Na segunda metade do século XX a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu o conceito de bem-estar associado a definição de saúde, implicando em mudanças na definição de saúde mental. Em uma tradução literal, saúde mental é definido como o “estado de bem-estar em que um indivíduo percebe suas próprias habilidades, pode lidar com as tensões normais da vida, pode trabalhar de forma produtiva e é capaz de dar uma contribuição para sua comunidade” (WHO, 2018). A inclusão do conceito de bem-estar ampliou o entendimento de saúde e trouxe uma perspectiva positiva para os fatores relacionados a saúde (Matamá et al., 2017).
No entanto, a Psicologia enquanto ciência ao longo do século XX foi fortemente influenciada pelas guerras. Destaca-se o período do pós II Guerra Mundial, no qual a psicologia encontrou um novo nicho de trabalho com o tratamento para veteranos de guerra e psicopatologias vivenciadas pela população, além do financiamento para pesquisas relacionadas a tais problemas (Schultz & Schultz, 2019). Desta forma houve um avanço no entendimento e nas possibilidades de intervenção relacionados aos problemas de saúde mental, sendo desenvolvidos novos tratamentos para transtornos que antes não eram tratáveis pela Psicologia (Snyder & Lopez, 2009). A psicologia então adotou tradicionalmente um viés patológico de saúde mental, focando nos fatores que podem aliviar as dores dos indivíduos.
Ilustrando essas informações, Paludo e Koller (2007), em uma busca realizada no banco de dados PsycInfo entre os anos de 1970 e 2006, encontraram 110.382 artigos utilizando o descritor “depressão”, contra apenas 4.711 registros utilizando o descritor “felicidade”. Outra investigação sobre a produção científica na área de saúde mental foi realizado por Oliveira et al. (2016), entre os anos de 2004 e 2014 com o objetivo de averiguar a relação entre criatividade e saúde mental nas bases SciELO, PePSIC, MEDLINE, PsycARTICLES, Academic Search Premier e Academic Search Elite. Após as análises, 58 artigos foram selecionados e foi possível concluir que, entre as produções, a maioria dos artigos tratava de estudos teóricos e empíricos que apresentavam um enfoque psicopatológico, com predominância da abordagem qualitativa. Ambos os resultados (Oliveira et al., 2016; Paludo & Koller, 2007) reforçam o enfoque psicopatológico nas investigações realizadas pela Psicologia e por outras ciências da área da saúde que tratam de saúde mental.
Buscando mudanças neste cenário, Martin Seligman, na década de 1990, enquanto esteve na presidência da Associação Norte-Americana de Psicologia (APA), investigou uma nova perspectiva que buscasse compreender os aspectos positivos do funcionamento humano e as variáveis que podem favorecer uma vida alegre, saudável e bem aproveitada e denominou esse campo de estudo como Psicologia Positiva (Seligman, 2019; Snyder & Lopez, 2009). Para Paludo e Koller (2007), entre as principais contribuições dessa nova perspectiva denominada Psicologia Positiva está a busca pela compreensão de fatores de proteção para a saúde com vistas à criação de métodos de prevenção para o adoecimento e o desenvolvimento de técnicas e instrumentos que permitam avaliar as virtudes e forças humanas.
Nesse sentido, esse artigo tem como objetivo contextualizar o campo da psicologia positiva e sua interface com a saúde, especificamente no que diz respeito as intervenções psicológicas positivas e suas aplicações na atenção primária e secundária em saúde.
A psicologia positiva
A PP pode ser definida como o campo da Psicologia que se preocupa em estudar cientificamente os aspectos que favorecem o desenvolvimento saudável de indivíduos, instituições e sociedades (Adler & Seligman, 2016) adotando uma perspectiva positiva da saúde. Seligman (2019) postula que os indivíduos buscam mais do que apenas eliminar os fatores e emoções negativas, eles buscam a construção de uma vida prazerosa. Nessa perspectiva bem-estar é entendido um conjunto de fatores que favorecem o desenvolvimento humano saudável para além da ausência de emoções negativas (Adler & Seligman, 2016).
