Em se tratando dos cuidados a respeito da saúde física e mental, sabe-se da complexidade de fatores envolvidos. O ser humano é atravessado por vertentes biológicas, psicológicas, sociais e mais recentemente os estudos (Dias & Pais-Ribeiro, 2018) apontam as dimensões religiosa e espiritual. A discussão sobre a influência da religiosidade e da espiritualidade em pesquisas para compreender a saúde física e/ou mental tem sido cada vez mais presente, uma vez que esses elementos sofrem associações. Neste sentido, torna-se indispensável o discernimento sobre o significado de religiosidade e espiritualidade, para melhor compreensão e utilização desses fatores como aliados no cuidado em saúde.
A religião pode ser compreendida como um sistema organizado de crenças, práticas e rituais relacionado ao sagrado, mas também pode envolver regras sobre condutas orientadoras da vida em um determinado grupo social. De maneira geral, é exercida em comunidade, mas pode também ser encontrada em sua forma mais individualizante (Koenig, 2015; Oliveira, 2017).
Segundo Oliveira (2017) a religiosidade é compreendida como a capacidade de vivenciar a experiência religiosa, gerando outra capacidade que é a de criar ou estimular a energia interior que impulsiona atitudes e comportamentos. Religiosidade refere-se à crença e à prática ritualística de uma religião, seja de forma presencial em um ambiente de cunho religioso ou no ato de rezar ou orar. Dessa forma, a religiosidade pode interferir no comportamento e promover maneiras e formas de enfrentamento diante das adversidades da vida (Fleury et al., 2018; Koenig, 2012).
Koenig (2015) aponta que a espiritualidade pode ser entendida como a busca de um significado e sentido para a vida, em esferas que transcendem o tangível. É uma experiência com algo que foge o existencial e que nem sempre está relacionada a uma prática religiosa institucional. De mesmo modo, Frankl (1991) ao abordar a espiritualidade, refere-se a ela como uma forma de transcendência, ou seja, de enfrentar o sofrimento e a dor, criar valores e encontrar significado e sentido para as diversas situações da existência.
A religiosidade e a espiritualidade podem assumir papéis fundamentais no enfrentamento de atividades diárias, bem como na ressignificação da vida, no processo de recuperação e compreensão de fenômenos que atingem o ser humano. Pode-se considerar, principalmente, que estão associadas à maneira como o ser humano se comporta, faz escolhas e interpreta as situações ao seu redor. Deve-se destacar ainda que, na maioria das vezes, contribui para saúde e qualidade de vida tanto de pessoas, como de comunidades (Fleury et al., 2018; Oliveira & Junges, 2012).
Destaca-se que o conhecimento acerca da influência das dimensões espiritual e religiosa não é recente e vem se consolidando nas últimas décadas, culminando com o reconhecimento pela Organização Mundial de Saúde (OMS) através da Resolução da Emenda da Constituição de 7 de abril de 1999, que acrescentou ao conceito de saúde a variável espiritualidade. Deste modo, saúde é definida como estado completo de bem-estar físico, mental social e espiritual, afastando-se, portanto, do antigo conceito de mera ausência de doença (Lemos, 2019). A autora aponta ainda que, a Política Nacional de Humanização do Sistema Único de Saúde, pautada no princípio da integralidade do atendimento ao usuário, leva em consideração as diferentes dimensões do processo saúde-doença, incluindo a espiritual.
Na literatura, percebe-se a preocupação dos pesquisadores em compreender os impactos da espiritualidade sobre a saúde. Nesse sentido, os resultados vêm demonstrando a inflûencia positiva da dimensão espiritual sobre a promoção de saúde, adesão e avanços no tratamento. Não podendo, desse modo, ser negligenciada por profissionais nos mais diferentes níveis de atuação (Fleury et al., 2018; Lemos, 2019; Panzini et al., 2007).
O processo de formação de profissionais de saúde precisa incluir conhecimentos sobre como trabalhar uma abordagem a propósito da espiritualidade e religosidade de pacientes. Estudos recentes demonstram que os estudantes conhecem os significados e a relevância da espiritualidade e religiosidade na assistência ao paciente, mas ainda não se sentem preparados para a abordagem completa, em virtude das limitações de aprendizagem na formação acadêmica (Costa et al., 2019).
