A Menopausa corresponde à data da última menstruação, em consequência de falência ovárica definitiva. De acordo com a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS Norte, 2011), o climatério engloba três períodos: a peri-menopausa, que é o início do declínio da função ovárica até a menopausa; menopausa, que corresponde à última menstruação; e pós-menopausa, o período que começa com a última menstruação. A idade de estabelecimento da menopausa é em média de 51 anos nos países europeus (Baber et al., 2016).
De acordo com a ARS Norte (2011) a menopausa resulta em alterações físicas e psicológicas na mulher, a que se associam sinais e sintomas mais ou menos importantes, e irão condicionar o seu estado de saúde geral e a qualidade de vida. As manifestações precoces podem estar relacionadas com a flutuação dos níveis de estrogénios: amenorreia; perturbações vasomotoras; perturbações do sono, e perturbações do humor. Manifestações tardias, a médio e a longo prazo, podem estar relacionadas com a carência de estrogénios: alterações cutâneas, perturbações genitais, perturbações urinárias, alterações cerebrais, doenças cardiovasculares e Osteoporose (ARS Norte, 2011).
À luz da evidência atualmente disponível, o uso da THS está apenas recomendado para o controlo de sintomas vasomotores intensos que afetam a qualidade de vida, atrofia vaginal e sintomas urinários na menopausa, por um curto período de tempo e na menor dose possível (Novais et al., 2008).
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2014), a qualidade de vida relacionada com a saúde é a perceção do indivíduo da sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores em que vive e em relação com os seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. De acordo com Martínez et al. (2012), o impacto do climatério sobre as mulheres é de vital importância, já que envolve mudanças no seu estado emocional, físico, biológico e psicossocial, podendo resultar na deterioração do seu funcionamento diário e pessoal, afetando a sua qualidade de vida. O aumento da esperança de vida, que na mulher ocidental se situa já para além dos oitenta anos, implica que as mulheres hoje vivam mais de um terço das suas vidas em menopausa, pelo que estas mudanças têm cada vez mais importância em termos da qualidade de vida e devem ser cuidadosamente vigiadas e minimizadas (Nunhez & Méndez, 2014).
No que se refere às diferenças entre os estádios da menopausa em relação a algumas variáveis analisadas no presente estudo, alguns autores concluíram que as mulheres na pós-menopausa apresentam os sintomas mais graves e prevalentes e pior qualidade de vida (Guerra et al., 2019; Yim et al., 2015). No entanto, outros estudos obtiveram resultados distintos, não encontrando diferenças significativas entre os estádios da menopausa relativamente aos sintomas e à qualidade de vida (Ribeiro et al., 2015). No que se refere às representações sociais, Serrão (2004) verificou que as diferenças entre os grupos não foram significativas. Contrariamente, Brown et al. (2017), constataram num estudo, que as mulheres na pós-menopausa tiveram representações mais positivas do que as mulheres na peri-menopausa. Em relação à satisfação conjugal, Pavón-Mendoza et al. (2014) encontraram menor satisfação conjugal em mulheres na pós-menopausa do que na peri-menopausa. Relativamente às estratégias de coping, Villada e colaboradores (2017) verificaram que as mulheres na pós-menopausa adotam mais estratégias de enfrentamento ativo do que mulheres mais novas.
Em relação às variáveis clínicas e a sua influência na qualidade de vida, foram encontrados na literatura alguns dados relevantes. Conde et al. (2006), observaram num estudo que a sintomatologia climatérica afetava negativamente a qualidade de vida das mulheres. Nesta mesma linha, vários investigadores (Dye et al., 2017; Martínez et al., 2012; Ngai, 2019; Ribeiro et al., 2015) encontraram uma correlação negativa entre sintomatologia climatérica e qualidade de vida. Alguns autores defendem que a Terapia de Reposição Hormonal (TRH) pode melhorar as condições de saúde e de qualidade de vida da mulher na menopausa (Martinez et al., 2012). No entanto, alguns estudos apontam que não há diferenças significativas na qualidade de vida de mulheres usuárias e não usuárias de TRH (Jorge, 2017; Martins et al., 2008). Várias investigações têm comprovado o impacto positivo da atividade física na saúde física e mental de mulheres de meia idade, resultando numa menor propensão a manifestar sintomas do climatério (Gonçalves et al., 2011). De acordo com Akwa e colaboradores (2017), o exercício físico aeróbico praticado pelo menos três vezes por semana, influencia positivamente a qualidade de vida.
