A adolescência tem sido amplamente estudada a partir das diversas características que ocorrem nesta fase, nomeadamente no que se refere às mudanças psicofisiológicas e em que se inicia, geralmente, a atividade sexual (Ramiro et al., 2021). É também nesta fase da vida, que ocorrem as primeiras descobertas e as primeiras experiências que podem levar a determinados comportamentos de risco, e que poderão comprometer a saúde do adolescente, podendo vir a evidenciar-se como um problema de saúde pública (Cueto & Leon, 2016; Reis et al., 2020a). E, normalmente, estas mudanças nem sempre são acompanhadas por uma adequada educação sexual ou por um conhecimento da fisiologia ou dos aspetos biológicos da sexualidade e da reprodução (Gambadauro et al., 2018; Madkour et al., 2010).
Várias investigações recentes, internacionais e nacionais, têm demonstrado uma melhoria nos comportamentos sexuais dos adolescentes, no entanto a contraceção nem sempre é a prioridade na atividade sexual (Cueto & Leon, 2016; Gambadauro et al., 2018; Matos et al., 2018a; 2018b). Muitos adolescentes não utilizam qualquer método contracetivo, ou usam o preservativo de forma inconsistente ou incorreta, o que aumenta o risco de gravidez indesejada e de infeções sexualmente transmissíveis (ISTs) (Ramiro et al., 2021; Reis et al., 2020b).
Para além da utilização do preservativo, também as relações sexuais associadas ao consumo de álcool e/ou droga têm sido identificadas como comportamentos sexuais de risco (Ramiro, et al., 2021, 2015; Reis et al., 2018). O último estudo nacional do Health Behavior in School-aged Children (2018) revela que, quer o consumo de álcool, quer de droga subiu nos últimos anos em Portugal (Matos et al., 2018b).
A prevenção da gravidez e das ISTs nesta faixa etária deve ser considerado um tema prioritário, já que são causas importantes de problemas de saúde, sociais e económicos dos adolescentes e jovens, assim como da sociedade em geral (Reis et al., 2021).
Este estudo, tem como objetivo caracterizar os comportamentos sexuais dos adolescentes do Concelho de Vila Nova de Famalicão (2021) e compará-los com os dados nacionais do estudo Health Behavior in School-aged Children (2018) da região norte de Portugal, tendo como finalidade destacar algumas medidas que sejam urgentes e necessárias implementar no que diz respeito à prevenção de comportamentos sexuais de risco e aos recursos necessários para dar resposta às situações que podem surgir nesta população específica.
Método
Este trabalho está integrado em dois estudos - o Health Behaviour in School aged Children/HBSC (Matos et al., 2015, 2018b, 2021; WHO, 2016), que é um inquérito realizado de 4 em 4 anos em 50 países, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde, seguindo um protocolo internacional (Roberts et al., 2009) - e no estudo sobre os comportamentos e saúde dos alunos do 6º, 8º, 10º e 12º anos, das escolas públicas do concelho de Famalicão.
Os dados recolhidos pretendem estudar os comportamentos dos adolescentes nos seus contextos de vida e a sua influência na saúde e bem-estar.
Quer o estudo HBSC de 2018 em Portugal, quer o estudo dos Comportamentos e Saúde dos adolescentes em idade escolar de 2021 do concelho de Vila Nova de Famalicão tiveram a aprovação do MIME (Monitorização de Inquéritos em Meio Escolar) e das Comissões de Ética respetivas. Foi obtida a colaboração das escolas e a participação dos alunos foi voluntária e anónima, sujeita à aprovação dos encarregados de educação, sempre que os alunos eram menores de 18 anos. Os questionários foram ministrados online, com utilização do Google Forms.
Mais detalhes sobre os procedimentos de recolha de dados dos estudos podem ser consultados em www.aventurasocial.com e Matos et al. (2021).
Participantes
O estudo HBSC de 2018 incluiu 8215 alunos, de 42 agrupamentos e 476 turmas aleatoriamente selecionados, com uma média de idades de 14,36 anos (DP= 2,28), 52,7% do género feminino, das 5 regiões educativas de Portugal Continental, sendo os resultados representativos para os alunos do 6.º, 8.º, 10.º e 12.º anos.
O estudo dos Comportamentos de Saúde dos adolescentes em idade escolar de 2021 do concelho de Vila Nova de Famalicão incluiu 826 alunos, de 7 agrupamentos e 51 turmas aleatoriamente selecionados, com uma média de idades de 14,30 anos (DP= 2,40) e 53,6% do género feminino. Relativamente ao ano de escolaridade, 29,4% frequentam o 6º ano, 28,3% o 8º ano, 19,7% o 10º ano e 22,5% o 12º ano.