Peres et al. (2007) apontam que se faz necessário o reconhecimento da espiritualidade como componente essencial da personalidade e da saúde por parte dos profissionais, bem como, apresenta-se como pertinente aprofundar e problematizar os conceitos de religiosidade e espiritualidade com estes profissionais. Incluir a espiritualidade como recurso de saúde na formação dos novos profissionais, adaptar e validar escalas de espiritualidade/religiosidade à realidade brasileira e fornecer treinamento específico para a área clínica se constituem em desafios contemporâneos que devem ser contemplados com certa urgência. Os autores defendem que devem ser realizados esforços para acrescentar ao currículo das escolas médicas e psicológicas a discussão da religião e espiritualidade como aliados no cuidado em saúde.
O principal objetivo deste estudo é verificar as propriedades psicométricas de um instrumento de mensuração da espiritualidade e religiosidade. A finalidade é disponibilizar aos pesquisadores e profissionais interessados no tema um instrumento de medida confiável para averiguação do fenômeno. Trata-se da Escala de Religiosidade de Duke, desenvolvido por Koenig et al. (1997) e validado para amostras brasileiras pela primeira vez por Taunay et al. (2012) e posteriormente por Strelhow e Sarriera (2018). Pretende-se, portanto, aprofundar o estudo de validação e fornecer evidências empíricas do funcionamento da medida através de técnicas psicométricas mais robustas do que as originalmente empregadas no estudo de validação.
Método
Participantes
Participaram do estudo 588 estudantes universitários, de 18 a 63 anos (M = 25,01; DP = 12,03), com a prevalência de mulheres (81%), a maioria (58%) tem uma renda econômica familiar entre 1 e 3 salários mínimos. Trata-se de uma amostra não probabilística, podendo ser definida como intencional, pois foi considerada a pessoa que, consultada, dispusera-se a colaborar respondendo o questionário que era apresentado.
Para atender aos objetivos do presente estudo, o banco de dados foi dividido em duas amostras de sujeitos pares e ímpares de acordo com a ordem que apareciam no próprio banco de dados: a primeira com 295 universitários destinado a realização de análise fatorial exploratória e a segunda com 293 universitários para análise fatorial confirmatória.
Para estabelecer a significância da amostra calculou-se no pacote estatístico G Power 3.1, que é um software destinado a calcular o poder estatístico da amostra, o teste de hipótese, tendo como base, não apenas o ‘n’ necessário para a pesquisa, mas, também, o tipo de cálculo a ser realizado (Faul et al., 2007). Para a coleta de dados deste estudo, considerando uma probabilidade de 95% (p < 0,05), magnitude do efeito amostral (r ( 0,50) e um padrão de poder hipotético (π ( 0,80); as amostras especificadas revelaram-se suficientes e significativas (tendo como indicadores: t ( 1,98; π ( 1,00; p < 0,05).
Instrumentos
Os participantes responderam os seguintes instrumentos:
Caracterização Sócio-demográfica. Foram elaboradas perguntas que contribuíram para caracterizar os participantes deste estudo (por exemplo, sexo, idade, estado civil, renda econômica, escolaridade, bem como, realizar um controle estatístico de algum atributo que possa interferir diretamente nos seus resultados.
Escala de Religiosidade da Duke - (ERD), composta por 5 itens, de autoria de Koenig et al. (1997) e validada para amostras brasileiras por Taunay et. al. (2012), apresentando um alfa de Cronbach de 0,89. A escala é composta por 5 itens que dizem respeito a frequencia que o sujeito vai ao templo religioso, frequencia que o sujeito se dedica a atividades religiosas individuais e sobre as suas experiências religiosas. No presente estudo, a escala em questão, apresentou um alfa de 0,84 e um ICC (Coeficiente de Correlação Intraclasse) de 0,86 (95% ICC variando de 0,85-0,88; F = 7,37, p < 0,005).
Escala de Satisfação com a Vida (ESV), de autoria de Diener et al. (1985), validada para amostras brasileiras por Gouveia et al. (2005), apresentando uma alfa de Cronbach de 0,88. A escala é composta por 5 itens que dizem respeito a percepção geral do quanto o sujeito está satisfeito com a sua vida. Neste estudo, observou-se uma alfa de 0,78 e um ICC (Coeficiente de Correlação Intraclasse) de 0,78 (95% ICC variando de 0,75-0,81; F = 4,53, p < 0,005), revelando sua não interferência na consistência interna de Satisfação com a Vida e garantindo tanto a administração da escala a população em questão quanto a sua contribuição para o cumprimento dos objetivos do estudo.
