A experiência de fim de vida, sendo uma experiência subjetiva, tem uma de duas condições prévias óbvias: o envelhecimento e/ou a existência de uma doença grave embora, de facto seja um atributo dos organismos vivos desde o início da vida. Como diriam Sallnow et al. (2022) a morte e a vida estão unidas: sem morte não haveria vida. Ou seja, em cada dia há aproximação à morte.
Mas a morte coloca-se de modo diferente no envelhecimento e/ou na existência de uma doença grave, ou seja, na aproximação ao fim da vida. Segundo os dados do INE, o número bruto de mortes anuais é elevado no primeiro ano de vida (246) e desce até aos 20 anos. A partir dos 20 anos cresce a cada decénio para atingir o máximo na década 80-90 anos, e desce nos decénios seguintes. Em 2019 (ano anterior à pandemia) o número de óbitos em Portugal foi de 111.783. Ou seja, a experiência de fim da vida aumentará com a idade, principalmente a partir dos 50 anos e do que é formalmente considerado idoso que, nos países desenvolvidos são os 65 anos, e que pode ser considerada a idade após a reforma que, atualmente, em Portugal, é acima dos 66 anos. Cardoso et al. (2012) referem a existência de três níveis de velhice, os jovens velhos dos 65 aos 75 anos, os médios velhos dos 75 aos 85 anos e os velhos-velhos com mais de 85 anos. Estes grupos são especialmente focados neste trabalho.
Sallnow et al. (2022) num relatório publicado na revista Lancet com um título provocativo, “Report of the Lancet Commission on the Value of Death: bringing death back into life” referem que houve uma alteração importante na forma como a morte e o morrer são vividas nas sociedades modernas onde passaram, de um fenómeno que ocorria principalmente no seio da família e da comunidade, para um fenómeno que ocorre no seio do sistema de saúde e onde, provavelmente, continuam a existir tratamentos fúteis ou inapropriados nas últimas horas de vida. Assim, o papel da família e da comunidade estão reduzidos, nomeadamente por se terem perdido os conhecimentos e tradições existentes sobre o que fazer perante estes acontecimentos de morte ou morrer.
A expectativa de vida à nascença, em Portugal, em 2019, era de 81,6 anos (78,07 para os homens e 83,67 para as mulheres) e tem aumentado desde o início do século passado, graças à evolução do conhecimento na área da fisiologia e medicina, à existência de mais e melhores tecnologias de diagnóstico e de terapêutica, e à melhoria da organização do sistema de cuidados de saúde e do estilo de vida das populações. Para além da expectativa de vida à nascença, existe outro indicador, a expectativa de vida saudável. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define Expectativa de Vida Saudável (Healthy Life Expectancy - HALE) como um indicador do número de anos de vida que restam a uma pessoa para viver sem doença ou incapacidade que, segundo valores de 2016, para 31 países da Europa, colocava Portugal no lugar 27 com um HALE de 57 anos para as mulheres (mais elevado a Suécia com 71,9), e no lugar 21 para os homens com um HALE de 60,1 (Suécia com 73,2). Se considerarmos a expectativa de vida de 83,67 anos para as mulheres e 78,07 para homens, são esperados 26 anos de vida com doença para as mulheres e de mais de 18 anos para os homens pelo que, em Portugal, se viverá mais tempo do que na maioria dos países europeus antecipando a possibilidade de uma morte que pode surgir na sequência de doença numa idade avançada. Ou seja, para a população portuguesa, a partir da casa dos 50 anos a aproximação ao fim da vida torna-se, provavelmente, um tema mais presente.
Em geral, e especialmente em Portugal, como se verifica pelo HALE, envelhecimento e doença estão, provavelmente, ligados. Hou et al. (2019) e Niccoli e Partridge, (2012), referem que o envelhecimento é o principal fator de risco para as principais doenças, pelo que, dado o envelhecimento da população e o aumento da expectativa de vida, as doenças crónicas (DC) tendem a aumentar. Borgermans et al. (2017) referem que entre 20-40% dos doentes com idades de 65 anos e mais, têm multi-morbilidade, que se caracteriza pela existência de cinco ou mais condições de doença. Em Portugal, Broeiro et al. (1995), num estudo com participantes com mais de 65 anos, verificaram que 67% tinham 6 ou mais problemas de saúde, com uma média de 7.
