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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.22 no.2 Lisboa set. 2021  Epub 31-Ago-2021

https://doi.org/10.15309/21psd220209 

Artigos

Significados elaborados por trabalhadoras sexuais sobre saúde sexual: estudo com representações sociais

Meanings elaborated by female sex workers on sexual health: study with social representations

Pablo Couto1 

Alba Vilela2 

Antônio Gomes3 

Ahyslan Aires1 

Karina Santos1 

Samantha Pereira1 

Carle Porcino4 

Virginia Nogueira3 

Luana Ferreira1 

1Colegiado de Enfermagem, Centro de Ensino Superior de Guanambi, Guanambi, Brasil, pabloluizsc@hotmail.com, lan_ayrees@hotmail.com, karinabarbosantos@hotmail.com, samantha.uefs@gmail.com, luanacostaferreira1@outlook.com

2Departamento de Saúde II, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié, Brasil, albavilela@gmail.com

3Faculdade de Enfermagem, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Jequié, Brasil, mtosoli@gmail.com, virginiafigueiredo@yahoo.com.br

4Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, Salvador, Brasil, carle.porcino@outlook.com


Resumo

Objetivou-se apreender os significados representacionais elaborados por trabalhadoras sexuais sobre saúde sexual. Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado na teoria das representações sociais em sua abordagem processual. Como cenário foi a microrregião de Guanambi-Ba, sede do Alto Sertão Produtivo Baiano. Participou dessa pesquisa 132 mulheres profissionais do sexo que atenderam aos critérios de inclusão. A coleta ocorreu individualmente entre os meses de abril 2017 a junho 2018. Utilizou-se como técnicas de coleta de dados a Associação Livre de Palavras, foram analisadas com o auxílio do software IRAMUTEQ, que possibilitou a Análise Fatorial de Correspondência e a Análise de Similitude. Os discursos decorrentes da Entrevista em Profundidade foram analisados com a análise de Conteúdo Semântica. As representações sociais sobre saúde sexual foram construídas através dos significados associados pelas trabalhadoras sexuais aos agravos a saúde e aos cuidados com o corpo, como a prevenção de doenças. Algumas representações foram consensuais dentro do grupo de participantes, quando as trabalhadoras sexuais fizeram correlação com evocações como preservativo, anticoncepcional, exames, não engravidar, cuidado, importante e sexo saudável, demonstrando conhecimento científico do processo de adoecimento e da busca pela saúde e qualidade de vida. As construções mentais das participantes mostraram, também, que as questões subjetivas da sexualidade conformam as representações quando associaram autoestima, satisfação, felicidade, amor e qualidade de vida à saúde sexual. Conclui-se que as representações sociais da saúde sexual, elaboradas por trabalhadoras sexuais, possibilitam entender como vivenciam o aluguel de seus corpos, para além da prevenção de doenças e agravos aos seus corpos.

Palavras-Chave: Profissionais do sexo; saúde sexual; representações sociais; enfermagem em saúde coletiva; psicologia social

Abstract

The objective was to apprehend the representational meanings elaborated by sex workers on sexual health. It is a qualitative study, based on the theory of social representations in its procedural approach. The scenario was the micro-region of Guanambi-Ba, home to the Alto Sertão Produtivo Baiano. 132 female sex workers participated in this research and met inclusion criteria. The collection took place individually between the months of April 2017 to June 2018. Data collection techniques were used using the Free Word Association, which were analyzed with the aid of the IRAMUTEQ software, which enabled the Factorial Correspondence Analysis and the Similitude Analysis, as well as the In-Depth Interview, whose speeches were analyzed with the analysis of Semantic Content. Social representations about sexual health were constructed through the meanings associated by sex workers with health problems and body care, such as disease prevention. Some representations were consensual within the group of participants, when sex workers correlated with evocations such as condoms, contraceptives, exams, not getting pregnant, care, important and healthy sex, demonstrating that scientific knowledge of the disease process and the search for health and quality of life. Their mental constructions also showed that the subjective issues of sexuality comprise social representations when they associated self-esteem, satisfaction, happiness, love and quality of life with sexual health. We conclude that the social representations of sexual health, of female sex workers, make it possible to understand how they experience the rent of their bodies, in addition to preventing diseases and injuries to their bodies.

Keywords: Sex workers; sexual health; social representations; collective health nursing; social psychology

Define-se sexualidade como busca do prazer individual e realização pessoal, sendo um atributo experimentado por todos os seres humanos, não necessariamente está ligada ao sexo, mas é um sentimento compartilhado que desperta/dá prazer a si mesmo (Couto et al., 2020). O sexo é apenas uma das suas formas de alcançar a satisfação desejada (Foucault, 1985). A vida sexual, por sua vez, é definida pelas áreas envolvidas com a reprodução humana, como algo prático que remete ao comportamento sexual, seja para a procriação, mas uma das formas de obtenção do prazer (Foucault, 1985). Por isso, as ciências médicas, ao voltar o cuidado à sexualidade humana, foca apenas em questões técnicas e biologicistas (como a prática sexual, órgãos sexuais e a sua associação com os agravos à saúde) como contraceptivos, Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), esquecendo-se dos aspectos subjetivos que envolve a saúde sexual, como o prazer e o bem-estar das pessoas (Leite et al., 2015).