Procedimentos
Todos os procedimentos adotados nesta pesquisa seguiram as orientações éticas previstas na Resolução 196/96 do CNS e da Resolução 016/2012 do Conselho Federal de e Psicologia. E estão de acordo com a Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisa com seres humanos.
Para a aplicação do instrumento, os responsáveis pela coleta dos dados visitaram diferentes universidades. Foi dito aos participantes que não havia resposta certa ou errada e que mesmo necessitando uma resposta individual, estes não deveriam se ver obrigados em respondê-los podendo desistir a qual momento. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em qualquer um desses eventos, não haveria problema de sua desistência. A todos era assegurado o anonimato das respostas e que estas seriam tratadas em seu conjunto estatisticamente.
Análise dos dados
Quanto à análise dos dados, tomou-se como base o estudo de Taunay et al. (2012) sobre a Escala de Religiosidade de Duke. Além de estatísticas descritivas (média e desvio padrão) e correlação de Pearson, realizou-se uma Análise Fatorial Confirmatória com o objetivo de avaliar se o modelo unidimensional, previamente encontrado por esses autores, ainda apresentaria indicadores aceitáveis em relação a estrutura fatorial, principalmente, quando comparado ao modelo unifatorial livre e o modelo ajustado em seus erros de medida.
Considerou-se como entrada, a matriz de covariâncias, tendo sido adotado o estimador ML (Maximum Likelihood). Sendo um tipo de análise estatística mais criteriosa e rigorosa, testou-se a estrutura teórica que se propõe neste estudo: isto é, a estrutura unifatorial. Esta análise apresenta alguns índices que permitem avaliar a qualidade de ajuste do modelo proposto que estão de acordo com a literatura especializada (Bilich et al., 2006; Byrne, 1989; Hair et al., 2005; Kelloway, 1998; Tabachnick & Fidell, 1996; Van De Vijver & Leung, 1997). A seguir serão apresentados esses indicadores:
O χ² (qui-quadrado) testa a probabilidade do modelo teórico se ajustar aos dados: quanto maior o valor do χ² pior o ajustamento. Entretanto, ele tem sido pouco empregado na literatura, sendo mais comum considerar sua razão em relação aos graus de liberdade (χ²/g.l.). Neste caso, valores até 3 indicam um ajustamento adequado;
Raiz Quadrada Média Residual (RMR), que indica o ajustamento do modelo teórico aos dados, na medida em que a diferença entre os dois se aproxima de zero;
Goodness-of-Fit Index (GFI) e o Adjusted Goodness-of-Fit Index (AGFI) são análogos ao R² na regressão múltipla e, portanto, indicam a proporção de variância-covariância nos dados explicada pelo modelo. Os valores desses indicadores variam de 0 a 1, sendo que os valores na casa dos 0,80 e 0,90, ou superiores, indicam um ajustamento satisfatório;
A Root-Mean-Square Error of Approximation (RMSEA), com seu intervalo de confiança de 90% (IC90%), é considerado um indicador de adequação do modelo, isto é, valores altos indicam um modelo não ajustado. Assume-se como ideal que o RMSEA se situe entre 0,05 e 0,08, aceitando-se valores até 0,10;
O Comparative Fit Index (CFI) - compara de forma geral o modelo estimado ao modelo nulo, considerando valores mais próximos de um como indicadores de ajustamento satisfatório;
O Expected Cross-Validation Index (ECVI) e o Consistent Akaike Information Criterion (CAIC) são indicadores geralmente empregados para avaliar a adequação de um modelo determinado em relação a outro. Valores baixos do ECVI e CAIC expressam o modelo com melhor ajuste.
Foram utilizados nestas análises os softwares estatísticos SPSS v. 19 e o AMOS v. 18.
Resultados
Considerando a originalidade da medida proposta, bem como, os indicadores psicométricos observados no estudo de Taunay et al. (2012), decidiu-se verificar, inicialmente, o poder discriminativo dos itens da referida medida. O objetivo desta etapa visa apresentar uma maior especificidade na análise estatística para a organização e verificação empírica da fatorialidade da medida em questão.
