-management; chronic diseases; validation of scales; cultural adaptation

As doenças crónicas apresentam um grande impacto na vida dos indivíduos, na comunidade e em termos de saúde pública. Torna-se cada vez mais relevante a participação ativa das pessoas com patologia crónica nos cuidados de saúde. A autogestão é uma componente central da gestão colaborativa de doenças crónicas. A autogestão pode ser compreendida pela utilização de conhecimentos, habilidades e motivação para melhor lidar com as adversidades causadas pelas doenças crónicas (Brady et al., 2018).

As estratégias de autogestão mostram-se eficazes e são indicadas para minimizar os efeitos das doenças crónicas, com resultados significativos na melhoria da qualidade de vida, em indicadores de saúde (e.g. autoeficácia para a prática de exercício) e na redução da utilização dos serviços de saúde (Allegrante et al., 2019). As recomendações internacionais para a gestão de inúmeras doenças crónicas, tais como osteoartrose, cardiopatias, diabetes, envolve, nas suas orientações de tratamento não farmacológico, intervenções educacionais com foco na autogestão (Brady et al., 2018). É expectável que as pessoas com doenças crónicas assumam um papel ativo na gestão da sua patologia, manifestando comportamentos de autogestão, nomeadamente a forma como comunicam com os profissionais de saúde, assim como através da capacidade de controlar (gerir) os sintomas associados à doença crónica.

Um dos modelos de gestão da doença crónica é o modelo de cuidados baseados na comunidade, desenvolvido com o propósito de dar uma resposta a serviços indisponíveis ou limitados no sistema de saúde. Este modelo foca-se na gestão da doença crónica e redução dos fatores de risco, dando grande enfase à componente de autogestão. A autogestão é um constructo que pode ser desenvolvido através de técnicas e ferramentas, geralmente trabalhadas nos programas comunitários com foco na autogestão. De entre inúmeras iniciativas destaca-se o Chronic Disease Self-Management Program, desenvolvido na década de 90, na Universidade de Stanford e disseminado para vários países (Sobel et al., 2002), atualmente administrado pelo Self-management Resource Center. Das diversas escalas sugeridas pelo centro de investigação para avaliar a eficácia do programa, fazem parte da avaliação do comportamento de autogestão as escalas: Comunication with Physician (CwP), que avalia a comunicação com o médico e a Cognitive Symptoms Management (CSM), que avalia a gestão cognitiva dos sintomas, ambas desenvolvidas e validadas por Lorig et al., 1996. A CwP contempla três questões acerca de como os indivíduos se preparam ao visitar o seu médico, se levam uma lista de questões, se fazem questões das do que não compreenderam sobre a patologia e o tratamento e por fim, se discutem questões pessoais que estejam relacionadas a patologia. A CSM questiona sobre a utilização de técnicas para lidar com os sintomas como, distanciamento dos sintomas, jogos mentais, relaxação muscular, visualização e encorajamento pessoal.

A tradução e consequente validação das escalas supracitadas para a população Portuguesa trata-se de um contributo importante, no contexto clínico, para a avaliação de programas de autogestão disponibilizados aos doentes com doença crónica. Neste sentido, o objetivo deste estudo é proceder a tradução, adaptação cultural e apresentar as propriedades psicométricas das escalas Cognitive Symptoms Management e Communication with Physicians na população adulta portuguesa com doença crónica.

Método

O desenho de estudo foi transversal, desenvolvido em duas etapas principais: a primeira fase envolveu a tradução e adaptação cultural do instrumento e a segunda fase consistiu na avaliação das propriedades psicométricas.

O Conselho de Ética da Faculdade de Motricidade Humana, da Universidade de Lisboa aprovou o estudo. Todos participantes envolvidos nas diferentes fases do processo de adaptação e validação da escala deram o seu consentimento informado, livre e esclarecido (de forma escrita), após terem recebido esclarecimentos sobre os objetivos, procedimentos e informações relevantes do estudo.

