Pesquisas em saúde sexual de adolescentes em países da América Latina apresentam dados de alta prevalência com relação a iniciação sexual precoce, gravidez não planejada e orientação sobre prevenção de gravidez e IST/AIDS na escola, incluindo a discussão acerca da vulnerabilidade a que esse grupo populacional está exposto (Patton & Temmerman, 2016; Santhya & Jejeebhoy, 2015). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a maioria dos adolescentes latinoamericanos inicia a vida sexual antes dos 17 anos, apresentando uma idade média de 15 anos para início da atividade sexual (OPAS, 2017; Priotto et al., 2018).
A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), estudo realizado com adolescentes brasileiros, apresenta uma prevalência de iniciação sexual de 54,7%, dentre os que tiveram relação sexual, 38,7% fizeram uso de método para prevenção da gravidez e 69,2% receberam orientação sobre prevenção de gravidez na escola, números que apresentam um desafio para pesquisadores e elaboradores de políticas públicas para a adolescência (Brasil, 2016; Dos Reis et al., 2018; Felisbino-Mendes et al., 2018).
Entretanto, estudos abordando a saúde sexual de adolescentes em região de fronteira ainda são escassos e pela porosidade das relações fronteiriças é essencial a compreensão da vulnerabilidade a que estão expostos os adolescentes, dando destaque principalmente a alta prevalêcia de iniciação sexual por parte dos meninos, sobre uso de contraceptivos em ambos os sexos (Priotto, et al., 2018). A região de fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai foi destacada pela influência sócio-cultural e das relações internacionais no cotidiano e na construção de padrões de comportamentos e hábitos nessa faixa etária. Essa região específica apresenta dificuldades de acesso a serviços de saúde que influenciam na saúde de adolescentes (Priotto et al., 2018).
Estudos em saúde sexual de adolescentes têm buscado uma abordagem mais ampla para compreender esse fenômeno, considerando aspectos físicos, comportamentais e sociais na pesquisa em saúde, utilizando uma abordagem multidimensional que abrange a medida de fatores não sexuais e sua influência com a saúde e o bem-estar (Hensel et al., 2016). Esse modelo está em consonância com a Organização Mundial da Saúde (OMS) que define saúde sexual como um estado de bem-estar físico, emocional, psicológico e social com relação a sexualidade (WHO, 2016) o que amplia a possibilidade de relações estabelecidas em pesquisas e intervenções futuras, contribuir assim para o fortalecimento do desenvolvimento de políticas públicas para adolescentes (Brasil, 2016; Dos Reis et al., 2018).
Como uma alternativa de resposta a evolução de abordagem mais ampla da saúde sexual de adolescentes as habilidades sociais apresentam múltiplas definições e metodologias no campo da ciência do comportamento em relação com o contexto (Leme et al., 2016). Essa abordagem busca compreender as relações interpessoais a partir da aprendizagem de comportamentos durante o ciclo de desenvolvimento humano através da interação de questões biológicas, cognitivas e sociais estimulando o desenvolvimento de relações positivas (Leme et al., 2016).
A utilização do termo habilidades sociais deve ser compreendido dentro de um conjunto de conceitos relacionados ao desempenho social, mesmo assim as habilidades sociais são consideradas como um conceito chave dentro da área das relações interpessoais, passando por um refinamento teórico e prático através de estudos e discussões (Del Prette & Del Prette, 2017).
Especialmente na fase da adolescência em que se intensificam as relações interpessoais as habilidades sociais são importantes para a diminuição do impacto dos comportamentos de risco na saúde e o desenvolvimento de um bem estar dos adolescentes (Leme et al., 2016). Em uma revisão sistemática com objetivo de avaliar os resultados de intervenções em habilidades sociais em comportamentos de adolescentes, foram identificados poucas pesquisas relacionadas a saúde sexual e isso demonstra novamente a necessidade da realização de estudos dessa natureza (Corrêa et al., 2020).
Apesar de reconhecer a importância das habilidades sociais para o desenvolvimento de um repertório interpessoal na adolescência, a relação com a saúde sexual ainda é uma lacuna, considerando a variedade de fatores envolvidos na sua definição, sendo necessário o desenvolvimento de pesquisas na busca de ampliar o foco de estratégias de educação e saúde sexual de adolescentes (Chandra-Mouli et al., 2015; Patton & Temmerman, 2016). Desse modo a hipótese da nossa pesquisa foi adolescentes em região de fronteira que apresentam maior risco em saúde sexual consequentemente demonstrariam um maior prejuízo nas habilidades sociais. Portanto, o objetivo deste estudo foi analisar a associação entre as habilidades sociais e a saúde sexual de adolescentes de uma região de fronteira.
