Devido a fatores biológicos, sociais e psicológicos, a adolescência é um período sensível para a predisposição a diversos tipos de dependências (Panayides & Walker, 2012). Nessa etapa da vida, comportamentos como maior reatividade emocional, impulsividade e sensibilidade à influência dos seus pares estão relacionados ao processo de maturação cerebral. A compreensão dos mecanismos fisiológicos desse período pode auxiliar no esclarecimento dos aspectos envolvidos com os transtornos comportamentais mais comumente encontrados durante a adolescência, como transtorno de humor e de ansiedade por uso de substâncias (Andrade et al., 2018). Entre os resultados negativos, encontra-se o uso excessivo da Internet (Ha et al., 2007).
Por um lado, sobre a utilização cada vez maior da Internet, a maior quantidade de tempo livre, com o aumento de possibilidades tecnológicas, gerou uma nova conformação social com o utilizador saindo do papel de apenas consumir informação, para criar também (Oliveira, 2017). Por outro lado, quando utilizada compulsivamente por um adolescente, a Internet pode levar ao abandono de tarefas domésticas, assim como influenciar a relação com familiares e amigos, gerando atrasos e agravamento das atividades acadêmicas (Bednar & Peterson, 1995). O isolamento produzido pelo uso compulsivo da Internet, além de influenciar o rendimento escolar, pode gerar dificuldades de aprovação social dos indivíduos (Steinberg, 1999), o que pode resultar em baixa autoestima (Younes et al., 2016) ou ser resultado desta.
Entre os efeitos relacionados à saúde mental, algo que começa como uma simples diversão na tela ou uma simples experimentação de um jogo, por exemplo, pode passar a ser uma saída para que sentimentos perturbadores ou emoções difíceis de administrar desapareçam (SBP, 2019). O uso excessivo de Internet pode levar a sintomas de ansiedade e depressão, quando o utilizador se mantém por muitas horas por dia conectado, configurando um comportamento compulsivo (Moromizato et al., 2017).
A ansiedade, reconhecida com uma emoção frequente ou um sinal de alarme perante uma situação, pode interferir na aprendizagem do adolescente, dificultando a inserção escolar. Pode também comprometer a relação desse indivíduo com o grupo de semelhantes, além de acentuar conflitos familiares e causar o isolamento do adolescente (Brito, 2011). Os transtornos ansiosos acometem até 10% das crianças e dos adolescentes: depois dos transtornos de deficit de atenção/hiperatividade (TDAH) e de conduta, é uma das doenças psiquiátricas mais comuns nesse público (Asbahr, 2004).
Em 2015, a Organização Mundial da Saúde estimou que a prevalência dos transtornos ansiosos fosse de 3,6%, ou seja, cerca de 264 milhões de pessoas no mundo sofrem com transtornos de ansiedade (OMS, 2017). Tal transtorno é um problema relevante, visto que em muitos indivíduos podem existir outras comorbidades associadas, como a depressão. Em 40% dos casos, os transtornos depressivos podem associar-se aos transtornos de ansiedade em adolescentes e crianças (Jatobá & Bastos, 2007). Outros autores também relacionam a ansiedade à dependência de Internet (Moromizato et al., 2017).
A depressão é vista como um problema de saúde pública e apresenta-se nos adolescentes com prevalências que podem variar de 3,3 a 12,4% (Bahls, 2002). Nesse público, é considerada uma séria doença psiquiátrica, com extensa morbidade e mortalidade, e, aos 18 anos de idade, sua prevalência pode chegar a 20% (Brito, 2011). A depressão pode também estar associada à dependência de Internet (Abreu et al., 2008; Ho et al., 2014) e a outros transtornos mentais, como a ansiedade. Além disso, pode levar ao aumento da prevalência da depressão em adultos (Moromizato et al., 2017). Estima-se que no mundo mais de 322 milhões de pessoas sejam impactadas pela depressão, sendo sua prevalência mundial em torno de 4,4%. Já no Brasil, cerca de 6% da população sofre com esse transtorno, totalizando aproximadamente 11,5 milhões de brasileiros (OMS, 2017).
