A Doença Cardiovascular (DCV) é considerada a principal causa de morte em todo o mundo sendo responsável por 45% de todas as mortes por doenças não transmissíveis, mais do que o dobro das causadas por cancro, assim como mais do que todas as doenças transmissíveis, maternas, neonatais e nutricionais combinadas (Townsend et al., 2016).
A Doença Arterial Periférica (DAP) é uma doença cardiovascular, crónica, prevalente e incapacitante, caracterizada por uma diminuição do fluxo sanguíneo para as artérias periféricas devido a doença aterosclerótica, cuja principal consequência é a presença de sinais e sintomas característicos de isquemia, inicialmente dos músculos (Claudicação intermitente - CI) e, posteriormente, de todos os tecidos do pé e perna que, em extremo, pode levar à amputação do membro inferior. A DAP potencia ainda o risco de outros eventos cardiovasculares não fatais, aumenta a mortalidade e diminui significativamente a qualidade de vida (Giugliano et al., 2012). Prevê-se que no mundo haja 236 milhões de pessoas com DAP (Birkett et al., 2021).
A CI é um dos sintomas mais incapacitantes da DAP, sendo caracterizada por dor (de origem vascular), fadiga ou desconforto nos músculos das extremidades inferiores, induzida de forma consistente pelo exercício (mesma distância) e aliviada pelo repouso (Conte et al., 2015). A distância média de caminhada deteriora-se progressivamente ao longo do tempo, contribuindo para um estilo de vida sedentário, diminuindo a aptidão física com perda de mobilidade e potenciando o risco cardiovascular a longo prazo. Consequentemente verifica-se um declínio funcional, uma crescente morbidade, mortalidade e redução da qualidade de vida (Conte et al., 2015; Gardner et al., 2015; Gardner et al., 2018).
Embora a DAP seja uma doença crónica, existem tratamentos eficazes na diminuição e controlo das limitações causadas pelos seus sintomas. Estes tratamentos envolvem, numa primeira fase, a prescrição de medicação oral e mudança de estilo de vida (controlo de fatores de risco e prática de exercício físico). Numa fase posterior, poderá ser necessário intervir através de procedimentos cirúrgicos, os quais têm uma morbilidade significativa, custos socioeconómicos elevados, e contribuem para a perda de ganhos em saúde referente a incapacidades funcionais, eventos cardiovasculares e hospitalizações. Por estes motivos, o exercício físico é considerado um tratamento de primeira linha associado ao controlo de fatores de risco (Fakhry et al., 2018; Schiattarella et al., 2014), eficaz na diminuição da dor, no aumento da distância caminhada até ao início da CI e da distância caminhada até à dor máxima de CI (Gardner, 2015). Para além disso, os programas de exercício físico revelam-se uma alternativa eficaz, de baixo custo e risco quando comparados com terapias mais invasivas para CI, nomeadamente as cirurgias.
As recomendações atuais do American College of Cardiology/American Heart Association (ACC/AHA) atribuem à Terapia de Exercício na área residencial do doente (Home-based Exercise Therapy-HBET) uma recomendação de classe II nível B (Gerhard-Herman et al., 2017). Os programas de exercício físico realizados na área de residência são programas estruturados que ocorrem em ambiente pessoal e familiar ao doente e não num ambiente clínico, onde os programas são realizados em hospitais, por vezes distantes da residência do doente, o que os tornam de difícil acesso e baixa adesão. Os programas prescritos para serem realizados na área de residência são personalizados para cada doente, elaborados em conjunto com o doente, e monitorizados continuamente por profissionais de saúde que prescrevem um regime de exercícios semelhante ao dos programas realizados em ambiente hospitalar (Supervised Exercise Therapy-SET) (Treat-Jacobson et al., 2019). A prescrição do exercício físico é feita pelo profissional de saúde tendo em conta os seguintes parâmetros: i) tipo de exercício, ii) intensidade, iii) frequência, e iv) duração.