As DC principais, segundo a World Health Organization, (2013), são as doenças cardiovasculares, o cancro, as doenças respiratórias e a diabetes. Em Portugal, a PORDATA reporta a percentagem de causas de morte que, em junho de 2019 (ano anterior ao covid-19 eram: aparelho circulatório 29,3%, tumores malignos 25%, aparelho respiratório 11,7%, aparelho digestivo 4,8%, diabetes 3,8%, acidentes, envenenamento, e violência 3,8%, doenças infeciosas e parasitárias, excluindo SIDA e tuberculose, 1,4%, suicídio 1%, outras causas 0,5%, em concordância com o apresentado pela OMS. Estas causas abrangiam em Portugal 80,5% das mortes.
Ou seja, muitas das doenças que acompanham uma aproximação ao final da vida, com tempo de espera significativo, ocorrem nas idades mais avançadas. Assim, nestas condições, ter uma doença e envelhecimento andam a par, sendo suscetíveis de trazer a sombra de preocupação com o final de vida
Antecipação da Morte
A terminologia utilizada, como aceleração da morte, traduzido do termo utilizado em inglês (hastened death), morte assistida, eutanásia, são alguns dos termos utilizados. Em Portugal sugere-se que seja utilizado o termo “Antecipação da Morte” (Marina et al., 2019). A possibilidade de, legalmente, e com apoio do sistema de cuidados de saúde existente, acelerar a morte em situações de doença grave ou terminal tem sido discutida na Assembleia da República Portuguesa desde meados da década passada, mas ainda não foi aprovada. Legalmente é permitido em cerca de uma dezena de países do mundo, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Colômbia, Suíça, Canadá, Nova Zelândia, Espanha, em alguns estados dos Estados Unidos da América e em alguns estados da Austrália. Quando é permitida está geralmente associada à existência de uma doença terminal, condição em que existe um razoável grau de certeza que a saúde não será restaurada e que, sem utilização de procedimentos artificiais, a morte ocorrerá num limite temporal, que vai do “brevemente” até 24 meses ou mais (Hui et al., 2014). A aceleração de morte tem inúmeras formas, terminologia variada, e é de natureza multifatorial. Com o aumento da expectativa de vida e de soluções que facilitem a sobrevivência em condições de doença grave, é esperado que os países acabem por aprovar leis que facilitem acelerar a morte e terminar com a vida em caso de doença grave. Numa revisão de investigação visando produzir uma definição de consenso sobre este conceito, Balaguer et al. (2016) referem que o desejo de acelerar a morte
“is a reaction to suffering, in the context of a life-threatening condition, from which the patient can see no way out other than to accelerate his or her death (…) may arise in response to one or more factors, including physical symptoms (either present or foreseen), psychological distress (e.g. depression, hopelessness, fears, etc.), existential suffering (e.g. loss of meaning in life), or social aspects (e.g. feeling that one is a burden).” (p. 8)
Em Portugal, existe um procedimento formal, o Testamento Vital, ou Diretiva Antecipada de Vontade, onde qualquer cidadão maior de idade, residente, pode registar por escrito, os cuidados de saúde que pretende receber em caso de quase morte ou de incapacidade física ou mental (Nunes, 2012). O registo é realizado numa plataforma digital do Registo Nacional do Testamento Vital (RENTEV), e também pode ser apresentado presencialmente ou enviado por correio registado. Depois de entregue, os serviços de saúde analisam-no de modo a corrigir eventuais problemas, e o autor do testamento tem 10 dias úteis para o corrigir. Sempre que o processo do doente é consultado no sistema de saúde o profissional de saúde recebe automaticamente a notificação. Este documento é válido por cinco anos, podendo ser alterado em qualquer momento.