Em adolescentes de 15 a 17 anos, a prevalência de transtornos ansiosos e depressivos tem sido mais frequente do que nos adolescentes de 12 a 14 anos. Além disso, no sexo feminino a depressão também se manifesta com maior prevalência do que em adolescentes do sexo masculino (Lopes et al., 2016). Semelhantemente à manifestação nos adultos, a depressão nos adolescentes com mais de 12 anos de idade tem os mesmos sintomas, porém estes ficam mais irritáveis e instáveis quando comparados aos indivíduos adultos (Bahls, 2002).
Nesse contexto, na adolescência tardia (15 a 19 anos), em que ocorre o desenvolvimento da autoestima - além de esta ser considerada a faixa etária suscetível à dependência de Internet -, é possível pressupor que sintomas de ansiedade e depressão estejam associados (Méa et al., 2016). Diante dessas considerações, o objetivo deste estudo foi verificar a associação entre a ansiedade, depressão, autoestima e dependência de Internet na adolescência tardia entre estudantes matriculados no ensino médio da Região Metropolitana da Grande Vitória - Espírito Santo (RMGV-ES).
Método
Desenho de estudo
Um inquérito epidemiológico transversal foi realizado com uma amostra de estudantes de escolas de ensino médio na RMGV-ES nos anos de 2016 e 2017. Durante a realização do estudo, essa região continha aproximadamente 48% (1,6 milhões de habitantes) da população do estado do Espírito Santo, com 148.000 adolescentes com idades de 15 a 19 anos. A região é composta de sete municípios e, de acordo com a Secretaria de Educação do Estado do Espírito Santo, em 2014 havia 168 escolas de ensino médio, com 65.763 estudantes matriculados regularmente. Os estudantes de 15 a 19 anos, público-alvo deste estudo, estão concentrados no ensino médio (Lei 9.394/1996) (Reisen et al., 2019).
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Espírito Santo em 25 de fevereiro de 2015, sob o parecer de número 971.389/2015 (Resolução n. 466 de 12 de dezembro de 2012 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa - CONEP).
Os dados utilizados neste estudo são originados do banco de dados da pesquisa “Vigilância de fatores de risco para doenças e agravos em adolescentes de 15 a 19 anos na RMGV-ES”, financiado pelo Edital FAPES n. 007/2014 - Universal - Projeto Integrado de Pesquisa. O objetivo dessa pesquisa foi medir a exposição dos adolescentes a comportamentos de risco, doenças e agravos que poderiam afetar seu desenvolvimento e impactar sua saúde física e mental.
Critérios de inclusão e exclusão
Para que pudessem participar da pesquisa, os estudantes deveriam ter entre 15 e 19 anos de idade, bem como deveriam estar regularmente matriculados na rede escolar pública ou privada da RMGV-ES. Nenhum dos participantes poderia apresentar algum comprometimento cognitivo, auditivo ou visual que pudesse impedir o preenchimento do formulário. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento e/ou assentimento para que pudessem responder o instrumento de pesquisa.
Amostragem e coleta de dados
Para a ansiedade, a prevalência estimada foi de 22% para ambos os sexos (Collins et al., 2009), um intervalo de confiança de 95% (IC 95%), um erro-padrão de 2,5% da proporção dos casos e uma perda esperada de 50%, o que resultou no tamanho mínimo de 2.077 adolescentes.
O cálculo amostral para a variável depressão considerou uma prevalência estimada de 22% para ambos os sexos (Ali et al., 2006), um intervalo de confiança de 95% (IC 95%), um erro-padrão de 2,5% da proporção dos casos e uma perda esperada de 50%, o que resultou no tamanho mínimo de 1.790 adolescentes.
