A diabetes mellitus tipo 2 (DM2) e a depressão são duas doenças crónicas altamente prevalentes nos países desenvolvidos e ambas constituem um problema de saúde pública com impacto negativo na qualidade de vida das populações e com implicações psicossociais importantes (Felisberto et al., 2017).
A nível global, estima-se que a prevalência da diabetes entre os indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos seja de 8,5% (cerca de 422 milhões de pessoas) (WHO, 2014). Em Portugal, a prevalência estimada desta doença na população com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos ascende aos 13,3% (Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes, 2016).
Também a depressão é muito comum a nível mundial, estimando-se que afete cerca 5,3% dos indivíduos (264 milhões de pessoas) (GBD, 2018). Em Portugal esta realidade é ainda mais preocupante e no ano de 2017 a Direção Geral da Saúde publicou o Programa Nacional para a Saúde Mental que revelou uma proporção de 9,32% de perturbações depressivas nos utentes inscritos nos Cuidados de Saúde Primários (DGS, 2017).
Nos últimos anos, alguns estudos têm demonstrado que a depressão é mais comum nos doentes diabéticos do que na população geral podendo afetar até 30,5% destes indivíduos (Pouwer et al., 2013). Curiosamente, parece existir uma associação bidirecional entre estas duas patologias, sendo que cada uma delas constitui tanto um fator de risco como uma consequência da outra (Oladeji & Gurete, 2013; Pouwer et al., 2013).
Os mecanismos nos quais esta associação assenta ainda não estão completamente esclarecidos. Por um lado, em termos biológicos, tanto a depressão como a diabetes estão associadas a uma disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) com consequente hipercortisolismo e ativação de cascatas pró-inflamatórias que potenciam a apoptose de células beta do pâncreas e a insulino-resistência. Por outro lado, os fatores psicossociais inerentes à perturbação depressiva como menores auto-cuidados e pior gestão da doença, bem como a ocorrência de complicações agudas ou tardias da diabetes e a insulinoterapia parecem potenciar a co-ocorrência destas duas patologias (Bogner & McClintock, 2016; Felisberto et al., 2017). Não obstante, os indivíduos com DM2 e depressão parecem ter o dobro da probabilidade de apresentar outros fatores de risco CV como presença de hábitos tabágicos, obesidade e/ou sedentarismo, potenciando ainda mais o risco de complicações micro e macrovasculares e de mortalidade do que aqueles sem depressão (Fiore et al., 2015).
Esta questão adquire ainda maior relevância se pensarmos que o prognóstico destas doenças quando ocorrem em simultâneo é pior do que o prognóstico de cada uma individualmente. Neste sentido advoga-se que a depressão diminui a capacidade do doente e da sua família para lidar com o diagnóstico de DM2, prejudica os autocuidados, diminui a adesão ao tratamento e dificulta a relação e comunicação entre o profissional de saúde e o doente (Park & Reynolds, 2015). Como consequência, os indivíduos diabéticos com depressão vão apresentar pior controlo metabólico, mais complicações de doença, maior morbimortalidade e, consequentemente, custos socioeconómicos mais elevados a longo prazo (Felisberto et al., 2017; Foley et al., 2018; Park & Reynolds, 2015).
Dada a prevalência destas entidades clínicas, assim como o seu impacto na qualidade de vida dos doentes, torna-se pertinente identificar e caraterizar os vários fatores que concorrem para a presença destas duas patologias no mesmo indivíduo. Apesar disso, poucos trabalhos examinaram a associação entre depressão e diabetes na população portuguesa.
Nesse sentido, com este estudo pretende-se caraterizar os indivíduos com o diagnóstico de DM2 e depressão quanto às suas características sociodemográficas, grau de controlo da doença, terapêutica hipoglicemiante, fatores de risco cardiovasculares e complicações micro-vasculares no contexto dos Cuidados de Saúde Primários.
Método
Foi realizado um estudo observacional, transversal e analítico em duas Unidades de Saúde Familiar (USF) de Coimbra, pertencentes à Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC), entre setembro e dezembro de 2019.
