Os casos iniciais de COVID-19 tiveram origem em Wuhan, em território chinês. Após a identificação e isolamento do patógeno, este foi denominado COVID-19 e, a 11 de Março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou o surto como uma pandemia (OMS, 2020). Segundo a literatura, o impacto psicológico da COVID-19 está relacionado com sintomatologia, leve a grave, de depressão (Mazza et al., 2020).
O rápido contágio por COVID-19 em todo o mundo conduziu a severas consequências, nomeadamente para a população idosa. De facto, os idosos foram confrontados com efeitos negativos da pandemia num grau desproporcionalmente maior quando em comparação com outros grupos etários. Destes efeitos destacam-se o agravamento de complicações de saúde já existentes, maiores índices de mortalidade, bem como disrupções aos níveis das rotinas diárias, acesso a cuidados de saúde e dificuldade na adaptação a novas tecnologias (Lee et al., 2019; von Humboldt et al, 2022a; von Humboldt et al, 2022b). Os dados relativos a estudos preliminares acerca da resposta emocional à pandemia na China e Itália sugerem que a COVID-19 e as consequências dos períodos de confinamento, podem culminar num impacto psicológico negativo, com consequências na saúde e bem-estar dos indivíduos afetados (Cao et al., 2020; 2020; Wang et al., 2020).
Segundo outros estudos, o distanciamento social pode colocar a população idosa em maior risco de desenvolver depressão (Santini et al., 2020). Vários estudos conduzidos em situações de catástrofe natural poderão ter um papel preponderante. Dentro destes estudos destacam-se, por exemplo, os relativos aos efeitos dos desastres naturais em amostras de idosos. A análise desses resultados reportou a existência de uma correlação entre o declínio das funções cognitivas e o contexto no qual a catástrofe decorreu (Hikichi et al., 2016). associado a uma maior vulnerabilidade psicológica (Rafiey et al., 2016).
Paralelamente, estes estudos destacam como a socialização e a participação social são cruciais para que exista uma diminuição do risco de declínio cognitivo e para que ocorra uma diminuição efetiva do bem-estar após a ocorrência de uma calamidade (Hikichi et al., 2017; von Humboldt, et al, 2014). Considerando-se estas investigações, bem como a necessidade de outros estudos tendo por foco a população idosa em contexto da pandemia COVID-19, é importante aprofundar-se o conhecimento associado a estas problemáticas. Surge assim a necessidade do estudo da realidade concreta da população idosa em Portugal em contexto pandémico e qual o impacto psicológico sentido por esta sentido.
Método
Participantes
Para este estudo utilizou-se a uma amostra não-aleatória de conveniência, composta 10 participantes, tendo estes uma média de idades de 68 anos (DP= 5,203). Dos 10 sujeitos da amostra, 7 eram do sexo feminino (70%) e 3 eram do sexo masculino (30%). Os dados recolhidos destes participantes foram obtidos em contexto clínico e após o seu consentimento informado.
Material
Escala de Ansiedade, Depressão e Stress (EADS-21; Pais-Ribeiro et al., 2004). A EADS-21 é composta por um questionário de autoavaliação com 21 itens. A escala foi elaborada por Lovibond e Lovibond (Lovibond & Lovibond, 1995) e mais tarde foi adaptada à população portuguesa. por Pais Ribeiro e colaboradores. De acordo com Pais- Ribeiro (2004), a avaliação de cada individuo pode ser efetuada tendo em conta o número total de sintomas experienciados durante uma semana (ou seja, a semana anterior à aplicação da EADS-21). A EADS-21 é constituída por uma escala de Likert, com 4 opções variando entre 0 (não se aplicou a mim) e 3 (aplicou-se a mim a maior parte das vezes). O instrumento seria cotado mediante a soma dos sete itens correspondentes a cada subescala, devendo posteriormente ser multiplicados por dois. (Pais-Ribeiro et al., 2004). Em relação à consistência Interna, a versão original da EADS-21 reporta um valor de 0,81 na subescala da depressão. Paralelamente, a escala apresenta um valor de 0.83 na subescala de ansiedade, bem como um valor de 0,81 para a subescala de stress (Apóstolo et al., 2006). Por seu lado, a versão portuguesa da EADS-21 apresenta para a subescala da depressão um alfa de Cronbach de 0,85, bem como valores de 0,74 e 0,81 para as subescalas de ansiedade e stress (Pais-Ribeiro et al., 2004).
Escala de Impacto de um Evento Revista (IES-R; Weiss & Marmar, 1997). Este instrumento é composto por um total de 22 itens, tendo por objetivo principal de aferir o impacto psicológico sentido por um individuo após experienciar acontecimentos relativos a situações de catástrofe natural ou crise de saúde pública (Pinto-Gouveia, 2011). De acordo com Wang et al. (2020), a IES-R é utilizada quando se pretende realizar uma avaliação do impacto psicológico experienciado por sujeitos num determinado contexto pandémico. Segundo Creamer et al. (2003), a escala apresenta, no seu total, um valor de alfa de Cronbach de 0,96. Para a subescala de intrusão, o alfa de Cronbach reportado foi de 0,94. Paralelamente, para a subescala de evitamento o alfa de Cronbach registado foi de 0,87 e para a subescala de hipervigilância obteve-se o valor de 0,91.