A amostragem para a variável autoestima levou em consideração a prevalência estimada de autoestima baixa de 20,1% (Akdemir et al., 2016) para ambos os sexos, um intervalo de confiança de 95% (IC 95%), um erro-padrão de 2,5% da proporção dos casos e uma perda esperada de 50%, o que resultou no tamanho mínimo de 1.946 adolescentes.
Todas as escolas com ensino médio da RMGV-ES (ano de 2014) foram numeradas e escolhidas aleatoriamente de acordo com a proporção de cada município, com o auxílio do programa BioEstat (versão 5.4). Chegou-se à amostra final de 2.293 adolescentes. A coleta de dados ocorreu em 54 escolas (43 públicas e 11 privadas) com entrevistadores treinados para a aplicação do instrumento. Um software foi desenvolvido especificamente para a coleta de dados, e os indivíduos preenchiam a entrevista fechada em notebooks.
Instrumentos
Nesta pesquisa, as variáveis independentes sociodemográficas relacionadas aos adolescentes foram investigadas: idade (15 a 19 anos), sexo (masculino, feminino), raça/cor de pele (branca, preta, parda, amarela, indígena), tipo de escola (pública, privada), turno de estudo (manhã, tarde), ano de ensino médio (1°, 2°, 3°,4°), classe social (A, B, C, D, E) (ABEP, 2016), condições de moradia (adequada, altamente inadequada, inadequada) (Vettore et al., 2010), trabalho remunerado (sim, não), grau de instrução do chefe da família (analfabeto/fundamental incompleto, fundamental I completo/fundamental II incompleto, fundamental II completo/médio incompleto, médio completo/superior incompleto, superior completo).
A autoestima dos adolescentes foi aferida por meio da Escala de Autoestima de Rosenberg (EAR) (Rosenberg, 1965), sendo considerada variável independente. A escala é composta de 10 afirmações que giram em torno de quanto a pessoa se valoriza e da satisfação consigo mesma. As cinco primeiras declarações são positivas, e as outras cinco são negativas (Hutz & Zanon, 2011). O instrumento classifica a autoestima do adolescente como baixa, média e alta autoestima. A consistência interna para os itens do instrumento EAR apresentaram o Alfa de Cronbach Global quase perfeito (α=0,81).
A dependência de Internet foi mensurada utilizando-se o Internet Addiction Test (IAT), instrumento composto de 20 perguntas que avaliam o impacto da Internet na vida do indivíduo. As respostas podem variar desde “não se aplica” e “nunca” até “sempre”, com cada pergunta pontuando de zero a cinco, de modo que o total de pontos classifica o indivíduo como um utilizador sem dependência de Internet, um utilizador com grau baixo, com grau moderado e com grau alto de dependência (Conti et al., 2012). A fim de facilitar as análises e associações desta pesquisa, seguindo o direcionamento de outros autores (Bianchini et al., 2017; Mellouli et al., 2018; Tsimtsiou et al., 2017; Xin et al., 2018), o IAT foi dicotomizado em usuários considerados não dependentes (0-49 pontos) e usuários dependentes (≥ 50 pontos). O teste apresentou uma consistência interna considerada muito boa, com Alfa de Cronbach (α =0,93) para todos os itens do IAT.
Para averiguar os sintomas de ansiedade e depressão nos adolescentes, foi aplicada a Escala Hospitalar para Ansiedade e Depressão (HAD). Esse instrumento constitui-se de 14 itens, sendo sete para ansiedade e sete para depressão. A escala é considerada de fácil manuseio e de rápida execução e foi preenchida pelo adolescente (Botega et al., 1995). A escala classifica os sintomas de ansiedade e depressão, de acordo com cada subescala, como: improvável (0 a 7 pontos), possível (8 a 11 pontos) e provável (12 a 21 pontos). A consistência interna para os itens do instrumento HAD apresentaram o Alfa de Cronbach substancial (α =0,71) (Quadro 1).