A saúde sexual, no âmbito da autonomia sexual, reprodutiva e dos direitos humanos, consiste na integração dos aspectos somáticos, emocionais, intelectuais e sociais do ser sexual, de modo que enriqueça positivamente e a melhore a personalidade e a capacidade de convivência social entre as pessoas e afeição (Foley, 2017; Couto et al., 2020). O propósito dos cuidados à saúde sexual deveria estar além da prevenção das IST mas, na promoção da qualidade de vida e das relações interpessoais (Leal et al., 2017; Thng et al., 2018).

Em se tratando das mulheres, inseridas no trabalho sexual consensual e remunerado, serão constantemente questionadas por algumas instâncias da sociedade, como o senso comum e o Estado, por estarem expostas a diversas situações de vulnerabilidades, entre elas a exposição do próprio corpo à violência e às IST, socialmente marginalizadas, inferiorizadas e estigmatizadas, sofrerem com as limitações do serviço de saúde (falta de regulamentação, proteção e amparo estatal), provocando maiores repercussões na qualidade de vida diariamente, sem contar na ausência da proteção do Estado para garantia dos seus direitos trabalhistas e oferta de segurança (Tota,2016).

Diante de tais situações que as expões às condições de vulnerabilidade, as trabalhadoras sexuais são colocadas no contexto das populações vulneráveis, em decorrência do cotidiano social de serviço em que estão inseridas e da subjetividade (que envolve a prática sexual remunerada) que é produto do afeto e da cultura, uma vez que utilizam o sexo como serviço (Leite et al., 2015). Contudo, as trabalhadoras sexuais questionam essa condição de vulnerabilidade imposta pela sociedade, pois muitas declaram se proteger de agravos como as IST (Couto et al., 2019).

Para elas, as vulnerabilidades as quais estão expostas decorrem da falta de proteção do Estado aos seus direito civis (algo reivindicado pelo coletivo das trabalhadoras sexuais), tais como: garantia dos direitos trabalhistas, reconhecimento e implementação da regulamentação da profissão, respeito ao serviço historicamente desempenhado em diversas civilizações e países, a redução dos estigmas e preconceitos, bem como, se não o ponto mais reivindicado, a segurança e proteção contra os diversos tipos de violência (Leal et al., 2017; Silva et al., 2013; Thng et al., 2018).

Ressalta-se que atualmente o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) reconhece a prostituição como ocupação regulamentada, inclusive há um projeto de lei para torna-las contribuintes da previdência social, com objetivo de ter direitos trabalhistas respeitados, piso salarial, ter a ocupação devidamente reconhecidas, de ir e vir sem ser apontadas e julgadas, sobretudo nos serviços públicos de saúde (Munhoz & Marta, 2014; Couto et al., 2020).

As trabalhadoras sexuais são caracterizadas por utilizarem o sexo como serviço oferecido, para em troca adquirir lucro e renda para seu sustento e, por isso, são vistas como imorais, desviantes e pecadoras pela sociedade, havendo pouca visibilidade. Muitas delas, sofrem agressões, tanto física como abusos sexuais, submetidas ao tráfico, estupros, roubos, insultos, xingamentos, humilhações, ofensas verbais e morais, pois elas não escolhem os clientes, o que as tornam mais vulneráveis (Foley, 2017). Além disso, outras que não são exploradas pelos cafetões, precisam impor limites aos clientes sobre o que pode ou não durante a prática sexual, garantindo assim, sua proteção, uma vez que há ausência do Estado em assegurar proteção e segurança (Leite et al., 2015; Leal et al., 2017; Thng et al., 2018).

Observa-se que há uma lacuna quando o assunto é a saúde sexual das profissionais do sexo, pois os estigmas sociais tornam essas mulheres invisíveis nos espaços públicos, inclusive dos serviços do Sistema Único de Saúde no Brasil, que através dos profissionais perpetram o preconceito institucional, dificultando o acesso aos serviços de prevenção e promoção à saúde e, consequentemente a obtenção de dados e indicadores sociais que possam revelar a situação de saúde sexual de trabalhadoras sexuais. Essa situação torna o estudo relevante, pois através das representações sociais, poderão ser evidenciadas a forma como elas significam a saúde sexual e vivenciam o cuidado sem seus corpos.

Desse modo, a Teoria das Representações Sociais (TRS) se adequa aos estudos com populações vulneráveis, como as trabalhadoras do sexo, por se preocupar com o conhecimento construído, compartilhado e difundido dentro dos grupos de pertencimento, além de evidenciar, conforme o relato clássico exposto por Jodelet (2001), as instancias de saber prático guiado para o diálogo e para a percepção do contexto social, material e ideativo no cotidiano em que as pessoas estão inseridas.