Procedimento
Para a análise estatística dos dados obtidos recorreu-se à Regressão Linear. Após aprovação do projeto pelo ISPA, os dados foram obtidos entre Março e Abril de 2022, tendo os participantes sido recrutados em contexto clínico. Foi-lhes sido requerido o seu consentimento informado antes da sua participação no estudo. O passo seguinte passou pelos responderem a dois instrumentos, sendo a analise dos resultados feito recorrendo-se ao software SPSS v. 27.0 (SPSS Inc., Chicago, USA). Foram então efetuadas Regressões Lineares para se comparar a subescala Depressão da EADS-21 com as subescalas da IES-R, de modo a se aferir a relação do impacto psicológico da COVID- 19 com os níveis de depressão sentidos pelos idosos da amostra.
Resultados
Foi efetuada uma Regressão Linear para se compararem a subescala Depressão (da EADS-21) e a subescala Evitamento (da IES-R). Como reportado no Quadro 1, existe uma relação significativa fraca entre as duas subescalas (β=,868, t(8)=4,953; p=,001).
De seguida foi realizada outra Regressão Linear, desta vez utilizando-se a subescala Depressão da EADS-21 e a subescala Intrusão da IES-R. Como se pode verificar no Quadro 2, existe uma relação significativa entre as variáveis (β=,854, t(8)=4,640; p=,002).
Por fim realizou-se outra Regressão Linear, utilizando-se novamente a subescala Depressão da EADS-21 e desta vez comparando-a com a subescala Hipervigilância da IES-R. Constatou-se então uma relação significativa entre as duas variáveis, como ilustrado no Quadro 3 (β=,833, t(8)=4,254; p=,003).
Discussão
Este estudo preliminar pretendeu investigar a relação entre o impacto psicológico experienciado por uma amostra de idosos portugueses e a sintomatologia associada a depressão. A literatura reporta que investigações envolvendo o impacto psicológico sentido pelos indivíduos idosos, em contexto pandémico, são escassas. Posto isto, existem poucos dados que permitem a comparação direta entre os dados obtidos pela presente investigação e os encontrados na literatura. Os resultados obtidos na presente investigação revelam, contudo, significância estatística entre os níveis de depressão dos sujeitos idosos em amostra e as subescalas evitamento, intrusão e hipervigilância. De facto, a intrusão, a hipervigilância e o evitamento, são caraterizadas como três das características primordiais da resposta traumática em situações de catástrofe natural ou pandemia (Cunha et al., 2017). Deste modo, os resultados obtidos na presente investigação corroboram outros estudos preliminares que reportaram a existência de um maior risco de depressão em sujeitos idosos, quando comparados com outros grupos etários mais jovens.
Numa investigação realizada com a população portuguesa, Gaspar (2021) refere que os principais sintomas que sofreram um agravamento (em mais de 10% dos participantes em estudo) em contexto de pandemia COVID-19 foram insónias, depressão, ansiedade, burnout, cefaleias e fadiga (Gaspar et al., 2021). Paralelamente, investigações anteriores sobre a resposta psicológica em situações pandémicas (como por exemplo o impacto pandémico de SARS), revelam que a resposta de um sujeito a uma situação de pandemia/catástrofe pode variar bastante (Maunder et al., 2003). Por outro lado, a literatura alerta para o impacto prejudicial que a COVID-19 pode ter na saúde mental nos diferentes grupos etários (Wang et al, 2020). Numa outra investigação recolhida no início da pandemia COVID-19, Robb et al. (2020), verificaram que eram os idosos mais jovens que demostravam um maior risco de manifestação e agravamento de sintomatologia depressiva. Contudo, apesar desta aparente resiliência, a maioria dos idosos em estudo referiu preocupações em relação às suas condições físicas e financeiras, a médio e longo prazo, bem como no acesso a cuidados de saúde adequados (Hamm et al., 2020). No entanto, um outro estudo reporta conclusões contrastantes. Esse estudo, conduzido por Tian e colaboradores (2020), utilizou uma amostra da população chinesa e constatou que o aumentar da idade dos indivíduos estava correlacionada com o maior risco de desenvolver depressão (Tian et al., 2020).
De facto, embora a maioria das investigações atuais indicarem que os efeitos da COVID-19 na saúde mental podem ser atenuados pelo factor idade, esses mesmo estudos também demonstram que investigações com amostras de grupos etários de idades mais avançadas são pouco frequentes ou, quando existem, geralmente não consideram alguns factores de risco que podem afetar com maior incidência os sujeitos idosos (como é o caso do isolamento social e da solidão). Deste modo, para uma resposta adequada às novas exigências da situação pandêmica, torna-se necessária mais investigação, recorrendo a maiores amostras, para, deste modo, se possam adequar estratégias de prevenção adequadas e elaborar planos de intervenção que visem garantir o bem-estar psicológico desta população-alvo.
Contribuição dos autores
Filipe Jesus: Contribuição: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Software, Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Sofia von Humboldt: Contribuição: Concetualização; Análise formal; Investigação; Supervisão, Redação - revisão e edição.