Participantes
A população do estudo incluiu utentes com idade igual ou superior a 18 anos que apresentavam o problema diabetes tipo 2 ativo, codificado como T90 pela Classificação Internacional de Cuidados de Saúde Primários - 2 (ICPC-2). Foram considerados os seguintes critérios de exclusão: 1) idade inferior a 18 anos; 2) utentes não frequentadores (sem consulta médica há mais de 36 meses) ou sem registo de estudo analítico nos últimos 12 meses; 3) diagnóstico de diabetes tipo 1, codificado na lista de problemas como T89 da ICPC-2; 4) história de diabetes gestacional; 5) registo clínico de abuso de álcool ou de drogas, esquizofrenia, psicose ou alteração da personalidade.
O tamanho da amostra foi calculado com recurso a calculadora online (http://powerandsamplesize.com/Calculators/Test-1-Proportion/1-Sample-Equality). O teste estatístico assumido foi um teste de proporções para uma amostra. Para os valores típicos de significância (α=0,05) e de potência de teste (1-β=0,08), verificou-se que o tamanho da amostra mínimo é de 311 sujeitos. A aleatorização da amostra foi realizada através da aplicação Random.Org® (https://www.random.org).
Material
As variáveis recolhidas foram: idade (em anos); sexo (masculino ou feminino); tempo decorrido desde o diagnóstico de DM2 (em anos); problema ativo de perturbação depressiva major - (presença ou ausência da codificação ICPC2 de P76 - Perturbação depressiva, P76.001 - Depressão; P76-016 - depressão endógena); IMC - índice de massa corporal (em kg/m2); valor de LDL (em mg/dL); valor de hemoglobina glicada (em %); tipo de terapêutica hipoglicemiante (nenhuma; apenas antidiabéticos orais/análogos da GLP1 (aGLP1); antidiabéticos orais/aGLP1 e insulinoterapia; apenas insulinoterapia); HTA - hipertensão arterial (presença ou ausência); tabagismo (presença ou ausência); complicações microvasculares (presença ou ausência).
Procedimento
Os dados foram obtidos a partir das plataformas MIM@UF, SClinico® e MedicineOne®, foram organizados em Microsoft Excel® e posteriormente analisados usando estatística descritiva e inferencial.
As variáveis nominais foram descritas através da frequência absoluta e relativa e a associação entre as mesmas foi avaliada com recurso ao teste exato de Fisher. As variáveis quantitativas foram descritas com base na média e no desvio padrão e foi avaliada a sua normalidade usando o teste de Shapiro-Wilk. As comparações entre grupos das variáveis quantitativas foram realizadas por intermédio do teste t-student para amostras independentes sempre que o pressuposto de normalidade era cumprido e, no caso contrário, usando o teste de Mann-Whitney. As análises foram realizadas usando a plataforma IBM® SPSS® Statistics 26 e adotou-se o nível de significância de 0,05.
Foi garantida a confidencialidade dos dados dos utentes envolvidos no estudo, tendo sido concedido parecer favorável da Comissão de Ética da Administração Regional de saúde do Centro.
Foram adotadas as normas STROBE para a redação do presente artigo.
Resultados
No total foram incluídos 389 indivíduos com o diagnóstico de DM2, sendo 53,5% do sexo masculino (n=208). No quadro 1 podemos observar as caraterísticas sociodemográficas da nossa amostra bem como a caraterização da mesma quanto às variáveis de estudo.
A média de idades observada foi de 70,7 anos (± 10,6 anos), sendo que 75,1% dos indivíduos apresentam idade igual ou superior a 65 anos.
Relativamente à DM2, a duração média do tempo decorrido desde o diagnóstico foi de 8,1 anos (± 6,1 anos). Quanto ao controlo e evolução da doença, a média do valor de HbA1c observado foi de 6,9% (± 1,2%), com 80 (20,6%) indivíduos a apresentar já complicações microvasculares como retinopatia, nefropatia ou neuropatia diabéticas.
Se analisarmos os fatores de risco cardiovasculares da nossa amostra, a maioria apresenta excesso de peso ou obesidade (n=180, 46,3% e n=129, 33,1%, respetivamente), dislipidemia (n=276, 70,9%) e hipertensão arterial (n=341, 87,7%).
Quanto à terapêutica hipoglicemiante, a maioria dos indivíduos está sob terapêutica exclusivamente com antidiabéticos orais/aGLP1 (n=274, 70,4%) e 69 apresentam esquemas mais intensivos de ADO/aGLP1 e insulinoterapia em simultâneo.
