A prática dos Cuidados Paliativos refere-se ao cuidado do paciente que possui uma doença incurável. A proposta tem o foco da atenção o paciente (e não a doença) e preconiza o direito a informação e a autonomia plena do paciente. A prática dos Cuidados Paliativos busca atenção individualizada ao doente e à sua família, por meio da excelência no controle de todos os sintomas e prevenção do sofrimento, efetivada por todos os membros da equipe multiprofissional (ANCP, 2012; CREMSP, 2008).
Os princípios dos Cuidados Paliativos resgatam a importância da intervenção de uma equipe de profissionais, que promove o controle de sintomas de natureza não apenas biológica, mas também psicológica, social e espiritual. Além disto, preconiza a excelente em comunicação, para que o paciente e seu entorno afetivo entendam o processo evolutivo que atravessam, proporcionando o alívio da dor interna e externa. A comunicação deve consistir na assertividade, pois ela sempre envolverá a subjetividade, que é processo das relações humanas. Assim, buscando uma boa comunicação, consequentemente, construirá o vínculo de segurança entre pacientes e familiares com a equipe de saúde (Grilo, 2012), neste sentido, tem-se por objetivo fundamental o atendimento humanizado.
Segundo instruções do CREMESP (2008), a humanização do atendimento encontra-se relacionada com a condição de autenticidade de todas as partes envolvidas: o paciente, sua família e a equipe multiprofissional, que são autores dessa história. O saber, a experiência e o desenvolvimento estão presentes nos profissionais de saúde e nos pacientes e suas famílias, que têm muito a dizer. É preciso assegurar esse lugar, dar espaço e importância à voz do doente e dos familiares, fazendo valer sua autonomia com relação a sua história e projetos de vida, incluindo a morte.
O Ministério da Saúde, por meio do Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH), salienta que humanizar em saúde é resgatar o respeito à vida humana, levando-se em conta as circunstâncias sociais, éticas, educacionais e psíquicas, presente em todo relacionamento humano. Desta forma, a humanização está diretamente voltada para o paciente, compreendendo uma relação efetiva de cuidado, representada pelo acolhimento, ternura, sensibilidade, respeito e compreensão daquele paciente enquanto ser humano com suas crenças, desejos, valores e perspectivas sobre o tratamento (Brasil, 2010).
Diante disto, este trabalho tem como objetivo geral identificar o trabalho do psicólogo com pacientes e familiares em Cuidados Paliativos e a importância da humanização nesta área. De sobremaneira o estudo realizado oportuniza reflexão sobre o significado do papel do psicólogo em Cuidados Paliativos, o qual auxilia na humanização do atendimento, criando espaços de escuta e acolhimento ao paciente e família na descoberta do diagnóstico e processo de aceitação ao tratamento na comunicação entre a equipe, família e paciente, visando a melhoria na qualidade de vida e escuta atenta.
Método
Classificação da pesquisa e descritores
Para a realização deste trabalho foi realizada uma Revisão Integrativa, metodologia que fornece informações amplas, ordenadas e sintetizadas sobre um determinado problema de pesquisa, e que acontece por meio de etapas (Mendes et al., 2008). Os descritores desta pesquisa - Psicologia; Humanização; Cuidados Paliativos - foram validados no DecS e MeSH e a estratégia de busca foi: (“Psychology” OR “Side Effects, Psychological” OR “Psychological Side Effects” OR “Psychological Side Effect” OR “Side Effect, Psychological” OR “Psychosocial Factors” OR “Factor, Psychosocial” OR “Factors, Psychosocial” OR “Psychosocial Factor” OR “Psychological Factors” OR “Factors, Psychological” OR “Factor, Psychological” OR “Psychological Factor” OR Psychologists OR Psychologist) AND (Humanization) AND (“Palliative Care” OR “Care, Palliative” OR “Palliative Treatment” OR “Palliative Treatments” OR “Treatment, Palliative” OR “Treatments, Palliative” OR “Therapy, Palliative” OR “Palliative Therapy” OR “Palliative Supportive Care” OR “Supportive Care, Palliative” OR “Palliative Surgery” OR “Surgery, Palliative”).