Em Portugal, em caso de doença grave, existem soluções formais de suporte, como as Unidade de Cuidados Paliativos que, segundo a Lei de Bases dos Cuidados Paliativos (Lei n.º 52/2012 de 5 de setembro) recebe “doentes em situação em sofrimento decorrente de doença incurável ou grave, em fase avançada e progressiva” (p.5119), ou a Rede Nacional de Cuidados Integrados (Decreto-Lei nº101/2006), uma organização ampla que integra os cuidados paliativos (ponto b, do art. 3º). Cuidados Continuados Integrados e Cuidados Paliativos visam objetivos idênticos, constituindo, os primeiros, um Modelo de Organização dos Cuidados de Saúde organizados em rede, enquanto os segundos constituem uma filosofia de cuidados e um sistema organizado e estruturado para a prestação de cuidados apropriados. Os primeiros integram os segundos.
Janah et al. (2019) numa investigação abrangendo a totalidade da população francesa que tinha sido diagnosticada em 2013, no total de 313 059 indivíduos, dos quais 75 315 faleceram entre 2013 e 2015, verificaram que 57% acederam aos cuidados paliativos. A idade média desta população era de 73,31 anos, ou seja, parece que envelhecimento e doença grave tendem a surgir juntos.
Espiritualidade
A espiritualidade é uma variável integrante, desde sempre, da vida dos seres humanos. Austin et al. (2018) definem espiritualidade como um conjunto de experiências e sentimentos internos através dos quais cada pessoa busca significado e propósito, bem como relacionamentos consigo mesmo, família, outros, sociedade, natureza, e significativo ou sagrado. Modernamente surge associada à religião. dos Santos e Byk (2019) diferenciam espiritualidade e religião, referindo que a Espiritualidade é um estado mental vivenciado pela maioria das pessoas, acessível e positivo, e que se refere à busca pessoal de compreensão das grandes questões existenciais como seja o fim e o sentido da vida, as relações com o sagrado e/ou transcendente e que, por outro lado, a religião é um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos orientados para auxiliar o acesso ao sagrado ou transcendente (Deus, Ser superior, força maior, verdade suprema/realidade). A religiosidade é direcionada para quanto a pessoa acredita, segue e pratica, uma determinada religião, definição esta antes proposta por Smith (1995). Ashouri et al. (2016) explicam que os conceitos de espiritualidade e de religiosidade estão relacionados um com o outro, dado ambos estarem ligados à ideia de sagrado, embora devam ser distinguidos, tal como Reid (2012) que afirma que os conceitos estão ligados, mas que é frequente aparecerem separados.
Segundo Hill e Pargament (2003) o termo espiritualidade tem sido crescentemente utilizado para significar o lado pessoal e subjetivo da experiência religiosa enquanto a experiência religiosa propriamente dita representaria um modo formal, institucional, exterior, doutrinal, autoritário, que inibiria a expressão do aspeto individual, pessoal e subjetivo da espiritualidade. Dizem também estes autores que estes conceitos estão relacionados e que separá-los ou contrastá-los pode ser negativo para o seu uso científico. Assim, em termos científicos, pode-se concetualizar a espiritualidade, tanto dentro como fora da religião. Enquanto Zimmer et al. (2016), estudam a religiosidade e espiritualidade em conjunto, outros autores como Chirico (2016), consideram a espiritualidade integrada na religião.
Uma revisão de Koenig (2012), refere que há muita controvérsia e desacordo relativamente às definições neste campo, especialmente sobre a espiritualidade, e consideram que esta está intimamente conectada com o sobrenatural o místico e com a religião, embora vá para além da organização religiosa e comece antes dela. Refere que a definição que adota é muito semelhante à de religião e que, entre elas, existe, claramente, sobreposição. Historicamente, a espiritualidade foi considerada um processo que emerge dentro de um contexto religioso que, recentemente, tendem a surgir como separados (Steinhauser et al., 2017) e que, para a população dos Estados Unidos da América, dizem estes autores, a investigação mostra que as pessoas são frequentemente religiosas e espirituais pelo que, para muitos, elas se sobrepõem. Outros autores referem que há evidência que, hoje, as pessoas valorizam mais a espiritualidade do que a religiosidade e que há pessoas que se declaram espirituais, mas não religiosas e, poucas, dizendo o oposto (Saroglou & Munoz-Garcia, 2008). Speed e Fowler (2016), referem que um indivíduo pode não acreditar em Deus(s), e ainda assim, indicar que é cristão. Holloway et al. (2011), dizem que no Reino Unido, tal como nos Estados Unidos da América os termos religiosidade e espiritualidade se sobrepõem. Na revisão de investigação que apresentam, dizem que o que nos Estados Unidos da América é denominado espiritualidade no Reino Unido é denominado religiosidade.