Estudo-piloto
Um estudo-piloto foi conduzido para garantir uniformidade e padronização da fase de coleta de dados. Com um intervalo de 21 dias, o formulário foi testado usando o método de teste e reteste em duas etapas para 46 adolescentes de 15 a 19 anos, a fim de verificar reprodutibilidade das respostas. Para as questões do instrumento IAT, todos os testes Kappa foram significantes (p-valor<5%), o Kappa ajustado pela prevalência variou de 0,59 a 0,84 e as discordâncias entre as respostas não foram significativas (p-valor>5%). O teste de McNemar foi utilizado para avaliar a existência de qualquer tendência de discordância entre o primeiro e o segundo momento de aplicação do instrumento, sendo considerado um intervalo de confiança (IC) de 95%.
Testes semelhantes foram aplicados aos instrumentos que avaliaram os sintomas de ansiedade e depressão (Escala Hospitalar para Ansiedade e Depressão), bem como a autoestima (Escala de Autoestima de Rosenberg). Os valores de Kappa foram de 0,59 a 0,87 para a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) e de 0,49 a 0,93 para a Escala de Autoestima de Rosenberg (EAR) (p-valor>5%). O teste de McNemar também foi utilizado para avaliar a existência de qualquer tendência de discordância entre o primeiro e o segundo momento de aplicação do instrumento, sendo considerado um intervalo de confiança (IC) de 95%.
Análise estatística
Os dados coletados foram analisados no software SPSS versão 21.0. As frequências relativas e absolutas foram calculadas para todas as variáveis analisadas. O teste do qui-quadrado de Pearson foi usado para testar as associações entre características sociodemográficas, autoestima, dependência de Internet, ansiedade e depressão. Em seguida, foi feita a regressão logística multinominal com as variáveis ansiedade, depressão e autoestima.
Aspectos éticos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) (Resolução 971.389/2015). Para participar da pesquisa, todos os adolescentes maiores de 18 assinaram um termo de consentimento informado, e os menores de 18 anos também precisavam ter o termo de consentimento informado assinado por seus pais ou responsáveis legais.
Resultados
A amostra total foi constituída de 2.293 adolescentes. Em relação à ansiedade, 33,0% dos adolescentes apresentaram ansiedade possível e 21,5%, ansiedade provável. Em relação à depressão, 29,8% dos adolescentes estavam com doença possível e 6,9%, com doença provável. Quanto à autoestima, os percentuais dividiram-se em: baixo nível de autoestima (2,1%), nível médio de autoestima (80,4%) e alto nível de autoestima (17,5%), conforme apresentado no Quadro 2.
Quando foi avaliada a associação entre os graus de ansiedade, depressão e autoestima com os fatores sociodemográficos e a dependência de Internet (Quadro 2), foram encontradas associações significativas entre ansiedade, autoestima e sexo. A ansiedade provável mostrou-se mais frequente no sexo feminino (72,3%; p<0,001) do que no masculino, assim como a baixa autoestima (68,1%; p=0,002).
Associações também foram encontradas entre os sinais de depressão (p=0,009) e autoestima (p=0,003) com o ano do ensino médio. Os estudantes do primeiro ano foram os que tiveram os maiores percentuais de depressão provável (59,1%) e de baixa autoestima (49,0%), em comparação aos do segundo e terceiro anos (Quadro 2).
O Quadro 2 mostra que classes sociais mais baixas (D-E) dos adolescentes estiveram associadas à ansiedade (p=0,05), visto que dentre os adolescentes que apresentaram ansiedade provável, a maioria era das classes D-E (47,2%), em comparação com a classe C (42,4%) e as classes A-B (10,4%). Os adolescentes que apresentavam as condições de moradia classificadas como inadequadas foram classificados, em sua maioria, com ansiedade provável (74,3%) e depressão provável (69,5%), sendo essas diferenças significantes (p-valor<5%). O fato de o adolescente não realizar trabalho remunerado foi associado à depressão (p=0,035), visto que dentre os adolescentes que apresentaram depressão provável, a maioria não realizava trabalho remunerado (71,4%).