Dessa forma, as representações sociais possibilitam a familiarização daquilo que não é conhecido, ou seja, explicar e categorizar novos acontecimentos e ideias com as quais não teve contato anteriormente, possibilitando apreensão dos significados representacionais (Jodelet, 2001; Rojas et al., 2016). As representações sociais elaboradas por grupos de pertença social, como as profissionais do sexo, são caracterizadas por uma série de significados, opiniões, atitudes, explicações, comportamentos que são transmitidas a partir do cotidiano, experiências e vivências sobre fenômenos sociais, como a saúde sexual, cujas representações são elaboradas no inconsciente coletivo, categorizadas e nomeadas nos campos mentais e cognitivos das pessoas (Moscovici, 2015).

Os resultados da evidência das representações construídas socialmente são os modelos de conhecimento que apresentam como princípios intelectuais (imagens, conceitos, categorias, teorias), sem diminuir ou interferir nos componentes cognitivos (Couto et al., 2020; Moscovici, 2015). Assim, as representações sociais, ao longo do tempo, têm mostrado o modo como as trabalhadoras sexuais entendem a saúde sexual e aplicam esse conhecimento na prevenção e no cuidado aos agravos, nesse caso, os que interferem na obtenção do bem-estar e qualidade de vida no seu cotidiano de trabalho.

Portanto, é indispensável uma equipe de saúde preparada e capacitada para prestar assistência e acolhimento às necessidades dessas mulheres, de modo a identificar as condições de vulnerabilidade evidenciadas/relatadas pelas próprias trabalhadoras sexuais, delimitar as necessidade de cada uma e através dos resultados criar métodos de orientação e cuidados, prestando consultas qualificadas para cada uma, considerando o contexto social e de vida em que elas se encontras (Jenner et al., 2016).

Destarte, objetivou-se apreender os significados representacionais elaborados por trabalhadoras sexuais sobre saúde sexual.

Método

Participantes

Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado na Teoria das Representações Sociais em sua abordagem processual. A TRS se aplica a este tipo de estudo por colaborar com a idealização de uma realidade comum, que viabiliza a comunicação e compartilhamento de informação e formação do grupo de pertencimento (Jodelet, 2001; Moscovici, 2015). Dessa forma, as representações sociais são basicamente fenômenos sociais acessados a partir do sistema cognitivo, que devem ser compreendidos desde o quadro de criação, ou seja, a partir dos significados formados no inconsciente e revelados sob a forma de símbolos, ideias, ideologias e comportamentos, construídos, difundidos e compartilhados no grupo de pertencimento social (Couto et al., 2020; Jodelet, 2001; Moscovici, 2015).

As participantes do estudo foram trabalhadoras sexuais da Microrregião de Guanambi-BA, sede do Alto Sertão Produtivo Baiano e que tem em sua região de abrangência 19 municípios, com pouco mais de 400.000 habitantes (Oliveira et al., 2017). Compuseram a amostra, não probabilística por conveniência, 132 mulheres que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: idade igual ou superior a 18 anos e estar inserida no serviço sexual no período da coleta. Uma vez que este grupo possui invisibilidade social, há poucos registros quantitativos, quer seja em nível regional, quer nacional, o que dificulta estimar a população. O acesso às trabalhadoras sexuais ocorreu por intermédio das Agentes Comunitárias de Saúde (ACS) que fizeram os convites de modo prévio e ressaltaram o caráter voluntário e anônimo da participação.

A aproximação com as participantes deu-se por intermédio dos profissionais e ACS do Centro de Testagem e Aconselhamento Regional do município sede do Alto Sertão Produtivo. A coleta de dados ocorreu individualmente entre os meses de abril de 2017 a Junho de 2018, com aquelas que aceitaram os convites, cujas entrevistas ocorreram em salas fechadas de duas Unidades Básicas das Estratégias de Saúde da Família e de forma simultânea pelos próprios pesquisadores, localizadas próximas ao ambiente de trabalho dessas mulheres. Contudo, como algumas delas não puderam deslocar-se até estas unidades e, por isso, foram agendadas visitas, com autorização prévia do Centro de Testagem e Aconselhamento, para fins de coleta de informações nas residências ou locais de trabalho das participantes.

Material

A produção dos dados ocorreu com a aplicação do roteiro elaborado pelos pesquisadores (que continha itens para a caracterização das participantes, estímulos indutores para o Teste de Associação Livre de Palavras (TALP) e duas questões abertas para guiar a entrevista em profundidade. As questões estruturadas para caracterização, englobavam as variáveis idade, escolaridade, religião, satisfação com o trabalho e uso de preservativo e anticoncepcional. Salienta-se que o coordenador do projeto guarda-chuva e mais três alunas, previamente treinadas coletaram as informações, compondo também o grupo de autores do presente estudo.