Nota: 1Amostra estudo HBSC 2018, apenas adolescentes da região educativa do norte de Portugal e do 8º, 10º e 12º anos; 2Amostra estudo dos Comportamentos de Saúde dos adolescentes em idade escolar de 2021 do concelho de Vila Nova de Famalicão, apenas adolescentes do 8º, 10º e 12º anos
Neste trabalho específico serão incluídos 2190 adolescentes da região educativa do Norte de Portugal Continental, respondentes ao estudo HBSC de 2018, dos quais 48,4% são rapazes e 51,6% meninas, com uma média de idades de 15,16 anos (DP=1,62). No que diz respeito ao ano de escolaridade, 54,1% frequentam o 8º ano, 29,0% o 10º ano e 16,9% o 12º ano. E serão, também, incluídos 583 adolescentes do concelho de Vila Nova de Famalicão, dos quais 42,5% são rapazes e 55,9% meninas, com uma média de idades de 15,44 anos (DP=1,89). No que diz respeito ao ano de escolaridade, 40,1% frequentam o 8º ano, 28,0% o 10º ano e 31,9% o 12º ano.
Medidas
Para analisar os comportamentos sexuais dos adolescentes portugueses, foram selecionadas as variáveis ter relacionamento amoroso e ter relações sexuais. De entre os que responderam afirmativamente, selecionou-se também as variáveis idade da primeira relação sexual, uso do preservativo na última relação sexual, ter relações sexuais associadas ao álcool ou drogas, teste do VIH e vacina do HPV. As variáveis utilizadas, assim como as recodificações realizadas, encontram-se no quadro 2.
Análise de dados
Foi realizada uma estatística descritiva, bem como analisadas as possíveis diferenças entre géneros e anos de escolaridade, através do teste qui-quadrado. Apenas os resultados significativos foram discutidos. Os dados foram analisados usando o SPSS versão 24 para Windows.
Resultados
Diferenças entre 2018 e 2021 para as questões sobre os comportamentos sexuais
A maioria dos adolescentes mencionou já ter tido um relacionamento amoroso, apesar de cerca de metade não ter no momento (n= 2249; 48,7%), e a maioria mencionou não ter tido relações sexuais (n=2187; 82,6%). De entre os adolescentes que referiram já ter tido relações sexuais, mencionaram ter tido a primeira relação sexual entre os 14 e os 15 anos (n=181; 39,3%), a maioria referiu ter usado preservativo na última relação sexual (n=308; 67,0%), não ter tido relações sexuais associadas ao consumo de álcool ou drogas (n=282; 83,7%), não ter realizado teste de VIH (n=250; 63,1%) e não ter a vacina do HPV (n=221; 56,1%).
Considerando a amostra total, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no que se refere aos anos dos estudos - os jovens do estudo de 2021 referem mais frequentemente nunca ter tido relacionamento amoroso (χ2 (4) = 54,236; p < 0,001), terem tido a sua primeira relação sexual ao 16 anos ou mais tarde (χ2 (3) = 11,968; p < 0,010), não ter tido relações sexuais associadas ao álcool ou drogas (χ2 (1) = 4,010; p <0,05), não ter feito o teste do VIH (χ2 (3) = 11,797; p < 0,010) e não ter a vacina do HPV (χ2 (3) = 10,249; p < 0,05).
Diferenças entre 2018 e 2021 e os géneros e anos de escolaridade para as questões sobre os comportamentos sexuais
Considerando a amostra total, foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no que se refere aos anos de estudos e os géneros - as raparigas, do estudo de 2018 (χ2 (4) = 15,244; p < o,010) e do estudo de 2021 (χ2 (4) = 19,791; p < 0,011), referem mais frequentemente do que os rapazes nunca ter tido relacionamento amoroso, e são os rapazes do estudo de 2018 que referem mais frequentemente já ter tido relações sexuais (χ2 (1) = 14,113; p < 0,001).
Dos jovens que referiram já ter tido relações sexuais verificou-se que as raparigas, do estudo de 2018 (χ2 (3) = 17,160; p < 0,001) e do estudo de 2021 (χ2 (3) = 15,671; p < 0,05), referem mais frequentemente ter tido a primeira relação sexual aos 16 anos ou mais, são também as raparigas do estudo de 2018 que mais frequentemente mencionam não ter tido relações sexuais associadas ao álcool ou drogas (χ2 (1) = 6,679; p < 0,010), e as do estudo de 2018 que referem mais frequentemente ter feito o teste do VIH (χ2 (3) = 8,121; p < 0,05), enquanto as raparigas do estudo de 2021 mencionam mais frequentemente não ter feito o teste do VIH (χ2 (3) = 20,517; p < 0,010), nem ter a vacina do HPV (χ2 (3) = 15,049; p < 0,05).