As variáveis sociodemográficas como a escolaridade, rendimento anual, situação profissional e morar com filhos, podem também condicionar a qualidade de vida. De acordo com Larroy et al. (2019); Li e Shaw (2016), a escolaridade está relacionada positivamente com a qualidade de vida. Em relação à situação profissional, Baeta (2016), constatou que mulheres ativas revelam maior qualidade de vida do que mulheres desempregadas e reformadas. Oliveira (2013), numa investigação encontrou que a qualidade de vida estava estatisticamente relacionada com morar ainda com os filhos e com maior escolaridade. Kalarhoudi et al. (2011), constataram que a satisfação com o rendimento, tinha influência na qualidade de vida das mulheres na menopausa. De acordo com um estudo realizado por Ganapathy e Al Furaikh (2018), o nível socioeconómico esteve relacionado positivamente com a qualidade de vida.
Uma variável apontada na literatura (Ferreira et al., 2015) como relevante na vivência da menopausa é a falta de informação, que pode contribuir para que um evento biologicamente natural seja considerado como um evento crítico, que pode abalar a estrutura física, emocional e social da pessoa. Igualmente, Larroy e colaboradores (2019) defendem que um maior conhecimento acerca da menopausa está relacionado com maior qualidade de vida.
No que se refere a variáveis relacionais, a satisfação no relacionamento conjugal, destaca-se como uma variável que pode influenciar a qualidade de vida na menopausa. Alguns estudos têm evidenciado a existência de uma relação positiva entre a satisfação conjugal e a qualidade de vida na menopausa, (Bielawska-Batorowicz & Jarecka, 2017; Fieder & Kurpius, 2005; Kalarhoudi et al., 2011).
Ao nível das variáveis psicológicas relacionadas com a qualidade de vida, a literatura refere as representações sociais e o coping. São recorrentes na literatura estudos que mostram que mulheres com atitudes mais negativas em relação à menopausa referem mais sintomas em relação à mesma (Ayer set al., 2010; Yanikkerem et al., 2012). Também de acordo com estes resultados Li e Shaw (2016), verificaram que mulheres com atitudes mais positivas em relação à menopausa apresentavam maior qualidade de vida. Igualmente foi concordante o estudo de Serrão (2004) que constatou que as representações sociais positivas são preditoras da qualidade de vida física e psicológica na menopausa.
Relativamente ao coping, os trabalhos pioneros de Folkman e Lazarus (1980) o definem como a resposta cognitiva e comportamental que se desenvolve no individuo para lidar com acontecimentos, que são avaliados como excessivos em relação aos recursos que a pessoa possui e com consequências sobre o seu bem-estar físico, psicológico, funcionamento social e qualidade de vida. Considerando a sua função, Folkman e Lazarus (1980), encontraram dois tipos de estratégias de coping: o coping focado no problema e o coping focado na emoção, sendo ambas consideradas adaptativas. Na primeira tenta-se alterar a situação que provocou o stress, sendo esta estratégia considerada de resposta ativa. Na segunda, é feito um esforço para regular as emoções consequência do stress (Folkman & Lazarus, 1980). As estratégias passivas consistem na ausência de enfrentamento ou comportamentos de evitamento e são consideradas desadaptativas (Carver et al.,1989; Lazarus & Folkman, 1984). Analisando a literatura, num estudo realizado por Ngai (2019), encontraram-se evidências que sugerem que a utilização de estratégias de coping inadequadas podem agravar os efeitos adversos dos sintomas da menopausa na qualidade de vida. Assim, de acordo com Nateri et al. (2017), as mulheres que selecionam estratégias adequadas para lidar com os sinais desse período, não interpretam a menopausa como negativa.
O modelo biopsicossocial (Engel, 1977; Seeman, 1989, cit in Serrão, 2008) foi considerado como o mais abrangente para compreender a menopausa e os fatores associados, atendendo a que tem em conta os aspetos biológicos, cognitivos e sociais. Este modelo defende que o impacto da menopausa é determinado à luz de múltiplos contextos: biológico, cultural e psicossocial (Serrão, 2008). Assim, no presente estudo serão consideradas variáveis do contextos biológico (sintomas da menopausa, estádio da menopausa, tratamento da menopausa, prática de exercício físico), do contexto psicológico (representações da menopausa, estratégias de coping) e do contexto sociocultural (satisfação conjugal, situação profissional, escolaridade, rendimento económico, morar com filhos e informação acerca da menopausa), procurando analisar em que medida estas variáveis influenciam na qualidade de vida, avaliada a nível físico e psicológico.