Participantes

As escalas foram aplicadas, num primeiro momento, a uma amostra de conveniência de 30 voluntários com doença crónica, recrutados a partir de associações de doentes.

Posteriormente, o questionário foi administrado a 217 participantes com doença crónica. Os participantes foram contatados eletronicamente, através das redes sociais das principais associações de doença crónicas em Portugal (e.g. Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas, Associação Nacional de Doentes com Artrite Reumatóide). A lista de associações de doentes foi obtida do sítio eletrónico da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) e a respetiva divulgação junto destas associações foi realizada a partir da Plataforma da Saúde em Diálogo. As instituições aceitaram formalmente, via email, para participar no estudo.

Foram considerados elegíveis os participantes com: (1) idade superior a 18 anos; (2) pelo menos uma doença crónica, diagnosticada clinicamente; (3) domínio da língua portuguesa. Foram excluídos todos os participantes que reportaram ter sofrido lesão traumática aguda ou intervenção cirúrgica, nos 6 meses prévios à aplicação da escala.

Material

Foram aplicados o questionário sócio demográfico, com questões acerca do sexo, idade, nível de escolaridade e doença crónica que possui, e as escalas: Comunicação com o médico (Communication with Physicians) e Gestão Cognitiva de Sintomas (Cognitive Symptom Management).

Os participantes foram solicitados a preencher a escala, na versão online, por autopreenchimento, sem a presença, dos investigadores ou de quaisquer outros profissionais da área da saúde.

A escala de Comunicação com o Médico é constituída por três itens, com opção de resposta entre o “0” (Nunca) e o “5” (Sempre) em que uma pontuação mais alta indica uma melhor comunicação com os médicos. As propriedades psicométricas foram avaliadas a partir de uma amostra de 1130 sujeitos com doença crónica, tendo observado uma média igual a 3,08 (DP=1,20) e valor de Alpha de Cronbach igual a 0,73 (Lorig et al., 1996).

A escala de Gestão Cognitiva de Sintomas é composta por seis itens, com opção de resposta entre o “0” (Nunca) e o “5” (Sempre), indicando que quanto maior a pontuação maior a prática destas técnicas o indivíduo apresenta. A escala na sua primeira versão foi aplicada a 1129 sujeitos com doença crónica, tendo-se observado média igual a 1,33 (DP= 0,91) e valor de Alpha de Cronbach igual a 0,83 (Lorig et al., 1996).

Procedimento

Fase 1 - tradução e adaptação do instrumento para a cultura portuguesa

Para a concretização do processo de adaptação linguística e cultural da escala, foi solicitada a autorização aos autores da versão original. Os procedimentos para a tradução e adaptação cultural seguiram as recomendações de Beato et al. (1998). Num primeiro momento, dois tradutores independentes e nativos da língua portuguesa realizaram a tradução da escala. De acordo com as recomendações Cosmim (2018), um dos tradutores possuía conhecimento sobre os conceitos investigados pelo instrumento, para obter uma tradução equivalente do ponto de vista clínico, e o outro sem conhecimento sobre esses conceitos, de modo que a tradução reflita a linguagem usual da população alvo. Essa etapa resultou em duas versões em português, denominadas, respetivamente, versão traduzida para o português 1 (VTP1) e versão traduzida para o português 2 (VTP2). As duas versões traduzidas foram comparadas pelos pesquisadores a fim de selecionar as frases de melhor expressão e, como resultado, obteve-se a versão consensual em português 1 (VCP1).

Em seguida, a VCP1 teve suas equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural avaliadas por uma comissão de peritos, incluindo 3 investigadores especialistas em Desporto, Fisioterapia e Epidemiologia. Os membros da comissão de peritos foram indagados para fornecer recomendações sobre a inteligibilidade das instruções e das questões da escala a ser aplicada a um conjunto de pacientes portugueses com doença crónica. Esse processo resultou na versão consensual Português 2 (VCP2).

