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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.22 no.3 Lisboa dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

https://doi.org/10.15309/21psd220313 

Artigos

Prevenir e erradicar: VHC e VIH na Região Autónoma da Madeira

Prevent and eradicate: HCV and HIV in the Autonomous Region of Madeira

1Associação para o Planeamento da Família - Delegação Regional da Madeira, Região Autónoma da Madeira, Funchal,Portugal, catarinaalvesdacosta@gmail.com, rita.silva96@hotmail.com, carolina_vanessag@hotmail.com

2Serviço de Gastroenterologia, Hospital Central do Funchal, Serviço de Saúde da RAM - EPE, Região Autónoma da Madeira, Funchal,Portugal, magnovitorp@gmail.com


Resumo

O presente artigo procura dar a conhecer os resultados de 2020 no âmbito da continuação da implementação do projeto 100 RISCOS, desenvolvido pela Associação para o Planeamento da Família - Madeira (APF - Madeira), com o apoio do Programa Gilead Génese. O projeto visou a implementação do teste rápido de diagnóstico do Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (VIH/SIDA) na Região Autónoma da Madeira (RAM), e desde 2019, contou também com a implementação do teste rápido para o Vírus da Hepatite C (VHC). Foram disponibilizados gratuitamente e de forma confidencial serviços em Saúde Sexual e Reprodutiva com destaque para os testes rápidos de diagnóstico VIH e VHC, aconselhamento pré e pós teste, sinalização e encaminhamentos, e realização de ações de sensibilização e educação para a Saúde. Foram realizados 72 testes de diagnóstico para o VIH e 75 para o VHC, em contexto comunitário, constatando-se que o maior número de utentes remeteu ao sexo feminino, residentes no Funchal e de nacionalidade portuguesa. A faixa etária predominante foi igual ou superior a 49 anos, sendo os indivíduos heterossexuais os que registaram um maior número de procura dos testes. Salienta-se as relações sexuais desprotegidas como o comportamento de risco predominante e motivo de realização dos testes rápidos.

Palavras-Chave: Teste rápido VIH; Teste rápido VHC; Diagnóstico; Prevenção; Intervenção; Saúde Sexual e Reprodutiva

Abstract

This article seeks to disseminate the results of 2020 as part of the ongoing implementation of the 100 RISCOS project, developed by the Associação para o Planeamento da Família - Madeira (APF - Madeira), with the support of the Gilead Génese Program. The project aimed at implementing the rapid test for the diagnosis of Human Immunodeficiency Virus / Acquired Immune Deficiency Syndrome (HIV / AIDS) in the Madeira Autonomous Region (RAM), and more recently in 2019, also included the implementation of the rapid test for Hepatitis C Virus. Sexual and Reproductive Health services were made available free of charge and confidentially, with emphasis on rapid HIV and HCV diagnostic tests, pre- and post-test counseling, signaling and referrals, and health awareness and education activities. 72 diagnostic tests for HIV and 75 for HCV were carried out in community context, with the highest number of cases being female gender, living in Funchal and of Portuguese nationality. The predominant age group was 49 years or older, with heterosexual individuals being the ones who registered the highest number of demands for tests. Unprotected sexual intercourse is highlighted as the predominant risk behavior and reason for performing the rapid tests.

Keywords: HIV rapid test; HCV rapid test; diagnosis; Prevention; Intervention; Sexual Health

Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (VIH/SIDA)

A transmissão do Vírus da Imunodeficiência Humana/Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (VIH/SIDA) continua a ser, segundo o Centro Europeu para o Controlo e Prevenção da Doença (ou em inglês, European Centre for Disease Prevention and Control - ECDC) e a Organização Mundial de Saúde (WHO Regional office for Europe), um problema de saúde público considerável (2020). Só em 2019 foram diagnosticados quase 137 000 novos casos na Europa.

A introdução do tratamento antirretroviral em meados de 1990 no VIH/SIDA veio potenciar a qualidade de vida das pessoas e diminuir a transmissibilidade. No entanto, até 2009, na Europa, a taxa de pessoas portadoras do VIH/SIDA que apenas eram detetadas e ingressavam nos sistemas de saúde públicos numa fase mais avançada desta condição variava entre 15% e 38%, com tendência para aumentar ou estagnar (Adler et al., 2009). Dados como este motivaram a publicação de um guia do ECDC em 2010 que definia linhas orientadora para o controlo do VIH/SIDA que incluía uma maior e consciente disponibilização da testagem (European Centre for Disease Prevention and Control, 2011).

