A diabetes é atualmente um dos principais problemas de saúde pública, dado que tanto o número de casos, quanto a sua prevalência tem aumentado rapidamente nas últimas décadas (International Diabetes Federation [IDF], 2019; World Health Organization [WHO], 2016). A diabetes tipo 1 é o tipo menos comum de diabetes, representando cerca de 10% dos casos de diabetes em todo o mundo (IDF, 2019).
O tratamento da diabetes tipo 1 é excessivamente rigoroso, complexo e implica grande compromisso por parte do indivíduo, durante todo o ciclo vital a partir do momento do diagnóstico (Organização Mundial da Saúde [OMS], 2003; Silva, 2010). A adesão às atividades de autocuidado como a alimentação, a atividade física, a monitorização da glicemia, os cuidados com os pés, o cumprimento da terapêutica com insulina e os hábitos tabágicos são fundamentais para um bom controlo metabólico e consequentemente, para a prevenção de complicações associadas (Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal [APDP], 2021; IDF, 2019).
Apesar dos avanços tecnológicos no tratamento da diabetes tipo 1, esta doença continua a ser de difícil gestão. A autogestão a longo prazo da diabetes representa um grande desafio e requer um suporte contínuo de uma equipa multidisciplinar especializada, dado envolver inúmeras mudanças a nível da rotina familiar e pessoal (APDP, 2021; OMS, 2003).
Quanto às características da doença, estas podem constituir-se como eventuais obstáculos (Aronson, 2012; McGill & Levitsky, 2016): (1) O facto de se tratar de uma doença crónica, e não constituir um risco imediato à vida; (2) A complexidade do tratamento; (3) As mudanças no estilo de vida impostas pelo tratamento; (4) O objetivo da intervenção não ser a cura, mas sim a prevenção de complicações; (5) O medo da ocorrência de hipoglicemias e consequente evitamento da administração da quantidade de insulina recomendada, manutenção intencional de níveis elevados de glicose e ingestão exagerada ou precoce de alimentos face a eventos hipoglicémicos; (6) E a antecipação de dor com os procedimentos de injeção de insulina e de monitorização glicémica.
Pires e seus colaboradores (2016) referem ainda que os indivíduos com diabetes tipo 1 enfrentam diversas dificuldades diárias para realizar o tratamento adequado, tais como a aplicação de insulina e a alimentação adequada, comportamentos estes que são de grande importância para a manutenção e controlo da doença. Das dificuldades vivenciadas no quotidiano, estes investigadores averiguaram que metade dos participantes tem dificuldades em aceitar a doença e a maioria relata revolta e medo diante do diagnóstico (Pires et al., 2016).
Na investigação de Almeida et al. (2012) verificou-se que os indivíduos com diabetes tipo 1 apresentam uma elevada adesão às medidas clínicas do tratamento (pesquisa de glicose no sangue e administração de insulina), e, paralelamente uma dificuldade muito significativa para cumprir as prescrições relacionadas com o estilo de vida (alimentação e exercício físico).
Por sua vez, Raulino (2015) observou que os obstáculos gerais no tratamento e os obstáculos à toma da medicação são os que mais influenciam a autogestão desta doença crónica. Este mesmo investigador constatou que o nível de obstáculos ao tratamento está relacionado com a autogestão da diabetes, ou seja, quando a identificação de obstáculos é elevada, os níveis de autocuidado são baixos (Raulino, 2015).
A atual revisão sistemática da literatura tem como objetivo identificar os obstáculos e os facilitadores à adesão ao tratamento recomendado em adultos com diabetes tipo 1, nomeadamente a realização das atividades de autocuidado, bem como compreender como estes obstáculos podem estar associados à autogestão desta doença crónica.
Método
Procedimento
Realizou-se uma revisão sistemática da literatura com vista a responder à seguinte questão de investigação: "Quais são os obstáculos à adesão ao tratamento da diabetes tipo 1?"
Os critérios de inclusão utilizados nesta pesquisa foram: (1) Artigos disponíveis na íntegra; (2) Em livre acesso; (3) Estudos empíricos; (4) Que identifiquem os obstáculos, dificuldades ou barreiras à adesão ao tratamento da diabetes tipo 1; (5) Os participantes serem adultos; (6) Artigos publicados entre 2011 e 2021; (5) Escritos em português, inglês e/ou espanhol.
A base de dados consultada, para recolha de artigos, foi a Biblioteca do Conhecimento Online (b-on) e os descritores específicos utilizados foram: “type 1 diabetes” AND “adults” AND (“obstacles, difficulties, or barriers”) AND (“self-care or self-management”).
Desta pesquisa, resultaram 270 artigos possivelmente relevantes. De seguida, foram eliminados os artigos duplicados, tendo permanecido 197 artigos. Para a aplicação de critérios de elegibilidade, inclui-se apenas artigos com texto completo, ou seja, foram incluídos 168 artigos. Estes foram submetidos a uma leitura individual, sobretudo do título e/ou resumo, tendo posteriormente, sido excluídos 159 artigos por não cumprirem esses mesmos critérios. Após uma análise criteriosa da qualidade da literatura encontrada, foram selecionados 9 artigos para análise final. A Figura 1 apresenta o fluxograma, que clarifica o procedimento realizado para admissão do material utilizado na revisão sistemática da literatura.
