A Síndrome de Burnout (SB) tem se mantido mundialmente constante no século XXI, provocando preocupações entre os diferentes profissionais e gestores de políticas públicas (Leiter et al., 2014). Na Coréia, estudo realizado com 499 professores do ensino fundamental e médio, apontou-a como preditor para depressão (Shin et al., 2013). Do mesmo modo, estudo realizado com aproximadamente 5000 trabalhadores de um centro de saúde em Israel que aparentemente mostravam-se saudáveis, a SB influenciou significante para o aumento de sintomas depressivos (Armon et al., 2014).
Destaca-se, que sintomas de estresse, baixa autoestima e desmotivação, podem levar a SB trazendo danos e agravos a saúde dos trabalhadores e por sua vez em consequências negativas para qualidade de vida (Edward et al., 2014). O estresse, depressão, ansiedade e a SB é uns dos processos de adoecimento que tem permeado o meio organizacional e está entre as maiores causas para egressão do trabalho (Bertoncello & Borges, 2015).
O ambiente escolar público na realidade brasileira tem-se mostrado na maioria das vezes como um espaço que alterna entre a saúde e a doença, o que é contraditório, pois deveria ser formadora de conhecimento, saberes e transformação, porém, tem sido alvo de desrespeito pelos alunos, pais, docentes e gestores. Desta forma, têm-se tornado como um lugar conflituoso, de desvalorização do professor, propiciando uma redução número de pessoas interessados na profissão ou que estão abandonando-a (Souza, 2012).
Diante as considerações anteriores acredita-se que é de fundamental importância estudar a SB em professores de rede pública, visto que, propiciará aos gestores em conjunto com professores planejar e implementar ações para a promoção do bem-estar, prevenção das doenças e assim maximizar a qualidade de vida laboral. Portanto, este estudo teve como objetivo investigar a presença de Síndrome de Burnout em professores do ensino fundamental e médio.
Método
Participantes
Estudo investigatório com abordagem quantitativa de delineamento transversal, realizado em outubro de 2018 a março de 2019, em escolas de um município do norte do Paraná- Brasil. No período do estudo a população era composta por 393 professores porém procedeu-se o cálculo do tamanho amostral por meio de população finita, levando em consideração o desfecho de 50% e 95% de intervalo de confiança, chegando-se ao número mínimo 192 professores, porém, fizeram parte do estudo um total de 200.
Os critérios de inclusão foram: professores atuantes no ensino fundamental e médio com pelo menos seis meses de atuação e períodos matutino, vespertino e noturno. Excluídos os professores que atuava em modalidades de ensino de educação especial, educação profissional não articulada ao ensino médio, professores da educação complementar e os que se encontrava de férias ou licença de qualquer natureza.
A coleta de dados foi realizada com a aplicação de um formulário eletrônico por meio da plataforma virtual Google Forms, sendo que os participantes foram informados presencialmente ou por telefone antecipadamente sobre o objetivo do estudo e seus direitos éticos, nesse momento foi coletado o seu e-mail e telefone para posteriormente encaminhar os instrumentos de pesquisa.
Material
Utilizou-se questionário sociodemográfico e o Maslach Inventory Burnout (MBI) para avaliar a SB, ou seja, as características que podem desencadear a síndrome que estão associados às relações e condições de trabalho. Trata-se de uma escala de Likert com 22 questões, dentre as quais nove avaliam o desgaste emocional (exaustão), cinco avaliam a despersonalização e oito avaliam a realização profissional. Ressalta-se que foi solicitada autorização para a editora Mind Garden, o que nos foi concedido e também “adquirido por meio de compra” a licença para seu uso.
Considera-se para a exaustão emocional um nível de burnout elevado quando são encontrados valores ≥27 pontos, valores entre 19 e 26 pontos indicam níveis médios de burnout e valores ≤18 pontos correspondem a níveis de burnout baixos. Quanto à despersonalização pontuações ≥10 pontos indiciam níveis altos de burnout, valores entre seis e nove pontos apontam para níveis médios de burnout e valores ≤5 pontos indicam níveis baixos de burnout. Por último, em relação à realização profissional, a sua leitura é oposta às anteriores, isto é, valores ≥40 pontos indicam níveis baixos de burnout, valores entre 34 e 39 pontos revelam níveis médios de burnout e ≤33 pontos indicam níveis altos de burnout (Sá, 2002; Santos, 2009). As dimensões da SB foram consideradas desfechos como: exaustão emocional (EE) despersonalização (D) e realização profissional (RP), por meio da mediana, classificadas em alto e baixo (Maslach &Leiter, 2016).
Análise dos dados
Foi realizado de teste ‘U’ de Mann-Whitney para comparação de médias entre as subcategorias, visto que as variáveis não apresentam distribuição normal. As hipóteses testadas foram: H₀: as médias da população são todas iguais e H₁: as médias da população não são todas iguais.