A dependência de Internet esteve associada à ansiedade, à depressão e à autoestima (p<0,001). A ansiedade provável (40,5%), a depressão provável (33,91%) e a baixa autoestima (44,7%) foram menos prevalentes nos adolescentes com dependência de Internet (Quadro 2).
No que se refere às questões que compõem a escala HAD (Quadro 3), a dependência de Internet esteve associada a todas as perguntas relativas à ansiedade (p<0,001) e à sua variável resumo (p-valor<0,001), visto que a maioria dos adolescentes com ansiedade provável não possuía dependência de Internet (64,6%). Quanto à triagem da depressão, a dependência de Internet esteve associada a quatro, dentre sete itens, e associou-se à variável resumo (p<0,001), visto que, entre os adolescentes com depressão provável, 33,1% também possuíam dependência de Internet.
O Quadro 3 também mostra as associações da autoestima com a dependência de Internet, e as maiores prevalências de autoestima alta foram para os adolescentes não dependentes de Internet (81,2%) em relação aos dependentes (18,8%).
Os fatores associados à ansiedade, depressão e autoestima foram testados por meio da regressão logística multinomial e estão apresentados no Quadro 4.
Em relação à ansiedade improvável, o Quadro 4 mostra que ser do sexo masculino aumentou a chance de o adolescente apresentar ansiedade possível (ORaj=1,36; IC95%=1,11-1,65). A chance era menor quando o indivíduo tinha moradias consideradas adequadas (ORaj=0,56; IC95%=0,34-0,92) e não apresentava dependência de Internet (ORaj=0,49; IC95%=0,39-0,62). A maior chance de apresentar ansiedade possível foi associada ao sexo feminino (ORaj=2,22; IC95%=1,74-2,83), e as chances foram reduzidas quando o adolescente era da classe social C (ORaj=0,74; IC95%=0,58-0,94), apresentava moradias inadequadas (ORaj=0,65; IC95%=0,48-0,88) e não era dependente de Internet (ORaj=0,22; IC95%=0,22-0,36).
Já em relação à depressão improvável (Quadro 4), a maior chance de o adolescente apresentar depressão possível existia nas escolas públicas (ORaj=1,43; IC95%=1,06-1,93) e quando o jovem não exercia trabalho remunerado (ORaj=1,30; IC95%=1,04-1,64). A chance de ter depressão possível foi menor quando o adolescente não apresentava dependência de Internet (ORaj=0,69; IC95%=0,56-0,85). A maior chance de depressão provável foi para os adolescentes que estavam no primeiro ano do ensino médio (ORaj=1,92; IC95%=1,22-3,00) e a menor foi encontrada entre os que tinham moradias consideradas inadequadas (ORaj=0,54; IC95%=0,36-0,82) e não tinham dependência de Internet (ORaj=0,60; IC95%=0,42-0,87).
Considerando a autoestima alta, os adolescentes que tinham maior chance de terem baixa autoestima eram do sexo feminino (ORaj=1,92; IC95%=1,00-3,68) e do primeiro (ORaj=2,47; IC95%=1,02-5,99) e segundo ano (ORaj=2,55; IC95%=1,01-6,43) do ensino médio (em relação ao terceiro e quarto anos), enquanto a chance era menor quando o adolescente não era dependente de Internet (ORaj=0,30; IC95%=0,16-0,58). A maior chance de autoestima média foi para os adolescentes do sexo feminino (ORaj=1,47; IC95%=1,17-1,83) e do primeiro ano do ensino médio (ORaj=1,59; IC95%=1,22-2,07), sendo menor nos não dependentes de Internet (ORaj=0,66; IC95%=0,50-0,87).
Discussão
Há evidências de possíveis associações dos transtornos ansiosos e depressivos com a dependência de Internet (Méa et al., 2016). Este estudo buscou verificar a associação entre ansiedade, depressão, autoestima, fatores sociodemográficos e a dependência de Internet na adolescência tardia em estudantes do ensino médio.
