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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.1 Lisboa abr. 2022  Epub 30-Abr-2022

https://doi.org/10.15309/22psd230124 

Artigos

Ecossistemas dos ambientes de trabalho saudáveis (EATS): instrumento de avaliação dos healthy workplaces

Healthy workplace ecosystems (EATS): an assessment tool for healthy workplaces

Tania Gaspar1  2  3 
http://orcid.org/0000-0002-9616-0441

Manuela Correia1 
http://orcid.org/0000-0002-2040-8412

Maria do Céu Machado2  4 

Miguel Xavier3  5 

Fábio Botelho Guedes1  2 
http://orcid.org/0000-0001-8291-1921

José Pais-Ribeiro5  6 
http://orcid.org/0000-0003-2882-8056

Margarida Gaspar de Matos2 
http://orcid.org/0000-0003-2114-2350

1 Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social (CLISSIS), Centro de Investigação em Organizações, Mercados e Gestão Industrial (COMEGI), Universidade Lusíada, Lisboa, Portugal, tania.gaspar.barra@gmail.com, mcorreia@lis.ulusiada.pt, fabioguedes_93@hotmail.com

2 Instituto de Saúde Ambiental da Faculdade de Medicina (ISAMB - FM), Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal, machadomariaceu@gmail.com, margarida.gaspardematos@gmail.com

3 Comprehensive Health Research Centre (CHRC), Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Portugal, migxavier@gmail.com

4 Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa, Portugal

5 Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação - FPCE-UP, Universidade do Porto, Porto, Portugal, jlpr@fpce.up.pt

6 William James Center (WJCR), ISPA - Instituto Universitário, Lisboa, Portugal


Resumo

Organizações e ambientes de trabalho saudáveis contribuem para o bem-estar, saúde e desempenho de trabalhadores e das organizações. O presente estudo tem como objetivo a construção e estudo de validação de um instrumento ecológico de avaliação dos ambientes de trabalho saudáveis tendo por base o modelo conceptual Healthy Workplaces proposto pela Organização Mundial de Saúde (Burton, 2010). Após complexo e robusto processo de construção do instrumento Ecossistemas dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) que envolveu investigadores, peritos e diversas organizações foi testado em 460 participantes em exercício de diversas funções em vários sectores de atividade, 231 (50,3%) do sexo feminino. A idade dos trabalhadores varia entre os 18 e os 67 anos, com média de 44 anos e desvio padrão de 11,36. O Instrumento EATS é constituído por um total de 62 itens organizados em 9 dimensões. O estudo psicométrico revelou resultados coerentes em termos conceptuais e de robustez ao nível da consistência interna e modelos adequados resultante da análise fatorial confirmatória das escalas, foram identificadas diferenças de sexo, idade e escolaridade na avaliação dos ambientes de trabalho. Considera-se o instrumento EATS e as respetivas escalas um instrumento que vem responder a uma necessidade das organizações para avaliar o ambiente de trabalho saudável numa perspetiva ecológica e permite a monitorização de medidas de promoção da saúde e prevenção dos riscos nas organizações com o objetivo central de melhorar o bem-estar e saúde dos trabalhadores, organizações e a sociedade como um todo.

Palavras-Chave: Ambiente de trabalho saudável; Saúde ocupacional; Bem-estar; Avaliação; Qualidade de vida no trabalho

Abstract

Healthy workplaces contribute to the well-being, health and performance of workers and organizations. This study aims at building and validating an ecological instrument for the assessment of healthy workplaces based on the Healthy Workplaces conceptual model proposed by the World Health Organization (Burton, 2010). After a complex and robust construction process of the Ecosystems of Healthy Workplaces (EATS) instrument that involved researchers, experts and several organizations, it was tested on 460 participants working in various functions in different sectors of activity, 231 (50.3%) of whom were female. The age of the workers varies between 18 and 67 years, with a mean of 44 years and standard deviation of 11.36. The EATS instrument is composed of a total of 62 items organized into 9 dimensions. The psychometric study revealed conceptually coherent and robust results in terms of internal consistency and adequate models resulting from the confirmatory factor analysis of the scales. The EATS and its scales are considered an instrument that meets the need of organizations to assess the healthy working environment from an ecological perspective and allows for the monitoring of health promotion and risk prevention measures in organizations with the main purpose of improving the well-being and health of workers, organizations and society as a whole.