A VCP2 foi enviada para a retrotradução (backtranslation) a dois novos tradutores bilíngues independentes, nativos na língua inglesa. Essa etapa objetivou avaliar se a versão em português reflete o conteúdo da versão original no idioma inglês. Esta etapa gerou duas retrotraduções (RT1 e RT2), as quais foram analisadas em conjunto com os tradutores e pesquisadores para obter a versão consensual em Inglês (VCI).

A seguir realizou-se a análise semântica com 6 voluntários com doença crónica diagnostica clinicamente, residentes na região de Lisboa e com diferentes níveis de escolaridade. Os participantes foram solicitados a responder, item a item, relativamente à aceitabilidade, compreensão e adequação da escala, na versão portuguesa. As sugestões dos participantes foram incluídas no instrumento e estas, submetidas novamente para a análise dos autores originais, os quais concordaram com as mesmas, resultando na versão portuguesa final (VPF).

Fase 2 - Avaliação das propriedades psicométricas da escala adaptada

Num primeiro momento procedeu-se a análise da consistência teste-reteste para a amostra de 30 voluntários, com um intervalo de uma semana entre as respostas. Este intervalo foi estabelecido por se tratar de participantes com doenças crónicas e os questionários estarem relacionados com a gestão de sintomas, que podem facilmente alterar, caso o intervalo estabelecido fosse maior. Nessa etapa foram avaliadas e comparadas as médias da escala nos dois momentos e estabelecida a correlação entre os resultados. A normalidade da amostra foi aferida pelo teste Shapiro-Wilk, a comparação das médias pelo teste-T para amostras emparelhadas e a correlação pelo teste de correlação de Pearson.

Num segundo momento, as propriedades psicométricas da escala foram avaliadas com recurso à técnica de análise fatorial confirmatória (AFC). O ajuste aos dados foi assumido pelos seguintes valores: relação do χ² (qui-quadrado) para os seus graus de liberdade (≤3,0), CFI (comparative-of-fit-index), GFI (goodness-of-fit-index) e TLI (Ticker-Lewis Index) ≥0,90 (Hair et al., 2009), e o RMSEA (root mean square error of approximation) ≤0,08 (Byrne, 2000). A consistência interna foi estimada através da fiabilidade compósita (FC). Como referência, foram considerados valores acima de 0,70 (Bagozzi & Yi, 1988). A validade convergente foi avaliada por meio da variância extraída média (VEM). Os valores superiores a 0,50 foram considerados indicativos de boa validade convergente (Fornell & Larcker, 1981). A validade discriminante foi admitida quando a VEM de cada constructo foi maior do que a sua correlação ao quadrado (Fornell & Larcker, 1981).

Os dados foram analisados usando o programa estatístico SPSS versão 22.0 e AMOS versão 25.0.

Resultados

Análise da Comissão de peritos: equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural

A análise da comissão de peritos resultou em pequenos ajustes, que estão detalhados na tabela 1. A questão inicial da escala Comunicação com o Médico ficou mais direta, ao substituir “Quando visita o seu médico” para “Quando vai ao médico”, e “com que frequência faz o seguinte” para “quantas vezes”. Na escala Gestão Cognitiva dos Sintomas, o termo “deprimido” foi substituído por “em baixo”, e mais uma vez o termo “com que frequência faz o seguinte” foi substituído por “quantas vezes”, na mesma escala o termo “relaxamento muscular” foi substituído por “relaxação muscular”.

Tabela 1 Equivalências semântica, idiomática, conceitual e cultural. 

Análise semântica dos itens pela população alvo

Na análise semântica dos itens, a VCP2 aplicada numa amostra de 6 pessoas com doença crónica não apresentou qualquer problema de compreensão das questões, isto é, não foram assinalados problemas, nem foram apresentadas quaisquer sugestões. Dessa forma, considerou-se finalizada a etapa de adaptação e procedeu-se a validação do instrumento, para o presente estudo.