Resultados
Os nove documentos selecionados para esta revisão sistemática da literatura (Adu et al., 2019; Alvarado-Martel et al., 2019; El-Aal et al., 2019; Hendrychova et al., 2013; Joensen et al., 2016; Peres et al., 2020; Sarpooshi et al., 2020; Serrabulho et al., 2014; Umeda et al., 2020) foram publicados entre 2013 e 2020. Os estudos apresentam um desenho de investigação observacional transversal, com métodos quantitativos (Hendrychova et al., 2013; Joensen et al., 2016; Peres et al., 2020; Serrabulho et al., 2014; Umeda et al., 2020), qualitativos (Sarpooshi et al., 2020) ou mistos (Adu et al., 2019; Alvarado-Martel et al., 2019; El-Aal et al., 2019).
Por sua vez, as amostras estudadas incluem adultos (com idade igual ou superior a 18 anos) com o diagnóstico de diabetes tipo 1, sendo que o número de participantes se apresenta com uma variação de 21 (Sarpooshi et al., 2020) a 2419 participantes (Joensen et al., 2016).
Adesão ao tratamento
Relativamente à adesão geral ao regime terapêutico, o estudo de El-Aal et al. (2019) concluiu que mais de metade dos adultos com diabetes (52%) aderiu moderadamente. Serrabulho e seus colaboradores (2014) constataram que a maioria dos jovens adultos apresentou uma adesão satisfatória ao tratamento desta doença crónica. Na investigação de Peres et al. (2020) verificou-se que a maior parte dos indivíduos com diabetes tipo 1 aderiu ao tratamento farmacológico (63%).
Quanto à adesão das atividades de autocuidado na diabetes tipo 1, os resultados do estudo de El-Aal et al. (2019) revelaram que os sujeitos estudados apresentaram uma pobre adesão ao exercício físico e à automonitorização da glicemia (75,3%, 76% respetivamente). Na investigação de Serrabulho et al. (2014), a atividade física e os hábitos tabágicos foram também comportamentos que evidenciaram uma fraca adesão (34% e 23% respetivamente). Joensen e colaboradores (2016), registaram, em média, uma menor adesão ao cuidado com os pés (M=2,7 dias por semana). E ainda, de acordo com Hendrychova et al. (2013), os adultos com diabetes tipo 1 não cumprem as recomendações alimentares (M=1,9 numa escala Likert de cinco pontos).
Obstáculos à adesão ao tratamento
No estudo de Umeda e colaboradores (2020) concluiu-se que os adultos com diabetes tipo 1 sentiram grandes dificuldades com os encargos financeiros do regime terapêutico (M=5,3), o facto de não ser elegível para o seguro de saúde (M=4,9) e da sua condição ser confundida com a diabetes tipo 2 (M=4,8). Estes mesmos investigadores, organizaram as dificuldades na vida diária destes indivíduos em quatro fatores (Umeda et al., 2020): (1) “Dificuldades na aceitação da doença”; (2) “Dificuldades para acomodar a diabetes na vida diária”; (3) “Dificuldades no emprego ou na educação contínua”; (4) “Falta de conhecimento sobre a diabetes”.
Nesta mesma perspetiva, Adu e seus colaboradores (2019) constataram que os principais desafios que limitam o autocuidado dos adultos com diabetes são a frustração devido à natureza dinâmica e crónica da diabetes, as restrições financeiras, as expectativas irrealistas e os fatores relacionados com o trabalho e o ambiente.
No que concerne aos obstáculos à adesão às atividades de autocuidado na diabetes tipo 1, no estudo de Serrabulho et al. (2014) os jovens adultos referem que os aspetos do tratamento mais difíceis de pôr em prática foram, em primeiro lugar, o autocontrolo (62%), de seguida, a alimentação (47%) e o exercício físico (42%), e por fim, a insulinoterapia (26%).
Quanto à perceção de dificuldades gerais no tratamento, num estudo realizado com uma amostra de pessoas com diabetes tipo 1 acompanhados em sete hospitais espanhóis, verificou-se que 60,1% dos participantes achou difícil seguir as recomendações do tratamento para o cuidado da diabetes. Os principais motivos alegados para esta dificuldade foram o humor, a desmotivação, o trabalho e as dificuldades económicas (Alvarado-Martel et al., 2019).
Assim, nos estudos selecionados é consensual que os obstáculos estão associados a uma menor capacidade de autocuidado na diabetes tipo 1, pois os indivíduos que relataram dificuldades em seguir as recomendações de tratamento obtiveram pontuações mais baixas na adesão às atividades de autocuidado (Alvarado-Martel et al., 2019; Umeda et al., 2020).