Uma meta análise de Worthington et al. (2011) identifica quatro tipos de espiritualidade a saber, espiritualidade religiosa, espiritualidade ligada à natureza, espiritualidade humanista, e espiritualidade cósmica. Saroglou e Munoz-Garcia (2008) afirmam que a investigação tem mostrado que as diferenças individuais na religião parecem estar relacionadas com a personalidade, seja com os traços seja com os estados.
O envelhecimento parece ocorrer paralelo com o aumento da espiritualidade. Por exemplo numa investigação com população portuguesa sem doença, Pereira, (2019) utilizando a versão portuguesa do Systems Beliefs Inventory de Holland et al. (1998) com quatro grupos geracionais (18-21 anos, 22-38 anos, 39-53 anos e 54-74 anos) verificou que os mais idosos expressavam valores mais elevados na escala assim como nas subescalas, respetivamente M=13,60, M=15,16, M=18,56 e M=26,25 para a escala de espiritualidade total, diferenças que são estatisticamente significativos F(3,470)= 20,51, p<0,001.
Espiritualidade Saúde e Doenças
O National Cancer Institute (2022) explica que espiritualidade tem a ver com sentimentos e crenças profundos, muitas vezes religiosos, incluindo a sensação de paz, propósito, conexão com os outros e crenças sobre o significado da vida de uma pessoa. Evidências denotam uma interação entre a religiosidade/espiritualidade e outras dimensões, como a saúde, a qualidade de vida, dividida em componentes físicas e mentais, e o propósito de vida. Fisher, (2011) afirma que a saúde inclui aspetos ou dimensões mentais, emocionais, sociais, vocacionais, mas que é a dimensão espiritual que tem o principal impacto, e que constitui a essência da saúde pessoal geral.
A revisão da investigação mostra que a religiosidade está fortemente associada a melhores hábitos de saúde, mas pouco associada com valores de biomarcadores, enquanto a espiritualidade está fortemente associada a biomarcadores incluindo pressão arterial, fatores imunitários, reatividade cardíaca e progressão da doença (Aldwin et al., 2014). Thoresen (1999), numa revisão de investigação que relaciona a saúde com a espiritualidade, verifica que quanto maiores são os níveis de espiritualidade maiores os níveis de bem-estar global e de satisfação com a vida, menores os níveis de sintomas depressivos e de suicídio, maiores os níveis de satisfação conjugal, menor o abuso de substâncias. Ironson et al. (2018) verificaram que a assistência ao serviço religioso protegia adultos idosos de acontecimentos stressantes e, por isso, reduzia de modo significativo os marcadores inflamatórios associados a doença. Numa investigação com doentes crónicos, Meneses et al. (2013) investigaram a relação entre espiritualidade e qualidade de vida em 607 pessoas com uma de seis DC, encontrando uma correlação estatisticamente significativa entre espiritualidade e qualidade de vida. Ferreira-Valente et al. (2019) sugerem que a espiritualidade pode ser um recurso útil no ajustamento psicológico e no coping adaptativo para enfrentar a dor crónica. A nível geral, a relação entre a não-crença em Deus(s), ateísmo, e a saúde é ainda pouco abordada e não está claro se está relacionada com saúde percebida (Speed & Fowler, 2016).