Propriedades psicométricas da escala de autoeficácia no controlo de doenças crónicas (6-itens)

Análise de fiabilidade teste reteste

Os participantes, fundamentalmente do sexo feminino (96,7%) apresentaram uma média de idade de 52 anos e desvio-padrão de 9,9 anos- Eram maioritariamente casados (60%) e encontravam-se em idade ativa (76,7% não reformados). Foram recolhidos os dados em dois momentos com diferença de uma semana, adiante designados por momento 1 e momento 2.

O valor do score médio para a escala Comunicação com o Médico no momento 1 foi de 3,87 (DP=1,29), e no momento 2 de 3,77 (DP=1,18). Os valores do score médio da escala de Gestão Cognitiva dos Sintomas foram de 3,26 (DP=0,83), no momento 1 e 3,33 (DP=0,97), no momento 2. Ambas escalas do tipo-Likert, variaram entre 0 e 5.

A fiabilidade da escala nos dois momentos apresentou valores de correlação forte, de 0,72 para a escala Comunicação com o Médico e 0,84 para a escala de Gestão Cognitiva dos Sintomas (Ver tabela 2). A normalidade da distribuição dos dados foi garantida, pelo que, pela aplicação do teste-T para amostras emparelhadas, as médias entre os dois momentos, para ambas as escalas não apresentaram diferenças estatisticamente significativas. No que respeita à Comunicação com o Médico (t(30)= 0,59; p=0,559), a diferença entre os momentos foi de 0,11 (IC95% -0,24 a 0,44) e na Gestão Cognitiva dos Sintomas (t(30)= -0,75; p=0,455), a diferença entre os momentos foi de 0,07 (IC95% -0,26 a 0,12);

Tabela 2 Fiabilidade teste-reteste. 

Nota: ** p <0,01

Tal como referido anteriormente, a validade de conteúdo, envolveu uma amostra de 217 participantes. Na caracterização sociodemográfica da amostra, a média de idade e o respetivo desvio-padrão (DP) foram de 43,0 ±10,7 anos. Dos 217 participantes 96,3% eram do sexo feminino; 50,7% casados; 88,9% não são reformados. Em relação às doenças crónicas, regista-se um predomínio significativo de doenças do foro reumatológico (Tabela 3).

Tabela 3 Caracterização sociodemográfica 

Nota: DP - desvio padrão.

Para a escala da Comunicação com o Médico o valor médio foi de 3,69 (DP=1,11), sendo a pergunta 1 (“Prepara uma lista de perguntas para o seu médico”) a que apresenta um menor valor da escala, 3,27 (DP=1,33), e a pergunta 2 (“Coloca perguntas sobre algo que quer saber ou não entende sobre seu tratamento”) o maior valor: 4,23 (DP=1,34).

Na escala da Gestão Cognitiva dos Sintomas o valor médio foi 2,96 (DP=0,81), sendo a pergunta 4 (“Pratica relaxação muscular progressiva”) a que apresenta menor valor médio da escala, 2,19 (DP=1,21) e a pergunta 6 (“Fala consigo mesmo de forma positiva”) o maior valor 3,65 (DP=1,34).

Análise fatorial confirmatória

O modelo de Análise Fatorial Confirmatória (AFC) permitiu verificar o ajustamento da escala para a população portuguesa. Observou-se que os índices de ajustamento encontrados são aceitáveis, variando de 0,377 a 0,873. Ainda assim, o item: “Pratica relaxação muscular progressiva” da escala “Gestão Cognitiva dos Sintomas” apresentou um peso fatorial de 0,377, abaixo do valor de referência ( λ ≥0,50). Não obstante, decidiu-se manter o item na escala para a versão portuguesa, por razões conceptuais.