Seligman (2011) aponta para cinco fatores independentes entre si, que compõe o bem-estar, sendo eles: emoções positivas, engajamento, sentido, realização e relacionamentos positivos que formam o acrônimo PERMA (do inglês “positive emotions”, “engagement”, “relationships”, “meaning” e “accomplisment”) (Seligman, 2011). Para Seligman (2012), ‘emoção positiva’ refere-se às emoções ligadas ao prazer e satisfação. Esse elemento do bem-estar reúne todos os aspectos subjetivos ligados a ele, e tem foco no momento presente. O ‘engajamento’ também é um elemento avaliado de forma subjetiva. Descreve o quanto o sujeito pode se sentir envolvido com uma atividade a ponto de perder a sensação de que o tempo passou. Embora ele seja avaliado de forma subjetiva, a sensação de prazer ligada a ele surge ao se recordar do tempo em que se esteve engajado em algo, voltando-se para o passado.
O componente ‘sentido’ ou ‘propósito’ diz respeito àquilo que o sujeito faz e acredita servir a um bem maior. Embora ele tenha um aspecto subjetivo, também apresenta uma parte objetiva, uma vez que a pessoa pode avaliar algo que fez ou conversou num dado momento como algo que fazia todo o sentido e, em outro momento, perceber que estava equivocado. A ‘realização’, que também pode ser denominada de ‘conquista’, é um elemento que as pessoas buscam por elas próprias, por interesses próprios, mesmo que não faça sentido ou gere emoções positivas. Um exemplo seriam as pessoas que buscam acumular riquezas, num dado momento, para depois doá-las. Ou pessoas que sempre disputam, pois tem como principal motivação vencer.
O quinto e último elemento, chamado ‘relacionamento positivo’, enfoca a importância das relações humanas na construção do bem-estar. Este elemento diz respeito às relações sociais que são construídas e em seu aspecto positivo na vida do sujeito. Especificamente, como, a partir delas, o sujeito pode se sentir importante e sua vida pode apresentar-se significativa (Seligman, 2012).
É importante ressaltar que apesar do enforque nos aspectos positivos, a Psicologia Positiva compreende a relação entre as emoções positivas e negativas de forma complementar, contribuindo para o entendimento que tais relações podem se apresentar de formas diferentes para cada indivíduo e em cada contexto (Reppold et al., 2019). Nesse sentido, alguns traços de personalidade podem contribuir para que o sujeito tenha uma visão mais positiva ou negativa do mundo. Um estudo realizado por Gasparetto et al. (2017) que teve como objetivo investigar a relação entre bem-estar subjetivo e traços de personalidade, em crianças de cinco a 11 anos, apontou que os afetos positivos se relacionaram com traços como extroversão (que engloba características de pessoas que gostam de se arriscar, apreciam situações novas e estão abertas para relações sociais) e sociabilidade (apreciação dos contatos interpessoais); já os afetos negativos se relacionaram positivamente com traços como psicoticismo (que engloba características de pessoas inflexíveis e insensível aos outros) e neuroticismo (características associadas à instabilidade emocional e preocupações constantes).
Os resultados da relação entre bem-estar e personalidade em crianças (Gasparetto et al., 2017) também foram encontrados em estudos com adolescentes e adultos. Por exemplo, no estudo de Noronha et al. (2015), que teve como objetivo investigar a relação entre traços de personalidade e afetos positivos e negativos em jovens, de 14 a 27 anos, que cursavam o ensino médio. Os achados demonstraram que houve fortes correlações entre afetos negativos e o traço de personalidade neuroticismo. Em contrapartida, indivíduos com maior estabilidade emocional apresentaram menores índices de afetos negativos. Sobre os afetos positivos e a satisfação com a vida, a correlação mais forte se deu com o traço de personalidade extroversão.