Keywords: Healthy workplace; Occupational health; Well-being; Assessment; Quality of life at work

As organizações enfrentam crescentes desafios internos e externos, complexos e multidimensionais que incluem diversas alterações comportamentais, sociais, económicas e ainda barreiras internas, tais como fragilidades ao nível da gestão, insatisfação, burnout e turnover dos trabalhadores (Bourgeault et al., 2010; Burton, 2010).

A avaliação da qualidade e dos processos de trabalho é um componente vital para a manutenção e melhoramento da qualidade dos serviços e desempenho prestado pelas organizações e respetivos trabalhadores (BNQ, 2018).

Os resultados de uma organização, nomeadamente o desempenho dos trabalhadores são muito influenciados pela sua Saúde e Qualidade de Vida (QV) pelo que um cultura organizacional (CO) com uma abordagem focada na promoção de qualidade de vida e nos espaços de trabalho saudáveis (Healthy Workplace) está associada a uma maior satisfação com o trabalho, menos riscos psicossociais no trabalho, e consequentemente melhores outcomes, nomeadamente um melhor desempenho dos trabalhadores e satisfação por parte dos clientes (Burton, 2010; Gaspar, 2020, 2021; Gaspar & Correia, 2020; OECD, 2018, 2019, 2020a, 2020b).

As organizações que têm como pilar estratégico a promoção do bem-estar e saúde dos trabalhadores tendem a prevenir riscos, promover a saúde e resolver problemas ou ocorrências negativas e maior capacidade para atrair, reter e estimular o compromisso dos trabalhadores mais criativos e inovadores (Cameron & Quinn, 2011; Campbell & Wiernik, 2015; Gauld & Horsburgh, 2020). Deste modo, estes aumentam o seu desempenho, a sua criatividade e capacidade de inovação. Por outro lado, permite reduzir fatores de risco e desestabilizadores no trabalho, tais como conflitos, queixas, turnover, absentismo, problemas de desempenho, acidentes e incapacidade (Kock, 2017).

As organizações mais saudáveis apresentam, em média, resultados mais positivos, não apenas ao nível de resultados humanos, mas também dos gestores e da organização como um todo (Guest, 2002; 2017).

Necessidades não satisfeitas podem ser fatores de risco para a saúde e inversamente a preocupação pela segurança, sentido de pertença, satisfação com o trabalho, justiça social, autoestima, autoeficácia e autonomia conduz a um bem-estar e saúde organizacional (Guest, 2002; 2017; Kristensen et al., 2005). a responsabilidade de manter e melhorar o bem-estar e qualidade de vida deve ser partilhada pela organização e pelos trabalhadores.

A identificação e caracterização dos fatores que influenciam a qualidade de vida deve ser prioritária nas organizações (BNQ, 2018; Okunade et al., 2017).

Deve ser fomentada uma CO promotora de saúde e bem-estar. Os fatores de risco para a saúde e qualidade de vida devem ser identificados e eliminados ou quando não for possível eliminá-los, devem implementar-se estruturas e práticas de minimização do seu impacto (BNQ, 2018; Burton, 2010; Gaspar, 2020; Scott et al., 2003).