Apesar de ter havido uma redução do número de casos, Portugal continua a apresentar uma das mais elevadas taxas de novos casos anuais de infeção por VIH registadas na União Europeia (UE), revelando-se o dobro da taxa estipulada pelo ECDC. As taxas mais elevadas localizam-se, desde 2012, no grupo etário dos 25-29 anos que, nos últimos cinco anos, apresentou uma taxa média de 32,2 casos/105 habitantes, seguido do grupo etário dos 30-39 anos (24,6 casos/105 habitantes). Na última década, a dimensão de novos diagnósticos em elementos com idade igual ou superior a 50 anos, encontrava-se sempre acima dos 20%, com tendência crescente (Ministério da Saúde, 2019).

Durante o ano de 2019, até 30 de junho de 2020, foram identificados, em território português, 778 casos de infeção por VIH, sendo que 24,2% dos casos detetados correspondiam a indivíduos com idade igual ou superior a 15 anos. Cerca de 69,3% (n=539) do total de casos dizem respeito, na sua maioria, a indivíduos do sexo masculino, representando os casos do sexo feminino 30,7% (n=239) do total da amostra. Assim sendo, foram diagnosticados 2,5 casos em homens por cada caso identificado em mulheres (Ministério da Saúde, 2020).

Já a idade média dos casos apurados em adultos foi de 38,0 anos, sendo que 24,1% dos casos detetados foram em elementos com idade igual ou superior a 50 anos. Já o maior número de novos diagnósticos situou-se no grupo etário dos 30-39 anos. Todavia, a taxa mais elevada (22,1 casos/ 105 habitantes) situa-se na faixa etária dos 25-29 anos de idade (Ministério da Saúde, 2020).

Quanto aos casos de homens que tinham relações sexuais com outros homens (HSH), 45,6% dos casos divulgados correspondem a indivíduos com idades inferiores a 30 anos. Os mesmos apresentaram uma mediana de idades (31,0 anos) significativamente inferior à diagnosticada para os casos de transmissão heterossexual. Em contrapartida, 34,9% dos casos detetados dentro do grupo de indivíduos heterossexuais correspondiam a sujeitos com 50 ou mais anos, ultimando uma percentagem de 80,3% desses mesmos indivíduos. Ainda no seguimento da mesma linha de pensamento, o maior número de casos registados ocorreu em elementos com naturalidade em Portugal (64,2%). De realçar, a proeminência de casos de transmissão heterossexual. Ainda assim, é preciso ter em consideração os 39,5% de novos casos apurados em homens homossexuais. Os casos associados ao consumo de drogas constituíram 2,1% do total de novos casos (Ministério da Saúde, 2020).

Em termos de áreas geográficas, a região com maior percentagem de novos casos corresponde à Área Metropolitana de Lisboa (50,4%), tendo assinalado também a taxa mais elevada de novos casos (13,7 casos/105 habitantes) (Ministério da Saúde, 2020).

Passando para a realidade atual da RAM, de acordo com o Boletim de Vigilância Epidemiológica da Infeção por VIH/SIDA, desde 1987 até ao ano de 2020 foram registados 694 casos de VIH na região. Em 2019 foram notificados cerca de nove casos, ao passo que na primeira metade do ano de 2020, correspondente entre 1 de janeiro e 30 de junho, a RAM não registou qualquer caso de VIH. Em termos de prevalência quanto ao concelho, destaca-se o Funchal como tendo o maior número de casos, seguido de Santana e São Vicente. Por último, mas não menos relevante, no que concerne às principais vias de transmissão do vírus, pelo menos metade dizem respeito a relações heterossexuais, ao passo que 36,8% dos casos devem-se a relações bissexuais e homossexuais, e 11,6% à partilha de material injetável (Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais, 2020).