No primeiro estudo, avaliou-se com a primeira amostra, a partir dos pressupostos da Teoria Clássica dos Testes (TCT), se os itens apresentavam capacidade de discriminar pessoas com magnitudes próximas, ou seja, discriminar aquelas dos grupos inferiores e superiores com relação ao construto medido (Pasquali, 2011). Com a finalidade de discriminação dos itens da escala, foi calculada uma pontuação total da medida e em seguida sua mediana.
Os respondentes com pontuação abaixo da mediana foram classificados como sendo do grupo inferior, enquanto que aquelas com pontuações acima da mediana foram definidas como do grupo superior. Considerando-se cada um dos itens desta medida, efetuou-se um Teste t de Student para amostras independentes e compararam-se ambos os grupos observando quais dos itens da escala discriminam as pessoas com magnitudes próximas, estatisticamente significativas.
No Quadro 1, é possível observar que os itens da ERD discriminam, com base nos itens, o quanto o respondente é capaz de avaliar a religiosidade nos seguintes termos: frequência a encontros religiosos, frequência de atividades religiosas individuais e busca de internalização e vivência plena da religiosidade como principal objetivo do indivíduo (Taunay et al., 2012). Ainda com base nas concepções da Teoria Clássica dos Testes, avaliou-se a relação do conteúdo dos itens, que teve como objetivo verificar a representatividade comportamento-domínio, a qual, sistematicamente, avalia a relação teórica apresentada no instrumento de medida e as situações especificadas nos itens e o quanto este instrumento representa os aspectos esperados (Cunha, 2000; Pasquali, 2003).
A partir dessa perspectiva, efetuou-se o cálculo de correlação de Pearson (r) para a escala destinada à avaliação dos itens referentes ao desenvolvimento do mesmo instrumento, nestes, teoricamente, foram contemplados os itens propostos Koenig et al. (1997), observando que todos os cinco itens, além de apresentarem correlações fortes e positivas, relativas ao construto geral de Espiritualidade/Religiosidade (pontuação total da escala), também, foram significativas, não excluindo nenhum item da medida pretendida (ver Quadro 1).
Orientando-se pelos resultados expostos acima, decidiu-se efetuar uma análise fatorial, nesta efetuou-se o cálculo com o método fatorial dos Principais Eixos Fatoriais, sem fixar o número de fatores para se extrair, sem rotação e assumido uma saturação de ± 0,30. Para isso, buscando maior segurança na tomada de decisão na escolha dos fatores, três critérios foram considerados nos termos da literatura especializada: (1) quantidade de valores próprios (eigenvalues) iguais ou superiores a 1 (Critério de Kaiser), (2) distribuição gráfica dos valores próprios, tomando como referência o ponto a partir do qual nenhum outro fator aporta consideravelmente para a estrutura (Critério de Cattell) e (3) análise paralela (Bisquerra,1989; Dancey & Reidy, 2006; Fabrigar et al., 1999; Hayton et al., 2004; Ledesman & Valero-Mora, 2007; O´Connor, 2000).
Definidos os critérios de avaliação psicométrica, os resultados das análises permitiram identificar a adequação da matriz de correlação: KMO = 0,86 e do Teste de Esfericidade de Bartlett, ( 2 /gl = 833,74/10, p < 0,001. Na distribuição gráfica tendo como base os valores próprios (critério de Cattell), foi identificado um único fator na escala (ver Figura 1).
De acordo o critério de Kaiser (isto é, os valores próprios - Eigenvalues), identificou-se também, a existência de um único fator com valor próprio maior que 1 (um), explicando conjuntamente 70,34% da variância total do fenômeno. Buscando evitar dúvidas sobre a organização fatorial da Escala de Religiosidade de Duke, realizou-se a análise paralela, assumindo os mesmos parâmetros do banco de dados original. Isto é, 295 participantes e 5 (cinco) variáveis, tendo seus valores próprios gerados em 1.000 simulações aleatórias com os itens (ver Quadro 2).
Comparando os valores próprios, isto é, aqueles observados nos critérios de Kaiser com o da Análise Paralela, pode-se observar que os resultados encontrados no critério de Kaiser apresentaram valores superiores aos simulados (observados na Análise Paralela), permitindo assim, identificar que a escala em questão é unifatorial. Atento a interpretação do item-fator, juízes especializados (na estatística e avaliação psicológica) nas análises efetuadas, contribuíram com seu julgamento, corroborando para a decisão, fixando assim, a unifatorialidade da medida.