Os valores da fiabilidade compósita foram de 0,75 para a escala Comunicação com o Médico e de 0,73 para a escala Gestão Cognitiva dos Sintomas. A VEM dos constructos foi de 0,75 para a escala Comunicação com o Médico, acima do critério de 0,50 indicando validade convergente. Quanto à escala Gestão Cognitiva dos Sintomas, o valor obtido foi de 0,32, estando relacionado com a manutenção do item 4 “Pratica relaxação muscular progressiva” (Fornell & Larcker, 1981).

O valor de CFI foi de 0,84 e o de GFI foi de 0,90, atendendo ao critério de proximidade ao valor de referência de 0,90, o que indicou também um ajustamento aceitável (Hair et al., 2009). O valor de RMSEA foi de 0,11, acima do valor de referência de 0,08, sendo necessário considerar os demais valores de ajustamento (Byrne, 2000). A VEM de cada fator foi superior ao quadrado da correlação entre os fatores, o que indicou validade discriminante (Fornell & Larcker, 1981) (Tabela 4).

Tabela 4 Pesos fatoriais (λ), médias (M), desvios padrão (DP), fiabilidade compósita (FC), variância extraída média (VEM), quadrado das correlações entre as componentes da Comunicação com o médico, da Gestão cognitiva dos sintomas e, valores de ajustamento do modelo. 

Nota: O valor da correlação ao quadrado entre os fatores encontra-se abaixo da diagonal; os valores das correlações indicam validade discriminante entre os constructos.

Legenda: x 2 qui-quadrado; x 2 /gl: qui-quadrado/grau de liberdade; λ: Pesos fatoriais; M: médias; DP: desvios padrão, FC: fiabilidade compósita, VEM: variância extraída média; CFI: comparative-of-fit-index; GFI: goodness-of-fit-index e RMSEA: root mean square error of approximation

Discussão

Este estudo teve como objetivo proceder com a tradução para o português europeu, adaptação cultural e validação das propriedades psicométricas das escalas Comunicação com o Médico e Gestão Cognitiva dos Sintomas. As duas escalas integram a ferramenta de avaliação do comportamento de autogestão de pacientes com doenças crónicas. Podem ser aplicadas isoladamente ou em conjunto, na prática clínica ou como instrumento de avaliação de programas comunitários centrados na autogestão destes pacientes.

Avaliar o comportamento de autogestão necessário é relevante, considerando as recomendações de que pacientes com doenças crónicas procurem desenvolver este comportamento, seja através de práticas individuais ou por inserção em programas comunitários. Nesse sentido, são escassos os instrumentos disponíveis para este objetivo. É conhecida a escala Partners in Health (PIH), desenvolvida e validada por Petkov et al.(2010), no contexto de avaliação dos conhecimentos e comportamentos de autogestão, em doentes crónicos assistidos pelo sistema de saúde australiano. A referida escala possui 12 questões divididas em três categorias, conhecimento acerca do tratamento, aderência ao tratamento e gestão dos sintomas. O instrumento já foi validado para a população mexicana (Córdova et al., 2014) e para a população brasileira (Stackfleth, 2017), apresentando valores adequados a sua utilização. Outra escala conhecida é a Perceived Health Competence Scale (PHCS) (Smith et al., 1995), de oito itens objetivando a avaliação do grau que um indivíduo sente que é capaz de gerir efetivamente os seus resultados em saúde. Esta escala possibilita a adaptação para patologias específicas, tal como estabelecido pelos estudos de Wallston et al. (2007) em pacientes com diabetes e no estudo de Wallston et al. (2011), em pacientes com SIDA.

No entanto, tratam-se de escalas mais genéricas, com questões abertas. As escalas, Comunicação com o Médico e Gestão Cognitiva dos Sintomas são mais específicas. No caso da primeira, Comunicação com o Médico, avalia com três perguntas como o paciente comunica com o médico, se faz alguma preparação anterior a consulta, se coloca perguntas específicas sobre o tratamento e se fala sobre problemas pessoais relacionados a doença. A segunda escala, Gestão Cognitiva dos Sintomas, questiona sobre a utilização de técnicas para lidar com os sintomas como, distanciamento dos sintomas, jogos mentais, relaxação muscular, visualização e encorajamento pessoal. Tais técnicas podem não fazer parte da realidade da população portuguesa, caso não estejam inseridos em programas de autogestão. Contudo, é necessário identificar o conhecimento e utilização das mesmas, no sentido de propor o envolvimento futuro em programas dessa natureza.