Tendo em conta a literatura e o modelo biopsicossocial da menopausa, o objetivo geral do presente estudo foi identificar os preditores da qualidade de vida no período da menopausa.
Relativamente aos objetivos específicos, pretende-se determinar as diferenças entre as mulheres no estádio da peri-menopausa e no estádio da pós-menopausa ao nível dos sintomas da menopausa, das representações da menopausa, da satisfação conjugal, das estratégias de coping, e da qualidade de vida física e psicológica; pretende-se analisar as relações entre os sintomas da menopausa, as representações da menopausa, a satisfação conjugal, as estratégias de coping e o seu impacto na qualidade de vida física e psicológica; pretende-se ainda analisar a relação entre a escolaridade, a situação profissional, o rendimento anual, morar com filho(s), a procura de informação/ajuda médica, tratamento da menopausa, praticar exercício físico regular e o seu impacto na qualidade física e psicológica. Com base nestes objetivos e na análise da literatura, formularam-se as seguintes hipóteses:
H1: espera-se encontrar menos sintomas da menopausa, mais satisfação conjugal, menos representações positivas, menos estratégias de coping adaptativas e maior qualidade de vida física e psicológica no estádio da peri-menopausa do que no estádio da pós-menopausa.
H2: espera-se que maior escolaridade, situação profissional ativa, maior rendimento anual, morar com os filhos, ter procurado ajuda médica/informação, praticar exercício regular, e ter feito tratamento para a menopausa, estejam relacionados com maior qualidade de vida física e psicológica.
H3: espera-se que os sintomas da menopausa, e as estratégias de coping desadaptativas se correlacionem negativamente com a qualidade de vida física e psicológica na menopausa, e que as representações positivas sobre a menopausa, a satisfação conjugal e as estratégias de coping adaptativas, se correlacionem positivamente com a qualidade de vida física e psicológica.
H4: espera-se que os sintomas da menopausa e as estratégias de coping desadaptativas sejam preditores negativos da qualidade de vida física e psicológica e que as representações positivas da menopausa, a satisfação conjugal e as estratégias de coping adaptativas, sejam preditores positivos da qualidade de vida física e psicológica na menopausa.
Método
O presente estudo seguiu uma metodologia quantitativa, com desenho de investigação transversal, descritivo e analítico.
Participantes
A amostra foi de conveniência, a partir de uma população clínica de mulheres inscritas numa Unidade de Saúde Familiar do Norte de Portugal, tendo participado um total de 110 participantes, dos quais 10 não reuniam os critérios de inclusão. Os elementos da amostra cumpriram com os seguintes critérios de inclusão: 1) ser de sexo feminino, 2) saber ler e escrever, 3) não possuir um défice cognitivo, 4) não ter doença psiquiátrica ou crónica (entre moderada a grave), 5) estar na fase da menopausa (peri-menopausa ou pós-menopausa).
Material
Questionário Sociodemográfico e Clínico (desenvolvido pelo investigador do estudo). Carateriza a amostra em termos de idade, escolaridade, estado civil, situação profissional, rendimento anual, morar com filhos, pratica de exercício físico regular, fase da menopausa em que se encontra, se procurou ajuda médica e se realizou algum tratamento para a menopausa.
Escala de Avaliação da Satisfação em áreas da Vida Conjugal (EASAVIC;Narciso & Costa, 1996). Avalia a satisfação conjugal a partir de uma avaliação subjetiva do relacionamento do casal, em várias áreas da vida conjugal. É constituída por 44 itens, com resposta em escala de Likert de seis pontos (1) nada satisfeito, a (6) totalmente satisfeito. Estes itens estão organizados em cinco escalas, que medem a dimensão Amor, e cinco que medem a dimensão Funcionamento Conjugal. Neste estudo só foi tida em conta a dimensão total do relacionamento conjugal, sendo que quanto maior for a pontuação no total dos itens, mais elevada será a Satisfação Conjugal. Relativamente às características psicométricas, o instrumento revelou elevada consistência interna, com valores de alfa de Cronbach de .97 para a Satisfação Conjugal Global (Narciso et al.,2008, cit in Pacheco, 2008). No presente estudo, o alfa de Cronbach para a Satisfação Conjugal Global foi de .98.