No quadro 2 apresentamos uma comparação entre os indivíduos sem depressão e com depressão tendo em conta as suas caraterísticas sociodemográficas.
Nota: DP - desvio-padrão; HbA1c - hemoglobina glicada; IMC - Índice de massa corporal; kg/m2 -quilograma por metro2; M - média; n - frequência absoluta; % - frequência relativa
A média obtida da prevalência da depressão na amostra foi de 30% (IC95%, 25-35%). Se comprarmos este valor com a prevalência da depressão na população em geral que é de 9,32% (in Programa Nacional para a Saúde Mental, 2017), observam-se diferenças estatisticamente significativas entre a proporção de depressão observada e a proporção para a população em geral (teste binomial, p<0,001). Observou-se ainda uma associação estatisticamente significativa entre a depressão e o sexo (Teste exato de Fisher, p < 0,001). Esta associação é no sentido de as mulheres diabéticas serem mais propensas a desenvolver depressão. Neste grupo, a chance das mulheres terem depressão é aproximadamente 3 vezes superior à dos homens (OR=3,1; IC95% [1,98; 4,90]). Correlacionamos ainda a idade com a incidência de depressão e observamos que não existe uma associação estatisticamente significativa entre a depressão e a faixa etária (Teste exato de Fisher, p = 0,427).
Foi igualmente analisada a associação entre a depressão e vários parâmetros clínicos e metabólicos nos utentes diabéticos (Quadro 3). A duração da diabetes ou o controlo da doença não parecem afetar a frequência de depressão na população diabética (p = 0,548 e p = 0,869, respetivamente).
Nesta amostra, os diabéticos com hipertensão arterial, dislipidemia, hábitos tabágicos ou excesso de peso não apresentaram maior incidência de depressão. Também não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre a presença de depressão e o tipo de terapêutica hipoglicemiante ou a presença de complicações microvasculares.
Discussão
A DM2 é uma doença crónica muito prevalente na nossa população e está muitas vezes associada a outras comorbilidades. Na nossa amostra, a prevalência da depressão na população diabética foi de 30%, o que vai ao encontro dos resultados obtidos noutros estudos levados a cabo na população ocidental e cujos resultados variam entre 17 e 30,5% (Féki et al., 2019; Park & Reynolds, 2015; Pouwer et al., 2013).
Se compararmos o valor obtido para a prevalência de depressão da nossa amostra (30%) com a prevalência da depressão calculada para a população geral em Portugal (9,32%), a primeira é significativamente superior. Este achado corrobora as conclusões de outros autores que afirmam que a população diabética tem um risco duas a três vezes maior de desenvolver depressão (Felisberto et al., 2017).
Não obstante, as diferenças encontradas ao nível da prevalência dos sintomas depressivos nos estudos publicados até à data podem ser explicadas em parte devido à heterogeneidade dos métodos e escalas de avaliação do risco de depressão entre os vários países bem como às diferenças sociodemográficas da própria população (nível socioeconómico, meio rural versus meio urbano, acesso aos cuidados de saúde, entre outros) (Féki et al., 2019). Também deve ser realçado outro aspeto que pode ter influenciado a proporção de depressão na nossa amostra: a subjetividade quanto ao diagnóstico e codificação de perturbação depressiva na lista de problemas ativos do utente, que nem sempre segue os critérios convencionalmente utilizados na prática clínica para o diagnóstico de depressão major descritos na Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - 5 (DSM-V).
Relativamente ao sexo, o facto de no nosso estudo a depressão ser mais frequente na mulher diabética do que no homem diabético vai ao encontro de revisões anteriores que também analisaram estas diferenças entre os sexos. De facto, tem-se verificado que a prevalência de depressão é significativamente superior nas mulheres diabéticas (28,2%) comparativamente aos homens diabéticos (18%) (Felisberto et al., 2017; Hsu et al., 2020). Também numa revisão sistemática publicada Roy e colaboradores concluiu-se que, à exceção de um único estudo levado a cabo em 2009 no sul de Inglaterra, todos indicaram que este achado é verdade tanto para a DM2 como para a DM1 (Holt et al., 2009, Roy & Llloyd, 2012). A título de exemplo, Fiore et al. descreveram um aumento do risco relativo de desenvolver depressão nas mulheres diabéticas de 1,29 quando comparado com os indivíduos não diabéticos e este risco permaneceu significativamente aumentado mesmo depois de se ajustar o risco à presença de outras comorbilidades ou esquema terapêutico (Fiore et al., 2015).