Ambas as escalas foram utilizadas em estudos em outros países, como no estudo de Fu et al. (2003), na comunidade chinesa e no estudo de Barlow et al. (2005) no Reino Unido. Ambos para avaliar a eficácia do Chronic Disease Self-Management Program.

Para a escala da Comunicação com o Médico, Lorig et al. (2001) abre a possibilidade de substituir a palavra médico por outros profissionais da área da saúde, para adequar a realidade cultural de outros países. Não obstante, considerou-se que a população portuguesa ainda perceciona o médico como profissional de referência para seu tratamento, por isso não faria sentido substituir o termo.

O resultado da fiabilidade teste reteste do presente estudo, demonstraram que a escala tem boa fiabilidade, tendo encontrado resultados de correlação forte entre os dois momentos de aplicação da escala. Tais resultados estão em consonância com os no estudo das escalas originais, com valores bastante próximos (Lorig et al., 1996).

Em relação às características sociodemográficas da amostra, é de relevar o facto de ser maioritariamente feminina, o que pode ser justificado por ser a amostra maioritariamente com doença reumática, e a prevalência ser maior na população feminina (Branco et al., 2016). Do mesmo modo, destaca-se a idade média 42,8 anos, inferior quando comparada com outros estudos. Este aspeto merece atenção, podendo justificar-se pela escolha da via de aplicação do questionário ter sido online. Portugal ainda vive uma realidade em que a população mais velha tem baixo acesso a internet (Rodrigues et al., 2018).

A análise das propriedades psicométricas através da análise fatorial confirmatória, apresentou índice de ajustamento aceitáveis, ainda que o item 4: “Pratica relaxação muscular progressiva” da escala Gestão Cognitiva dos Sintomas apresentou um peso fatorial de 0,377, abaixo do valor de referência (λ≥0,50). A decisão de não eliminar este item foi justificada por acreditar que a técnica da relaxação muscular é válida e útil para gerir os sintomas, principalmente sintomas relacionados a doenças músculo-esqueléticas. Pode não ser uma técnica amplamente conhecida, mas que usualmente faz parte dos programas comunitários para gestão de doenças crónicas, como por exemplo do Chronic Disease Self-Management Program, o que reforçou a opção da sua não eliminação. Os valores da fiabilidade compósita foram de 0,75 para a escala Comunicação com o Médico e de 0,73 para a escala Gestão Cognitiva dos Sintomas, valores semelhantes aos valores fiabilidade dos constructos da escala original (alfa de Chronbach), que foram de 0,73 e de 0,75, respetivamente.

O presente estudo apresenta algumas limitações, desde logo, na aplicação online das escalas, o que limita os possíveis esclarecimentos prestados em uma aplicação presencial. Sugere-se para futuros estudos, a utilização de um desenho longitudinal, que possibilite à análise da sensibilidade a mudança de programas comunitários e a aplicação de outros instrumentos de avaliação da autogestão para a avaliação da validade convergente do instrumento.

Assim, pode-se concluir que a versão portuguesa das escalas Comunicação com o Médico e Gestão Cognitiva dos Sintomas apresenta qualidades psicométricas adequadas e comparáveis às da versão original, viabilizando a sua aplicação em contextos clínicos e de investigação em Portugal.

Agradecimentos

Agradecemos especialmente a colaboração da Liga Portuguesa Contra as Doenças Reumáticas (LPCDR) que nos auxiliou diretamente na divulgação dos questionários aos seus associados.

Referências

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Recebido: 15 de Maio de 2020; Aceito: 05 de Novembro de 2020

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