Logo em seguida, elas falaram imediatamente cinco palavras que vinham à mente quando ouviam a expressão “saúde sexual” e, por fim, responderam a três questões abertas: “fale-me o que essas palavras que você evocou significa para você?” “fale-me o que você pensa ser saúde sexual” e “fale-me como você vivencia a saúde sexual no cotidiano da prostituição”. A média de tempo das respostas ao TALP foi de 35 segundos para cada participante. As entrevistas foram gravadas pelos recursos de um aparelho celular e tiveram duração média de 15 a 20 min. Com a entrevista foi possível entender o aprofundamento dos significados e conexões estabelecidas entre as palavras evocadas. Das 132 participantes, que responderam incialmente ao TALP, 40 aceitaram dar prosseguimento à coleta de informações, participando da entrevista em profundidade e respondendo às questões abertas.

As evocações foram analisadas com o auxílio do software IRAMUTEQ, o qual emitiu, respectivamente, o Mapa Fatorial de Correspondência e a Árvore Máxima de Similitude. O mapa fatorial, possibilita, por meio de correlações entre as variáveis sócio demográficas com as respostas do termo indutor, identificar congruências e divergências dentro do grupo de pertencimento, e assim delimitar as evocações com maior qui², que contribui para o eixo zero (0) do gráfico das ordenadas (Couto et al., 2017).

Para apresentar o grau de conexão do conteúdo lexical, apresentados no quadro de quatro casas, procedeu-se com a análise de similitude (Pontes et al., 2014; Russel & Norvig, 2015). Na sequência da observação e análise do eixo central, foram calculadas, pelo IRAMUTEQ, a coocorrência dos termos e o índice de similitude das palavras (duas a duas), quando considerou-se apenas os participantes que evocaram, ao menos, duas palavras, uma vez que uma relação de conexidade somente pode existir entre um e outro termo (Pontes et al. 2014). Em seguida formou-se a árvore máxima de similitude, que é a representação gráfica das conexões entre os elementos de uma representação social, sem permitir a formação de ciclos (Russel & Norvig, 2015).

Os discursos produzidos durante a entrevista foram organizados e transcritos (digitados) na íntegra no software Microsoft Word 2013, em seguida submetido Análise de Conteúdo Semântica, no intuito de se obter aprofundamento e clareza nos sentidos e significados atribuídos ao objeto de estudo (Rodrigues et al., 2017) e transversalizá-los com os métodos de análises das palavras evocadas no TALP e, dessa forma, alcançar a triangulação dos resultados (Zappellini & Feuerschütte, 2015) e os significados representacionais.

Procedimento

Ressalta-se que os nomes das participantes não são divulgados, garantido sigilo e anonimato das mesmas, sendo substituídos pela sigla TS (oriundo de Trabalhadora Sexual) acrescido do número de ordem de entrevista, exemplo: TS01, TS02 (...) TS40. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ensino Superior de Guanambi com protocolo de número 2.007.080/2017.

Resultados

A análise do mapa fatorial de correspondência (figura 1) apresentou que a variância total das evocações foi explicada com a soma dos valores percentuais das correlações emergidas com o processamento dos dados pelo software IRAMUTEQ, um total de 100% de aproveitamento das evocações utilizadas, o que demonstra fidedignidade dos parâmetros estatísticos e consistência das respostas.

Figura 1 Mapa Fatorial de Correspondência - Guanambi - 2020. 

Ao revelar fidedignidade estatística, a apresentação gráfica da AFC apresenta consenso entre o grupo de pertença, possibilitando uma análise significante. Para este estudo considerou-se a frequência mínima de 10 palavras, em decorrência da pluralidade do campo semântico elaborado pelas participantes, quando foram evocadas 804 palavras para 01 estímulo apenas, sendo 84 diferentes.

A AFC apresentou variações da organização espacial das variáveis, expondo aproximações e afastamento das variáveis fixas (utilizou-se para as correlações nível de escolaridade, tempo de serviço e prazer nas relações) e de opinião (evocações) nos dois fatores, fator 1 (F1) e fator 2 (F2). O mapa expõe a proximidade e o afastamento entre as características das trabalhadoras sexuais e suas respostas, contribuindo para a delimitação de consensos e dissensos. No eixo das abscissas (F1), há a tradução dos elementos mais significativos, necessários para a formação das representações, demonstrando 72,1% da variância total de respostas, enquanto no eixo das ordenadas (F2) houve menor variância, com 27,9% de contribuição dos vocábulos para o fator.

Logo, percebe-se que as variáveis de opinião, ao serem organizadas no mapa fatorial junto às linhas que compõem os eixos, possibilitam inferir que há mais consensos do que dissensos, e, portanto, demonstram coesão entre os significados elaborados pelo grupo de trabalhadoras sexuais e, desse modo, evidenciar as representações sociais construídas da vivência e experiência coletiva do grupo de pertencimento.