Para além dos benefícios inquestionáveis da prática de atividade física e do exercício físico estruturado para a população em geral, e para as pessoas com DAP em particular, importa referir que o sedentarismo é considerado um marcador de risco cardiovascular. Os adultos são extremamente sedentários - sobretudo aqueles que não trabalham - o que é substancialmente diferente do ser pouco ativo ao nível físico (Dunstan et al., 2021). O comportamento sedentário envolve o estar sentado durante longos períodos de tempo enquanto se está acordado. Um adulto que durma 8 horas num ciclo de 24 horas, passa 16 horas em atividades de vida diárias, domésticas e de lazer, mas pode estar sentado metade destas horas que está acordado (em média 8 horas por dia), tendo este padrão sido exacerbado pela pandemia COVID-19. O tempo sentado inclui atividades como ver TV e jogar jogos no computador (screen time), conduzir, ler livros ou jornais, durante as refeições, e a socializar (Dunstan et al., 2021; Healy et al., 2008). Nas pessoas com DAP, o sedentarismo está associado ao género masculino, a maior índice de massa corporal, pouco tempo a caminhar e baixa economia de caminhada, a piores perfis de inflamação, coagulação, glicose e lipídios, e a um maior declínio funcional (Farah et al., 2016). Por estes motivos, o exercício físico regular é essencial para controlar os fatores de risco (e manter a doença controlada) e aumentar a qualidade de vida nesta população.
Motivar as pessoas com DAP e CI para a prática de exercício físico revela-se um desafio dado que, como sentem dor ao caminhar, é natural que o evitem fazer. Além disso, a natureza do ser humano determina que se procure o prazer e evite a dor (Ekkekakis & Dafermos, 2012). Os motivos são os impulsionadores do comportamento volitivo dado que ajudam a estabelecer prioridades e alocar recursos para a mudança de comportamento. Para aderir a um comportamento que se sabe antecipadamente que irá provocar dor, e não se irá obter satisfação nem prazer imediato, os motivos têm de se aproximar o mais possível dos objetivos intrínsecos valorizados pela pessoa. Já os motivos de manutenção de um comportamento são frequentemente diferentes daqueles motivos que levam a pessoa a fazer as mudanças iniciais. Se o comportamento for ao encontro dos objetivos, valores e significados da vida da pessoa, permitirem obter gratificação regular pela sua prática e não apenas a experiência de mudança, este será mais facilmente integrado e a probabilidade de adesão a longo prazo será maior (Kwasnicka et al., 2016).
A Teoria da Autodeterminação (TAD, Deci & Ryan, 1985, 2008; Ryan & Deci, 2000) é uma das teorias mais estudadas e validadas para o estudo e intervenção na área da motivação. Esta teoria torna-se pertinente na área da atividade física e do exercício físico, permitindo compreender a razão pela qual as pessoas apesar de terem capacidade para adotar um novo comportamento (p. ex. prática de exercício físico) optam por não o fazer. Além disso, a TAD oferece uma explicação teórica para a compreensão da dificuldade de manutenção da mudança dos comportamentos ao longo do tempo. A verdade é que iniciar um comportamento é algo relativamente fácil e acessível a qualquer pessoa, mas, as maiores dificuldades residem na manutenção desse comportamento a longo prazo. Segundo esta teoria (Deci & Ryan, 2000), o ser humano tem três necessidades psicológicas primárias/básicas e fundamentais que, uma vez satisfeitas, permitem e facilitam a adoção de novos comportamentos, e o desenvolvimento de um tipo de motivação específico e protetor da saúde (regulação autónoma). As três necessidades psicológicas básicas são: 1) a necessidade de autonomia, que se refere ao exercício da livre-vontade, ao sentir que se tem o poder de escolha, que este reflete os valores individuais e não é ditado pelos outros (i.e. sem depender da regulação do meio externo); 2) a necessidade de competência que se refere à necessidade de ser eficiente nos seus esforços e ser capaz de atingir os resultados desejados, de vivenciar oportunidades, expressar e/ou desenvolver as capacidades; e a 3) necessidade de vínculo social, relacionamento e conexão, que se refere ao sentimento de pertença, de apoio, confiança e segurança, indispensáveis para o processo de internalização e integração. A satisfação destas necessidades psicológicas básicas cria as condições para o crescimento psicológico e bem-estar geral (Deci & Ryan, 2000; Ryan et al., 2008) e promove adesão à prática da atividade física e exercício físico (Teixeira et al., 2012; Teixeira et al., 2018).