World Health Organization Quality of Life-bref (WHOQOL-BREF; The WHOQOL Group, 1998; Serra et al., 2006). Permite uma avaliação subjetiva da qualidade de vida em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e ambiente. É constituído por 26 itens. No presente estudo, apenas foram utilizadas as subescalas referentes à qualidade de vida física e psicológica. A subescala física compreende sete itens de avaliação: dor e desconforto; energia e fadiga; sono e repouso; mobilidade; atividades da vida diária; dependência de medicação ou tratamentos; capacidade de trabalho. A subescala psicológica compreende seis itens de avaliação: sentimentos positivos; pensamento, aprendizagem, memória e concentração; autoestima; imagem corporal e aparência; sentimentos negativos; e espiritualidade, religião, crenças pessoais. É uma escala de autopreenchimento, do tipo Likert de cinco pontos, que pode variar de nada (1) a completamente satisfeito (5), sendo que para a resposta devem ser consideradas as últimas duas semanas. Elevadas pontuações indicam melhor qualidade de vida. Apresenta boa consistência interna, com um valor de alfa de Cronbach de 0,87 para o conjunto dos 26 itens, 0,87 para o domínio físico, e 0,84, para o domínio psicológico (Serra et al., 2006). Neste estudo o alfa de Cronbach para o domínio físico foi de 0,60 e para o domínio psicológico foi de 0,52.
Menopause Representations Questionnaire (MRQ; Hunter e O’Dea, 2001; Serrão, 2004). O questionário está composto por duas partes, com um total de 37 perguntas relativas à representação social do climatério.
Na primeira parte do questionário, é apresentada a subescala Identidade constituída por 20 itens. Refere-se ao número e natureza dos indicadores significativos de perturbações físicas, psicológicas e sexuais associadas ao climatério. Nesta subescala os sujeitos respondem de acordo com uma escala Likert de três pontos, em que (0) corresponde à ausência de sintomas, (1) a incerteza relativamente a determinado sintoma e, (2) à existência de determinado sintoma que está relacionado com a menopausa. Esta subescala é cotada pela soma dos itens, variando de 0 a 40. O alfa de Cronbach foi de 0,84. No nosso estudo o alfa de Cronbach para a escala Identidade foi de 0,78. O resultado desta escala foi utilizado no presente estudo para avaliar os sintomas da menopausa.
Na segunda parte do questionário são apresentadas três subescalas: Consequências; Duração temporal; e Controlo/cura, com 17 itens no total. Os itens destas três subescalas estão cotados numa escala Likert de cinco pontos, variando concordo totalmente (1) a discordo totalmente (5). Para obter o resultado total das representações são somados todos os itens que constituem a escala, e divididos pelo número de itens total 17, sendo que valores mais elevados indicam mais representações positivas.
Na adaptação portuguesa, a solução multidimensional a cinco fatores, diferente da que os autores originais propõem, era a que melhor explicava a variância das respostas. Os valores do alfa de Cronbach variaram entre 0,74 e 0,42. No presente estudo, foi calculado o alfa de Cronbach para o conjunto das três escalas, resultando um valor de 0,73.
O Brief COPE (Carver, 1997; Ribeiro & Rodrigues, 2004). O Brief COPE avalia estilos e estratégias de coping. É constituído por 14 escalas, com dois itens cada uma: coping ativo; planear; utilizar suporte instrumental; utilizar suporte social; utilizar suporte emocional; religião; reinterpretação positiva; auto culpabilização; expressão de sentimentos; negação; autodistração; desinvestimento comportamental; uso de substâncias; e humor. Perante estes itens, é solicitado aos participantes para responderem acerca da forma como lidam com os problemas da vida/situações de stress, identificando o mais recente. A resposta é dada numa escala tipo likert com quatro alternativas (0 = “nunca faço isto” a 3 = “faço sempre isto”). O resultado final é interpretado considerando o resultado em cada subescala, calculado através da soma dos pontos dos itens nela integrados, não existindo um resultado global, mas sim um perfil (Ribeiro & Rodrigues, 2004).
O estudo da consistência interna das escalas, com recurso ao cálculo do alfa de Cronbach, mostrou valores adequados, que variaram entre 0,55 e 0,84 (Ribeiro & Rodrigues, 2004). No presente estudo os valores variaram entre 0,90 e 0,25.
Procedimento
O estudo foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética para a Saúde (CES) da Administração Regional de Saúde do Norte (ARSN) e homologado pelo Conselho Diretivo da ARSN.
As participantes foram contatadas na sala de espera das consultas. A investigadora explicou os objetivos do estudo, a importância da participação, o carácter voluntário da mesma, o procedimento e a confidencialidade dos dados. As pessoas interessadas em participar, procederam à leitura e rúbrica do consentimento informado e ao preenchimento do protocolo, de forma individual e com a ajuda da investigadora, quando necessário.