Método
Desenho de estudo e participantes
Estudo de corte transversal conduzido com estudantes de colégios públicos de Foz do Iguaçu, Brasil; A região faz fronteira com a Argentina e o Paraguay. A pesquisa foi realizada de acordo com o protocolo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology - STROBE. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, e obteve autorização dos pais e adolescentes.
Os adolescentes apresentaram uma média de idade de 16,5 anos (DP=0,80). O processo de amostragem ocorreu através de uma amostra probabilística por conglomerados, sendo consideradas inicialmente, 281 salas de aulas e uma média de nove clusters em 27 colégios. E através de uma amostra aleatória simples, com uma população de 9.720 estudantes matriculados no ano de 2016, estabelecendo um intervalo amostral proporcional ao número acumulado de estudantes por sala de aula, resultou em uma amostra final de 722.
Instrumentos
A pesquisa inclui variáveis sociodemográficas, iniciação sexual, idade da primeira relação sexual, uso de preservativo na última relação sexual, método para prevenção de gravidez na escola, orientação sobre prevenção de gravidez na escola, classificação do estado de saúde, uso de serviço de saúde, regulação parental e sentimento de solidão. As variáveis de frequência e dificuldade em habilidades sociais foram recodificadas em alto(a) e baixo(a) conforme Corrêa, et al. (2021).
O instrumento da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PeNSE, versão 2015, foi utilizado para coleta de dados, o questionário é de auto-reporte, com 105 questões. A PeNSE é uma pesquisa brasileira realizada desde 2009 com estudantes de colégios públicos com o objetivo de monitor indicadores de risco e proteção em saúde do adolescente (Brasil, 2016).
A medida das Habilidades Socias foi realizada através do Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes (IHSA-Del-Prette) (Leme et al., 2016). O inventário tem como objetivo avaliar as habilidades sociais de adolescentes com idades entre 12 e 17 anos. O instrumento é de auto-reporte, com 38 questões em uma escala tipo Likert de cinco pontos para cada afirmativa, as respostas são divididas em frequência e dificuldade em habilidades sociais. Essa divisão é importante para identificar o número de vezes que o adolescente se comporta e o nível de ansiedade ou medo que ele/ela demonstra ao se comportar em um contexto específico, considerando que a baixa frequência e alta dificuldade corresponde em amior prejuízo nas habilidades sociais. Os indicadores são subdivididos em empatia, auto-controle, civilidade, assertividade, abordagem afetiva, desenvoltura social e habilidades socias totais. O instrumento apresentou uma consistência interna de 0,82 (Leme et al., 2016).
Análise de dados
Para análise da frequência e porcentagem foi utilizado testes de análise descritiva para as variáveis do estudo. Na análise bivariada foi utilizado o teste Qui-quadrado. Para analisar a associação das variáveis independentes do estudo com as habilidades sociais, foi utilizada a Regressão Logística Binomial, método “ENTER”. O programa SPSS versão 25 foi utilizado para realização das análises estatísticas. Um nível de significância de p<0,05 foi determinado.
Resultados
Os adolescentes na região de fronteira apresentaram alta prevalência de iniciação sexual 49,7% e uso de método para evitar gravidez 46,9%. Os meninos demonstraram maior vulnerabilidade relacionada a saúde sexual através dos seguintes fatores: maior iniciação sexual (54,3% vs 45,9%, p=0,026), atividade sexual em idade inferior a 14 anos (24,7% vs 7,7%, p=0,001), menor uso de métodos contraceptivos (35,8% vs 55,8%, p<0,001), menor orientação de prevenção de gravidez na escola (87,9% vs 91%, p=0,183), menor uso de serviço de saúde (53,4% vs 59,1%, p=0,119) e menor regulação parental (69,8% vs 78,2%, p=0,010) do que as meninas. Entretanto, elas reportaram um menor uso de preservativo na última relação sexual (61,8% vs 72,7%, p<0,001), menor classificação do estado de saúde (bom) (62,7% vs 77,7%, p=0,119) e maior sentimento de solidão (27,9% vs 19,8%, p=0,011) do que os meninos.