Doenças Graves
Desde a sua criação o conceito de espiritualidade tem estado no centro da definição dos cuidados paliativos centrados na pessoa, dizem Steinhauser et al (2017). No âmbito mais específico dos cuidados paliativos, Nolan et al. (2011), apresentam a definição de espiritualidade do National Consensus Project for Quality Palliative Care dos Estados Unidos da America, a saber, uma faceta humana referente ao modo como os indivíduos buscam e expressam significado e propósito e à maneira como experienciam a sua conexão com o momento, com o eu, com os outros, com a natureza e com o significativo ou sagrado. Reconhecendo que há diferenças entre a cultura norte americana e a europeia partem para uma definição europeia: assim, a Spiritual Care Task Force of the European Association for Palliative Care define espiritualidade como uma dimensão dinâmica da vida humana que relaciona o modo como as pessoas (tanto individualmente como em comunidade) experienciam, exprimem e/ou procuram significado, propósito e transcendência, e o modo como se ligam à ocasião, a si próprios, aos outros, à natureza, ao significado e ao sagrado (Nolan et al., 2011). No âmbito da doença oncológica, Vallurupalli et al. (2012) reportam que de acordo com o National Cancer Institute, a espiritualidade é definida como uma sensação de paz, de propósito, de ligação aos outros, e de crenças acerca do sentido da vida, que se pode expressar através da religião ou por outros meios, e definem religião como um conjunto de crenças e de práticas associadas com uma determinada religião e as suas práticas e denominação específicas. Estas definições concebidas no âmbito de doenças graves não se diferenciam significativamente umas das outras nem das definições gerais de espiritualidade.
A Religião/Espiritualidade e a Aproximação ao Final da Vida
Khanna e Greyson. (2014a), num estudo em que verificavam a frequência de experiências espirituais diárias entre um grupo de indivíduos que estiveram perto da morte e um grupo que não esteve, verificaram uma associação entre a frequência de experiências espirituais e a profundidade da experiência de perto da morte. Noutro estudo, os mesmos autores verificaram que a magnitude do bem-estar espiritual estava associada à magnitude da experiência de aproximação à morte (Khanna & Greyson, 2014b). Num estudo de caso Braghetta et al. (2013) verificaram uma influência positiva da experiência de quase morte na conversão religiosa e sobre a saúde mental de indivíduo. Greyson (2006) verifica que as experiências de aproximação ao fim da vida promovem o crescimento espiritual geral nos que a experienciam.
Numa revisão de investigação Evangelista et al. (2016) verificaram que os doentes em cuidados paliativos recorrem à espiritualidade para lidar com a doença em estado avançado ou terminal, de modo a minimizar o sofrimento, melhorar a esperança de cura, e para melhorar o bem-estar. O suporte espiritual, afirmam, tem um impacto positivo tanto nos doentes como nos seus familiares auxiliando a enfrentar esta fase da vida. Numa investigação com doentes com cancro num estado de doença avançado, Balboni et al. (2010) verificaram que o suporte espiritual por parte da equipa de saúde e as visitas pastorais estavam associadas com qualidade de vida superior na aproximação à morte.
Numa revisão de investigação Gijsberts et al. (2019) confirmam que os cuidados espirituais devem ser um componente fundamental dos cuidados paliativos, que os doentes querem esse tipo de suporte nos cuidados paliativos, e que esta melhora a qualidade de vida destes doentes.
Avaliar a Espiritualidade
Há imensas técnicas para avaliar a espiritualidade, desde questionários de autorresposta até entrevistas abertas com análise qualitativa. Os questionários de autorresposta frequentemente misturam questões relacionadas com espiritualidade e religiosidade. Numa revisão sistemática de investigação, Selman et al. (2011), sobre as dimensões incluídas nos instrumentos de avaliação da espiritualidade validados em cuidados paliativos encontram uma comunalidade que abrange Deus e religião.