As variáveis fixas que apresentaram maior contribuição o F1+ foram as trabalhadoras sexuais com tempo de serviço entre 01 e 05 anos (*tempo_02), com níveis fundamental e médio de escolaridade (*escolaridade_01; *escolaridade_02) e aquelas que só sentem prazer sexual em algumas ocasiões (*prazer_03); o F1- teve contribuição tanto das mulheres com menos de 01 de ano de profissão, quanto daquelas com 01 a 05 anos de trabalho sexual (*tempo_01; *tempo _02), com nível médio de escolaridade (*escolaridade_02) e das mulheres que disseram que, às vezes, tinham prazer (*prazer_03) e das que não sentiam prazer sexual (*prazer_02). O F2 + foi influenciado tanto pelas mulheres com menos de 01 de ano de profissão, quanto daquelas com 01 a 05 anos de trabalho sexual; também contribuíram com o eixo as trabalhadoras sexuais com nível médio de escolaridade e pelas que diziam sentir prazer sexual às vezes ou nunca; o F2- foi conformado por evocações emitidas pelas trabalhadoras sexuais com 01 a 05 anos de serviço, baixo nível de escolaridade (fundamental) e que às vezes sentiam orgasmo.

São revelados três subgrupos, apresentados espacialmente no mapa fatorial, cujos conjuntos de evocações dá características aos mesmos. Contudo, ainda que os subgrupos estejam dispostos em oposição no gráfico, as evocações associadas ao termo indutor saúde sexual, revelam semelhança semântica, uma vez que as evocações próximas às linhas e, principalmente ao eixo zero (0) do gráfico, descritas em ordem de importância, têm significados semelhantes às práticas de cuidado/preventivas de saúde e de necessidades sexuais: preservativo, prevenção, exames, autoestima, importante, sexo saudável, bem estar e sentimento.

O que torna esse grupo de pertença homogêneo, mesmo com nuances percebidas com as contribuições de evocações nos dois fatores, são os demais termos dispostos em oposição no mapa fatorial e que, para as profissionais do sexo desse presente estudo tem associação com a interface entre a saúde sexual e reprodutiva: cuidado, anticoncepcional, qualidade de vida, orgasmo, profissionalismo, não engravidar e higiene.

As evidências suprareferidas podem ser corroboradas com a análise de similitude apresentada na árvore máxima de similitude (Figura 2), a qual apresenta, de modo espacial, as evocações com maior contribuição representacional por terem maior grau e força na conexão entre os vocábulos. Essa apresentação gráfica possibilita perceber como as representações são concatenadas tanto por meio da análise prototípica das palavras, quanto pela evidência de seu caráter multifacetado.

Figura 2 Árvore Máxima de Similitude - Guanambi - 2020. 

Desse modo, as palavras com influência significativamente estatística no mapa fatorial, são as que exercem as maiores forças de conexidade com o eixo central da possível representação das trabalhadoras sexuais para a saúde sexual: preservativo. Este vocábulo é central na árvore, tem o maior grau de ligação e de conexão com outras palavras e que dão sentido aos significados representacionais construídos nos campos cognitivos das mulheres: sexo saudável, prevenção, cuidado, autoestima, felicidade, amor, bom, satisfação e exame.

Ressalta-se que os elementos analisados na árvore de similitude (Figura 2), cujas expressões interligam o corpus numa rede, indica com precisão, através da força de ligação entre as palavras, a identificação de como se conforma as representações sociais (Russel & Norvig, 2015).

Tal vocábulo (preservativo) que se encontra no eixo zero do mapa fatorial, central na árvore de similitude e faz conexões com maior grau de ligação com as demais evocações, revelam as construções cognitivas das representações sociais do grupo de participantes do estudo, sendo evidenciada nos trechos dos discursos das participantes abaixo:

O preservativo é importante para a gente se proteger das doenças que os homens tem. A gente não pode se dar luxo de adoecer porque senão perde muito dinheiro. [TS 02]

A gente tem cuidar pra não engravidar, ter uma doença. Já pesou o tanto de dias, meses, de tempos que ficaria sem trabalhar? Já pensou grávida, ter que encontrar os homens, não são todos que aceitam não. [TS32]

A camisinha é muito importante, as meninas aqui que conheço, a gente não vacila não. Tem um ou outra que por cinquenta reais a mais, aceita fazer sem, mas eu não aceito e a maioria das colegas também não. [TS23]

É com o dinheiro daqui que tiro o meu sustento e dos meus dois filhos, até para minha mãe e minha irmã também eu mando dinheiro, porque se adoecer, tem um dinheirinho que já ajuda comprar um remédio, pagar um médico. [TS 11]

O postinho daqui do bairro, sempre dá camisinha e anticoncepcional pra gente, deixa caixas. Quem traz é a agente de saúde, ela é ótima, a enfermeira também. Marca os exames, a gente vai fazer, tem as consultas, a gente aqui da casa tudo vai. Tem que se cuidar pra não pegar uma doença venérea e a gente conseguir dinheiro. [TS 17]

Portanto, os trechos dos discursos acima evidenciam os significados das evocações e dá sentido ao conteúdo semântico elaborado pelas profissionais do sexo, que estão presentes próximo às linhas e ao eixo de intersecção do mapa fatorial, bem como compõem as principais palavras que fazem conexidades mais fortes, confirmando que as representações dessas mulheres sobre a saúde sexual, estão fundamentadas na ideia de prevenção de IST e de gravidez não planejada.