Com relação aos adultos, Noronha et al. (2016), estudando jovens adultos universitários, apontaram que o traço de personalidade neuroticismo correlacionou-se positivamente com os afetos negativos, e negativamente com os afetos positivos, ao passo que o fator extroversão se relacionou positivamente com afetos positivos. Este estudo também evidenciou a influência das variáveis sexo e tipo de curso sobre o bem-estar: As mulheres apresentaram maiores índices de afetos negativos e os estudantes das áreas humanas apresentaram menores níveis de afetos positivos. Esses resultados indicam que, embora a personalidade possa influenciar as vivências de bem-estar, outras variáveis ligadas a aspectos biológicos ou sociais (tais como sexo e tipo de curso) também podem exercer influência nos níveis de bem-estar percebido pelo indivíduo.
Embora os traços de personalidade tenham influência sobre o bem-estar, Seligman (2012) reforça que, é possível intervir para que os indivíduos busquem ampliar os afetos positivos e reduzir os afetos negativos. Para tal, o autor indica que intervenções que promovem os cinco indicadores de bem-estar poderão levar os indivíduos ao florescimento (Goodman et al., 2017). Florescer (do inglês flourish), nesta perspectiva, é a experiência de uma vida autêntica, com metas que estão conectadas com as paixões, possibilitando saborear os altos e baixos da vida (Seligman, 2012).
Para alcançar a experiência de uma vida autêntica, Seligman (2019) defende que o bem-estar deve ser ensinado na escola, para que os jovens aprendam a dar maior importância aos aspectos saudáveis da vida e para que esse aprendizado possa se propagar para outros âmbitos da sociedade. Seligman (2012) também aponta que o bem-estar é uma teoria que identifica o livre arbítrio humano nas escolhas que faz. Desse modo, o aumento ou diminuição do bem-estar pode estar intimamente relacionado às escolhas feitas pelos próprios indivíduos. Por isso, as intervenções buscam construir e promover a autonomia do sujeito e a construção de recursos.
Estudos sobre intervenções em saúde por meio da psicologia positiva
As Intervenções Psicológicas Positivas (IPP’s) tem como objetivo incrementar o bem-estar e aliviar as dores, tanto em indivíduos saudáveis quanto em indivíduos com alguma patologia (Suldo, 2016). No que diz respeito a potencializar o bem-estar, tal estratégia tem-se apresentado como um ótimo recurso para a prevenção de doenças mentais e para o tratamento das mesmas (Seligman, 2008), uma vez que algumas psicopatologias, como a depressão, podem ser entendidas como a ausência dos fatores que compõe o bem-estar (Seligman, 2019). Ressalta-se que as intervenções em saúde baseadas na Psicologia Positiva podem ser classificadas, em geral, em dois tipos: aquelas voltadas para a atenção primária ou potencialização dos recursos, e aquelas voltadas para a atenção secundária ou melhoria dos níveis de saúde quando um problema já está instalado.
Snyder e Lopez (2009) apresentaram um modelo que exemplifica as possibilidades de tais intervenções. Os autores propuseram um modelo com base na prevenção (que poderia ser em nível primário ou secundário) e na potencialização (que atenderia o nível primário de atenção à saúde). No nível da potencialização, se buscaria fomentar o aumento de experiências positivas nos indivíduos. Para tanto, Snyder e Lopez (2009) basearam-se em estudos que demonstravam que relacionamentos interpessoais prazerosos, trabalho gratificante, atividades de lazer, boa saúde física e mental são responsáveis por uma melhor qualidade de vida e bem-estar. Neste sentido, o objetivo principal de uma intervenção de potencialização seria auxiliar as pessoas a estabelecerem um funcionamento ótimo, capaz de gerar satisfação com a vida e uma percepção de que sua vida é boa (Snyder & Lopez, 2009). Já em nível da prevenção, o objetivo seria trabalhar tanto para evitar a ocorrência de situações negativas ou vivência de afetos negativos, como também para melhorar os níveis de bem-estar do indivíduo, quando o problema já está instalado.