Relativamente às diferenças entre os anos de estudos e os anos de escolaridade foram encontradas diferenças estatisticamente significativas, em que os adolescentes mais velhos (12º ano), quer do estudo de 2018 (χ2 (4) = 26,403; p < 0,001) quer do estudo de 2021(χ2 (4) = 46,011; p < 0,0001), são os que mais frequentemente mencionam ter um relacionamento amoroso e que é das coisas mais importantes da sua vida, e também são eles que mais frequentemente mencionam já ter tido relações sexuais, nos dois estudos (χ2 (1) = 188,466; p < 0,001; (χ2 (1) = 54,979; p <0,001, respetivamente).
Dos jovens que referiram já ter tido relações sexuais verificou-se que os jovens do 12º ano, do estudo de 2018 (χ2 (3) = 132,810; p < 0,001) e do estudo de 2021 (χ2 (3) = 51,879; p < 0,001), referem mais frequentemente ter tido a primeira relação sexual aos 16 anos ou mais, são também os jovens do 12º ano do estudo de 2018 que mais frequentemente mencionam não ter tido relações sexuais associadas ao álcool ou drogas (χ2 (1) = 6,512; p < 0,039), e quer os do estudo de 2018, quer os do estudo de 2021 do 12º ano referem mais frequentemente não ter feito o teste do VIH (χ2 (3) = 40,906; p < 0,001, χ2 (3) = 14,164; p < 0,05, respetivamente), enquanto os jovens mais novos do 8º ano do estudo de 2018 mencionam mais frequentemente ter feito o teste do VIH (χ2 (3) = 40,906; p < 0,001), e ter a vacina do HPV (χ2 (3) = 25,550; p < 0,001).
Nota: 1Os números totais diferem considerando que alguns adolescentes não responderam a algumas variáveis | * p< 0,05; ** p< 0,01; *** p< 0,001; n.s = não significativo | A negrito - valores que correspondem a um residual ajustado ≥ │1,9│
Discussão
Os resultados dos dois estudos, quer o de 2018/HBSC referente aos adolescentes da região norte de Portugal quer o estudo de 2021 do concelho de Vila Nova de Famalicão, permitem afirmar que a maioria dos adolescentes de 8.º, 10.º e 12.º anos não teve relações sexuais e, dos que tiveram, mais de dois terços dos adolescentes referiram ter usado preservativo na última relação sexual e 3/4 referiram não ter tido relações sexuais associadas ao consumo de álcool ou droga.
Quando comparados os géneros e os anos de escolaridade dos dois estudos (2018/HBSC_NORTE vs. 2021/FAMALICÃO), verifica-se que maioritariamente as raparigas e os adolescentes mais velhos (12º ano) mencionam ter tido relações sexuais aos 16 anos ou mais tarde, e também são as raparigas e os jovens do 12º ano, do estudo de 2018, que mais frequentemente mencionam não ter tido relações sexuais associadas ao álcool ou drogas. Não tendo existido diferenças significativas entre os géneros e os anos de escolaridade para o uso do preservativo na última relação sexual.
Apesar disso, mais de um quarto reporta não ter usado preservativo na última relação sexual e cerca de um quinto dos adolescentes afirma ter tido relações sexuais associadas ao consumo de álcool ou drogas.
Comparando os dois estudos, verifica-se que estes dois comportamentos de risco se mantiveram, e uma possível justificação para os resultados obtidos nos dois estudos poderá estar no desinvestimento da educação sexual nas escolas e na qualidade e atendimento dos serviços de saúde disponíveis para os jovens (Matos et al., 2015; 2018b; 2021). E mesmo existindo uma legislação que obriga à implementação da educação sexual em meio escolar em todos os ciclos de ensino, nos últimos anos, observou-se que a educação sexual formal se reduziu à lecionação dos conteúdos que fazem parte das disciplinas escolares, não havendo oportunidade para os alunos desenvolveram as competências fundamentais que estão na base dos comportamentos sexuais saudáveis (Matos et al., 2015; Ramiro et al, 2015a; 2015b).
Apesar da concordância estatística com outros estudos nacionais e internacionais (Cueto & Leon, 2016; Gambadauro, 2018; Matos et al., 2015; 2018a; 2018b; 2021), este trabalho foi limitado a uma região e a um concelho de Portugal, podendo não traduzir linearmente a realidade do país. No entanto, o objetivo central passou por caracterizar os comportamentos sexuais de uma amostra de adolescentes/jovens, com o intuito de se delinear estratégias preventivas e promotoras de saúde a nível local.