Base de dados, extração de dados e identificação de permanência
As bases utilizadas para a busca dos artigos foram Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Google Acadêmico. A seleção dos arquivos se deu por quatro etapas: 1º Leitura de todos os títulos encontrados, 2º Leitura dos resumos e palavras-chaves dos textos selecionados por meio dos títulos, 3º Leitura completa dos textos selecionados na fase anterior e 4º Análise dos textos selecionados com base na etapa anterior.
Critérios de elegibilidade
Os critérios de inclusão foram: (a) artigos, dissertações ou teses publicados entre 2014 à 2019, (b) textos completos em português, inglês e espanhol, (c) textos sobre Cuidados Paliativos em hospital geral (alas de enfermaria, unidade de terapia intensiva (UTI) e de urgência e emergência) e (d) textos com participantes adultos ou idosos com diferentes diagnósticos. Os critérios de exclusão foram: (a) textos publicados nos últimos cinco anos que não estejam disponíveis para download gratuito, (b) textos sobre cuidados paliativos em outras áreas do hospital geral que não foram consideradas em critérios de inclusão, e (c) pacientes adultos e idosos com doenças que não sejam consideradas paliativa.
Resultados
A busca dos artigos para estre trabalho aconteceu nos meses de abril e maio de 2019. Os artigos foram encontrados após a inserção das palavras-chaves nas bases de dados. A busca selecionou 108 artigos no Google Acadêmico e um (1) artigo no SciELO. Após a leitura do título, todos os 109 artigos encontrados permaneceram no trabalho; após a leitura dos resumos e palavras chaves foram selecionados 25 artigos; foram realizadas a leitura completa dos 25 artigos e selecionados 18 artigos para o estudo. Informações detalhadas sobre estes artigos estão no Quadro 1.
Os resultados do Quadro 1 permitem observar que seis artigos foram realizados no ano de 2014, seis no ano de 2015, três no ano de 2016 e três no ano de 2017. Além disto, os dados apontam a diversidade de artigos encontrados considerando o tema Cuidados Paliativos e Humanização. Os artigos de Leviski e Langaro (2014), Magalhães (2014), Santos et al. (2015), Terra e Gomes (2015), Bona (2016) e Fallavigna et al. (2016), abordam a importância de uma assistência humanizada ao paciente e a família do doente, enfatizando a melhora na comunicação e nos relacionamentos. Já os artigos de Kovacs (2014), Rezende et al. (2014), Lima (2015), Baere et al. (2017) e Silva e Machado (2017), referem-se a Cuidados Paliativos como proposta terapêutica e o apoio psicológico enfatizado as situações em que o fim da vida se aproxima.
Os artigos de Alves et al. (2014), Camargo (2014), Gutierrez et al. (2016) e Faria et al. (2017) valorizam a presença dos profissionais de saúde e debatem sobre a importância de políticas públicas destinados ao aprimoramento do profissional e ressaltam sobre a importância do cuidador, que também deve também receber suporte emocional. Por fim, os artigos de Coelho e Ferreira (2015), Macedo (2015) e Goulart e Chiari (2015) abordam a importância do paciente escolher seu tratamento, em casos de morte iminente. Além disto, os atuores discorrem sobre a importância de ensinar preceitos da humanização e reflexão sobre Cuidados Paliativos aos profissionais da saúde.
Discussão
Este estudo é resultado do levantamento de artigos já publicados. Foram encontrados 108 títulos na busca realizada, contudo apenas18 estavam em consonância com os critérios de inclusão e exclusão. Os artigos encontrados permitiram o cumprimento dos objetivos estabelecidos e discussão acerca do avanço da medicina e conseqüente impacto na vida do homem, das relações entre equipe de saúde e pacientes e do papel do psicólogo hospitalar.
A respeito do avanço da medicina, observa-se que tal tecnologia fez com que o envelhecimento da população se tornasse um fator de grande relevância nos últimos anos, uma vez que nota-se um aumento na expectativa de vida. Viver por mais anos, na presença de doenças crônicas e degenerativas também se fez presente com maior frequência, em especial nos idosos, uma vez que na velhice doenças como câncer, diabetes, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, neurológicas e degenerativas são mais comuns (Gutierrez et al., 2016; Jorm et al., 1987; Lebrão et al., 2008).