Quanto as características das intervenções em saúde por meio da Psicologia Positiva, Bastianello e Pacico (2018) descreveram três modelos, que são elas, a Psicoterapia Positiva de Rashid e Seligman (2013), a Terapia do Bem-Estar de Fava et al. (2005) e a Terapia de Qualidade de Vida de Frisch (2005). Segundo as autoras, as três têm em comum a busca por auxiliar os pacientes num processo de autoconhecimento e a identificação de características pessoais positivas e de eventos positivos de vida, por meio do registro dos mesmos. Com isso, se poderia aumentar o nível de consciência da pessoa acerca de si mesmo e dos eventos positivos a que está exposto cotidianamente, além de estimular uma mudança de comportamento por meio de exercícios simples e práticos no dia-a-dia. Esses exercícios, ao longo do tempo, levariam o indivíduo a ver a vida de forma mais positiva, gerando uma mudança em seus padrões cognitivos.
Na Psicoterapia Positiva de Rashid e Seligman (2013), o objetivo é promover as emoções positivas, o engajamento e o propósito de vida no paciente. A supressão de afetos negativos e a elevação de emoções positivas, engajamento e propósito de vida favoreceriam pacientes em depressão. Neste sentido, esta forma de intervenção seria adequada também na atenção secundária (Rashid, 2015). De fato, Rashid (2015) descreve um conjunto de estudos que utilizou desse modelo de terapia para intervenções com pacientes em depressão ou outros problemas relatados.
Na Terapia do Bem-Estar de Fava et al. (2005) trabalha-se com foco na identificação das forças pessoais e na resolução de problemas, estimulando o paciente a se monitorar, fazer registros de bem-estar diariamente e, posteriormente, fazer interpretações positivas sobre o que registrou. Trata-se de uma terapia breve, estruturada em oito sessões - embora em alguns casos esse número de sessões possa ser ampliado. Esta terapia utiliza técnicas cognitivo-comportamentais e busca encontrar os padrões cognitivos disfuncionais dos pacientes. Embora desenvolvida inicialmente para tratamento de transtornos do humor, posteriormente sua eficácia foi demonstrada também para outros transtornos mentais (Bastianello & Pacico, 2018).
Por fim, na Terapia de Qualidade de Vida de Frisch (2005) trabalha-se com medidas de qualidade de vida e com exercícios para o crescimento do paciente, aumentando a felicidade e a satisfação com vida. A Terapia de Qualidade de Vida também tem como base a Psicologia cognitivo-comportamental. Primeiramente, identifica-se como o indivíduo está em relação às 16 áreas que constituem a qualidade de vida de uma pessoa. São elas: saúde, metas e valores, auto estima, satisfação no trabalho, economia, aprendizagem, criatividade, amor, amizade, cidadania, relacionamento com familiares, lar, bom relacionamento com comunidade, entre outros. Posteriormente, por meio de exercícios realizados na terapia e em casa, elabora-se caminhos para aumentar a satisfação com a vida e a felicidade (Bastianello & Pacico, 2018).
Para Bastianello e Pacico (2018), esses três modelos de intervenções em saúde com base na Psicologia Positiva não são os únicos, mas apresentam evidências científicas consistentes da relação entre teoria e prática em Psicologia Positiva, sobretudo nos Estados Unidos. Contudo, de acordo com Reppold et al. (2018) a Psicologia Positiva encontra-se, atualmente, na fase de ajuste dos modelos teóricos iniciais e avaliação da eficácia de intervenções baseadas nesses modelos. Para tanto é indicada a ampliação dos estudos para sua aplicação dos três modelos sugeridos por Bastianello e Pacico (2018) em diversos contextos.
No entanto, ressalta-se que, embora ainda em período de investigação inicial, os estudos que avaliam a eficácia das intervenções positivas demonstram, comumente, resultados satisfatórios, e destacam que os programas mais eficazes são aqueles que respeitam as singularidades dos participantes, sobretudo no que tange a sua etapa desenvolvimental e sua condição clínica. Isto é, não existe um modelo/protocolo de intervenção que será válido para todos os indivíduos, em todos os contextos.