Assim, a adoção de um comportamento novo depende mais do tipo/qualidade da motivação que a pessoa apresenta do que da quantidade de motivação. Enquanto profissionais de saúde, o objetivo da nossa intervenção não é apenas promover a adoção de um novo comportamento, mas sim garantir a sua manutenção a longo prazo e, para isso, precisamos de compreender como se processa a motivação nos seres humanos. A motivação é a energia psicológica que nos impele a agir e direciona os nossos esforços para alcançar uma meta. É um processo dinâmico que se desenrola num contínuo e varia entre a amotivação/desmotivação - motivação extrínseca - motivação intrínseca e autorregulada ( Ryan & Deci, 2000; Ryan & Deci, 2017). Quando as três necessidades básicas estão satisfeitas, impelem o indivíduo a uma motivação mais autónoma e não dependente ou controlada por pressões externas ou até internas. No entanto, embora grande parte dos nossos comportamentos sejam iniciados com base numa motivação extrínseca (“o Senhor Dr. Mandou... Disse....”!), para manter esse comportamento ao longo do tempo, será necessário desenvolver motivos e objetivos mais autónomos e internalizados. Por exemplo, as pessoas com uma motivação extrínseca adotam comportamentos para eliminar ou reduzir um sintoma, melhorar a qualidade ou a duração da vida, diminuir as preocupações de outra pessoa ou do profissional de saúde. Já as pessoas com motivação intrínseca adotam comportamentos por motivos internos, baseados nas suas necessidades básicas intrínsecas (autonomia, competência e vínculo social); i.e. adotam um comportamento para seu próprio prazer, porque tem interesse, valor e significado; porque é divertido e desafiante, porque proporciona satisfação e prazer, porque proporciona oportunidades de enriquecimento e conhecimento pessoal (Deci & Ryan, 1985; Ryan & Deci, 2017; Silva et al., 2013; Teixeira et al., 2018). Teixeira e colaboradores (2012) referem que quando a atividade físicaé vista como um meio para atingir um fim, como o melhorar a aparência física ou na expectativa de uma recompensa, significa que as formas de controlo da motivação são claramente pouco autónomas e a atividade é realizada pelo seu valor instrumental. Quando uma determinada atividade é praticada pelo interesse, satisfação e diversão que proporciona, então estamos perante uma motivação intrínseca - o protótipo do comportamento autodeterminado - dado a atividade estar a ser realizada “para meu próprio bem” ou “porque me diverte!” (Vallerand & Losier, 1999). Este é o objetivo que se pretende alcançar com a prática da atividade e exercício físico.
A TAD tem-se revelado útil e eficaz na compreensão do processo de adesão e manutenção da atividade e exercício físico, enfatizando a importância da motivação autónoma (Teixeira et al., 2012), da motivação autodeterminada e do apoio dos agentes sociais (Ntoumanis et al., 2021) na promoção da atividade física. Por isso, as experiências de autonomia e competência, e a necessidade de vínculo e conexão social, são influenciadas pela perceção de apoio e confiança, pelo clima do contexto de cuidados de saúde, pelas diferenças individuais de personalidade e pela natureza intrínseca ou extrínseca das aspirações e objetivos da pessoa (Kasser & Ryan, 1996; Ryan et al., 2008). Assim, as intervenções de mudança comportamental devem promover a satisfação das necessidades básicas para que uma regulação mais autónoma possa surgir, ter em consideração os motivos intrínsecos ou extrínsecos para o início de um novo comportamento, e facilitar a integração do novo comportamento nas aspirações, valores e significados individuais, de forma a promover a adesão a longo prazo.