Segundo o European Centre for Disease Prevention and Control (n.d.), o diagnóstico precoce permite o acesso a um tratamento eficaz que conduz a uma carga viral indetetável, o que praticamente elimina o risco de transmissão do VIH, permite uma vida saudável por mais tempo e reduz os custos para o sistema de saúde. A transmissão do VIH pode, desta forma, ser evitada uma vez conhecido o seu estado. O incentivo à realização dos testes rápidos para o VIH tem constituído uma das estratégias para a prevenção da transmissão do vírus e consequente diminuição da morbilidade e mortalidade. Os testes rápidos permitem uma deteção precoce do estado sorológico do indivíduo com uma especificidade e sensibilidade que varia entre os 99,7% e os 100%, possibilitando o tratamento atempado. A utilização dos testes rápidos também veio permitir uma maior acessibilidade a um diagnóstico precoce em grupos populacionais mais vulneráveis. Ou seja, é fundamental facilitar a acessibilidade aos testes rápidos para que desta forma se consiga iniciar o tratamento o mais cedo possível. (Araújo et al., 2017; Costa et al., 2019).

Na ótica da Saúde pública, é fundamental a realização de um diagnóstico precoce e tratamento imediato para o VIH para diminuir a transmissão do vírus através da redução da carga viral e da execução de intervenções comportamentais, para a melhoria dos resultados da profilaxia pré-exposição evitando assim o tratamento em indivíduos HIV-seronegativos, e para melhorar os serviços de notificação de parceiros a pessoas expostas recentemente ao vírus ou suscetíveis de transmitir. A realização dos testes rápidos proporciona a oportunidade de atuar mais perto e conhecer melhor os grupos-alvo das ações viabilizando a realização de ações de sensibilização, aconselhamento com disponibilização de informação e de materiais informativos essenciais à profilaxia das IST’s (Rutstein et al., 2017).

Portugal atingiu as três metas nomeadas para 2020 pelo Programa Conjunto da Organização das Nações Unidas para o VIH/SIDA (ONUSIDA). As metas 90-90-90 traduz-se em: 90% dos indivíduos que vivem com VIH estarem efetivamente diagnosticados, 90% das mesmas obterem tratamento e 90% dos indivíduos sob regime terapêutico alcançarem a supressão da carga viral. Futuramente, é fulcral incitar as estratégias de rastreio implementadas, de modo a chegar atempadamente às pessoas que vivem com VIH. A manutenção e incentivo das respostas a nível comunitário, o encorajamento à extensão da realização dos testes rápidos nas farmácias comunitárias a outras regiões do território português, a divulgação de variadas opções para a efetuação dos rastreios, abarcando a disponibilidade do autoteste, a promoção da literacia para os profissionais de Saúde e população em geral, constituem algumas das estratégias a substanciar, com a finalidade de serem gerados melhores resultados, com o devido impacto no diagnóstico precoce da respetiva infeção (Ministério da Saúde, 2019).

Vírus da Hepatite C (VHC)

O Vírus da Hepatite C tem múltiplas vias de transmissão, levando a um panorama complexo ao nível da prevenção. Na Europa, em cerca de 50% dos caos a via de transmissão mais comum ocorre através do uso de drogas injetáveis, seguindo-se da transmissão por via sexual em cerca de 33% dos casos, 23% entre relações homossexuais e 10 % por via relações heterossexuais (European Centre for Disease Prevention and Control, 2020).

O VHC sendo uma patologia do fígado pode conduzir a uma infeção aguda e crónica que dura de algumas semanas a uma condição para a vida que pode culminar em cirrose e em cancro do fígado. Uma elevada percentagem de sujeitos com VHC (70% a 90%) não apresenta quaisquer sintomas, o que pode perdurar ao longo de várias décadas. Destes, entre 50 a 80% desenvolve uma infeção crónica, dos quais até 50% desenvolvem cirrose e entre 1 a 5% cancro do fígado durante um período de 20 a 30 anos (WHO, 2020).

Atualmente não existe vacina para o VHC, pelo que a prevenção passa pela educação, por programas de redução dos danos entre consumidores de drogas injetáveis e pelo controlo das práticas em serviços de saúde. Por existir cura para 90% dos pacientes que realizem tratamento antiviral, é importante a testagem aquando da ocorrência de comportamentos de risco (EASL, 2020).