O modelo da Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010) para ambientes de trabalho saudáveis, indica vias de influência, processo e princípios essenciais. Define ambiente de trabalho saudável como aquele em que os trabalhadores e os gestores/chefias em conjunto desenvolvem um processo de melhoria contínua da proteção e promoção da segurança, saúde e bem-estar de todos os trabalhadores e para a sustentabilidade do ambiente de trabalho. Considera o ambiente físico de trabalho e psicossocial, os recursos para a saúde pessoal e o envolvimento da organização na comunidade, estando sempre presente com o compromisso da liderança, a participação ativa do trabalhador e o respeito pelos valores e a ética. O processo implica um ciclo de atividades, nomeadamente mobilizar, reunir, diagnosticar, priorizar, planear, executar, avaliar, melhorar e assim sucessivamente (Figura 1).

Figura 1 Modelo de ambientes de trabalho saudáveis da OMS (WHO, 2010, p. 8) 

Na identificação, caracterização e avaliação devem ser tidos em conta os múltiplos fatores e indicadores de influência pelo que devem ser utilizadas todas as fontes de informação e diferentes variáveis relevantes (Gaspar, 2020; Gaspar et al., 2017; Gaspar et al., 2021; WHO, 1994; 2005). De que são exemplo: a Cultura Organizacional (Cameron & Quinn, 2011), Fatores Psicossociais do Trabalho (stress e burnout, equilíbrio entre vida familiar e trabalho, relações de trabalho, relações com a liderança, satisfação, autonomia, reconhecimento) (Kristensen, 2002; Kristensen et al., 2005), Qualidade de Vida (QV) (Gaspar et al., 2017; WHO, 1994, 2005), Desempenho (Campbell & Wiernik, 2015; Guest, 2002, 2017) e outras variáveis e resultados da organização (BNQ, 2018; Bourgeault et al., 2010; Burton, 2010; Gaspar, 2020; Gaspar et al., 2021).

Estratégias possíveis para a melhoria das condições de trabalho são a restruturação, sistemas de recompensa, ambiente laboral saudável, promoção da participação/autonomia, desenvolvimento de carreira, competências na resolução de conflitos, mais comunicação, promoção de relações positivas e justas entre os trabalhadores, com as chefias, entre outras (Sewang, 2016; Sorensen et al., 2019).

Uma abordagem holística e multidisciplinar é fundamental para o sucesso da implementação das boas práticas. Alguns exemplos de boas práticas identificadas são: envolvimento de stakeholders e representantes dos setores relevantes, intervenção baseada na evidência científica, disseminação das boas práticas, intervenção como um processo com melhoramentos e avaliação contínuos. As principais barreiras ao sucesso são a falta de conhecimento dos gestores, trabalhadores e outros relevantes, constrangimentos financeiros e pressão de tempo. As organizações preferem mais resultados certos e rápidos e por vezes apresentam resistência à mudança e respetivas consequências. As estratégias apontadas passam por melhores políticas e legislação, mais e melhor evidência científica, sensibilização e educação das pessoas e entidades envolvidas e utilização de uma abordagem holística que envolva a organização, mas também a comunidade com ações diretas e indiretas e com uma abordagem multidisciplinar e integração multinível (Braithwaite et al., 2017; Braithwaite et al., 2019).

Este trabalho teve como objetivo estudar, construir e validar um instrumento transcultural e fácil de utilizar de avaliação dos healthy workplaces denominado - Ecossistemas dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) baseado em dois modelos: o Modelo de ambientes de trabalho saudáveis da OMS (WHO, 2010) e Modelo Ecológico Bronfenbrenner (2005), considerando as condições de saúde e estilos de vida dos trabalhadores e a forma como as organizações representam ecossistemas promotores da saúde e bem-estar.

Método

Participantes

O estudo envolveu 460 participantes, 231 (50,3%) do sexo feminino. A idade dos trabalhadores varia entre os 18 e os 67 anos, com média de 44 anos e desvio padrão de 11,36.

A grande maioria dos participantes (62,8%) refere ser casado ou viver em união de facto, 26,7% solteiro, 9,8% divorciado ou separado e 0,7% viúvo. 65,9 refere ter filhos. Ao nível da escolaridade 37,2% tem até ao ensino secundário concluído, 62,6% tem a licenciatura/mestrado/doutoramento.