A gente tem que se amar muito, a enfermeira disse uma vez, na visita aqui em casa, e eu concordo, que quem tem amor próprio, ao seu corpo, se cuida. Interessante que ela é muito aberta com a gente, as outras duas (enfermeiras) antes dela não vinha aqui e olhava a gente de olho torto, mesmo a gente se cuidava e a agente de saúde sempre perguntava e marcava consulta pra gente. [TS 40]

Sabe, saúde sexual é ter sexo saudável, é ser protegida, umas se protegem pra não pegar doença e ter filho, mas outras não. Não precisa ter prazer com cliente, porque a maioria não vale nada, a gente porque se protege uma a outra é que muitos não fazem nada. Mas olha, é cada situação viu? Mas temos que ser forte. [TS 02]

Olha, saúde sexual é tudo isso, mas a agente uma vez falou, que é ter prazer, mas prazer é o dinheiro; o gozo, o orgasmo tenho com meu companheiro. Ele sabe de mim, mas, não pode sonhar que beijo cliente. Vou confessar, que tem uns poucos que nos tratam bem e sabe pegar de jeito, que não pra onde correr, que goza. [TS 01]

Eu tenho tanto tempo na vida, que não sou rica, pois os clientes querem pagar pouco, mas consegui comprar casa, carro, meu pai mora comigo, meu filho tem tudo do bom e do melhor, escola paga, plano de saúde, um pouquinho de qualidade de vida né? Mas, isso tudo porque juntei dinheiro viu? Foco é tudo. A cada quatro meses vou para outra cidade e vou vivendo assim, depois que descobri que é melhor pra ter clientes que pagam mais. [TS27]

Eu não troco o trabalho sexual por nada, ter que trabalhar em casa de madame, ouvir desaforo e receber uma miséria, no máximo um salário pra ser explorada. Na eu tenho tudo que preciso e para meus dois filhos. Tenho bem estar, qualidade de vida, meu filhos tem tudo de melhor, pago escola para eles, tenho tempo para mim. No dia que não estou a fim, não vou pra rua. Não trabalho também para os outro há muitos anos. Imagine a exploração? Deixar cinquenta por cento, com uma desgraçada que não tá nem aí se você está bem ou não. [TS14]

Seja no grupo hegemônico, seja no subgrupo de trabalhadoras sexuais que contribuíram com o presente estudo, percebe-se que há um universo consensual nas representações sociais sobre saúde sexual e, estão correlacionadas, tanto aos aspectos de prevenção do adoecimento, decorrente de ITS, assim como da gravidez não planejada, quanto à satisfação sexual (orgasmo e prazer) caracterizando, respectivamente, as dimensões da promoção à saúde e qualidade de vida, autonomia sobre o cuidado com o corpo, além de aspectos subjetivos da sexualidade humana como bem estar, autoestima e orgasmo.

Discussão

A saúde sexual sob a égide dos direitos humanos, engloba o exercício pleno da sexualidade além do aspecto reprodutivo, sendo o último uma escolha e não apenas uma condição imposta pelo homem à mulher (Bandrés et al., 2014). Diante disso, permeia-se sobre este conceito a relação de decisão refletida sobro os corpos femininos, como algo próprio a elas e que a sexualidade e a escolha sobre a maternidade devem ser exercidas sem constrangimento e de forma plena (Deschamps, 2006; Guimarães et al., 2019).

No entanto, o ato sexual ainda induz a comportamentos sociais entremeados por situações de estranhamento e hostilidade, sobretudo a comportamentos misóginos que caracterizam o sexo feminino como receptora do ato sexual e assim, principal vulnerável da aquisição de infecções sexualmente transmissíveis, geralmente quando há violência de gênero e o abuso sexual (Foucault, 1985; Broqua & Deshamps, 2014; Silva et al., 2019). Dentro desta perspectiva, mulheres que participam de atividades ocupacionais inerentes ao mercado do sexo, perecem como um grupo estigmatizado e sempre associado a uma classe que aumentam a probabilidade de transmissão de HIV/AIDS, pela rotina que enfrentam constantemente (Couto et al., 2019; Leite et al., 2015).

A literatura aponta que a necessidade de usar o copo para ter o poder de aquisição de bens materiais, através de recursos financeiros, faz as trabalhadoras sexuais buscarem cuidado como prevenção de IST e da gravidez não planejada, através de dispositivos, como os contraceptivos e o preservativo no acesso aos serviços de prevenção à agravos (Carter et al., 2019; Munhoz & Marta, 2014). Tal inferência vai ao encontro dos significados elaborados aqui e que tiveram forças de correlação e de conexão com as evocações que deram sentido representacional à saúde sexual, como prevenção, preservativo, cuidado, não engravidar e anticoncepcional, sendo esclarecidos nos discursos das participantes.