A deteção precoce é fundamental para diminuir a disseminação do vírus e permitir uma intervenção atempada. Estima-se que em Portugal haja cerca de 40 000 casos de VHC por diagnosticar (Macedo, 2020).

Os vírus da Hepatite C não são todos iguais, existindo 7 genótipos (GT) diferentes com um total de 86 subtipos (Smith et al., 2017). Os mais comuns em Portugal são o GT1 com 62,6%, dos quais 75,5% do subtipo 1a, o GT3a (18,3%), e o GT4 (16,1%) (Pádua et al., 2015; Palladino et al., 2018). Os novos antivirais de ação direta permitem taxas de curas muito elevadas, independentemente do genótipo, o que possibilitou o uso de fármacos pangenotípicos, eliminando em algumas situações a obrigatoriedade de determinação do genótipo. (EASL, 2020).

Até 29 de Janeiro de 2021, dos 27 038 utentes portugueses com VHC que foram autorizados a iniciar tratamento desde 2015, 17 385 já finalizaram o tratamento, dos quais 16 789 ficaram curados, o que perfaz uma taxa de cura de 96,72% (Infarmed, 2021).

Na Madeira, foi implementado no Hospital Dr. Nélio Mendonça um algoritmo informático que permite que os utentes que colhem análises sanguíneas pedidas pelo seu médico, sejam automaticamente rastreados para a Hepatite C quando elegíveis. Em 2020, foram realizados deste modo, aproximadamente 7000 rastreios de VHC. O algoritmo implementado permitiu manter cuidados de medicina preventiva mesmo durante a pandemia COVID-19, diagnosticando uma prevalência de infeção pelo VHC de 0,5%, superior à esperada de acordo com a estimativa do INSA de 0,3%, num contributo decisivo do SESARAM-EPE (Serviço de Saúde da RAM - EPE) para a saúde pública dos madeirenses.

A articulação entre os diferentes serviços permitiu uma redução de tempo para colheita de amostra para confirmação de infeção por VHC em menos 75%: de mais de aproximadamente quatro semanas para aproximadamente uma semana via nova prioridade na enfermagem dos cuidados primários para doentes com anticorpo VHC positivo.

A implementação da carga viral localmente permitiu ainda uma redução do tempo de processamento laboratorial para confirmação de infeção por VHC em menos 95%: de até seis semanas por via externa para dois dias via serviço de Medicina Transfusional desde fevereiro de 2019.

Em 2019, foram diagnosticados na RAM 84 utentes com AcVHC+ (anticorpos do vírus da hepatite C) através dos pedidos clínicos habituais e 50 utentes através do rastreio implementado. Homens representam 65% dos seropositivos, mas 87% dos virémicos, registando-se uma clara concentração nos grupos etários acima dos 31 anos.

Desde a aprovação pelo Infarmed dos antivirais de ação direta em 2015, o SESARAM-EPE tratou aproximadamente 600 doentes com infeção por VHC utilizando estes novos fármacos que revolucionaram a terapêutica desta infeção.

O presente artigo, possui como objetivo descrever os resultados do rastreio do VIH e VHC desenvolvido no âmbito do Projeto 100 RIScOS, da autoria da Associação para o Planeamento da Família (APF).

A APF é uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), com finalidades de Saúde, fundada em 1967, cuja missão é contribuir para que os indivíduos possam efetuar escolhas livres e conscientes promovendo de igual forma uma parentalidade positiva. A APF integra o FORUM da Sociedade Civil para o VIH/SIDA e desenvolve ainda atividades de formação, sessões para a educação/ações de sensibilização, orientação e acolhimento na área da Saúde Sexual e Reprodutiva para jovens e adultos, nomeadamente na prevenção das Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), entre as quais o VIH/SIDA e o VHC. A APF possui projetos semelhantes ao 100 RIScOS (Teste Rápido de VIH e VHC), noutras regiões do território português. Não obstante, trata-se de um projeto pioneiro na RAM (Associação para o Planeamento da Família, 2020).

O projeto 100 RIScOS financiado pela Gilead Génese foi desenvolvido em 2017, estando atualmente ainda a ser implementado na RAM, pela APF - Delegação Regional da Madeira (Associação para o Planeamento da Família, 2020).