Intervenções em atenção primária
Um estudo realizado por Calvetti et al. (2007) visou a investigar a relação entre a Psicologia da Saúde e a Psicologia Positiva e as possíveis intervenções desenvolvidas a partir dos aspectos positivos do desenvolvimento humano. As autoras identificaram que, no Brasil, na ocasião, havia poucos estudos que tinham como foco aspectos saudáveis dos indivíduos na busca de promoção e prevenção a saúde. Enquanto os estudos brasileiros buscavam, inicialmente, explicar os problemas de saúde, na literatura internacional já havia indicativos de que estudar aspectos saudáveis do funcionamento psicológico contribui de forma positiva para fortalecer os indivíduos.
No artigo, as autoras destacam que a Psicologia Positiva sugere para a Psicologia da Saúde mais atenção aos fatores sadios do desenvolvimento, ampliando o modelo biopsicossocial para avaliação de fatores como “bem-estar, felicidade, resiliência, coping, espiritualidade e apoio social no desenvolvimento de pesquisas e intervenções em saúde” (Calvetti et al., 2007, p.714). Neste sentido, intervenções positivas para potencialização da saúde seriam de grande relevância.
Sob outro prisma, Cintra e Guerra (2017) discutem a importância da escola como instituição promotora de saúde. Para os autores, programas escolares deveriam incluir intervenções explícitas, e também implícitas, com vistas à promoção de saúde em suas práticas educacionais cotidianas. Assim, para que a escola seja um ambiente favorável também à educação emocional, é importante o treinamento de professores, funcionários e comunidade para uma vivência da Psicologia Positiva em âmbito pessoal e profissional (Cintra & Guerra, 2017).
Ainda sobre a articulação entre a Psicologia Positiva aplicada à educação e a prevenção de adoecimento, Zanini et al. (2018) realizaram intervenções positivas com estudantes de ensino médio e verificaram que, além de contribuírem para a prevenção do adoecimento e favorecimento de aspectos saudáveis, as intervenções contribuíram para melhora do desempenho escolar. Portanto, de forma indireta, intervenções precoces em adolescentes e jovens podem colaborar para que esses se tornem adultos mais saudáveis no futuro, supostamente diminuindo a necessidade de intervenções em prevenção secundária futuramente.
As intervenções citadas eram feitas em grupo de 10 a 15 estudantes, indicados pela equipe de professores e coordenadores. Antes e após as oito oficinas, foram feitas avalições para verificação da eficácia das mesmas. Essas oficinas trabalhavam temas como: otimismo, emoções, apoio social, coping, apoio social e habilidades sociais. As análises estatísticas das avaliações indicaram melhora de vários aspectos comportamentais, emocionais e de desempenho acadêmico dos estudantes, verificados também na avaliação triangulada dos professores e coordenadores.
Em estudantes universitários, Rigoni et al. (2012) realizaram um estudo que teve como objetivo averiguar as orientações que jovens universitários davam para suas vidas, baseados nos comportamentos de risco para a saúde. Participaram do estudo 403 universitários do curso de Educação Física, de uma cidade do Paraná/Brasil. Como instrumento de avaliação foi utilizado o Teste de Orientação de Vida (Carver & Scheier, 1998), validado para Língua Portuguesa do Brasil (Bandeira et al., 2002) e para português de Portugal (Pais-Ribeiro & Pedro, 2006; Pais-Ribeiro et al., 2012) para identificar o nível de otimismo com relação ao futuro. Para avaliar os comportamentos de risco para a saúde, foi utilizado o National College Health Risk Behavior Survey, validado para Língua Portuguesa por Franca e Colares (2010). Os resultados apontaram que os estudantes que apresentaram maior nível de otimismo também tiveram menos comportamentos de risco para a saúde, como alimentar-se bem, usar cinto de segurança, não entrar em carros com motoristas alcoolizados, etc. Além disso, o otimismo mais elevado também teve correlação positiva com ser casado, estar sexualmente ativo e não pensar em atos de violência autoinflingida.
De forma geral, observa-se que as intervenções em atenção primária estão voltadas para o contexto educativo (escolas e universidades) e são realizadas a partir de intervenções estruturadas, com intervalo de tempo relativamente curto e definido. Também apresentam como característica o trabalho em grupo em que o próprio grupo, por vezes, é utilizado como ferramenta de intervenção e apoio.