Para identificar a forma de motivação da pessoa, podemos questionar sobre quais são os seus motivos e objetivos para iniciar o comportamento. Enquanto a motivação se refere ao “porquê?” e às razões subjacentes ao envolvimento no comportamento, o conteúdo dos objetivos refere-se ao “para quê?” e ao objetivo do envolvimento (McLachlan & Hagger, 2011). Os objetivos representam os resultados que as pessoas aspiram atingir através do comportamento (Deci & Ryan, 2000) e a Teoria do Conteúdo dos Objetivos (uma sub teoria da TAD) classifica os objetivos de acordo com o seu conteúdo (intrínsecos vs. extrínsecos) e regulação/motivos (autónomo vs. controlado). Assim, os objetivos intrínsecos (p.ex: porque é divertido; promove relações significativas) contribuem mais eficazmente para a satisfação direta das necessidades psicológicas básicas (Vansteenkiste et al., 2006), e estão frequentemente associados, de forma positiva, com formas mais autónomas de regular a motivação na prática de exercício físico (identificada, integrada ou intrínseca); enquanto os objetivos extrínsecos (p.ex: para perder peso, para melhorar a aparência, para ser reconhecido pelo comportamento) estão associados a recompensas e compensações objetivas e a formas mais controladas de regular a motivação (amotivação, externa ou introjetada) (Ingledew & Markland, 2008; Sebire et al., 2009).
Sendo assim, a análise do conteúdo dos objetivos que as pessoas apresentam quando iniciam a prática de exercício físico permite, não só compreender o valor e o significado que o exercício físico tem na vida destas, como também prever resultados, i.e., se a pessoa irá aderir e manter o comportamento a longo prazo ou não (Deci & Ryan, 2000; Ingledew & Markland, 2008; Sebire et al., 2009). Neste sentido, e tendo em consideração que esta população tem características particulares, como a baixa escolaridade e literacia emocional (Pedras et al., 2020; Vaz et al., 2013), a utilização de estratégias adjuvantes aos questionários de avaliação psicológica, estruturados e validados, revela-se um procedimento de avaliação e intervenção útil e eficaz. Pessoas com baixa literacia em saúde apresentam geralmente dificuldades em preencher questionários de autorrelato, pontuar adequadamente a escala de likert e compreender o conteúdo dos itens (Baker et al., 1997). Por estes motivos, num processo que visa a mudança comportamental são várias as estratégias comportamentais utilizadas para promover a adoção de novos comportamentos tais como as estratégias de gestão do tempo, a identificação dos prós e contras, a gestão de obstáculos, entre outros (Galea et al., 2013; Teixeira et al., 2020).
Este estudo apresenta os resultados qualitativos obtidos através da utilização de uma estratégia de mudança comportamental, incluída numa intervenção psicológica mais alargada para pessoas com DAP e CI, com o objetivo de promover a adesão a uma prescrição de exercício físico na forma de caminhadas na área de residência do doente (HBET). A estratégia designou-se “O que vai alcançar se iniciar este comportamento (caminhadas)”.
Pretende-se que os resultados possam contribuir para a) conhecer o tipo de motivação destes doentes com DAP e IC através do relato na primeira pessoa do que os motiva para iniciar um novo comportamento; b) promover o desenho e construção de estratégias de avaliação e intervenção psicológica como adjuvantes dos instrumentos estandardizados de avaliação psicométrica, c) caracterizar o nível de atividade física e sedentarismo da amostra, e d) sensibilizar os profissionais de saúde para a utilidade e eficácia das estratégias qualitativas, de avaliação e intervenção, para conhecer os motivos das pessoas para mudar comportamentos e, por consequência, serem mais bem sucedidos nos processos de mudança comportamental.
Método
Participantes
Este estudo qualitativo, observacional e exploratório, incluiu 66 doentes com DAP e CI. Quarenta doentes preencheram os critérios para participar no estudo. As características sociodemográficas e clínicas são apresentadas no quadro 1.
No conjunto, estes participantes apresentaram em média quatro (DP=1,59) diagnósticos de doença crónica associados à DAP, variando entre 1 e 7 diagnósticos. Trinta participantes já fizeram, pelo menos, uma cirurgia e todos se encontravam medicados com medicação crónica. Os participantes reportaram sentir dor em média há 4 anos (DP=4,09) e percecionaram caminhar cerca de 275 metros até surgir a dor (DP=280,7, Min=20 e Max=1000).