O projeto supracitado teve, inicialmente, como principais objetivos promover a realização voluntária do teste rápido de deteção do VIH e disponibilizar aconselhamento em Saúde Sexual e Reprodutiva. Atualmente, graças à parceria estabelecida em 2019 com o programa FOCUS, desenvolvido pelo Dr. Vítor Magno Pereira, médico gastroenterologista do Serviço de Saúde da RAM (SESARAM, EPE), foi possível realizar também os testes rápidos para o VHC. Foram ainda realizadas ações no âmbito do aconselhamento individual, ações de informação/sensibilização, sessões para a educação, disponibilização de materiais informativos acerca da prevenção das infeções sexualmente transmissíveis, métodos contracetivos, entre outros assuntos. As atividades mencionadas foram implementadas nos espaços de atendimento, gabinetes dos centros e polos comunitários e na própria delegação da APF - Madeira, promovendo assim, o acesso livre, permanente e gratuito aos recursos e ações do projeto em vigor. Importante realçar que as ações de informação/sensibilização e sessões para a educação tiveram a duração máxima de 90 minutos utilizando metodologias ativas.

A grande maioria das intervenções foram realizadas numa razão de proximidade direta com a população inserida nas suas respetivas comunidades, graças ao recurso dos centros e polos comunitários do Funchal, através do estabelecimento de parcerias com entidades que permitiam uma divulgação mais efetiva, melhorando também as condições de acessibilidade aos testes rápidos para as IST’s. As entidades parceiras para além de terem auxiliado na divulgação da APF e mais concretamente o projeto 100 RIScOS, promoveram de igual modo o acesso à população alvo, encaminhando também os utentes para as ações que fossem sendo desenvolvidas

Método

Participantes

A amostra correspondente ao ano civil de 2020, foi constituída por 143 indivíduos testados em contexto comunitário. Concernente aos critérios de inclusão dos participantes que se integram no respetivo estudo de cariz exploratório foram: indivíduos de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, qualquer orientação sexual e que desejassem realizar os rastreios.

Material

Para a realização do teste rápido de VIH, foi utilizado o teste de 4ª geração Alere HIV Combo®. Os testes rápidos de 4ª geração (com duas regiões (Teste) “T”) pesquisam, para além dos anticorpos anti-VIH-1 e anti-VIH-2, o antigénio p24 a partir do 12º dia após contacto com o vírus. O teste da Alere HIV Combo®, oferece resultados precisos num período de 20 minutos com uma especificidade de 99,7% e uma sensibilidade de 100%, utilizando cerca de 50 µl de sangue capilar (sangue colhido através da punção da ponta do dedo) com adição de uma gota de reagente.

Os resultados variam entre não reativo (se aparece uma linha rosada ou avermelhada na linha “C” (Controlo)), reativo (se a linha aparece na região “C” e numa das regiões “T” ou se aparece na região “C” e em ambas as regiões “T”) ou inconclusivo (caso não apareça nenhuma linha, caso apareça uma linha numa das regiões “T”, ou caso apareça duas linhas em ambas as regiões “T”), sendo necessário repetir o teste.

No que toca à realização do teste rápido para o VHC, foi utilizado o teste de 3ª geração Info® Anti-HCV Rapid Test. O teste da Info® oferece resultados precisos, a partir do 90º dia após contacto com o vírus, num período de intervalo entre 15-20 minutos com uma especificidade e sensibilidade de 100% cada, utilizando cerca de 60 µl de sangue capilar (duas gotas de sangue colhido através da punção da ponta do dedo) com adição de duas gotas de reagente. Os resultados variam entre não reativo (se aparece uma linha rosada ou avermelhada na linha “C”), reativo (se a linha aparece na linha “C” e na linha “T”) ou inconclusivo (se não aparece nenhuma linha ou se aparece a linha apenas na região “T”), sendo necessário repetir o teste.

Procedimento

Os testes rápidos de VIH e de VHC foram realizados em gabinete em centros comunitários e na delegação da Associação para o Planeamento da Família - Madeira, após deslocação dos participantes por iniciativa própria. O atendimento contemplava a avaliação de comportamentos de risco e de outras variáveis, a explicação de todo o procedimento, a realização dos testes rápidos e, quando necessário, o encaminhamento para os serviços de saúde públicos competentes.