Com relação as habilidades sociais, no geral, os adolescentes apresentaram alta frequência 70,4% e dificuldade 64,4%. Os meninos apresentaram menor frequência, 32%, enquanto que as meninas demonstraram maior dificuldade, 65,2%, para expressar os comportamentos de habilidades sociais de acordo com ao Quadro 1.
Os Quadros 2 e 3 apresentam os resultados das análises bivariadas. Para os meninos, a redução na frequência das habilidades sociais foi relacionada com o menor uso de serviço de saúde. As meninas que apresentaram menor regulação parental mostraram uma redução na frequência de habilidades sociais. O aumento da dificuldade nas habilidades sociais para os meninos foi relacionado com a diminuição do uso de método para prevenção de gravidez, não ter recebido orientação de prevenção de gravidez na escola e o aumento do sentimento de solidão. Para ambos os sexos o aumento da dificuldade em habilidades sociais foi relacionado com a diminuição da classificação do estado de saúde.
O Quadro 4 apresenta os resultados da análise de Regressão Logística Binomial. As análises das associações significativas ocorreram para variáveis de saúde sexual mais ampla. As associações entre as variáveis foram obtidas através de dois modelos ajustados, em que a equação de Regressão Logística Binomial explicou 3% da variância da frequência (Hosmer e Lemeshow χ2 = 16,180 (7) p =0,024, Nagelkerke R2 =0,033) e 4% da dificuldade (Hosmer e Lemeshow χ2 = 20,836 (7) p =0,004, Nagelkerke R2 =0,041) das habilidades sociais para os indicadores do estudo.
Neste modelo, a condição de apresentar menor frequência em habilidades sociais apresentou uma relação positiva com a variável uso de serviço de saúde (não usar o serviço de saúde aumenta a probabilidade em 1.56 vezes a chance de estar nesse grupo) e regulação parental (a diminuição da regulação parental aumenta em 1.49 vezes a chance de estar neste grupo). O modelo também mostra que o aumento da dificuldade nas habilidades sociais apresenta uma relação negativa com a variável orientação sobre prevenção de gravidez na escola (não ter recebido orientação de prevenção de gravidez na escola aumenta em 0,54 a chance de estar neste grupo) e com a variável classificação do estado de saúde (a baixa classificação do estado de saúde aumenta em 1,87 vezes a chance de estar neste grupo).
Discussão
Este estudo demonstrou uma associação entre o aumento da vulnerabilidade em indicadores de saúde sexual mais ampliado com o prejuízo nas habilidades sociais de adolescentes em região de fronteira, confirmou a hipótese da pesquisa. A complementação do entendimento da sexualidade na adolescência a partir de aspetos da saúde física, psicológica e social pode gerar novas reflexões buscando o aprimoramento de estratégias de prevenção e educação em saúde sexual existentes (Hensel et al., 2016) contribuindo para a saúde e bem estar de adolescentes em região de fronteira.
Com relação a vulnerabilidade em saúde sexual de adolescentes a pesquisa demonstrou que os adolescentes na região de fronteira apresentaram uma alta prevalência de iniciação sexual e uso de método para prevenção da gravidez, em relação a média de adolescentes brasileiros (Felisbino-Mendes et al., 2018), principalmente os meninos demonstraram maior risco na saúde sexual do que as meninas, confirmado por estudo anterior (Priotto et al., 2018). A alta prevalência da iniciação sexual entre os adolescentes apresenta um desafio para investigadores e formuladores de política, pois expõe a uma maior probabilidade de maternidade/ paternidade nessa fase, podendo influenciar no aumento do risco de ISF’s/AIDS impactando na saúde e bem estar dos adolescentes (Dos Reis et al., 2018; Felisbino-Mendes et al., 2018).
Pesquisa realizada com uma amostra representativa de adolescentes brasileiros para avaliação de habilidades sociais demonstrou a importância de identificar os déficits nas habilidades sociais, sendo apontado pela menor frequência e maior dificuldade (Del Prette & Del Prette, 2014), entendendo que tal ação permite focar em riscos que seriam abordados em programas preventivos na área da educação em saúde. Os dados mostraram uma correlação inversa entre os indicadores de frequência e dificuldade (Del Prette & Del Prette, 2014), o que no atual estudo com adolescentes de região de fronteira foi observado uma elevada porcentagem em ambos indicadores, sinalizando que os participantes apresentam altas habilidades sociais, entretanto demonstram o comportamento com alto nível de ansiedade e medo, confirmando a necessidade do investimento em intervenções em saúde sexual considerando aspectos físicos, psicológicos e sociais (Hensel et al., 2016).