Procedimento
Entre janeiro e dezembro de 2020, 158 pessoas com DAP e CI, acompanhadas na Consulta Externa do Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do CHUPorto-HSA, foram contatadas por telefone e convidadas a participar do estudo. Após a obtenção do consentimento oral por telefone, foi agendada uma avaliação clínica, física, hemodinâmica e psicológica, no hospital. Todos os participantes foram informados sobre os objetivos, procedimentos experimentais, riscos e benefícios do estudo. Na sessão de avaliação, os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e foram avaliados para determinar critérios particulares e específicos de inclusão e exclusão (Quadro 2).
As pessoas que preencheram os critérios de inclusão e foram incluídas na intervenção, receberam uma prescrição de exercício físico (HBET) para ser realizado na área de residência, durante 24 semanas, com as seguintes características: i) tipo de exercício: caminhadas; ii) intensidade: leve a moderada; iii) frequência: três vezes por semana; e iv) duração: mínimo de 30 a 45 minutos. A velocidade recomendada foi auto-selecionada de forma a ser confortável o suficiente para gerar afeto positivo (Ekkekakis et al., 2011). Após a consulta com a médica de cirurgia vascular que fez a prescrição, os participantes receberam uma sessão de mudança comportamental e motivacional, face to face, com a duração de uma hora. Uma das fichas de trabalho utilizada nesta sessão consistiu numa estratégia qualitativa para identificar o que motiva as pessoas a iniciar um novo comportamento (caminhadas). Esta estratégia faz parte de um conjunto de outras estratégias incluídas numa intervenção de mudança comportamental e motivacional mais alargada.
Material
Foi utilizado um questionário sociodemográfico para recolher dados como o estado civil e profissional, zona residencial, idade e escolaridade, e um questionário clínico para recolher dados relativamente ao número de doenças crónicas associadas, antecedentes cirúrgicos e medicação crónica, duração da doença e dos sintomas (duração da dor) e perceção subjetiva da distância de caminhada.
O Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ_I) (Hurtig-Wennlöf et al., 2010; IPAQ, 2005), na sua forma curta e adaptada para idosos/pessoas com baixa mobilidade, avalia a atividade física e comportamento sedentário, através de nove itens que informam sobre o tempo e dias passados a caminhar, em atividades físicas de intensidade vigorosa e moderada e o tempo passado sentado. Resultados mais elevados correspondem a uma maior quantidade de atividade física realizada. Os resultados são relatados em categorias de prática de atividade física (tendo em conta os níveis de atividade física baixos, moderados ou elevados).
Ficha de trabalho utilizada na sessão de mudança comportamental e motivacional que consistiu numa estratégia qualitativa para identificar o que motiva as pessoas a iniciar o comportamento: “O que vai alcançar se iniciar este comportamento (caminhadas)? i. e. “Qual é o seu objetivo?”, “O que o motiva?”, “Qual é o seu motivo?”, “O que vai ganhar com isto?”. Esta estratégia teve como objetivo não só avaliar o tipo de motivação das pessoas, mas também definir objetivos para um plano de ação individualizado.
Análise de dados
As análises foram feitas através do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22.0. Foram realizadas análises descritivas, e calculadas frequências e percentagens nas variáveis nominais e/ou categóricas, e médias e desvio padrão, nas variáveis contínuas. Para conhecer as características do nível de atividade física da presente amostra procedeu-se ao cálculo das categorias do IPAQ em níveis de atividade física de acordo com as guidelines do instrumento (IPAQ, 2005): baixo, moderado e elevado, tendo em conta a frequência e duração de cada nível de atividade por dia e por semana. A classificação das pessoas como vigorosamente ativas, ativas, e insuficiente ativas ou sedentárias foi realizada através da conjugação dos vários níveis de atividade física (IPAQ, 2005). A caracterização dos objetivos e motivos tendo em conta o seu conteúdo intrínseco ou extrínseco, bem como o número de vezes que foram reportados pelos doentes, foi realizada através de uma análise de conteúdo (Bardin, 2011).