Adicionalmente ao resultado dos testes rápidos para o VIH e VHC, foram recolhidos e analisados os seguintes dados: sexo, idade, orientação sexual, nacionalidade e naturalidade, freguesia onde residem, motivo da realização dos testes e, caso necessário, a data do último comportamento de risco.

Importante referir que todos os dados foram colhidos no gabinete onde foram efetuados os testes rápidos, sob o regime de anonimato, mantendo sempre o sigilo, privacidade e confidencialidade do utente.

Resultados

No total, 143 indivíduos realizaram os testes rápidos para as IST’s do VIH e VHC. Foram testados 72 indivíduos para o VIH e 71 elementos para o VHC. De um total de testes realizados, quatro testes de VHC foram reativos, tendo os respetivos quatro casos efetuado novamente o teste rápido para confirmação de sorologia e reencaminhados para o Hospital Dr. Nélio Mendonça.

A faixa etária predominante na realização do teste VIH/SIDA foi a +49 com 33 sujeitos, seguindo-se a faixa 42-49 com 13 indivíduos e a faixa 26-33 com 10. Quanto ao sexo, o feminino foi o mais frequente com 42 sujeitos e a orientação sexual predominante foi a heterossexualidade.

A nacionalidade predominante foi a Portuguesa, sendo a grande maioria dos pacientes residentes no Funchal.

Quanto aos motivos que levaram os elementos integrantes da amostra a realizarem os testes rápidos para o VIH e VHC foram: relações sexuais desprotegidas (79,7%), dúvidas e curiosidade acerca dos testes rápidos (54,1%), análise de rotina (21,7%), sexo ocasional (12,2%), dúvidas sobre a serologia do parceiro/parceira (12,2%), relações com múltiplos parceiros/parceiras (12,2%), infidelidade (2,8%), consumos de substâncias psicoativas (2,8%), antecedentes familiares e pessoais com IST´s (2,8%), corte em objetos corto-perfurantes (2,8%), início de relação estável (2,8%), profissionais de Saúde em prestação de cuidados, que não fizeram o uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI´s) (1,4%).

Discussão

O projeto atual contribuiu para a continuação da promoção da realização voluntária e gratuita do teste rápido de VIH e iniciar a promoção da realização dos testes rápidos de VHC, assegurando efetivamente os aconselhamentos em Saúde Sexual e Reprodutiva. A realização dos testes rápidos visa contribuir de forma positiva para a luta contra a infeção pelo VIH/SIDA e VHC. Para além de auxiliar a população ao conhecimento quase imediato do seu estado sorológico, permite que os profissionais de Saúde possam seguir o utente de forma efetiva (Ribeiro & Sacramento, 2014).

Os nossos dados revelam uma diminuição significativa de indivíduos testados em relação a outros anos civis, sendo que em 2020 foram testados pela nossa entidade 143 (72 VIH e 71 VHC), menos de metade em relação a anos anteriores (por exemplo em relação ao VIH, Costa et al., 2019). Este decréscimo faz-nos questionar o impacto que a pandemia relativa ao COVID-19 poderá vir a ter em termos de Saúde Sexual e Reprodutiva mesmo em locais considerados menos afetados, como foi o caso da R.A.M. em 2020.

No que toca à idade dos participantes, e à semelhança de Costa e colaboradores (2019), a mesma centrou-se sobretudo na faixa etária acima dos 49 anos de idade, sendo a maior fatia respetiva ao sexo feminino com orientação heterossexual, o que poderá refletir a maior adesão do sexo feminino aos cuidados de saúde.

De notar, que a maioria dos testes rápidos realizados foram nos centros e polos comunitários da RAM. Uma vez que a grande maioria desses centros e polos se localizam no concelho do Funchal, tal pode explicar o facto de que a maioria dos elementos integrantes da amostra seja de nacionalidade portuguesa residente no respetivo concelho.

Importa reforçar a importância da realização dos rastreios supracitados no que concerne aos imigrantes, em particular os que provêm da Venezuela, já que cada vez mais se verifica um aumento gradual da sua afluência na RAM (Centro das Comunidades Madeirenses e Migrações, n.d.; Costa et al., 2019).