Sabe-se que este período da vida, a adolescência, sujeita o indivíduo ao possível aparecimento de sintomas e transtornos relacionados à depressão (Grolli et al., 2017).
Os resultados do presente trabalho demonstraram um grande percentual de adolescentes com sintomas de ansiedade e depressão, com 33% dos adolescentes apresentando ansiedade possível e mais de 20% (21,5%), ansiedade provável. Já em relação à depressão, 29,8% dos adolescentes estavam com doença possível e 6,9%, com doença provável. Segundo a OMS (2017), os valores percentuais para a depressão encontrados na população em geral são bem menores (4,4%) do que os encontrados neste estudo. Assim como, os valores percentuais para adolescentes também são bem maiores que aqueles para a população do Brasil (5,8%, mais de 11,5 milhões de brasileiros). No entanto, a OMS utiliza em suas pesquisas o Inventário de Depressão de Beck (utilizado para mensurar a gravidade dos sintomas depressivos), um instrumento diferente da Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão, este último utilizado no presente estudo para detecção de casos desse tipo de transtorno.
A depressão deve ser considerada um problema de saúde pública, e outros autores (Bahls, 2002) reforçam a importante prevalência dessa enfermidade na população adolescente, com a prevalência variando de 3,3 a 12,4%.
Alguns autores, por meio de um estudo transversal realizado na Malásia (Maideen et al., 2015), encontraram a prevalência de 8,2% de ansiedade nos indivíduos. Após uma análise de regressão logística, a ansiedade foi associada à depressão, aos problemas graves no trabalho e ao alto estresse percebido. No presente trabalho, a prevalência dos adolescentes que apresentaram sintomas de ansiedade provável foi de mais de 20% (21,5%). Dados como esse são importantes, visto que, em muitos casos, a ansiedade está associada a outras enfermidades, como a própria depressão.
Acerca das associações relacionadas à saúde mental com a dependência de Internet, um estudo realizado no Brasil com 169 estudantes demonstrou que quase a totalidade deles fazia uso diário de Internet e/ou redes sociais. O tempo de uso da Internet não foi associado aos sintomas ansiosos e depressivos. Entretanto, os autores encontraram que indicadores de necessidade de verificação da Internet e indicativos de uso não adequado foram associados à presença de sintomas ansiosos e depressivos (Moromizato et al., 2017). Os resultados desses autores corroboram os achados do presente estudo, que encontrou associações da dependência de Internet com a ansiedade provável (40,5%), a depressão provável (33,91%) e a baixa autoestima (44,7%). Como a utilização da Internet tem aumentado entre os adolescentes, em especial entre os mais jovens, é possível que o uso abusivo possa levar a efeitos prejudiciais na saúde mental desses indivíduos.
Quando foram comparados os dependentes de Internet com os não dependentes, os que mais utilizavam a Internet apresentavam quase duas vezes mais chance de ter sintomas de ansiedade e depressão prováveis, se comparados com os não dependentes. Além disso, a chance de terem baixa autoestima foi 70% maior nos dependentes de Internet.
Outros autores, por meio de uma revisão integrativa da literatura (Schmidek et al., 2018), encontraram a maior frequência de comorbidades como ansiedade e depressão nos adolescentes que foram diagnosticados com dependência de Internet, enfermidades que ficaram apenas atrás do transtorno do deficit de atenção.
Uma metanálise também buscou determinar as prevalências de comorbidades psiquiátricas entre os dependentes de Internet (Ho et al., 2014). Os achados mostraram que o grupo com dependência de Internet apresentou maior prevalência de depressão (26,3%) em relação ao grupo-controle. O mesmo também foi observado em relação à ansiedade: no grupo dependente de Internet também se encontraram mais sintomas de ansiedade.