Existem cada vez mais evidências de que as intervenções bem desenhadas, dirigidas para a modificação comportamental e teoricamente fundamentadas, podem ser eficazes na redução da expansão dos comportamentos sexuais saudáveis; contudo cada comportamento é único em si mesmo e apenas existe um número limitado de variáveis teóricas que servem como determinantes de um dado comportamento (Ramiro et al., 2015b; 2021).
Apesar de não existir um modelo explicativo do risco e da proteção, ou dos comportamentos sexuais, ou sequer um modelo que tenha sido usado de uma forma consistente, são várias as investigações que referem que os conhecimentos, apesar de necessários, não são suficientes para as pessoas modificarem o seu comportamento, uma vez que existem outros fatores, tais como as atitudes, as normas sociais, as crenças, as competências comportamentais, a motivação, a relação pais-jovens e a ligação à escola p.e., que podem interferir nos diferentes tipos de comportamento, considerando-se consequentemente a mudança de comportamentos como um processo extremamente complexo, que se desenvolve em várias etapas e difere de indivíduo para indivíduo, de acordo com as suas características psicológicas, sociais e culturais (Morgan et al., 2010; Ramiro et al., 2014; 2015b).
Assim, as estratégias e o investimento a realizar no município deve fomentar não só os conhecimentos de métodos contracetivos protetores de infeções sexualmente transmissíveis pela comunidade, mas reduzir o estigma a eles associados, que muitas vezes leva ao não tratamento e maior propagação, e promover a saúde sexual e reprodutiva de forma contínua integrando-a no desenvolvimento saudável do jovem. É de igual forma importante e necessário o desenvolvimento de competências que permitam aos jovens realizar escolhas informadas e seguras, a potenciação dos relacionamentos afetivo-sexuais, a redução das IST’s, a promoção e capacidade de proteção face a exploração e abusos sexuais e a diminuição da discriminação e preconceito através do aumento da educação para a sexualidade.
Recomendações para o Município a partir dos dados analisados:
Criação de um Gabinete Municipal de Informação e apoio à Saúde Sexual e Reprodutiva (SSR);
Implementação de ciclos de formação de formadores juvenis sobre SSR comunitária;
Identificação e promoção integrada das respostas existentes no município sobre SSR para adolescentes e jovens;
Dinamização de ações de informação, educação e sensibilização para adolescentes e jovens sobre SSR;
Promoção de campanhas de informação e sensibilização sobre SSR direcionada a funcionários públicos municipais e pessoas de serviços de saúde;
Implementação de programas de formação entre casais e para pais e encarregados de educação sobre SSR;
Dinamização de um plano municipal de formação para profissionais de juventude, líderes associativos e responsáveis de organizações desportivas e de juventude do concelho de Vila Nova de Famalicão sobre SSR;
Capacitação de jornalistas locais sobre SSR nos meios de comunicação.
Neste momento, particular agravado pela situação pandémica, que afetou todas as áreas da vida e que trouxe novos desafios, é urgente intervir e apoiar os adolescentes e os seus respetivos contextos de vida: família, amigos, escola e área de residência, mas também investir nos serviços que podem proporcionar as melhores respostas no desenvolvimento da saúde e otimizar o bem-estar dos adolescentes.
No que concerne ao campo da sexualidade e intimidade, os grandes desafios foram efetivamente as restrições e limitações ao contacto físico/ contacto íntimo, as medidas de prevenção do contágio e proteção da saúde, o medo de ser infetado/a e outros fatores de stresse (p.e., telescola, transformações familiares, etc.) que contrariam a proximidade e a intimidade, o que podem ter um impacto negativo na vivência da sexualidade e na qualidade dos relacionamentos amorosos dos adolescentes e colocar simultaneamente em risco o bem-estar dos adolescentes.
E tendo em conta que a sexualidade desempenha um papel fundamental no bem-estar e satisfação com a vida, é necessário compreender e apoiar os adolescentes como é que podem gerir o risco de transmissão do vírus SARS-CoV-2 não prejudicando a vivência da sexualidade e dos relacionamentos amorosos.
Contribuição dos autores
Marta Reis: Conceptualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, redação do rascunho original, Redação - revisão e edição
Ana Cerqueira: Análise formal, Investigação
Cátia Branquinho: Redação - Revisão e edição
Fábio Botelho Guedes: Análise formal, Investigação
Gina Tomé: Análise formal, Investigação
Joaquim Castro de Freitas: Aquisição financiamento, Redação - revisão e edição
Tânia Gaspar: Aquisição financiamento, Recursos
Margarida Gaspar de Matos: Administração do projeto, Aquisição financiamento, Supervisão