Análise de dados
No tratamento dos dados foi utilizado o programa IBM SPSS (versão 25.0). A fim de determinar se os pressupostos subjacentes à utilização de testes paramétricos estão presentes, procedeu-se à avaliação da normalidade das distribuições das variáveis quantitativas e homogeneidade das variâncias. Uma vez que nem todas as variáveis cumpriam o pressuposto de normalidade, foram realizados nestes casos os testes paramétricos e não paramétricos sendo que quando os resultados obtidos eram idênticos, são apresentados os resultados dos testes paramétricos (Fife-Schaw, 2006). Quando os resultados obtidos diferiam, são apresentados os resultados dos testes não paramétricos. Para determinar as diferenças entre as mulheres no estádio da peri-menopausa e no estádio da pós-menopausa ao nível das variáveis psicossociais em estudo, foi realizado o teste t de Student (H1).
Para analisar a relação entre as variáveis sociodemográficas e clínicas e a qualidade de vida física e psicológica (H2), foi utilizado o coeficiente de correlação Ponto-Bisserial na análise da relação entre uma variável qualitativa dicotómica e uma variável quantitativa ou o coeficiente de correlação de Spearman para analisar a relação entre uma variável qualitativa ordinal e uma variável quantitativa.
Para determinar a relação entre os sintomas da menopausa, as representações da menopausa, a satisfação conjugal, as estratégias de coping e a qualidade de vida física e psicológica (H3), foi aplicado o coeficiente de correlação de Pearson, ou o coeficiente de correlação de Spearman, conforme adequado.
Para analisar os preditores da qualidade de vida física e mental (H4), foi realizada uma análise de regressão linear hierárquica (método enter); nas variáveis correlacionadas com a qualidade de vida. Foram verificados os pressupostos subjacentes à utilização deste teste, nomeadamente a independência das observações, ausência de multicolinearidade, ausência de outliers que pudessem afetar o modelo e normalidade dos resíduos (Field, 2017).
Resultados
A amostra foi constituída por 100 participantes do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 43 e os 67 anos (M = 55,23, DP = 5,03). Em relação ao estado civil, a maioria das participantes eram casadas ou encontravam-se em união de facto (68%). Com respeito à escolaridade, a maioria possuía o ensino primário ou inferior (46%). Relativamente à situação profissional, a maioria estava ativa (69%) e (31%) estavam desempregadas ou reformadas. Ao nível do rendimento anual do agregado familiar, a maioria (35%) situava-se no intervalo entre 10.701 e 20.261 euros anuais. Do total da amostra, a maioria tinha filhos (91%) e (56%) morava com algum filho. Das participantes, a maioria procurou ajuda/informação médica (69%) e destas, apenas uma pequena parte realizou tratamento (16%), nomeadamente Terapia de Reposição Hormonal (9%) e outros tratamentos (7%). Em relação ao estádio da menopausa, a maioria estava na pós-menopausa (69.0 %) e as restantes na peri-menopausa (31%). Relativamente à prática de desporto regular (48%) praticava, e o resto (52%), não praticava.
O Quadro 1 apresenta os resultados das análises de diferenças entre os estádios da menopausa, ao nível dos sintomas, representações da menopausa, satisfação conjugal, estratégias de coping e qualidade de vida física e psicológica. Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas apenas ao nível da utilização da religião como estratégia de coping, [t(97) = -2,62, p = 0,01]. Mulheres que se encontram na pós-menopausa utilizam mais a religião como estratégia de coping.
Quadro 1 Diferenças entre estádios da menopausa ao nível dos sintomas, representações da menopausa, satisfação conjugal, estratégias de coping e qualidade de vida física e mental

Nota: * p < 0,05
O Quadro 2 apresenta os resultados das análises de relações entre variáveis sociodemográficas e clínicas e a qualidade de vida física e psicológica. Foi encontrada apenas uma correlação positiva estatisticamente significativa entre o rendimento e a qualidade de vida psicológica (r s = 0,28, p =0,008). Assim, um rendimento superior esteve relacionado com uma maior qualidade de vida psicológica.