Apesar do contexto da prostituição ser vinculado a vulnerabilidades às IST, vivências e experiências ao diversos tipos de violências apontam que as trabalhadoras do sexo participam de serviços que promovem proteção à sua saúde sexual, reprodutiva e dignidade humana, abarcando conceitos de cuidados com seus corpos (Arboit et al., 2014; Couto et al, 2019). O eixo central que rege as representações sociais enseja que há a convicção do ideal de prevenção, visto que, o sexo em sua conjuntura é permeado por ideais de uso do preservativo, busca por realização de exames frequentes e o planejamento para anticoncepção (Thng et al., 2018).

Porém, a literatura aponta que a busca por serviços institucionais de saúde encontra-se permeada por barreiras que confrontam o acesso delas ao atendimento integral perpetuado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (Arboit et al., 2014; Leite et al., 2015). Logo, a rede comporta ações e serviços realizados por profissionais inaptos ao atendimento destas mulheres e um déficit de políticas públicas que atendam de fato a demanda deste público (Leite et al., 2015; Furtado et al., 2016). Todavia, os dados desse presente estudo, com as trabalhadoras sexuais do Alto Sertão Produtivo Baiano, indicam que estas mesmas mulheres ao adentrarem os meios para buscarem tanto orientações, como métodos curativos, vislumbram um ambiente com extrema prevalência de julgamentos pré-concebidos, que dificultam a interação entre profissional e usuário, contribuindo para persistência de estigmas e desigualdades sociais.

Reverbera em diversos estudos que os provedores de saúde fundamentam seus discursos em ideias reducionistas, onde as mulheres profissionais do sexo buscam as unidades de saúde apenas para o aspecto relacionado ao tratamento de IST, demonstrando uma internalização do preconceito por parte destes que remete ao início da pandemia da Aids (Bonadiman et al., 2012; Couto et al., 2020). Entretanto, na presente pesquisa, há evidências de que as mesmas associam um sexo seguro com preservativo como um meio eficiente de prevenir a infecção pelo HIV ou quaisquer tipos de IST, fundamentando a base preventiva. Portanto, as intervenções dispostas a este grupo não são mediadas por questões de saúde.

No presente estudo pertinente a mulheres profissionais do sexo do Alto Sertão Produtivo Baiano, há representações sociais vinculadas a noção de prevenção de agravos por meio do uso do preservativo, que as protegerá do HIV, pois estas também fazem associação do sexo saudável a busca por realização de exames frequentes, prevenção e diagnóstico, bem como conceitos de proteção a uma gravidez não planejada pelo uso de anticoncepcionais. Todavia, segundo Couto et al. (2019) o estudo vai ao encontro da ideia de que trabalhadoras sexuais fazem uso do preservativo nas práticas sexuais com clientes, mas idealizam uma relação sexual com ausência do preservativo em parceiros fixos, pelo estabelecimento de relações afetivas e da busca pelo orgasmo, sendo um significado também revelado aqui através dos termo satisfação e prazer.

O estudo corrobora com a questão da sexualidade e da satisfação sexual, pois esta se enquadra como um fenômeno inerente a vida humana, sendo um momento pertinente a satisfação sexual atribuída ao ápice do prazer e ao bem-estar (Couto et al., 2019; Foucault, 1985; Silva et al., 2013). Mas, apesar da atividade ocupacional destas trabalhadoras ser meramente sexual, estas possuem insuficiência inerente a sua própria sexualidade, pois as relações presumem preocupação quanto à satisfação sexual do cliente diante do serviço realizado, quando estes não atingem orgasmo devido ao déficit de envolvimento nas relações humanas; o prazer pessoal delas é obtido com o dinheiro oriundo dos seus clientes e o orgasmo atingido com companheiros ou por quem elas nutrem alguma feição (Cabral, 2017; Foley, 2017). Destarte, em circunstâncias onde o sexo é vinculado ao parceiro fixo, este além de serem mencionados a desproteção, estão relacionados ao contentamento sexual e, por conseguinte, ao prazer (Leite et al., 2015; Foucault, 1985).

A vida pessoal e profissional das trabalhadoras sexuais possui limites simbólicos estabelecidos pelas próprias, como um modo de segurança e proteção, por determinar o que é permitido ou não durante a prática sexual com os clientes (Deschamps, 2006). Dentre esses limites há a associação do prazer à satisfação sexual, a qual é experenciada com algum cliente que despertou sentimento afetivo ou no espaço privado do lar com seus companheiros (vida pessoal). Por sua vez, na vida profissional, as trabalhadoras estabelecem o contrato sexual com os clientes com o qual deve ser firmado a troca do dinheiro (obtenção do lucro) pelo prazer alcançado por eles (Broqua & Deshamps, 2014; Pasini, 2000).