Quanto à localização da organização, 59,1% das organizações localizam-se na Área metropolitana de Lisboa, 21,3% no Norte & área metropolitana do Porto, 14,3% no Centro, 2,6 no Alentejo e 2,6 no Alentejo. 95% dos participantes refere que a Organização onde trabalha é uma Organização Nacional e 15% refere que a Organização é Internacional.

Em relação ao setor de atividade onde trabalha, os setores mais frequentes são o transporte e armazém (19,3%), Educação (18,7%) e Saúde (13,5%).

Quanto à dimensão da organização 62,1% refere que trabalha numa Grande empresa/organização (250 ou mais pessoas), 20,5% numa Média empresa/organização (50 a 249 pessoas), 8,9% numa Pequena empresa/organização (10 a 49 pessoas) e 8,5% numa Microempresa/organização (1 a 9 pessoas).

Material

O instrumento utilizado integra questões sociodemográficas de caracterização dos trabalhadores e teve como base o instrumento de avaliação da Gestão e Qualidade das Organizações de Saúde (Gaspar, 2019, 2021), a Escala de responsabilidade social percebida (Duarte & Neves, 2014) e informação recolhida em documentos oficiais da Direção-Geral de Saúde (2020) e Organização Mundial de Saúde (OMS, 2010) relacionada com o tema dos ambientes de trabalho saudáveis. Foram incluídos dois itens, uma que avalia a perceção geral da qualidade de vida numa escala de tipo Likert de 5 pontos e um outro que remete para a classificação geral do ambiente de trabalho da sua organização numa escala de 0 (Muito mau ambiente) a 10 (Muito bom ambiente).

O instrumento de avaliação da Gestão e Qualidade das Organizações de Saúde (Gaspar, 2021) é constituído por cinco dimensões num total de 53 itens dos quais 7 itens que medem a perceção de qualidade de vida, 15 itens que medem os Riscos Psicossociais do Trabalho, 5 itens que medem o envolvimento na gestão de desempenho e 8 itens que medem a satisfação com o trabalho. Os níveis de alfa de Cronbach obtidos para cada fator mostram que os mesmos possuem uma consistência interna adequada (entre 0,83 e 0,93).

A Escala de responsabilidade social percebida (Duarte & Neves, 2014) é constituída por 16 itens organizados em três dimensões: a) responsabilidade social face aos trabalhadores, b) Responsabilidade face à comunidade e ambiente, e c) Responsabilidade social económica. Os níveis de alfa de Cronbach obtidos para cada fator mostram que os mesmos possuem uma consistência interna adequada (entre 0,75 e 0,89).

O Instrumento Ecossistemas de Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) é constituído por um total de 62 itens organizados em 9 dimensões tendo como base o modelo dos Healthy Workplaces proposto pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010). A dimensão Ética e Valores é constituída por 8 itens, o Compromisso com a Liderança por 6 itens, o Envolvimento dos Trabalhadores por 7 itens, os Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança tem 12 itens, os Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental têm 5 itens, o ambiente Físico tem 5 itens, o teletrabalho tem 3 itens, o Envolvimento com a Comunidade 12 itens e os Recursos para a Saúde Pessoal tem 4 itens. Todas as questões têm uma escala de tipo Likert de 5 pontos.

Procedimento

O instrumento foi resultado de um processo complexo de co construção que envolveu cinco investigadores da equipa de investigação, dois especialistas em psicometria, 40 organizações de diversos setores de atividade e de diferentes dimensões, e ainda, uma comissão de acompanhamento constituída por organizações relevantes, nomeadamente: Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), Fórum Saúde Século XXI, Ordem dos Psicólogos Portugueses, Ordem dos Médicos - Colégio da Especialidade de Medicina do Trabalho, Ordem dos Nutricionistas, SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, CENC - Centro de Medicina do Sono e WHO European Office for Prevention and Control of Noncommunicable Diseases (NCD Office).