Quadro 2 Relações entre variáveis sociodemográficas e clínicas e qualidade de vida física e psicológica

Nota: a Coeficiente de Correlação ponto-bisserial; b Coeficiente de Correlação de Spearman; ** p < 0,01
O Quadro 3 apresenta os resultados das análises de correlações entre a qualidade de vida física e psicológica e sintomas da menopausa, representações da menopausa, satisfação conjugal, e estratégias de coping. Foram encontradas correlações negativas estatisticamente significativas entre os sintomas da menopausa e a qualidade de vida física (r = -0,34, p = 0,001) e psicológica (r = -0,43, p < 0,001). Assim, a existência de mais sintomas na menopausa está associada com menor qualidade de vida física e psicológica. Foram encontradas correlações positivas estatisticamente significativas entre as representações positivas e a qualidade de vida física (r = 0,31, p = 0,002) e psicológica (r = 0,23, p = 0,02). Deste modo, mais representações positivas estão associadas com maior qualidade de vida física e psicológica. A satisfação conjugal mostrou estar correlacionada positivamente, e de forma estatisticamente significativa, com a qualidade de vida psicológica (r s = 0,50, p < 0,001), sendo que uma maior satisfação conjugal está associada com mais qualidade de vida psicológica. Por fim, relativamente às estratégias de coping, foram encontradas correlações negativas estatisticamente significativas entre a qualidade de vida psicológica e o apoio emocional (r s = -0,21, p = 0,04) expressão de sentimentos, (r s = -0,22, p = 0,03) e auto culpabilização (r s = -0,24, p = 0,01). Por outro lado, foi encontrada uma correlação positiva estatisticamente significativa entre a qualidade de vida psicológica e a reinterpretação positiva, (r = 0,23, p = 0,02). Assim, um menor recurso ao apoio emocional, à expressão de sentimentos e à auto culpabilização, e maior utilização de reinterpretação positiva, estão associadas com mais qualidade de vida psicológica
Quadro 3 Relação entre qualidade de vida física e psicológica e sintomas da menopausa, representações da menopausa, satisfação conjugal, estratégias de coping.

Nota: Coeficiente de correlação de Pearson em todas as análises apresentadas, exceto na análise da relação entre qualidade de vida física e satisfação conjugal e uso de substâncias, e na análise da relação entre a qualidade de vida psicológica e o apoio emocional e expressão sentimentos, nas quais é apresentado o Coeficiente de Correlação de Spearman. * p < 0,05; ** p <0,01; *** p <0,001
O Quadro 4 apresenta os resultados dos modelos de regressão linear múltipla para a qualidade de vida física e psicológica.
No que diz respeito à qualidade de vida física, foi realizado um modelo de regressão hierárquico com dois blocos. No Bloco 1, foram incluídos os sintomas da menopausa, revelando ser um modelo estatisticamente significativo [F (1, 89) = 11,57, p = 0,001], explicando 12 % da variância da qualidade de vida física (R 2 = 0,12). No Bloco 2, foram incluídas as representações da menopausa, sendo que o modelo continuou a ser estatisticamente significativo [F (2, 88) = 7,55, p = 0,001]. A inclusão desta variável não melhorou o modelo [R 2 = 0,12, FChange (1,88) = 3,23, p = 0,07]. Assim, apenas os sintomas mostraram ser preditores estatisticamente significativos de menor qualidade de vida física (( = -0,34, t = -3,40, p <0,001).
Relativamente à qualidade de vida psicológica, foi realizado um modelo de regressão hierárquico, com três blocos. No bloco 1, foram incluídos o rendimento anual e os sintomas da menopausa. O modelo de regressão foi estatisticamente significativo [F (2, 55) = 6,60, p = 0,003] explicando 19% da variância da qualidade de vida psicológica (R 2 = 0,19). No segundo bloco, foram acrescentadas as variáveis individuais, nomeadamente as representações da menopausa e estratégias de coping (reinterpretação positiva, apoio emocional, expressão de sentimentos e auto culpabilização). O modelo de regressão mostrou ser estatisticamente significativo [F (7, 50) = 5,04, p < 0,001] revelando uma melhoria significativa [ΔR 2 = 0,22, FChange (5, 50) = 3,76, p = 0,006], explicando 41% da variância da qualidade de vida psicológica (R 2 = 0,41). Finalmente, no bloco 3, foi incluída no modelo a satisfação conjugal; o modelo de regressão continuou a ser estatisticamente significativo [F (8, 49) = 8,11, p < 0,001], explicando 57% da variância da qualidade de vida psicológica (R 2 = 0,57) e melhorando o modelo [ΔR 2 =0,16, FChange (1, 49) = 17,72, p < 0,001]. Assim, o rendimento anual, a reinterpretação positiva e a satisfação conjugal revelaram ser preditores estatisticamente significativos de maior qualidade de vida psicológica (( = 0,21, t = 2,12, p = 0,03, ( = 0,30, t = 3,04, p = 0,004, e ( = 0,42, t = 4,21 p < 0,001, respetivamente). Por outro lado, os sintomas na menopausa, mostraram ser preditores estatisticamente significativos de menor qualidade de vida psicológica (( = -0,35, t = -3,18, p = 0,003). Não se mostraram como preditores significativos da qualidade de vida psicológica as representações da menopausa e as estratégias de coping apoio emocional, expressão de sentimentos e auto culpabilização.