Considerando a importância de intervenções voltadas as relações interpessoais em conjunto com a saúde sexual de adolescentes, sugere que esta seja realizada em parceria entre saúde e educação, o que no Brasil tem experiência com o Programa Saúde na Escola (Casemiro et al., 2014). Entendendo assim ser necessário o desenvolvimento de intervenções em saúde sexual para adolescentes no contexto escolar, estudo internacional demonstra fortes evidências em múltiplas intervenções, envolvendo educação em saúde, habilidades de desenvolvimento e promoção de métodos de contraceptivos (Oringanje et al., 2016).
Estudos brasileiros destacaram a importância da orientação sexual na escola e o acesso a informação nesta fase da vida, apontando direções para abordagens a partir de metodologias que utilizam conhecimentos, crenças e atitudes dos participantes, ressaltando-se que na adolescência as práticas, programas e políticas de saúde devem ser oferecidos a partir dos direitos sexuais e reprodutivos para dar suporte à prevenção e promoção da saúde a uma vida sexual saudável e um bem estar aos adolescentes (Murta et al., 2016; Murta et al., 2013).
Outros estudos destacaram a importância da orientação sexual na escola, ressaltando-se que as intervenções devem ser implementadas considerando questões psicológicas e relacionais dos adolescentes, fornecendo um suporte às relações afetivas nesta fase e auxiliando assim no planejamento de programas de prevenção e promoção de educação em saúde (Dalenberg et al., 2018). A participação de adolescentes em programas de orientação sexual foi maior do que a média nacional (Brasil, 2016), fato que foi observado por pesquisa realizada na região entre Brasil, Paraguay e Argentina (Priotto et al., 2018).
Para isso Pozo et al., (2015) consideram alguns pontos chaves para o desenvolvimento de futuras pesquisas e intervenções em saúde sexual de adolescentes na América Latina, a influência do contexto sociocultual, desenvolvimento de ações através de tecnologias inovadoras com uso de aplicativos e mídias, condução de educação sexual compreensiva, melhor acesso de adolescentes ao serviço de saúde, intervenções envolvendo família e comunidade e por fim melhores estratégias de medidas e avaliação de resultados.
Identifica-se uma lacuna com relação a evidências de programas em habilidades sociais e a saúde sexual, entretanto, estudos sugerem uma adaptação de programas de intervenção para as necessidades dos participantes baseados na complementação de estratégias em conjunto entre saúde, educação e a promoção de habilidades sociais (Chandra-Mouli et al., 2015; Helmer et al., 2015).
Sendo assim, esse estudo apresentou evidências para confirmar a contribuição da associação estabelecida entre os indicadores de saúde sexual mais ampla e as habilidades sociais de adolescentes em região de fronteira, portanto, futuras pesquisas poderiam considerar as intervenções em habilidades sociais com uma estratégia complementar de prevenção e promoção da saúde bem como a inclusão em propostas curriculares com uma abordagem mais ampla da saúde sexual dos participantes buscando desenvolver a saúde geral e o bem-estar dos adolescentes (Wilson et al., 2019).
O estudo apresentou um desenho transversal não sendo possível o estabelecimento de relações de causa e efeito entre as variáveis. Foi abordada a relação do repertório geral das habilidades sociais, não especificando a relação de indicadores específicos dessas habilidades e a saúde sexual de adolescentes. A pesquisa apresenta um processo de amostragem ampla, com um método que da suporte para a generalização dos resultados para os adolescentes da região de fronteira, sendo útil para o monitoramento dos dados em educação e saúde.
O estudo demonstrou uma associação das habilidades sociais com indicadores de saúde sexual mais amplos de adolescentes, apontando direções para o desenvolvimento de programas em educação e saúde pública em região de fronteira.
Contribuição dos autores
Rafael Corrêa: Conceitualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Aquisição de financiamento, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Software, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Marta Reis: Curadoria dos dados, Análise formal, Software, Redação - revisão.
Carmen Neufeld: Redação - revisão e edição
Ana Maria Almeida: Conceitualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Aquisição de financiamento, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Recursos, Software, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
Margarida Gaspar de Matos: Análise formal, Aquisição de financiamento, Metodologia, Recursos, software, Redação do
rascunho original, Redação - revisão e edição.