Na área da terapia intensiva, em especial, são notáveis de forma significativa os avanços tecnológicos. No entanto, todo o aparato médico disponível para prolongamento da vida não deve ser usado de forma aleatória, dolorosa e desumana (Coelho & Ferreira, 2015). Lima (2015) adverte que a vida do ser humano é marcada pela finitude, assim por mais benefícios e curas que a medicina tem proporcionado, a modernidade acabou também por originar interferências excessivas no prolongamento da vida. Assim, ao mesmo tempo em que se deseja uma vida cada vez mais longa, essa longevidade deve ser acompanhada por qualidade de vida e, muitas vezes, a medicina moderna acaba por prolongar a agonia, o que é um desrespeito á dignidade humana no momento do fim. Para Kovács (2014), a interdição da morte tem relação direta com o avanço médico tecnológico, o que acaba por fascinar familiares, pacientes e profissionais da área da saúde. A morte se desloca das casas para os hospitais o que acaba por torná-la mais dura ainda, silenciosa e solitária.
A respeito dos relacionamentos entre equipe de saúde e paciente, nota-se que as boas relações entre as pessoas envolvidas no cuidar (equipe, cuidador e família) acabam por se tronar um modo de enfrentamento muito necessário num momento tão delicado da vida humana das pessoas envolvidas. Uma proposta de atenção à saúde no final da vida de muitas pessoas tem como cerne os Cuidados Paliativos, os quais podem ser oferecidos nos hospitais e nos domicílios. Tais cuidados englobam o tratamento de pessoas com doenças incuráveis e tem por objetivo oferecer uma melhoria na qualidade de vida ao paciente e sua família (ANCP, 2012; Faria et al., 2017).
Contudo, Hermes e Lamarca (2013) ressaltam que ainda existem muitos médicos no Brasil com receio de trabalhar com os Cuidados Paliativos, por temerem serem considerados adeptos da eutanásia. O que se percebe, entretanto, é a falta de estudos continuados sobre o tema, uma vez que o trabalho de uma política nacional de Cuidados Paliativos é quase inexistente no Brasil. Sabe-se que Cuidados Paliativos têm por objetivo promover o alívio de sintomas e qualidade de vida, por meio da afirmação á vida, assim, considera-se a morte como um processo natural, que não será adiantada ou postergada por meio de tecnologias. Além disto, a proposta paliativa tem como objetivo fornecer apoio biopsicossocial e espiritual aos pacientes e familiares durante o cuidado da doença incurável e no momento de final da vida (ANCP, 2012).
O papel do psicólogo durante os cuidados de final da vida é de grande importância tendo em vista as mudanças das condições emocionais do paciente e de todos que tem sua participação nesse quadro. O apoio do psicólogo é decisivo nesse momento a fim de proporcionar uma comunicação ativa e eficiente, além, é claro, da aceitação da morte para todos os envolvidos, oferecendo qualidade de vida para aquele que sofre com a doença. O trabalho do psicólogo, sem dúvidas, é primordial no trabalho com Cuidados Paliativos, uma vez que tem a tarefa de oferecer estratégias de enfrentamento a fim da maior aceitação do processo de morte e luto, além da sua assistência na procura e busca de um novo sentido para a vida, objetivando a dignidade e bem-estar nos momentos antecedentes à morte (Gonçalves & Araújo, 2018; Hermes & Lamarca, 2013; Rezende et al., 2014).
Com a elevação das expectativas de vida da população e conseqüente crescimento da mesma, tornou-se necessária uma discussão sobre a relevância do cuidado de maneira integral, sistêmica e individualizada tanto aos pacientes idosos e não idosos e que apresentam doenças incuráveis. Nesse cenário de dor e angústia, o papel do psicólogo é fundamental, uma vez que ele procura o alívio do sofrimento emocional de todas as pessoas envolvidas nesse processo, trabalhando com o doente no sentido de melhorar sua qualidade de vida e aceitar a morte. Assim, o psicólogo procura intervir, melhorando a comunicação, resolvendo conflitos, além de auxiliar nas questões com relação ao luto. O psicólogo também pode ajudar na criação de um espaço de escuta individual ou coletiva, amenizando o sofrimento, emoções e sentimentos provocados pelo convívio com a idéia da morte diariamente.