Discussão
O objetivo geral do presente estudo foi identificar os preditores da qualidade de vida no período da menopausa. A seguir analisam-se e discutem-se os objetivos específicos, as hipóteses e os resultados.
Relativamente à H1, em que se esperava encontrar menos sintomas da menopausa, mais satisfação conjugal, menos representações positivas, menos estratégias de coping adaptativas e maior qualidade de vida física e psicológica, no estádio da peri-menopausa do que no estádio da pós-menopausa, esta hipótese foi confirmada apenas ao nível da utilização da religião como estratégia de coping, sendo que se verificou que as mulheres que se encontram na pós-menopausa utilizam significativamente mais esta estratégia. Na literatura este dado é recorrente, pois há um número crescente de estudos que indicam que o coping religioso é uma componente essencial para enfrentar perdas físicas e sociais relacionadas com a idade, como acontece na pós-menopausa (Pargament et al., 2004).
Esperava-se que maior escolaridade, situação profissional ativa, maior rendimento económico, morar com os filhos, ter procurado ajuda/informação médica, praticar exercício regular, e ter feito tratamento para a menopausa, estivessem relacionados com maior qualidade de vida física e psicológica (H2). Esta hipótese foi confirmada apenas no que se refere ao rendimento anual, sendo que um rendimento anual superior esteve relacionado com uma maior qualidade de vida psicológica. Este resultado também foi confirmado na literatura por vários autores (Ganapathy & Al Furaikh, 2018; Kalarhoudi et al., 2011).
Esperava-se que os sintomas da menopausa, e as estratégias de coping desadaptativas se correlacionassem negativamente com a qualidade de vida física e psicológica na menopausa, e que as representações positivas sobre a menopausa, a satisfação conjugal e as estratégias de coping adaptativas, se correlacionassem positivamente com a qualidade de vida física e psicológica (H3). Esta hipótese foi confirmada no que diz respeito à qualidade de vida psicológica, sendo que a qualidade de vida física mostrou estar relacionada apenas com os sintomas da menopausa e com as representações positivas. Foram encontradas correlações negativas estatisticamente significativas entre os sintomas da menopausa e a qualidade de vida física e psicológica, sendo que mais sintomas na menopausa se encontram associados com menor qualidade de vida física e psicológica. Este resultado é corroborado pela literatura (Conde et al., 2006; Dye et al., 2017; Martínez et al., 2012; Ngai, 2019; Ribeiro et al., 2015).
Foram também encontradas correlações positivas estatisticamente significativas entre as representações positivas da menopausa e a qualidade de vida física e psicológica. Deste modo, mais representações positivas estiveram associadas com maior qualidade de vida física e psicológica. Do mesmo modo, verifica-se na literatura que mulheres com atitudes, representações mais positivas da menopausa apresentam menos sintomatologia e maior qualidade de vida (Ayers et al., 2010; Li & Shaw, 2016; Yanikkerem et al., 2012).
Em termos de satisfação conjugal, verificou-se que uma maior satisfação conjugal se encontra associada com maior qualidade de vida, apenas na dimensão psicológica. Este resultado coaduna-se com a literatura existente. Neste sentido, vários autores constataram que mulheres com casamentos satisfatórios relatam os sintomas menopaúsicos como menos graves e frequentes, tendo influência na qualidade de vida das mulheres na menopausa (Bielawska-Batorowicz & Jarecka, 2017; Fieder & Kurpius, 2005; Kalarhoudi et al., 2011). De acordo com Nunhez e Mendez (2014), quando há falta de comunicação no casal, e a mulher sente diminuída a sua condição de feminidade pelo facto de se encontrar na menopausa, esta situação pode despoletar desequilíbrios na esfera psíquica, expressados em sintomas como depressão, tristeza e irritabilidade.