O instrumento base foi construído pela equipa de investigação e comentado pela comissão de acompanhamento, de seguida uma primeira versão do instrumento foi enviada para as organizações participantes para serem inseridos comentários e recomendações relacionadas com itens a retirar, itens a integrar e itens a reformular. Este processo foi repetido durante três rondas. No final de cada ronda a equipa de investigação analisava as recomendações, integrava as alterações no instrumento e devolvia aos participantes para mais uma ronda. O instrumento foi submetido e aprovado pela comissão de ética do Hospital do Espírito Santo de Évora.

O presente artigo estuda as propriedades psicométricas da versão final obtida.

Para a realização da recolha de dados foram contactadas organizações (outras que não que fizeram parte da co-construção do instrumento) de diversos setores de atividade, de diferentes regiões do país e de diferentes dimensões. A amostra foi por conveniência. As organizações que concordaram participar receberam o instrumento através de um link e disseminavam o link internamente pelos seus trabalhadores.

O link dava acesso à explicação do estudo, contacto dos investigadores para esclarecimento de dúvidas, informação de confidencialidade, anonimato e o carater voluntário da participação. O participante apenas tinha acesso ao início do instrumento após firmar o consentimento informado.

Resultados

Apresentam-se de seguida um conjunto de estatísticas que ilustram os procedimentos relativos ao estudo psicométrico do instrumento EATS. Foi efetuada a análise da estatística descritiva dos itens e das dimensões do instrumento, análise de correlações, análise da fiabilidade através da consistência interna (alfa de Cronbach), Análise Fatorial Confirmatória das escalas do instrumento e diferenças entre grupos ao nível do sexo, idade e escolaridade e validade concorrente das escalas em relação a indicadores relevantes (Quadros 1, 2, 3 , 4, 5, 6, 7, 8 e 9).

Quadro 1 Estatística Descritiva dos itens da Escala Ética e Valores 

Quadro 2 Estatística Descritiva dos itens da Escala Compromisso da Liderança 

Quadro 3 Estatística Descritiva dos itens da Escala Envolvimento dos Trabalhadores 

Quadro 4 Estatística Descritiva dos itens da Escala Ambiente Psicossocial do Trabalho relacionado com o Conteúdo e Relação com a Liderança 

Quadro 5 Estatística Descritiva dos itens da Escala Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental 

Quadro 6 Estatística Descritiva dos itens da Escala Ambiente Físico 

Quadro 7 Estatística Descritiva dos itens da Escala de Teletrabalho 

Quadro 8 Estatística Descritiva dos itens da Escala Envolvimento com a Comunidade 

Quadro 9 Estatística Descritiva dos itens da Escala Recursos para a Saúde Pessoal 

O estudo da estatística descritiva mostra que os participantes revelam valores moderados ao avaliar o ambiente de trabalhos nas diferentes escalas, as escalas com valores médios superiores foram o Ambiente Psicossocial relacionado Conteúdo do Trabalho e Relação Liderança e o Envolvimento dos Trabalhadores e as com valores menos positivos foram os Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental, Recursos para a Saúde Pessoal e Compromisso da Liderança (Quadro 10).

Quadro 10 Estatística Descritiva das Escalas do Instrumento EATS 

Quadro 11 Correlações entre as Escalas do Instrumento EATS e respetiva consistência interna 

Nota: *valor de alpha de cronbach; ** p<0,001

As correlações entre as escalas do instrumento EATS são moderadas e estatisticamente significativas (com exceção da correlação entre o Envolvimento dos Trabalhadores e Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental, Recursos para a Saúde Pessoal). Salienta-se a correlação entre Ética e Valores e Compromisso com a Liderança (r=0,87) e Ambiente Psicossocial do Trabalho relacionado com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança (r=0,72), a correlação entre o Ambiente Psicossocial do Trabalho relacionado com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança e o Envolvimento do Profissional (r=0,72) e com o Envolvimento com a Comunidade (r=0,73).