Com relação ao sexo dos adolescentes, os achados deste estudo mostraram que o sexo feminino teve mais de duas vezes mais chance de mostrar sintomas de ansiedade em comparação ao sexo masculino. Corroborando os resultados de outros autores que mostraram o sexo feminino (38,4%) apresentando uma maior prevalência de transtornos mentais comuns em relação ao sexo masculino (21,6%) (Lopes et al., 2016).
Como a idade teve uma associação com o ano do ensino médio dos adolescentes, usou-se a segunda variável para realização da regressão logística deste estudo. Os estudantes do primeiro ano do ensino médio tiveram maior chance - mais de duas vezes maior - de apresentar sintomas de depressão provável em relação aos adolescentes do terceiro e quarto ano. Esses resultados vão ao encontro dos dados da população brasileira encontrados por outros autores (Lopes et al., 2016), que revelaram uma maior prevalência de transtornos mentais comuns em adolescentes com mais idade (15 a 17 anos, 33,6%) em relação aos adolescentes mais jovens (12 a 14 anos, 26,4%). Dados do II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas evidenciam que a depressão está associada ao consumo abusivo de álcool e tem sua prevalência significativamente maior entre abusadores dessa substância. Além disso, o estudo também detectou que 5% dos brasileiros já tentaram tirar a própria vida, entre os quais para 24% a tentativa estava relacionada ao consumo de álcool (UNIFESP, 2014).
Em relação aos níveis de autoestima nos adolescentes de 15 a 19 anos, este trabalho mostrou que as prevalências se dividiram em: baixo nível de autoestima (2,1%), nível médio autoestima (80,4%) e alto nível de autoestima (17,5%). Esses dados são relevantes, pois a dependência de Internet, segundo alguns autores, também está associada à baixa autoestima (Younes et al., 2016), visto que quem é mais dependente apresentou associação com a baixa autoestima. A regressão logística multinominal do presente trabalho evidenciou que os adolescentes com baixa autoestima tinham 70% mais chance de serem dependentes de Internet.
No presente estudo, os adolescentes que tinham moradias altamente inadequadas apresentaram maiores chances de terem ansiedade provável e depressão provável do que os indivíduos com moradias consideradas adequadas e inadequadas. A literatura científica tem dados que associam a escolaridade da mãe à presença de transtornos mentais (Pinheiro et al., 2007), o que poderia indicar uma possível relação com a condição de moradia dos adolescentes.
É necessário frisar que alguns dos instrumentos utilizados basearam-se em experiências que os adolescentes tiveram no passado, retrospectivas. Além disso, o estudo foi feito em apenas um momento, por meio de um estudo transversal, sendo complicado definir se a dependência de Internet leva aos sintomas ansiosos e depressivos e à baixa autoestima ou se há a causalidade em sentido contrário, pois as duas possibilidades estão associadas.
Por se tratar de assuntos delicados e ao considerar que o adolescente pode não estar familiarizado com tais temáticas, pode-se imaginar que ele poderia não ter veracidade nas respostas. Porém, os instrumentos foram devidamente validados e o teste-piloto foi realizado previamente à pesquisa. Além disso, ao comparar os dados deste estudo com informações de estudos internacionais, deve-se considerar que existem dificuldades, como os diferentes tipos de métodos empregados e as variadas faixas etárias avaliadas.
Apesar da elevada prevalência de transtornos ansiosos e depressivos, bem como da baixa autoestima entre os adolescentes, os sintomas podem não ser percebidos pelos responsáveis, gestores escolares e serviços de saúde. Espera-se que os achados desta pesquisa possam auxiliar no planejamento de medidas de prevenção e cuidado desse grupo populacional.
O sexo feminino foi o que mais apresentou sintomas ansiosos e baixa autoestima, e os sintomas depressivos foram mais frequentes nos estudantes do primeiro ano do ensino médio, em relação aos do terceiro e quarto ano. A dependência de Internet também esteve associada à presença de sintomas ansiosos, depressivos e à baixa autoestima em comparação aos adolescentes não dependentes.