Intervenções em atenção secundária
Em relação às intervenções em atenção secundária Reppold et al. (2018) destacam o alto número de estudos que investigam indivíduos adultos e com alguma intercorrência clínica, tais como transtornos mentais ou condições clínicas específicas (acidente vascular cerebral, lesão na medula espinhal, etc.). Estes dados informam que, apesar de conceitualmente a Psicologia Positiva ser desenhada para o desenvolvimento de potencialidades e não focar em patologia, sua aplicação se estende muito além da atenção primária.
Em relação especificamente à saúde mental, observa-se que muitos estudos têm priorizado a promoção de saúde mental, dando ênfase especial para pacientes com depressão. A este respeito, Rashid e Seligman (2013) postulam que a terapia com base na Psicologia Positiva busca aumentar as emoções positivas, o engajamento e o propósito de vida. Segundo esses autores, esses são três aspectos que comumente se encontram comprometidos em pacientes com transtornos depressivos e, classicamente, têm sido tratados como consequência ou mesmo sintoma da depressão. Contudo, os autores argumentam que esses três aspectos, na realidade, estão relacionados com a causa da depressão. Desta forma, para que as intervenções com foco na Psicologia Positiva sejam eficazes, deveria haver não apenas a supressão dos sintomas negativos, mas a elevação de emoções positivas, engajamento e propósito de vida.
Como exemplo de intervenção em transtornos depressivos, pode-se citar uma pesquisa que apresentou resultados efetivos de intervenções baseadas Psicologia Positiva, realizada na cidade de Arica, no Chile. Os participantes eram idosos com sintomas de depressão. Nessa pesquisa, as intervenções foram programadas contemplando três grupos diferentes. O primeiro grupo, identificado como grupo quase experimental, participou de intervenções da Psicologia Positiva. Este grupo era composto por 13 mulheres, com idade média de 71 anos. O segundo grupo, que recebeu atividades recreativas, era composto por 16 mulheres, com idade média de 78 anos. Finalmente, o terceiro grupo, que não recebeu nenhum tipo de intervenção, era composto por 14 participantes, sendo três homens e 11 mulheres, com idade média de 74 anos. Inicialmente, foram avaliados sintomas depressivos pela Escala de Depressão Geriátrica de Yasavage (Cuadra et al.,1996) e o nível de satisfação com a vida, por meio da Escala de Satisfação com a Vida (Diener et al., 1985). Após o tempo das intervenções do grupo quase experimental, foram aplicadas novamente as escalas. Os resultados pré e pós intervenção apontaram que apenas o grupo de idosos que participou de intervenções com base na Psicologia Positiva apresentou aumento de satisfação com a vida e redução de sintomas depressivos (Cuadra-Peralta et al., 2011).
Tratando-se da efetividade de intervenções baseadas em Psicologia Positiva e as contribuições para a promoção de saúde, um estudo realizado por Lemes e Cavalcante Junior (2009) teve como objetivo avaliar o trabalho realizado em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), com um grupo de pessoas que sofriam de transtornos depressivos. Para as intervenções foram utilizadas como base a Psicologia Positiva e a Psicologia Humanista, com foco nas forças do funcionamento psicológico dos participantes.
Ao longo das intervenções, foram identificadas categorias positivas (ou seja, que contribuíam com o processo de melhoria dos sintomas) e negativas (fatores que dificultaram para a melhoria dos participantes). Entre as categorias positivas estavam o desenvolvimento pessoal, comemoração, solidariedade, serenidade, felicidade e aceitação de vivências negativas. Como categorias negativas foram identificados os traços rígidos de personalidade, questões biológicas envolvidas na origem da patologia (ex. depressão crônica), dificuldade na criação de redes de relacionamento e dificuldades contextuais de adesão a conceitos positivos.