A consistência interna das escalas revelou-se adequada variando entre α =0,82 na escala de Teletrabalho e α=0,95 na escala Compromisso da Liderança (Quadro 11).

A Análise Fatorial Confirmatória das Escalas do instrumento EATS mostra modelos adequados com valores e Non-Normed Fit Index (NNFI), Comparative Fit Index (CFI) e Root-Mean-Square Error of Aproximation (RMSEA) adequados e indicativos de modelos robustos que confirmam a estrutura fatorial das diferentes escalas (Quadro 12).

Quadro 12 Análise Fatorial Confirmatória - Índices de adequação das Escalas do Instrumento EATS 

Quadro 13 Análise ANOVA de comparação de médias - diferenças de sexo 

Nota: * p<0,05; ** p<0,01; *** p<0,001

Comparando grupos em relação às diferentes escalas do instrumento EATS verificam-se diferenças estatisticamente significativas de sexo, idade e escolaridade na grande maioria das escalas.

Comparando géneros verifica-se que as mulheres apresentam uma representação mais positiva em todas as escalas e menos Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança quando comparadas com os homens. Contrariamente são as mulheres que identificam mais Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental (Quadro 13).

Comparando os trabalhadores mais novos (até 40 anos) e mais velhos (41 anos ou mais) verifica-se que os trabalhadores mais novos apresentam uma representação mais positiva em todas as escalas quando comparados com os trabalhadores mais velhos (Quadro 14).

Quadro 14 Análise ANOVA de comparação de médias - diferenças de grupo de idade 

Nota: * p<0,05; ** p<0,01; *** p<0,001

A comparação quanto à escolaridade revela que mais trabalhadores com escolaridade mais elevada (licenciatura ou mais) apresentam uma representação mais positiva em todas as escalas e mais Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental quando comparados com os trabalhadores com menor escolaridade (até 12º ano de escolaridade) (Quadro 15).

Serão utilizadas como variáveis complementares de estudo do Instrumento EATS, a forma como o trabalhador classifica o ambiente de trabalho da sua organização e a perceção e qualidade de vida.

O instrumento EATS e respetivas escalas revelam uma validade concorrente adequada em relação a indicadores relevantes.

Considerou-se a perceção geral de qualidade de vida que mostrou valores moderados (M=3,52 de 1 a 5, DP= 1,07) e a classificação geral do ambiente de trabalho na organização que também com valores moderados (6,52 numa escala de 0 a 10, DP= 2,41) (Quadro 16).

Foi realizado o estudo de correlações entre as escalas do instrumento EATS e os indicadores selecionados e verifica-se que todas as escalas se encontram correlacionadas de forma moderada e estatisticamente significativa com a perceção geral de qualidade de vida e com a classificação geral do ambiente de trabalho na organização.

Quadro 15 Análise ANOVA de comparação de médias - diferenças de escolaridade 

Nota: * p<0,001

Quadro 16 Correlações entre as Escalas do Instrumento EATS e indicadores complementares 

Quanto à perceção geral de qualidade de vida salienta-se a correlação com o Ambiente Psicossocial do Trabalho relacionado com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança (r=0,54), Ambiente Físico (r=0,53), a Ética e Valores (r=0,47) e Compromisso com a Liderança (r=0,46).

Em relação à classificação geral do ambiente de trabalho na organização salienta-se a correlação com o Ambiente Psicossocial do Trabalho relacionado com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança (r=0,73), a Ética e Valores (r=0,66) e Compromisso com a Liderança (r=0,64).

Discussão

O projeto teve como objetivo estudar, construir e validar um instrumento de avaliação dos Healthy Workplaces denominado - Ecossistemas dos Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) com base em dois modelos: o Modelo de ambientes de trabalho saudáveis da OMS (WHO, 2010) e Modelo Ecológico Bronfenbrenner (2005), comtemplando as condições de saúde e estilos de vida dos trabalhadores e a forma como as organizações são ecossistemas promotores da saúde e bem-estar.