Relativamente às estratégias de coping, constatou-se que algumas estratégias estavam associadas apenas com a qualidade de vida psicológica. Assim, um menor recurso ao apoio emocional, à expressão de sentimentos e à auto culpabilização, e maior utilização de reinterpretação positiva, estão associadas com maior qualidade de vida psicológica. Vários estudos confirmam que as mulheres que recorrem com mais frequência a estratégias de coping adaptativas ativas de enfrentamento do problema, ou focadas nas emoções positivas, como o apoio emocional e a reinterpretação positiva, conseguem ter uma maior qualidade de vida do que mulheres que recorrem a estratégias desadaptativas (de evitamento), tais como expressão de sentimentos ou descarga emocional e auto culpabilização, entre outras (Nateri et al., 2017; Ngai., 2019; Yuca, 2015). Assim, os resultados do presente estudo, coincidem com a literatura no que se refere às estratégias de expressão de sentimentos, auto culpabilização e reinterpretação positiva e diferem no apoio emocional. Importa referir que grande parte das participantes, no presente estudo, que manifestaram não recorrer ao apoio emocional, explicaram que preferiam resolver os problemas sozinhas, sem apoio.
Por fim, esperava-se que os sintomas da menopausa e as estratégias de coping desadaptativas fossem preditores negativos da qualidade de vida física e psicológica e que as representações positivas da menopausa, a satisfação conjugal e as estratégias de coping adaptativas, fossem preditores positivos da qualidade de vida física e psicológica na menopausa (H4). Esta hipótese foi também parcialmente confirmada.
Neste estudo, em relação à qualidade de vida física, apenas os sintomas na menopausa mostraram ser preditores estatisticamente significativos de menor qualidade de vida física. Este resultado é coerente com evidências encontradas por estudos anteriores, que mostraram que os sintomas da menopausa são preditores estatisticamente significativos de pior qualidade de vida física e psicológica (Guerra et al., 2019; Mohammad-Alizadeh-Charandabi et al.,2012; Whiteley et al., 2013).
Relativamente à qualidade de vida psicológica, o rendimento anual, a satisfação conjugal e a reinterpretação positiva, revelaram ser preditores estatisticamente significativos de maior qualidade de vida psicológica. Por outro lado, os sintomas mostraram ser preditores estatisticamente significativos de menor qualidade de vida psicológica. Em relação ao rendimento anual, vários autores mostram que uma renda familiar elevada é preditor de maior qualidade de vida (Mohammad-Alizadeh-Charandabi et al., 2012; Tairova & De Lorenzi, 2011). No que se refere à satisfação conjugal, vários estudos corroboram que esta é crucial para o bem estar e qualidade de vida da mulher na menopausa (Fielder & Kurpius, 2005; Narciso & Ribeiro, 2009: Pressado, 2013). Assim, a forma como cada casal se entrega e vivencia o relacionamento conjugal influencia e é influenciada pelo climatério (Pressado, 2013). No que diz respeito às estratégias de coping adaptativas, no presente estudo a reinterpretação positiva, foi preditora da qualidade de vida na menopausa. Park, Malone et al. (2008), descobriram que a reinterpretação positiva tinha uma forte relação com a componente física e mental da qualidade de vida. De acordo com Greenbum (2010), várias estratégias de coping adaptativas estavam relacionadas com a qualidade de vida, sendo uma delas a reinterpretação positiva.
O presente estudo apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, podemos apontar o tamanho reduzido da amostra, o que implica alguma prudência na interpretação e generalização dos resultados, bem como o facto de as participantes pertencerem só a uma zona do país, o que limita a generalização a outras zonas geográficas. Em segundo lugar, a natureza transversal do estudo, o que não permite analisar a evolução da qualidade de vida das mulheres na menopausa nas variáveis estudadas. Em terceiro lugar, baixos valores foram obtidos no alfa de Cronbach de algumas escalas do Brief-COPE e do domínio psicológico da qualidade de vida do WOQOOL (Bref). Finalmente, o estudo não abrange alguns preditores que também poderiam ser importantes para estudar a qualidade de vida das mulheres na menopausa, nomeadamente a satisfação relacional com amigos e família.
Assim, propõe-se em futuros estudos incrementar o tamanho da amostra, realizar o estudo em várias unidades de saúde de várias áreas geográficas do país, usar um modelo longitudinal, e aumentar o número de preditores. Apesar das limitações apontadas, destacam-se vários fatores positivos: a inovação do estudo em relação à temática e às variáveis em análise; o facto da investigação ser desenvolvida com uma amostra clínica, obtida nos cuidados de saúde primários, o que lhe confere um maior rigor científico; e a aplicabilidade dos resultados na elaboração de programas psicoeducativos que contemplem a informação, prevenção e intervenção na qualidade de vida de mulheres na menopausa.