Durante o trabalhado sexual, as mulheres envolvidas diferenciam o tipo de serviço ofertado, a caracterização do cliente (aqueles que para elas podem ser os melhores clientes), bem como deve ser desempenhada as relações com eles. Também são determinados por elas as formas de pagamento, a quantia e a duração do trabalho. Percebe-se, então, que o lucro obtido é a representação simbólica de uma relação comercial, entretanto no âmbito do serviço sexual, a fornecedora é a trabalhadora sexual e o consumidor os clientes (Broqua & Deshamps, 2014; Zelizer, 2009). Por esse motivo, o trabalho sexual é realizado sem os sentimentos de culpa, que a sociedade pensa que elas possuem, sobretudo aquelas que têm empoderamento sobre a profissão e o que esta representa na vida delas, tão quanto os enfrentamentos necessários para superar as adversidades que a prostituição, em diversos momentos as impõe (Deschamps, 2006; Piscitelli, 2007).

A literatura mostra que o poder de aquisição de bens materiais são representações e percepções relacionadas a satisfação da profissão para algumas trabalhadoras, uma vez que, através de recursos financeiros, obtém autonomia e melhor qualidade de vida para si e sua família, o que motiva a se prostituir (Munhoz & Marta, 2014; Graça & Gonçalves, 2015). Logo, seja em função do lucro ou do prazer, apreendida na memória coletiva das trabalhadoras sexuais, há associação com o ato sexual, o que se coaduna com os discursos representacionais das profissionais do sexo que trabalham na zona boêmia do centro de Belo Horizonte (França, 2017).

Tais evidências também foram percebidas em um estudo realizado na França, com trabalhadoras sexuais, quando foi mostrado um contraponto do senso comum da sociedade francesa, em que o sexo não pode ter valor atribuído ou se cobrar pelo prazer obtido através dele, contudo consideraram aceitável trocar a satisfação sexual por fantasias ou juras de amos (Broqua & Deshamps, 2014).

Em pesquisa desenvolvida com o objetivo de entender o ‘ser prostituta’, apontou que as profissionais do sexo representam as práticas sexuais a partir do prazer e do orgasmo sob o aspecto financeiro quando associado aos clientes, pois esta foi a maneira que encontraram para conquistar renda que favorecesse bem-estar, qualidade de vida e melhoria das condições de vida de seus pais e filhos (Couto et al., 2020). Deste modo, algumas gostam do que fazem, se sentem bem com a prática da prostituição e não pensam em mudar de profissão, pois não veem outra opção para obter uma renda melhor (Arboit et al., 2014; Leite et al., 2015; Zelizer, 2009).

Outrossim, conclui-se que os significados representacionais construídos pelas trabalhadoras sexuais estiveram associados a prevenção de agravos à saúde e ao cuidado com o corpo, instrumento de trabalho delas. Configurou-se um universo consensual as representações apreendidas, pois houve correlação com léxicos como preservativo, anticoncepcional, exames, não engravidar, cuidado, importante e sexo saudável, demonstrando noção do conhecimento biologista do adoecimento e da busca pela saúde e bem-estar. As construções mentais delas mostraram também que as questões subjetivas da sexualidade também conformaram as representações sociais das trabalhadoras sexuais dessa pesquisa, uma vez que correlacionaram autoestima, satisfação, felicidade, amor e qualidade de vida à saúde sexual.

O estudo possuiu limitações, por não ter tido acesso aos registros oficiais do quantitativo de trabalhadoras sexuais a nível nacional e regional, tornando-se inviável proceder com amostragem probabilística, optando-se pela amostra por conveniência (adequada a estudos qualitativos, fundamentada na TRS. Outra limitação pertinente é lacuna teórica existente entre estudos com trabalhadoras do sexo e representações sociais sobre saúde sexual, os poucos publicados são focalizados na esfera epidemiológica e positivista.

Contudo, o estudo é pertinente, pois as representações analisadas coincidem com as informações apresentadas em estudos anteriores feitos em outros locais do Brasil e de outros países. Todavia, estiveram relacionados à percepção e não às representações sociais, o que o torna inédito, pois além disso, traz à tona que o entendimento sobre saúde sexual está fundamentado em diversas perspectivas. Os resultados possibilitam conhecer nuances específicas de um grupo de trabalhadoras sexuais que vivem em uma das regiões mais carentes e distantes dos grandes centros, que vão além do que já está posto na literatura.

Refletir sobre a representações social da saúde sexual, a partir das construções mentais originadas nos campos cognitivos das mulheres inseridas no serviço sexual consensual e remunerado, aponta caminhos que levam ao entendimento de como ela vivenciam o aluguel de seus corpos e entendem sobre saúde sexual, na esfera da prevenção de IST/Aids, do cuidado com o corpo (instrumento de trabalho), do prazer e da qualidade de vida e, desse modo, possibilita que profissionais de saúde repensem suas práticas de cuidado sobre esse grupo estigmatizado e vulnerável, favorecendo a melhoria do acesso aos serviços de saúde e na diminuição de estigmas e preconceitos.

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Recebido: 16 de Fevereiro de 2020; Aceito: 23 de Maio de 2021

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