O Instrumento Ecossistemas de Ambientes de Trabalho Saudáveis (EATS) proposto é constituído por um total de 62 itens organizados em 9 dimensões (Ética e Valores, Compromisso com a Liderança, Envolvimento dos Trabalhadores, Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança, Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental, Ambiente Físico, Teletrabalho, Envolvimento com a Comunidade e Recursos para a Saúde Pessoal) tendo como base o modelo dos Healthy Workplaces proposto pela Organização Mundial de Saúde (WHO, 2010).

O estudo do instrumento EATS demonstrou ser uma medida psicometricamente sólida e teoricamente válida com propriedades psicométricas adequadas e revelou -se um contributo inovador para a avaliação dos ambientes de trabalho saudáveis e monitorização de políticas e estratégias de melhoria e promoção de organizações mais saudáveis e impulsionadoras de bem-estar do trabalhador e da organização como um todo.

Os resultados indicam que os participantes avaliam de forma moderada o ambiente de trabalhos nas diferentes escalas. As que mais contribuem para a perceção de ambiente de trabalho saudável são o Ambiente Psicossocial relacionado Conteúdo do Trabalho e Relação Liderança e o Envolvimento dos Trabalhadores e as que revelaram valores menos positivos foram os Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental, Recursos para a Saúde Pessoal e Compromisso da Liderança (Braithwaite et al., 2017; Braithwaite et al., 2019).

As correlações entre as escalas do instrumento EATS são moderadas e estatisticamente significativas. Salienta-se a relação entre a Ética e Valores e a de Compromisso com a Liderança e o Ambiente Psicossocial do Trabalho relacionado com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança, a relação entre a escala de Envolvimento do Trabalhadores e o Ambiente Psicossocial do Trabalho relacionado com o conteúdo do trabalho e relações com a liderança. Estes resultados ilustram a relevância da Cultura e Valores da organização, a importância das características da liderança e o envolvimento dos trabalhadores para um melhor ambiente psicossocial do trabalho e melhor gestão e mitigação dos Riscos Psicossociais do Trabalho (BNQ, 2018; Burton, 2010; Gaspar & Correia, 2020; Gaspar, 2020; Gaspar et al, 2021; OECD, 2018, 2019, 2020a, 2020b; Okunade et al., 2017).

O estudo psicométrico do instrumento EATS revelou que a consistência interna das escalas é adequada. A Análise Fatorial Confirmatória das Escalas do instrumento EATS revelaram modelos adequados com valores e NNFI, CFI e RMSEA adequados e indicativos de modelos robustos que confirmam a estrutura fatorial das diferentes escalas, com exceção da escala relacionada com os Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o bem-estar e saúde mental que apresenta um valor de RMSEA muito elevado.

Comparando grupos em relação às diferentes escalas do instrumento EATS verificam-se diferenças estatisticamente significativas de sexo, idade e escolaridades na grande maioria das escalas. Os resultados indicam que que as mulheres, os trabalhadores mais novos e com escolaridade mais elevada apresentam uma representação mais positiva do ambiente de trabalho quando comparados com os homens, com os trabalhadores mais velhos (41 anos ou mais) e os trabalhadores com menor escolaridade (até 12º ano de escolaridade) respetivamente. Contrariamente são as mulheres que identificam mais Riscos Psicossociais do Trabalho relacionados com o Bem-estar e Saúde Mental (Gaspar et al, 2017; OECD, 2018, 2019, 2020a, 2020b). Podem ser identificados grupos de maior risco, tais como, os trabalhadores mais velhos e os com níveis de escolaridade mais baixos e diferenças de sexo em algumas áreas especificas, esta informação remete para a necessidade de adequar a intervenção tendo em conta as necessidades e diferentes níveis de risco (Gaspar et al, 2021; Gaspar et al, 2017; Sewang, 2016; Sorensen et al., 2019).