A partir desses critérios estabelecidos procedeu-se a realização de uma análise fatorial dos Principais Eixos Fatoriais com rotação oblíqua, eigenvalue (valor próprio) > 1,00 para definir o fator e saturação de ±0,30 para retenção dos itens. A utilização desta técnica se mostrou bastante adequada com os seguintes indicadores estatísticos se mantendo de acordo com o que sugere a literatura relacionada a este cálculo (KMO = 0,86 e do Teste de Esfericidade de Bartlett, ( 2 /gl = 833,74/10, p < 0,001) (Bisquerra,1989; Dancey & Reidy, 2006).
Para facilitar a compreensão do leitor, apresentou-se (ver Quadro 3) cada item, sua saturação (carga fatorial) e comunalidade, bem como, os indicadores de consistência interna (Alfa de Cronbach) e variância explicada pelo fator. Pode-se observar que todos esses indicadores estiveram dentro do padrão psicométrico exigido pela literatura (Dancey & Reidy, 2006; Hair et al., 2005; Pasquali, 2003). No que se refere ao alfa, pode-se acrescentar que este variou de 0,85 a 0,90 quando, supostamente, um item seja excluído.
Sob a ótica da perspectiva clássica da avaliação psicométrica da medida, pode-se destacar que esses resultados garantem a existência de uma organização fatorial distribuída em um único fator, a qual não somente é consistente em termos dos indicadores psicométricos, bem como, corrobora a proposta apresentada por Koenig et al. (1997) e validada para amostras brasileiras por Taunay et al. (2012). Resolveu-se considerar mais um indicador psicométrico para que sustentasse a segurança na qualidade da medida da Escala de Religiosidade de Duke. Para isso, realizou-se o cálculo de correlação intraclasse (ICC) e este apresentou, para a referida medida um ICC = 0,89 (IC 95% = 0,87-0,91; p < 0,05), condição essa, que torna a Escala de Religiosidade de Duke fidedigna, nos termos da literatura especializada (Dancey & Reidy, 2006; Ledesman & Valero-Mora, 2007).
Com base nestes resultados, procurou-se atender ao segundo objetivo: verificar, através da Análise Fatorial Confirmatória, a estrutura observada na análise exploratória. Cabe ressaltar, a importância em desenvolver o estudo confirmatório, ainda que no primeiro estudo tenha sido observada uma relação item-fator confiável, este cálculo realizado se baseia estritamente nos dados obtidos e não considera um modelo teórico fixo que oriente a extração das dimensões latentes. Por esta razão, teria pouco poder de apresentar qualquer indicação sobre o bom ajustamento do modelo para futuros estudos. Destaca-se o caráter inédito da avaliação da Análise Fatorial Confirmatória a respeito da medida em questão.
A Análise Fatorial Confirmatória buscou hipotetizando o modelo unifatorial previamente observado na análise exploratória confirmar esta estrutura. Para isso, realizou-se o cálculo na Análise Fatorial Confirmatória (AFC), optando por deixar livre as covariâncias (phi, φ), condição essa, que revelou indicadores de qualidade de ajuste para o modelo proposto próximos as recomendações apresentadas na literatura (Byrne, 1989; Tabachnick & Fidell, 1996; Van De Vijver & Leung, 1997). De acordo com os resultados dessas análises, o modelo pretendido (modelo unifatorial ajustado) apresentou indicadores estatísticos que justificam a consistência da estrutura fatorial da Escala de Religiosidade de Duke em universitários, vindo a confirmar, de forma mais robusta a proposta de Taunay et al. (2012).
É preciso destacar que no presente estudo, além de se observar que os indicadores estatísticos estiveram de acordo com o exigido na literatura estatística, tiveram escores fortes e significativos ((²/gl = 2,92, RMR = 0,02, GFI = 1,00, AGFI = 0,94, CFI = 1,00, TLI = 0,97, NFI = 0,99 e RMSEA = 0,08). Um resultado adicional para que a Escala de Religiosidade de Duke seja estabelecida em sua unifatorialidade foi avaliado a partir da comparação entre outros modelos. O interesse nesta etapa se deve porque, na proposta original, não existe uma comparação entre as distintas estruturas fatoriais com e sem ajuste na medida, e também, preferiu-se elaborar justificativas psicométricas que fossem utilizadas quanto parâmetro estatístico que garanta a proposta teórica-empírica da Escala de Religiosidade de Duke (ver Quadro 4).