Facilitadores à adesão ao tratamento
Segundo Sarpooshi et al. (2020), as quatro principais categorias que facilitam ou evitam as atividades de autocuidado em indivíduos com diabetes são (Sarpooshi et al., 2020): (1) A acessibilidade (instalações desportivas ou de saúde, informações); (2) Os fatores ambientais (autoridades de apoio, condições desafiadoras); (3) Os hábitos comportamentais (atividade física, alimentação saudável); (4) Os fatores individuais (procura de consciência, déficit de informação, autoindulgência, espiritualidade, raciocínio, atenção à doença, conceitos errôneos).
Adu e seus colaboradores (2019) verificaram que os fatores que atuam como facilitadores para alcançar a autogestão ideal da diabetes são a vontade de prevenir o desenvolvimento de complicações e o uso de dispositivos tecnológicos, tais como, aplicativos móveis (apps), bombas de insulina e monitores contínuos de glicose.
Discussão
A experiência de viver com uma doença crónica é exigente e pode afetar diversos aspetos da vida do indivíduo, dado haver toda uma mudança brusca do estilo de vida, o que acarreta alterações comportamentais e psicológicas, neste caso em estudo, relacionadas com a diabetes tipo 1 (APDP, 2021; Pinto, 2015).
Os obstáculos à adesão do tratamento na diabetes são multifatoriais. Neste sentido, os estudos revelam que as atividades de autocuidado que os indivíduos com diabetes tipo 1 referem mais barreiras são a alimentação e o exercício físico, comportamentos de extrema importância para a manutenção e controlo desta doença (Almeida et al., 2012; Pires et al., 2016; Serrabulho et al., 2014; Raulino, 2015). Os obstáculos na gestão da diabetes tipo 1 mais frequentemente referidos são a frustração devido à natureza dinâmica e crónica desta doença, os encargos financeiros do tratamento, as expectativas irrealistas, o facto de não ser elegível para o seguro de saúde, a sua condição ser confundida com a diabetes tipo 2 e os fatores relacionados com o trabalho e o ambiente (Adu et al., 2019; Umeda et al., 2020). Torna-se ainda pertinente referir que, num dos estudos verificou-se que quase dois terços dos indivíduos com diabetes tipo 1 acharam difícil seguir o tratamento recomendado (Alvarado-Martel et al., 2019).
Os facilitadores à adesão ao tratamento são essencialmente, a acessibilidade, os fatores ambientais, os hábitos comportamentais, os fatores individuais, a vontade de prevenir o desenvolvimento de complicações e o uso de dispositivos tecnológicos (Adu et al., 2019; Sarpooshi et al., 2020).
O que pode ser concluído, a partir desta revisão sistemática da literatura, é que a perceção de obstáculos ao tratamento recomendado nos adultos com diabetes tipo 1 relaciona-se com a autogestão desta doença crónica, ou seja, quando a identificação de barreiras no tratamento é elevada, os níveis de autocuidado geralmente são baixos (Adu et al., 2019; Alvarado-Martel et al., 2019; Raulino, 2015; Umeda et al., 2020).
No que concerne à análise dos estudos, com os mesmos tendo finalidades distintas, utilizando diferentes instrumentos e terminologias, resulta num difícil objetivo a ser alcançado. Assume-se como limitações desta revisão da literatura: (1) As amostras de dois estudos (Adu et al., 2019; Sarpooshi et al., 2020) não serem exclusivamente constituídas por indivíduos com diabetes tipo 1; (2) A amostra num dos estudos (Alvarado-Martel et al., 2019) não incluir somente adultos; (3) Todos os estudos apresentarem um desenho de investigação transversal (e.g. Adu et al., 2019; El-Aal et al., 2019), que não permitem inferir relações de causa e efeito.
A literatura carece de estudos relacionados especificamente com os obstáculos e/ou os facilitadores à adesão ao regime terapêutico na diabetes tipo 1, sobretudo em populações adultas (APDP, 2021; OND, 2016). Deste modo, enfatiza-se a necessidade de uma maior produção científica acerca desta temática, dado revelar-se pertinente perceber de que forma os obstáculos percecionados pelos adultos no tratamento da diabetes tipo 1 influenciam os níveis de autocuidado. Do nosso ponto de vista, seria também importante a realização de mais estudos sobre os facilitadores à adesão ao tratamento, nomeadamente sobre o impacto do desenvolvimento tecnológico no regime terapêutico desta patologia.
Com tudo isto, de acordo com a revisão sistemática da literatura efetuada, na diabetes tipo 1, é fundamental uma integração da doença na vida dos indivíduos com este diagnóstico, ou seja, estes não devem viver em função da diabetes, mas sim integrarem a gestão da mesma na sua vida. Para tal, a incidência deve-se sobretudo na promoção do autocuidado, na boa gestão da diabetes e na adesão ao regime terapêutico, alcançando assim os níveis glicémicos necessários e, por conseguinte, a diminuição do risco de complicações futuras.
Contribuição dos autores
Telma Rodrigues: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Validação; Visualização; Redação do rascunho original.
Isabel Silva: Concetualização; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Validação; Visualização; Redação - revisão e edição.