Neste estudo, os pacientes de CAPs eram acompanhados por meio de trabalho de grupo que utilizava como metodologia recursos da terapia comunitária e dinâmicas de grupo. Foram observadas melhorias nas categorias positivas (desenvolvimento pessoal, solidariedade, comemoração, aceitação do negativo, serenidade e felicidade) (Lemes & Cavalcante Junior, 2009). Para considerar uma categoria positiva, era preciso que fosse notada a evolução do paciente, por ele mesmo e pela equipe de saúde, além da redução dos sintomas. Em todos os grupos avaliados foi identificada uma melhora de 62,59% dos usuários, apresentando maior estabilidade emocional ou remissão dos sintomas depressivos. Com esses resultados, é possível observar que a prática da Psicologia focada nos aspectos saudáveis do ser humano pode contribuir de forma efetiva em contextos de adoecimento (Lemes & Cavalcante Junior, 2009), mesmo em pacientes com problemas já instalados.
Em relação aos transtornos alimentares, estudos têm relacionado as emoções com a compulsão alimentar e obesidade (López-Morales, 2018). Na avaliação de 75 estudantes universitários, foram utilizados instrumentos para avaliar a personalidade e as estratégias de enfrentamento. Observou-se que havia relação entre a instabilidade emocional e controle das emoções com reavaliação positiva (López-Morales, 2018). Com estes resultados, observa-se uma relação entre ter estabilidade emocional com maior controle das emoções e, consequentemente, uma melhor adaptação ao comportamento alimentar. Neste sentido, constata-se que aumentar a consciência do sujeito sobre como aqueles eventos o influenciam, reforçando-o a seguir as demais orientações de foco positivo, pode ser uma ferramenta eficaz no tratamento a estes transtornos.
A Psicologia Positiva também tem sido aplicada à compreensão dos transtornos de dependência química. Em um estudo com 65 pessoas, foi observado que aqueles que praticavam atividades físicas apresentavam melhores índices de autoestima e menor risco de dependência em relação aos que não praticavam (Moral-García et al., 2018). Estes resultados sugerem que intervenções voltadas à promoção de autoestima e à atividade física podem colaborar para a diminuição do risco de dependência química em adultos.
Os resultados dos estudos acima reforçam a afirmação de Snyder e Lopez (2009) sobre a eficácia de prevenção secundária, como é o caso das psicoterapias individuais ou de grupo. De acordo com os autores, mesmo quando um problema já existe, essas intervenções podem auxiliar no aprendizado de novos recursos para lidar com o problema, além de auxiliar no processo de mudança. No entanto, para além dos recursos aprendidos, a motivação para buscar auxílio, tal como a esperança de mudança e melhoria, mostra-se muito relevante para efetividade do processo (Snyder & Lopez, 2009).
Considerações finais
Desde sua criação, a Psicologia Positiva adotou uma perspectiva positiva de saúde indo na contramão da visão patológica de saúde adotada tradicionalmente. No entanto, a princípio as intervenções foram desenvolvidas para a prevenção e promoção de saúde, caracterizando as intervenções como atenção primária em saúde. Com os avanços nas pesquisas da área, a psicologia positiva passa a contribuir de forma efetiva para a diminuição dos sintomas negativos relacionados a saúde mental, para além da prevenção e promoção de saúde.
Ressalta-se que quando a visão patológica de saúde é adotada, a terapia ou intervenções acabam quando o indivíduo não apresenta mais sintomas. No entanto, pouca ênfase é dada para o desenvolvimento de habilidades que o indivíduo precisa para florescer para ter uma vida engajada e com sentido, o que muitas vezes é mais definidor do diagnóstico de saúde. Nesse sentido, adotar uma perspectiva positiva da saúde é buscar promover bem-estar para o indivíduo com vistas para a construção de uma vida prazerosa, diminuição dos sintomas prejudiciais a saúde mental e prevenção a novas patologias (Seligman, 2019).
Tal entendimento faz com que as intervenções da Psicologia Positiva se articulem e contribuam para a área da Psicologia da Saúde e para atenção primária e secundária em saúde, promovendo uma visão positiva e integradora da saúde.