Além dos indicadores psicométricos observados na Figura 1, outros, mais parcimoniosos (por exemplo, o AIC, BIC e BCC), garantiram o modelo hipotetizado, justamente, por serem resultados que acompanham o CAIC e ECVI, os quais, utilizados para avaliar a adequação de um modelo determinado em relação a outro modelo para comparação fatorial (neste caso, a proposta do modelo unifatorial ajustado em relação ao modelo unifatorial não ajustado) (Marôco et al., 2008). Trata-se de um indicador comparativo para verificar a melhor estrutura fatorial, o qual, poderá ser observado no Quadro 5. Destaca-se que os melhores indicadores foram encontrados no modelo unifatorial ajustado, corroborando assim, uma organização fatorial consistente para a amostra avaliada.
A partir dos indicadores estatísticos, observou-se que todas as saturações (Lambdas, λ) estiveram dentro do intervalo esperado |0 - 1|, não havendo problemas da estimação proposta da Escala de Religiosidade de Duke (ver Quadro 6). Além disso, elas foram estatisticamente diferentes de zero (t > 1,96, p < 0,05) comprovando a existência do modelo unifatorial ajustado, revelando associações Lambdas, positivas e fortes, entre itens-fator. No Quadro 6, foi possível observar, também, que os escores estiveram dentro do intervalo exigido para a avaliação da estrutura fatorial da Escala de Religiosidade de Duke. Esses resultados referem-se à adequação da referida escala e a consistência da medida para avaliar a religiosidade.
Notas: λ = Escores fatoriais da estrutura; ε (erros) = Erros de medida da estrutura; χ = variáveis (itens); ξ = construto psicológico. VME = Variância Média Extraída. CC = Confiabilidade Composta. ERD = escala de espiritualidade de Duke
No que se refere à validade deste construto, foram realizados, tanto o cálculo de confiabilidade composta (CC) quanto o da variância média extraída (VME). No primeiro indicador exige-se que o nível do escore seja acima de 0.70, enquanto no segundo é preciso um nível acima de 0.50 (Campana et al., 2009; Hair et al., 2005) (ver Quadro 6). Observou-se que o CC e o VME, estiveram acima do exigido na literatura. Estes indicadores evidenciam tanto a confiabilidade quanto a validade convergente do construto avaliado, justificando a adequabilidade da estrutura fatorial da pretensa medida numa amostra de universitários.
Esses resultados foram confirmados quando se observaram as estimativas de predição, a partir da análise de regressão, a qual, revelou, para o modelo proposto, a partir da identificação das variáveis, uma razão critério que, além de estar dentro do que é estatisticamente exigido, são estatisticamente diferentes de zero (t > 1,96, p < 0,05) e foram significativas (ver Quadro 7).
Ainda no Quadro 7, é possível observar, a partir do indicador VIF (definida em português como: Inflação da Variância do Fator - IVF) com base no fator de tolerância entre as variáveis (este fator, deverá apresentar escores que não excedam um valor acima de 5), pois, poderá implicar na baixa qualidade do modelo empírico estimado (Hair et al., 2005; Marôco, 2010), que os VIFs para cada item não ultrapassaram o limite de estimação exigido pela literatura, bem como, todos foram significativos a um p < 0,001, condição esta que revela não existir multicolinearidade, contribuindo para a estimação do modelo pretendido.
Considerando esses resultados, pretendeu-se verificar a invariância entre os parâmetros dos itens em função da estrutura unifatorial ajustada na mensuração da Escala de Religiosidade de Duke. Para isso, compararam-se os indicadores TLI e CFI do modelo comprovado espelhando dois conjuntos amostrais (amostra 1 [295 sujeitos] e amostra 2 [293] sujeitos) (Damásio, 2013; Hair et al., 2005; Maroco, 2010; Sass, 2011). Com isso, observou-se que as reduções no valor de CFI (a qual espera-se que a diferença seja ( < 0,01, para garantir a estrutura bifatorial nos grupos especificados): CFI amostra 1 = 0,99 e CFI amostra 2 = 1,00; TLI amostra 1 = 0,98 e TLI amostra 2 = 0,97. Sendo assim, pode-se destacar que tais indicadores revelaram que o modelo unifatorial e seus devidos escores fatoriais são invariantes nas especificidades de cada amotra.