Dos motivos que levaram os participantes a efetuarem os rastreios para as IST’s, destacaram-se as relações sexuais sem a utilização do preservativo (externo ou interno) em 79,7% dos indivíduos, o que vem corroborar a literatura sobre a transmissão por via sexual, uma via que tem vindo cada vez mais a assumir um peso significativo no aparecimento das novas infeções. A chamada “dizimação da incerteza”, após um comportamento de risco, constitui-se um fator que leva os indivíduos a realizar os testes de deteção precoce (Ministério da Saúde, 2020; Silva et al., 2018).

A maior acessibilidade aos testes, isto é, serem totalmente gratuitos, anónimos, e confidenciais, assim como a própria curiosidade do utente, levaram 54,1% dos sujeitos a efetuarem os respetivos rastreios. De salientar a importância das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) enquanto meios essenciais de divulgação e promoção dos testes rápidos, levando os utentes a conhecer numa primeira instância a existência de testes de rastreio para as IST’s (Figueira, 2020).

Na mesma ótica, o diagnóstico precoce e o pré-aconselhamento, durante e aconselhamento pós-teste, trata-se de uma estratégia fulcral que afeta os três níveis de prevenção (primária, secundária e terciária). Consequentemente, a identificação atempada da infeção oferece inúmeros benefícios tanto para o próprio indivíduo, como para a sua comunidade (Castejon et al., 2020; Costa et al., 2019).

Tais factos são corroborados quando é alegado que o rastreio para as IST’s na população nacional contribuirá para a subida da taxa de sobrevivência dos indivíduos tornando-se economicamente mais proveitoso pelas normas internacionais. Também, uma vez que os rastreios são efetuados com mais regularidade em regiões e subpopulações de risco poderá justificar as informações apresentadas ao longo do presente artigo.

Aquando da realização dos testes de rastreio, à semelhança dos resultados de Costa e colegas (2019), é notória a presença de alguns obstáculos, entre os quais, o medo da descriminação, o estigma associado ao diagnóstico de uma IST, o custo dos testes, a própria acessibilidade dos testes, em que muitos dos utentes tendem a “pensar” que os testes rápidos são difíceis de serem acedidos, daí ser fulcral, apostar na divulgação dos mesmos, e “trazer os testes” para junto da população, sobretudo as mais vulneráveis, para por exemplo, centros e polos comunitários entre outros (Araújo et al., 2017; Costa et al., 2019).

Neste sentido, reforça-se a importância de se continuar a apostar na testagem rápida, sendo crucial na estratégia global para a luta contra a infeção pelo VIH/SIDA e VHC, permitindo um diagnóstico atempado e adequado que tornará possível o acesso precoce a cuidados de Saúde, aumentando a taxa de sobrevivência, a qualidade de vida dos indivíduos infetados e a redução do número de cadeias de transmissão. Os testes rápidos assumem-se como um instrumento de deteção precoce, que permitem uma maior resolução e qualidade no atendimento, além de ampliarem a “rede de atenção” a indivíduos que convivem com as IST’s, o desenvolvimento de atividades de educação para a Saúde, o acolhimento, a vinculação da informação aos utentes sobre os potenciais riscos para a Saúde desencadeados pelas ISTs, e, por isso, fundamentais na construção generalizada de uma cultura de prevenção (Araújo et al., 2017; Ribeiro & Sacramento, 2014).

O número de casos de VIH e VHC em Portugal tem vindo a decrescer. Tal facto deve-se, essencialmente, ao aumento do número de casos diagnosticados em fase inicial e que realizam terapêutica antiviral. Para complementar, a realização de campanhas de ações de sensibilização para as IST’s e a melhoria na acessibilidade aos testes de diagnóstico precoce têm contribuído para esse facto. Os testes rápidos para as IST’s, têm uma fiabilidade de 99%, para além de serem anónimos, confidenciais e gratuitos, e garantirem o resultado num período médio de tempo de 10 minutos (Ministério da Saúde, 2019; Ribeiro & Sacramento, 2014).

Para além da confidencialidade e a gratuitidade dos testes serem cruciais, ressalta-se a importância da formação dos técnicos que os realizam, assumindo-se como elementos de relevo para o sucesso dos mesmos (Araújo et al., 2017).