A generalidade dos inúmeros questionários, sejam mais gerais ou mais específicos, para o contexto de saúde sobrepõem a religiosidade e a espiritualidade. P. ex. o Systems Beliefs Inventory de Holland et al. (1998), um questionário de auto autorresposta com 15 questões de resposta ordinal que se distribuem por duas dimensões uma, avaliando as crenças e práticas espirituais, a outra o suporte social relacionado com a sua comunidade religiosa, abrange as duas dimensões. A versão portuguesa do Questionário de Bem-Estar Espiritual (Gouveia et al., 2009), um questionário de auto-preenchimento, constituído por 20 itens, distribuídos por quatro sub-escalas, pessoal (“meaning in life”), comunitária (“kindness towards other people”), ambiental (“oneness with nature”) e transcendental (“personal relationship with the Divine/God worship of the Creator”), inclui aspetos de avaliação da relação com Deus ou religiosidade, e a espiritualidade. A Escala de Avaliação da Espiritualidade (Pinto & Pais-Ribeiro, 2007), com cinco itens distribuídos por duas dimensões que avaliam a espiritualidade, inclui itens que avaliam a relação com a religião (ex. As minhas crenças espirituais/religiosas dão sentido à minha vida).
Apoio no Final da Vida
Todos os doentes com uma doença que ameaça conduzir ao final da vida beneficiará com apoio psicológico específico. Block (2006) refere que os domínios principais de intervenção neste âmbito incluem: significado e impacto da doença; estilo de coping; impacto no sentimento de si (sense of self); relacionamentos; stressores; recursos espirituais; circunstâncias económicas; relação médico-doente. A intervenção visando a espiritualidade é uma área de intervenção recente cujos desenhos ainda são limitados. Anderson et al. (2018), num estudo qualitativo com pessoas com doença potencialmente grave, nos últimos três anos de vida, no âmbito do National Consensus Project for Quality Palliative Care nos Estados Unidos da América, que visava propor linhas orientadores para melhorar a qualidade da intervenção em cuidados paliativos, identificaram um conjunto de domínios de intervenção, sendo o domínio “espiritual” um dos mais importantes.
Holloway et al. (2011), num relatório publicado no Reino Unido no âmbito do The National End of Life Care Programme, que consiste numa revisão sobre os cuidados espirituais nos contextos de cuidados terminais, concluem que questões éticas e perícias práticas necessárias no trabalho com pessoas que estão a morrer e suas famílias levantam questões sobre o cuidado espiritual, tanto sobre os seus fundamentos conceituais, como nas práticas que lhe estão subjacentes. Nas conclusões da revisão afirmam que não encontraram instrumentos ou modelos desenvolvidos especificamente para cuidados paliativos e de final de vida, nos termos em que é usual em contextos médicos ou de outras práticas, embora certas ferramentas genéricas de avaliação espiritual pareçam ser bastante usadas nos EUA. Verificam que profissionais de todas as profissões estudadas na revisão exprimiram confusão, ambiguidades e incertezas, quer no atendimento das necessidades espirituais quer na oferta de cuidados ou apoio espiritual.
Chochinov e Cann, (2005) explicam que os cuidados paliativos são frequentemente apresentados numa perspetiva de abordagem holística. Esta noção de holismo ou cuidado total parece exprimir que os aspetos físico, psicológico e espiritual são partes separadas de um todo, quando na realidade constituem um todo. Estes autores defendem que honrar esta unidade ou “cuidados totais da pessoa” requer uma sensibilidade elevada para a dimensão espiritual dos cuidados em final de vida. As investigações sobre estes aspetos constituem uma oportunidade única para desenvolver os horizontes dos cuidados paliativos contemporâneos diminuindo assim o sofrimento e melhorando a qualidade do tempo restante para aqueles que estão chegando à morte.
No campo específico da saúde e doenças a espiritualidade tem sido abordada assumindo que, como é definido na Universal Declaration on Bioethics and Human Rights “a person’s identity includes biological, psychological, social, cultural and spiritual dimensions” (Unesco, 2006, sem página), ou seja, a espiritualidade é parte integrante da identidade pessoal.
Conclusão
No presente século a evolução da expectativa de vida e do conhecimento e dos recursos do sistema de cuidados de saúde conduziu ao desenvolvimento de sistema de apoio do final da vida. É reconhecido que os cuidados espirituais são importantes na aproximação à morte e que é necessário desenvolver programas de intervenção numa perspetiva holística que inclua num todo os aspetos físicos, psicológicos e espirituais. Como Holloway et al. (2011) recomendam há uma necessidade urgente de desenvolver políticas e práticas em contexto comunitário para apoiar a aproximação ao final da vida.