Resultados
Quarenta doentes preencheram os critérios para participar no estudo e, relativamente ao nível de atividade física, 80% da amostra foi classificada como insuficientemente ativa (n=32), 15% moderadamente ativa (n=6) e 5% vigorosamente ativa (n=2).
Relativamente aos participantes insuficientemente ativos, 28 são do sexo masculino e 4 do sexo feminino, e reportaram passar em média 8:24 horas por dia sentados (DP=3:46, variando entre 1 e 16 horas). Destes, 13 participantes refiram fazer caminhadas duas vezes por semana (M=2,34, DP=3,11) em média durante 45 minutos (DP=0:25, variando entre 30 minutos e 2 horas). Estes participantes não reportaram praticar qualquer tipo de atividade física moderada ou vigorosa.
Os dois participantes vigorosamente ativos reportaram estar sentados em média 4:00 horas por dia (DP=1:24, variando entre 3 e 5 horas por dia), sobretudo durante as refeições e enquanto vêm TV; reportaram praticar 4 horas e meia de atividades moderadas (jardinagem no quintal, limpezas, andar de bicicleta, fazer arranjos em casa, bricolage, tarefas domésticas variadas, alimentar e higienizar o espaço dos animais) em seis dias da semana, e praticar 4 horas e meia de atividades vigorosas (DP=0:42) (levantar pesos, jardinagem pesada, trabalhos no campo, trabalhos de construção como pintar a casa) em seis dias da semana.
Numa das atividades da sessão de mudança comportamental e motivacional foi utilizada uma estratégia qualitativa que consistiu em solicitar aos participantes que refletissem e respondessem à seguinte questão: “O que vai alcançar se iniciar este comportamento (caminhadas)? i. e. “Qual é o seu objetivo?”, “O que o motiva?”, “Qual é o seu motivo?”, “O que vai ganhar com isto?”
Os objetivos e os motivos reportados pelos participantes encontram-se descritos no quadro 3, onde se pode verificar que a grande parte tem um carácter extrínseco e que os objetivos e motivos intrínsecos foram reportados em menor número.
Discussão
É comum adotarmos um comportamento novo com base em motivos externos, numa motivação extrínseca e controlada. No entanto, sabemos que os comportamentos extrinsecamente motivados estão dependentes de contingências e resultados externos à atividade em si, sendo estes preditores de baixa adesão ao comportamento a longo prazo (Deci & Ryan, 2000; Teixeira et al., 2012). Já os comportamentos intrinsecamente motivados, não dependentes da satisfação de contingências ou recompensas para além da própria satisfação, são mais facilmente mantidos ao longo do tempo (Deci & Ryan, 2000; Ryan & Deci, 2002; Teixeira et al., 2012). Isto acontece porque as pessoas, progressivamente, tendem a integrar os objetivos extrínsecos no self, internalizando-os, tornando o comportamento extrinsecamente motivado mais autodeterminado (Ryan & Deci, 2000). Contudo, isto nem sempre acontece e a intervenção focada na mudança comportamental visa facilitar e promover este processo de integração e internalização.
Numa população com uma doença crónica como a DAP, com dor provocada pela atividade física, com altos níveis de sedentarismo (M=8:24 horas por dia sentados, DP=3:46, variando entre 1 e 16 horas) e classificada como insuficientemente ativa na sua maioria (80% da amostra), é compreensível que os motivos extrínsecos sejam dominantes no início do processo de mudança comportamental. Contudo, o objetivo é facilitar o processo de integração comportamental de forma a promover diferentes qualidades de regulação motivacional. Para conhecer os objetivos e o que motiva esta população a caminhar foi utilizada uma estratégia qualitativa de mudança comportamental adaptada ao nível de escolaridade da presente amostra. Os resultados permitiram perceber que, tal como era expectável, os objetivos são, na sua maioria, de carácter extrínseco e são poucos os motivos reportados com um conteúdo intrínseco no início do processo de mudança comportamental. Como as pessoas são capazes de diferenciar o tipo de objetivos (intrínsecos vs. extrínsecos), se apoiadas, são também capazes de discutir a qualidade dos seus objetivos e a possibilidade de os processar e alterar (McLachlan & Hagger, 2011).