Desde 1992 que a R.A.M., não registava menos de uma dezena de novos casos de VIH. Em 2019 registou cerca de nove casos, sendo que na primeira metade do ano de 2020, não houve qualquer notificação de novos casos de VIH (Instituto de Administração da Saúde e Assuntos Sociais, 2020). Até à data, a APF - Madeira, foi o único organismo que realizou o teste de diagnóstico para o VIH/SIDA e VHC, complementando as intervenções aludidas, com o desenvolvimento de ações de educação para a prevenção e sexualidade segura responsável, através do Projeto 100 RIScOS, que foi financiado pela Gilead e contou com a colaboração de parceiros relevantes.

Apesar do marco importante que Portugal atingiu ao alcançar as metas 90-90-90 para 2020, no âmbito do Programa Conjunto da Organização das Nações Unidas para o VIH/SIDA (ONUSIDA), ainda assim, possui um longo caminho a percorrer no que toca à redução do aparecimento de novos casos anualmente de VIH, devendo reforçar as atividades de prevenção e tratamento das IST’s e promoção da Saúde (Ministério da Saúde, 2019).

Futuramente, as orientações programáticas indicam que se deverá continuar a apostar em melhorar a literacia da população no âmbitos das IST’s, priorizar as intervenções de elevado impacto, atuando sobretudo, junto das populações mais vulneráveis, tal como já foi averiguado no presente artigo, em que se objetiva especificamente, o incentivo e promoção da adesão ao uso do preservativo masculino ou feminino como o único método de proteção contra as IST’s, informar sobre as IST’s prevenindo ao máximo a população, quer nos gabinetes de Saúde, quer em ações de sensibilização favorecendo o uso das TIC, informar e facilitar a adesão à profilaxia pré e pós-exposição, assegurar o acesso ao conhecimento do estado sorológico, continuar a divulgar a existência dos testes rápidos para as IST’s, promovendo a adesão à realização dos mesmos e facilitando o seu acesso à população, assegurar o encaminhamento dos utentes caso seja necessário e garantir que os serviços de Saúde os recebem sem constrangimentos. É fulcral restringir as desigualdades e incrementar a integração social dos indivíduos mais marginalizados e que, dadas as circunstâncias, encontram-se mais vulneráveis ao risco das infeções. Importa salientar, os grupos de imigrantes que têm chegado a todas as regiões do território nacional, sobretudo à RAM, e que se encontram em situação irregular ou que não frequentam os serviços de Saúde, devem ser tidos em consideração.

Sendo um grande objetivo de Saúde Sexual e Reprodutiva a prevenção de IST’s, o decréscimo de indivíduos testados no ano de 2020 alerta-nos para a necessidade de reforçar a sensibilização da população para a promoção de comportamentos protetores quanto ao VIH e VHC e outras infeções. Atendendo ao contexto pandémico que vivemos, pode ser importante analisar o impacto que as medidas de contenção do COVID-19 podem estar a ter no comportamento humano, na testagem e consequentemente deteção de novos casos positivos de VIH ou VHC em Portugal continental e regiões autónomas.

Os números apresentados em relação ao motivo de testagem e à faixa etária com maior incidência evidenciam a necessidade do reforço de serviços de prevenção, nomeadamente a sensibilização para o risco das relações sexuais desprotegidas, promovendo-se a utilização do preservativo desde o início do contacto íntimo, especialmente em faixas etárias em que não se verifica risco iminente de gravidez.

Apesar do número de casos diagnosticados virem a decrescer no nosso país, é importante uma testagem ampla e mais rotineira por forma a detetar-se casos de infeção por VIH e VHC precocemente, diminuindo a probabilidade de contágio de indivíduos saudáveis e iniciando a terapêutica adequada numa fase inicial da condição.

Neste âmbito, a APF - Madeira, face ao que foi constatado nos resultados apresentados e concordância com as orientações programáticas aludidas acima, pretende dar continuidade à intervenção que tem desenvolvido, contribuindo para o aumento da literacia em Saúde da população da RAM e procurando sempre contribuir de forma efetiva para a eliminação das barreiras ao acesso à Saúde.

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Recebido: 09 de Abril de 2021; Aceito: 11 de Outubro de 2021

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