Procedimentos
Este estudo foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Univeridade Estadual de Londrina (UEL) e teve aprovação com CAAE nº 87890218.4.0000.5231. Tantos os participantes pelo formulário eletrônico como os que responderam o questionário impresso assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Ressalta-se que as licenças para utilizar o MBI-HSS foram adquiridas da empresa Mind Garden. Assim, atendeu a declaração de Helsinki.
Resultados
Dos 200 professores investigados, 77,5% eram do sexo feminino e 22,5% do sexo masculino, 10,5% possuem idade entre 18 a 30 anos, 33,5% entre 31 e 40 anos, 29,0% com 41 a 50 anos, 24,5% entre 51 a 60 anos e apenas 2,5% com mais de 60 anos. Referente à cor da pele 76% são declarados de cor branca, 2,5% de cor negra, 15,0% são pardos, 2,0% declarado de cor mulato e 4,5% são amarelos. Em relação aos números de filhos: 35,5% não possuem filhos, 18,5%, tem um filho, 31,5% tem dois filhos, 13,0% dos entrevistados tem três filhos, 1,5% dos participantes tem 4 ou mais filhos. No que tange à situação conjugal, 60,5% são casados ou possuem companheiro, e 39,5 % são solteiros, separados, viúvos ou sem companheiro (Quadro 1).
Nota: (1)Não foi possível realizar os cálculos porque não há grupos suficientes que contenham, no mínimo, 12 observações. Os resultados são baseados em linhas e colunas não vazias em cada subtabela mais interna. (2) Teste ‘U’ de Mann-Whitney (p-valor<0,05). *Valores Significativos; NS - Valores Não Significativos.
Interpretação do teste: H0: As médias observadas ocorrem na mesma proporção nos grupos. Ha: As médias observadas diferem significativamente entre os grupos. Decisão: Como o valor de p computado é menor que o nível de significância alfa = 0,05, deve-se rejeitar a hipótese nula H0 e aceitar a hipótese alternativa Ha. EE - Exaustão Emocional; D - Despersonalização; RP - Realização Profissional.
Com relação à escolaridade, 9,0% dos professores possuem somente a graduação, 70% possuem formação à nivel de especialização, em nível de mestrado 19,5% dos participantes, apenas 0,5% dos entrevistados possuem doutorado e outras escolaridades com 1,0%. No que se refere à renda familiar, 1,0% dos profissionais com renda familiar até um salário mínimo , 4,5% de um até dois salários mínimos, 7,5% acima de dois até três salários mínimos, 13,0% acima de três até quatro salários mínimos, 25,0% acima de quatro até cinco salários, e por fim 34% dos professores possuem renda familiar acima de cinco e máximo de 10 salários mínimos (Quadro 1).
No que concerne à renda individual, 4,0% dos professores até um salário mínimo1 7,5% entre um até dois salários mínimos, 13,5% acima de dois até três salários mínimos, 17,0% recebe acima de três até quatro salários, 23,0% acima de quatro até cinco salários mínimos, 32,5% possuem renda individual acima de cinco até 10 salários e, acima de 10 salários mínimos 2,5% dos entrevistados. Em relação à conclusão do ensino superior 99,5% já concluíram e apenas 0,5% não concluíram (Quadro 1).
Verifica-se que há diferença significativa (p<0,05) entre as médias obtidas pelos professores na dimensão realização profissional (RP) em função da característica cor da pele, de forma que os professores de cor amarela obtiveram média ≤33 pontos (µ = 27,0) indicando níveis altos de burnout nestes professores, enquanto que os docentes negros apresentaram escore médio mais elevado (≥40 pontos) nesta dimensão (µ = 43,6) indicando níveis baixos de burnout entre os professores negros (Quadro 1).
Ainda, na dimensão RP foram identificadas diferenças significativas entre os professores em função da situação conjugal, de forma que os professores na condição de solteiro, separado, viúvo ou sem companheiro obtiveram escore médio menor (µ = 33,8) do que os na condição de casado ou com companheiro (µ = 37,5), diferença que revela que os professores na condição de casado ou com companheiro apresentam níveis mais baixos de burnout (Quadro 1).
No quadro 1 pode se verificar que o nivel de escolaridade também se mostrou ser um fator que influencia no nivel de burnout, isto é, os professores que possuíam formação à nivel de doutorado apresentam níveis mais baixos de burnout (≥40 pontos) visto que o escore médio obtido foi igual a 44,0 pontos na dimensão RP.
No aspecto geral, considerando que quanto menor o valor, menos frequentes são os sentimentos relativos ao burnout, verifica-se que os professores diferem significativamente (p<0,05) no escore médio obtido em função da cor da pele, visto que os professores de cor branca obtiveram escore médio mais elevado (µ = 77,6), indicando que este grupo de professores apresenta níveis mais elevados para a síndrome (Quadro1).