Para além disso, o processo de integração de novos comportamentos pode ser facilitado ou dificultado pelo ambiente social e afetivo no qual a pessoa está inserida, mas também pelo ambiente e pela relação mantida com o profissional de saúde (Silva et al. 2013). Por isso, o ambiente em contexto clínico deve ser suportivo, livre de julgamentos, crítica ou pressões. O suporte disponibilizado à pessoa deve ser baseado na premissa que todos os seres humanos apresentam uma capacidade inata para a mudança e crescimento pessoal. Um ambiente oposto a este irá resultar em comportamentos defensivos e de resistência à mudança, dificultando a interiorização da necessidade de adotar um novo comportamento. Para além da qualidade da relação e do ambiente de suporte, o profissional de saúde deverá explorar o tipo e a qualidade da motivação da pessoa (o que a motiva), compreender de que forma a pessoa interioriza e integra os motivos extrínsecos (de que forma se motiva e história passada), e de que forma os objetivos estão em sintonia com os objetivos de vida, significados e valores. Se o profissional de saúde maximizar a experiência de autonomia, competência e vínculo social (relação), será mais bem-sucedido na promoção do processo de adesão e manutenção da mudança comportamental da pessoa. Por isso, a mudança comportamental deve-se pautar por disponibilizar apoio e suporte incondicional e livre de julgamentos, para que a pessoa inicie um processo de autoconhecimento, e aprenda a nutrir e a cuidar (tornar-se num perito) da sua motivação, porque esta será o motor essencial da regulação do seu comportamento e da sua saúde (Silva et al. 2013). Sensações de obrigação, pressão interna, desconforto e culpa não são indicadores de adesão a longo prazo (Silva et al. 2013). Por isso, pretende-se alimentar a motivação de forma que esta se torne intrínseca e o mais autorregulada possível para contribuir para a manutenção do comportamento ao longo do tempo (Williams et al., 1998).
Para além disso, a amostra em estudo apresentou níveis altos de sedentarismo sendo que a maioria (80%) dos participantes foi classificada como insuficientemente ativos. Por isso, o objetivo das intervenções de mudança comportamental com pessoas com doença crónica, não é só tornar as pessoas mais ativas fisicamente, mas também reduzir o tempo que passam sentadas (Dunstan et al., 2021; Healy et al., 2008).
Concluindo, este estudo permitiu perceber a utilidade de uma estratégia qualitativa de mudança comportamental para conhecer os objetivos e os motivos para iniciar um novo comportamento (caminhadas) como uma estratégia preliminar e complementar à utilização de instrumentos de avaliação estandardizados e validados para a população portuguesa tais como o Questionário de Regulação Comportamental no Exercício (Behavioral Regulation in Exercise Questionnaire, BREQ, Cid et al., 2018) e o Questionário de Necessidades Psicológicas Básicas (QNPB, Moutão et al., 2012). Como expectável, os motivos e os objetivos apresentados pelos participantes são, na sua maioria, extrínsecos, embora associados à condição física e à saúde. Promover a adesão de pessoas com DAP e CI a um programa de exercício físico revela-se um desafio para os profissionais de saúde. No entanto, os resultados são comprovadamente eficazes desde que o comportamento seja adotado “por gosto e não por obrigação”! (Conte et al., 2015; Fakhry et al., 2018; Gardner, 2015; Gardner et al., 2015; Gardner et al., 2018; Schiattarella et al., 2014; Treat-Jacobson et al., 2019).
Financiamento
Este trabalho é financiado pelo FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional através do NORTE 2020 - Programa Operacional Regional do Norte, no âmbito do PORTUGAL 2020 e por fundos nacionais, através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no âmbito do projeto com a referência NORTE-01-0145-FEDER-031161- PTDC / MEC-VAS / 31161/2017