O instrumento EATS e respetivas escalas revelam uma validade concorrente adequada em relação a indicadores relevantes. Quanto à perceção geral de qualidade de vida e à classificação geral do ambiente de trabalho na organização salienta-se a relação forte que revelaram em relação à grande maioria dos indicadores de um ambiente de trabalho saudável. Um ambiente de trabalho saudável está associado a uma melhor qualidade de vida do profissional e a uma perceção mais positiva da organização onde trabalha (Faia et al., 2013; Gaspar, 2020; Jackson et al., 2020; EU-OSHA, 2009)

O instrumento EATS resultou de um processo complexo de construção que envolveu investigadores, peritos e diversas organizações. O estudo psicométrico revelou resultados coerentes em termos conceptuais e de robustez. Considera-se o instrumento EATS e as respetivas escalas uma ferramenta que vem responder a uma necessidade das organizações para avaliar o ambiente de trabalho saudável numa perspetiva ecológica e permite a monitorização de medidas de promoção da saúde e prevenção dos riscos nas organizações com o objetivo central de melhorar o bem-estar e saúde dos trabalhadores, organizações e a sociedade como um todo.

O estudo produziu um instrumento de avaliação e monitorização dos ambientes de trabalho saudáveis em diferentes setores de atividade tendo como base modelos conceptuais sólidos. Foram estudados sistemas e subsistemas das organizações e analisados o tipo e força das influências entre os diferentes sistemas e subsistemas. Outro contributo revelante é a relação estabelecida entre os valores, a cultura organizacional, o compromisso da liderança e os riscos psicossociais do trabalho.

A menor satisfação com o ambiente foi sentida ao nível do compromisso com a liderança e os recursos para a saúde pessoal.

Como principais recomendações do estudo propomos:

  • Avaliar e monitorizar o ambiente de trabalho saudável numa perspetiva sistémica e integrativa e de forma periódica;

  • Envolver de forma ativa todos os stakeholders no processo de avaliação e monitorização;

  • Os resultados das avaliações devem ser devolvidos e refletidos com todos os stakeholders (ou representantes), devem ser estabelecidos objetivos e metas especificas e realistas, e consequentemente planeadas, implementadas e avaliadas as mudanças necessárias e pré-estabelecidas;

  • Definir um número adequado de metas e a serem concretizadas em tempos bem calendarizados com uso de recursos realistas;

  • Os gestores e as lideranças devem ter formação contínua em áreas relevantes para o melhor desempenho das suas funções;

  • Os trabalhadores devem ter um maior envolvimento, com maior autonomia e responsabilização;

  • Priorizar a promoção de locais de trabalho saudáveis através da implementação de políticas e atividades com vista à melhoria das condições psicossociais de trabalho, promoção da saúde física, social e mental dos trabalhadores;

  • Promover maior responsabilidade social e envolvimento da organização com a comunidade.

Agradecimentos

Agradecimento ao contributo das organizações que acompanharam o processo de constrição e validação do instrumento EATS: Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT); Fórum Saúde Século XXI; Ordem dos Psicólogos Portugueses; Ordem dos Médicos - Colégio da Especialidade de Medicina do Trabalho; Ordem dos Nutricionistas; SICAD - Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências; CENC - Centro de Medicina do Sono e external advisor WHO European Office for Prevention and Control of Noncommunicable Diseases (NCD Office), assim como a todas as organizações envolvidas na construção e implementação do instrumento.

Contribuição dos autores

Tania Gaspar: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Software; Supervisão; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição

Manuela Correia: Concetualização; Supervisão; Visualização; Redação - revisão e edição

Maria do Céu Machado: Visualização; Redação - revisão e edição

Miguel Xavier: Visualização; Redação - revisão e edição

Fábio Botelho Guedes: Curadoria dos dados; Metodologia; Software

José Pais-Ribeiro: Visualização; Redação - revisão e edição

Margarida Gaspar de Matos: Visualização; Redação - revisão e edição

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Recebido: 30 de Novembro de 2019; Aceito: 14 de Março de 2022

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