Relativamente ao papel da idade como fator de risco para o desenvolvimento de depressão na população diabética, não encontramos diferenças estatisticamente significativas na nossa amostra. Contrariamente aos resultados por nós obtidos, vários estudos têm afirmado haver uma associação entre a idade e o desenvolvimento de depressão na população diabética. A título de exemplo, uma investigação desenvolvida na comunidade americana reportou um aumento da prevalência da patologia mental nos adultos jovens com DM2, incluindo a perturbação depressiva (Roy & Lloyd, 2012). Por outro lado, Golden e restante equipa consideraram também a idade avançada como um fator de risco para o desenvolvimento de depressão nesta população (Roy & Lloyd, 2012). Já na população europeia, as conclusões de um estudo transversal que envolveu 21845 participantes noruegueses, os doentes com DM2 na faixa etária entre os 40 e 50 anos apresentaram o dobro da prevalência de depressão quando comparados com a população não diabética (Felisberto et al., 2017). Assim, o papel da faixa etária no desenvolvimento de sintomas depressivos nos doentes diabéticos permanece incerto e são necessários mais estudos para clarificar esta questão.
No nosso estudo não encontramos associação estatisticamente significativa entre a prevalência de depressão na população diabética e o tipo de terapêutica hipoglicemiante instituída. Este achado não vai ao encontro do que é descrito na restante literatura em que se refere que os diabéticos sob terapêuticas mais intensivas têm mais tendência a desenvolver sintomas de depressão nos primeiros 3 anos de doença quando comparados àqueles sob terapêutica hipoglicemiante menos intensiva (Fiore et al., 2015).
Se analisarmos agora os resultados obtidos quanto à eventual associação entre depressão na população diabética e o mau controlo metabólico e presença de outros fatores de risco cardiovasculares, curiosamente não encontramos no nosso estudo qualquer associação estatisticamente significativa. Também este achado vai contra os resultados obtidos noutros estudos e que merecem ser referidos. A título de exemplo, Sharif e colaboradores, no Departamento de Endocrinologia no Hospital de Lahore, no Paquistão, encontraram uma associação entre a depressão nos doentes diabéticos e a presença de dislipidemia, mau controlo metabólico (HbA1c >7,5%) e complicações microvasculares da diabetes (Sharif, 2019). Esta ideia tem sido corroborada por vários outros estudos longitudinais prospetivos que demonstraram que os indivíduos diabéticos com depressão têm maior risco de complicações e apresentam valores mais elevados de hemoglobina glicada (Pouwer et al., 2013; Roy & Loyd, 2012).
Podemos conjeturar que as diferenças encontradas nos resultados obtidos em relação aos estudos já publicados refletem diferentes critérios de diagnóstico para cada doença mas também a variabilidade em termos de países, fatores socioeconómicos e outros ainda não compreendidos e que por este motivo necessitam ser analisados em estudos futuros.
Relativamente à relação entre a depressão e a diabetes esta parece ser bidirecional e refletir fatores de risco partilhados entre estas duas patologias (Roy & Loyd, 2012; Semenkovich et al., 2015). Por um lado, a evidência parece sugerir que a depressão é um fator de risco para o desenvolvimento de DM2 o que pode ser explicado por diversos mecanismos neuro-biológicos de desregulação endotelial, inflamação crónica sistémica e disfunção do eixo hipotálamo-hipofise-suprarrenal (Zhang et al., 2018). Esta disfunção leva à hiperativação do sistema nervoso simpático com libertação de cortisol e de catecolaminas responsáveis pela desregulação do metabolismo da glicose e dos lípidos e consequente insulino-resistência. Além disso, a depressão conduz muitas vezes a um estilo de vida sedentário, erros alimentares, excesso de peso e obesidade, piores auto-cuidados e até mesmo atraso na iniciação da insulinoterapia (Féki et al., 2019; Pouwer et al., 2013). Adicionalmente, alguns medicamentos utilizados na depressão podem ter efeitos diretos no controlo glicémico (Semenkovich et al., 2015). Por outro lado, o diagnóstico de uma doença crónica como a diabetes, os esquemas terapêuticos a ela associados e receio de eventuais complicações poderão estar na base no desenvolvimento de depressão (Féki et al., 2019).