Discussão
No presente estudo pode-se constatar que a maioria dos professores são do sexo feminino, dados esses iguais a estudo de revisão, na qual a maioria dos professores são casados, com filhos, formação superior, destacando que os professores que lidam com o ensino fundamental e médio são predominantemente do sexo feminino (Harrison,1999).
Um estudo realizado com os professores estão sendo acometidos pela SB, mostra que esta profissão continua sendo exercida por mulheres, sendo que 56,6% destas mulheres são casadas e 72,1% com filhos, e trabalham mais de 40 horas semanais com 67,6%. Destarte, o grupo feminino tem maior chance de ter desgaste profissional e baixo sentimento de distanciamento dos alunos, portanto a exaustão emocional é mais relacionada com público feminino, o qual elas são emotivas e cuidam do bem-estar do próximo (Batista et al., 2010). Ainda outros estudos internacionais apontam que mulheres apresentam maior EE, maior D e menor sentimento de RP (Gomes, 2006; Pu et al., 2016; Vercambre, 2009).
Entretanto, no que concerne às variáveis idade e ter filhos, os resultados de outros estudos identificaram que trabalhadores mais jovens apresentam maiores níveis de burnout, e indivíduos com filhos os menores níveis (Cherniss, 1980; Byrne, 1991). Professores mais velhos e experientes possuem maior habilidade em lidar com conflitos (Kourmousi & Alexopoulos, 2016). Observa-se no contexto investigado que esta variável não apresentou relação com ao burnout.
Nos professores do presente estudo a cor de pele amarela apresentam níveis mais elevados para a síndrome. Dados esses que diferem de um estudo no qual não foram observada diferença estatisticamente significativas para a variável raça/cor (Melanda,2018).
Outro estudo mostrou que professores sem filhos possuem maior EE e os que têm filhos menores D e RP (Marcal & Peres, 2011). Contextualizando, um estudo demonstra que o prazer de ser pai ou mãe constitui uma possível causa de proteção contra, ou menor índice de doenças mentais como a síndrome de Burnout (Jodas & Haddad, 2009). No presente estudo, esta variável não foi estudada.
Estudos que realizou comparação entre os índices obtidos nas três dimensões de burnout e as variáveis demográficas, sexo, idade, estado civil e ter filhos mostrou que não houve de diferenças estatisticamente significativa com relação às variáveis sexo e estado civil (Maslach & Jackson, 1981). Já nesse estudo, as variáveis do estado civil apontam que os professores na condição ser casado ou com companheiro apresentam níveis mais baixos de burnout.
Autora Benevides (2003) defende que condição de ser casado, união estável ou ter um companheiro, implica em menor disposição aos sintomas da SB, ou não apresenta nenhuma relação com a mesma. Porém, outros autores afirmam que relação conjugal e burnout ainda não são consistentes (Llorent & Ruiz-Calzado, 2016). Observa-se que não há um consenso na literatura, porém, no presente estudo, esta variável apresentou-se significativa, o que merece outras investigações.
No que tange ao grau de escolaridade um estudo com professores mostrou que os indivíduos com maior nível de escolaridade possuíam maior probabilidade de desenvolver a doença (Jodas & Haddad, 2009). Dados esses que são discordantes do presente estudo, pois o nível de doutorado apresentou níveis mais baixos de burnout.
Embora não se tenha associados possíveis correlações entre as variáveis de renda individual e familiar e os resultados do MBI, no presente estudo, é fato que a incompatibilidade para atender as necessidades do trabalhador está normalmente associada a sentimentos inferior para a RP (Maslach & Leiter, 2016). Sabe-se ainda, que trabalhadores com piora da percepção sobre sua renda, apresentam acréscimo significativo no escore de burnout (Norlund et al., 2015).
Pode-se concluir que há indícios para o professor do ensino fundamental e médio desenvolver a SB. A cor da pele, situação conjugal, nível de escolaridade, são fatores contributivos para tal realidade.
É preciso que professores, alunos, sociedade e gestores busquem em conjunto ações para diminuir esse problema e assim propiciar uma saúde mental mais adequada aos professores, e, por sua vez uma melhor qualidade de vida laboral. Sugere-se desenvolver outros estudos sobre a temática SB em professores de ensino fundamental e médio em diferentes regiões do mundo.
Contribuição dos autores
Beatriz Ribeiro: Concepção, Análise formal dos dados, Redação, Investigação, Captação dos recursos, Revisão e edição do texto.
Julia Martins: Análise formal dos dados, Redação, Investigação, Captação dos recursos, Revisão e edição do texto.
Rita Dalri: Redação, Revisão e edição do texto.
Maria Lucia Robazzi: Redação, Revisão e edição do texto.
Maria Jose Galdino: Redação, Revisão e edição do texto.
Elen Teston: Redação, Revisão e edição do texto.