Tendo apresendado a validação com boas propriedades psicométricas da Escala de Religiosidade de Duke, resolveu-se verificar por fim, a validade convergente desta medida associando-a ao construto de Satisfação com a Vida. Para a verificação dessa proposta, realizou-se o cálculo de correlação de Pearson entre as variáveis, esperando uma relação direta e significativa entre eles, sendo observado os seguintes resultados: a religiosidade se correlacionou positiva e, significativamente, com satisfação com a vida (r = 0,25; p < 0,000). Essa correlação era esperada e indica que, na presente amostra, maiores índices de religiosidade estão associados a maior satisfação com a vida.
Discussão
É importante destacar que a propósito dos objetivos do presente estudo, não foram encontrados na literatura estudos que realizaram o procedimento de Análise Fatorial Confirmatória da Escala de Religiosidade de Duke para amostras brasileiras de estudantes universitários, ou seja, trata-se de um estudo com uma contribuição inédita para a literatura científica especializada.
Foram obervados esforços de alguns autores para contribuir com fornecimentos de evidências psicométricas da medida em diferentes níveis. O primeiro relato em contexto brasileiro ao instrumento foi realizado por Moreira-Almeida et al. (2008). Os autores, sem apresentar estudos estatísticos e psicométricos, apresentaram o instrumento em três dimensões: organizacional (RO), não-organizacional (RNO) e religiosidade intrínseca (RI) e recomendaram que os índices para avaliação não deveriam compor um único resultado, ou seja, não deveriam ser somados.
Posteriormente, Taunay et al. (2012) apresentaram estudos pioneiros de validação da medida em pacientes psiquiátricos e estudantes universitários. Os autores apontaram que o instrumento teve adequada consistência interna (α de Cronbach > 0,80) e confiabilidade teste-reteste (Coeficiente de Correlação Intraclasse > 0,90) em ambas as amostras.
Além disso, correlações significativas entre os escores da escala com o escore geral do Instrumento de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde - Módulo Espiritualidade, Religiosidade e Crenças Pessoais, bem como com medidas de sintomas psicológicos, foram observadas em ambas as amostras.
Mais recentemente, Strelhow e Sarriera (2018) realizaram um estudo demonstrando evidências de validade do índice de religiosidade de duke entre adolescentes. Os autores coletaram dados com 1248 adolescentes brasileiros de ambos os sexos e verificaram a estrutura fatorial através de análise fatoriai exploratória e confirmatória.
Assim como os dados do presente estudo, apontaram a unidimensionalidade da medida com índices de ajuste satisfatórios, bem como adequada confiabilidade. Realizaram ainda análises multigrupo por sexo e idade que indicaram que a estrutura fatorial e os pesos fatoriais são semelhantes para os grupos testados. A escala apresentou alta correlação positiva com o escore geral do Instrumento de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde - Módulo Espiritualidade, Religiosidade e Crenças Pessoais.
É importante salientar que os achados empíricos da presente investigação, realizada entre estudantes universitários, corroboram o estudo realizado por Strelhow e Sarriera (2018) que foi realizado entre adolescentes. Assim como os autores, o presente estudo recomenda a utilização da Escala de Religiosidade de Duke de modo unifatorial em investigações futuras. Recomenda-se também a expansão do contexto de aplicação dos instrumentos, como por exemplo em amostras clínicas e em estudos na área organizacional.
Destaca-se que os objetivos desta investigação foram considerados alcançados, uma vez que pôde-se fornecer evidências psicométricas do bom funcionamento da medida em contexto de estudantes universitários e adicionalmente, novas evidências empíricas do bom funcionamento da medida em amostras brasileiras. Reforça-se a necessidade de maior discusão em âmbitos de formação para importância da espiritualidade, corroborando autores supramencionados (Costa et al., 2019; Peres et al., 2007).
Outro ponto de importante reflexão, foi a associação positiva significativa da medida de religiosidade com a satisfação com vida. Isso indica que a presença de religiosidade pode estar associada a maiores índices satisfação com a vida. Tal resultado, apesar de não ser generalizável e dizer respeito apenas aos particpantes deste estudo, aponta importante evidência a ser investigada mais aprofundadamente em investigações futuras. Esse achado está em acordo com resultados anteriores presentes na literatura (Fleury et al., 2018; Lemos, 2019; Panzini et al., 2007).
Os resultados encontrados nesta pesquisa não encerram a necessidade de novas investigações e não podem ser generalizados, entretanto fornecem aos pesquisadores maior segurança para utilização do instrumento de medida em amostras brasileiras.