Katon et al., num estudo longitudinal, concluiu que o diagnóstico e tratamento atempados da depressão na população diabética aumenta os auto-cuidados, com impacto positivo nas complicações e na mortalidade, reduzindo assim os custos socioeconómicos associados à doença (Belvederi et al., 2017; Fiore et al., 2015). Pelos motivos já expostos, a Associação Americana de Diabetes (ADA) recomenda que a perturbação depressiva seja regularmente despistada em todos os doentes com DM2 (ADA, 2020). Infelizmente, as equipas de saúde nem sempre estão sensibilizadas para esta realidade e a depressão é muitas vezes subdiagnosticada nesta população. Apesar desta conduta inicialmente aumentar o tempo despendido na consulta, a longo prazo potencia os ganhos em saúde e o bem-estar junto da nossa população diabética aumentando de forma significativa a qualidade de vida destes indivíduos.
Como principais limitações deste estudo destacamos o facto de se tratar de um estudo observacional transversal, o que limita a possibilidade de tirar conclusões quanto à causalidade e relação temporal entre a depressão e a diabetes. Também o facto de se ter optado por utilizar como comparador a população geral nacional e não um grupo controlo poderá enviesar resultados. Além disso, o nosso estudo é unicêntrico e regional, não sendo representativo à escala nacional. Também a ausência de medidas objetivas para o diagnóstico de depressão deve ser tida em conta. Apesar dos critérios de depressão major estarem definidos na DSM-V, o diagnóstico de depressão assenta muitas vezes em caraterísticas subjetivas que podem ser diferentes conforme o profissional de saúde que avalia o doente. Algumas manifestações de depressão podem assim não ser valorizadas uma vez que não preenchem na totalidade os critérios da DSM para o diagnóstico de depressão major contribuindo para o seu subdiagnóstico. Em terceiro lugar deve ser referido o viés do registo uma vez que o diagnóstico de depressão foi obtido após consulta da lista de problemas ativos do processo clínico de cada utente e algumas vezes a mesma não se encontra atualizada. Por fim, há ainda a referir a ausência de um grupo controlo para comparação.
Como pontos fortes destacamos o fato de se tratar de um estudo pioneiro em Portugal com uma amostra obtida exclusivamente dos cuidados de saúde primários.
Propomos que no futuro sejam desenvolvidos novos estudos com desenhos longitudinais prospetivos capazes de analisar a relação temporal entre a depressão e a diabetes bem como a presença e tipo de medicação antidepressiva/controlo da sintomatologia depressiva e controlo metabólico. Também será pertinente comparar a população diabética com um grupo controlo e que abranja uma amostra mais representativa dos vários contextos socioeconómicos e educacionais, analisando a diferença entre a população urbana e rural e incluindo variáveis como desemprego, disfunção familiar, luto, isolamento social e sedentarismo, por exemplo. Finalmente, clarificar os mecanismos fisiopatológicos que estão na base da associação entre a depressão e a diabetes torna-se ainda mais importante se pensarmos nas eventuais terapêuticas futuras para estas duas patologias (Lloyd et al., 2020; Zhang et al., 2018).
O desafio para a nossa prática clínica consiste em reconhecer os diabéticos mais vulneráveis para a depressão, melhorando a sua qualidade de vida e bem-estar psicológico e social, não nos focando apenas no controlo metabólico da diabetes. Para tal é necessária uma abordagem multidisciplinar que assente em estratégias preventivas e terapêuticas multifatoriais.
Com este estudo concluímos que a prevalência da depressão é significativamente superior na população diabética em relação à população geral, sobretudo no sexo feminino. Considerando os efeitos sinérgicos negativos destas duas comorbilidades, a prevenção e tratamento atempados da depressão assume um papel essencial no controlo da diabetes.
Apesar de ainda serem necessários mais estudos que compreendam a influencia da depressão na diabetes, recomendamos fortemente o rastreio da depressão junto dos diabéticos realizado por todos os profissionais que contactam com estes doentes uma vez que a compreensão dos aspetos socioemocionais e uma visão mais holística dos cuidados a estes indivíduos permitirão um melhor controlo da doença e, consequentemente, levará a ganhos em saúde.