A exposição a fatores de risco psicossociais (RPS) e a sua consequente gestão são preocupações crescentes na Europa (Guadix et al., 2015; Organização Internacional do Trabalho, 2021) devido quer aos seus impactos, quer ao seu enquadramento legal - europeu e nacional e suas consequências (Leka et al., 2011; Morgado et al., 2019; Organização Internacional do Trabalho, 2021). Apesar da publicação da Diretiva Europeia 89/391/EEC, tornar obrigatória a gestão dos riscos psicossociais e do stress laboral, assim como de todos os riscos laborais, a sua transposição para a prática tem sido lenta, gradual, e encarada de forma individualizada e não integrada pela grande maioria das organizações. De uma forma genérica esta diretiva introduz medidas regulatórios destinadas a melhorar a saúde e segurança das pessoas no trabalho, definindo paralelamente as obrigações das entidades patronais e dos trabalhadores para reduzir acidentes de trabalho e doenças profissionais (Comunidade Económica Europeia, 1989). O presente trabalho tem como principal objetivo a apresentação e discussão de uma metodologia de gestão, avaliação e promoção da saúde no trabalho baseado na gestão de riscos psicossociais alicerçado na prática e em modelos de gestão baseados em referenciais normativos.
Os fatores relacionados com a segurança e saúde no trabalho (SST) requerem abordagens sistémicas, sistemáticas e consistentes a diversos níveis, nomeadamente ao nível organizacional onde se incluem os sistemas de gestão de segurança e saúde no trabalho (SGSST). O sistema internacional de normalização tem contribuído para o reforço da abordagem aos SGSST com a publicação de documentos de base, como sejam a ISO 45001 (ISO, 2019) no respeitante à definição do sistema de gestão, ou a ISO 45003 (ISO, 2021) na apresentação de linhas orientadores para a gestão de RPS, que se apresentam como normas complementares no âmbito específico dos SGSST e que se podem aliar às normas mais “clássicas” de gestão de sistemas da qualidade genéricos, como seja a ISO 9001 (ISO, 2015) ou a ISO 17025. A implementação destes referenciais normativos permite o acesso a certificação reconhecida internacionalmente e com critérios claros e transparentes. Apesar da aplicação destes referenciais ser voluntária, a sua transposição para a prática organizacional dá robustez à gestão fornecendo indicadores e dados de relevo para o aumento da produtividade, para a melhoria das condições de trabalho em geral e da saúde e do bem-estar dos colaboradores, em particular. Em última análise, contribuindo também para sociedades mais justas e inclusivas com organizações promotoras de trabalho decente.
A definição do SGSST
A definição, desenho e aplicação de um SGSST baseado na ISO 45001 (ISO, 2019) pressupõem a passagem à prática do ciclo de Deming, também conhecido como ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act) (Figura 1), permitindo uma abordagem integrada, sistemática, e iterativa aos sistemas de gestão com o objetivo geral da melhoria contínua nos processos identificados. O ciclo PDCA deverá ser aplicado ao SGSST, e a cada um dos seus elementos individuais (ISO, 2019):
Planear: determinar e apreciar os riscos para a SST (incluindo os riscos psicossociais), as oportunidades para a SST e outros riscos e outras oportunidades, estabelecer os objetivos da SST e os processos necessários para fornecer resultados concordantes com a política da SST da organização;
Executar: implementar os processos como planeado;
Verificar: monitorizar e medir as atividades e os processos face à política da SST e aos objetivos da SST, e reportar os resultados;
Atuar: empreender ações para a melhoria contínua do desempenho da SST de modo a atingir os resultados pretendidos.
A inclusão da apreciação dos riscos psicossociais (RPS) nos SGSST é facilitada pelas diretrizes fornecidas na ISO 45003, que se versa exclusivamente nesta tipologia de riscos. Existem vantagens e potenciais benefícios para as organizações e para os seus trabalhadores e outras partes interessadas quando se implementa um SGSST (e.g. ISO 45001 integrando a ISO 45003) como sejam, aumento da produtividade; redução de custos devido a paragens, perdas de produção ou defeitos; redução dos custos com seguros; redução dos dias de trabalho perdidos; redução do número de acidentes de trabalho; aumento do bem-estar; a promoção da saúde física e mental; entre vários outros (Campallia et al., 2019; Darabont et al., 2017; ISO, 2019, 2021; Morgado et al., 2019; Purwanto et al., 2020).
A definição do procedimento de gestão de riscos psicossociais
Não obstante a existência de abordagens para a definição do SGSST (ISO, 2019) e linhas orientadoras para a apreciação de RPS (ISO, 2021) comuns, cada organização deverá definir o seu procedimento individualizado e a transposição para a prática destas linhas orientadoras, tendo em conta o seu ecossistema e a sua realidade particular. A definição do procedimento deverá englobar a definição da metodologia a seguir para a identificação de perigos e apreciação de riscos associados às atividades, produtos e/ou serviços da organização, bem como a definição de medidas e objetivos de melhoria decorrentes dessa apreciação (Figura 2 e Figura 3).
Para os RPS identificados no SGSST, à semelhança do que deverá acontecer aos riscos de outras naturezas, terá que ser definida uma metodologia complementar que permita atribuir um nível de risco individualizado aliado à necessidade de intervenção e à urgência da mesma. Permitindo assim às organizações priorizarem as intervenções identificadas, seguindo:
Classificação do risco psicossocial quanto ao nível de deficiência - definição de critérios de aceitação e atribuição de níveis de deficiência, como por exemplo uma escala contínua variando - aceitável, insuficiente, deficiente, muito deficiente e deficiência total. Sendo importante a definição dos critérios de inclusão em cada uma das categorizações;
Classificação dos RPS identificados quanto ao nível de exposição - esporádico, pouco frequente, ocasional, frequente, continuada/rotina. No caso específico dos RPS, o nível de exposição per si não traduz o nível de risco. Nos casos considerados graves (como sejam o assédio, violência física ou psicológica, discriminação) o nível de exposição deverá ser considerado o máximo;
Classificação do risco quanto ao nível de probabilidade de ocorrência;
Classificação do risco quanto ao nível de severidade;
Determinação do nível de risco global para cada RPS identificado;
De acordo com o resultado ponderado alcançado, o nível e a necessidade das intervenções podem mudar e serem mais urgentes, ver o exemplo da tabela da Figura 3.
Fatores de sucesso na implementação de um SGSST
O desenho, implementação e manutenção de um SGSST deverá incluir obrigatoriamente os RPS, a sua eficácia e a sua capacidade para atingir os resultados pretendidos dependem de diversos fatores (ISO, 2021; ISO, 2019; Morgado et al., 2019; Organização Internacional do Trabalho, 2021), nomeadamente:
compromisso da liderança, responsabilidades e responsabilização da gestão de topo;
cultura da organização;
processos e comunicação;
consulta das partes interessadas (incluindo os trabalhadores e as suas expectativas);
alocação de recursos;
identificação de profissionais com as competências adequadas à definição e operacionalização das metodologias no terreno - e.g. RPS - psicólogos, riscos relacionados com a atividade - ergonomistas, entre outros;
recurso a equipas multidisciplinares que permitam a gestão integrada de riscos de natureza diversa, e.g. riscos psicossociais, riscos relacionados com a atividade, riscos químicos, entre outros;
definição de políticas alinhadas com os objetivos estratégicos e visão da organização;
definição de metodologias de suporte aos processos de identificação de perigos, controlo de riscos;
maximização de oportunidades;
acompanhamento, avaliação e monitorização de forma continua do SGSST;
definição de responsabilidades tendo em conta os processos identificados no SGSST;
integração da apreciação e gestão de RPS nas práticas diárias da organização;
cumprimento de requisitos legais;
transposição de boas-práticas;
definição e gestão de indicadores e outputs do SGSST;
incluir nas metodologias a utilização de instrumentos validados para a população em estudo (e.g. validação de instrumentos para a população Portuguesa COPSOQ III - versão média (Cotrim, et al., 2022);
incluir instrumentos que permitam o acesso a dados de referência para a população - e.g. COPSOQ III - versão média (Cotrim, et al., 2022) via Observatório Português de Fatores de Risco Psicossocial ;
utilização de ferramentas que respondam às expectativas e perfis dos trabalhadores;
atender às especificidades organizacionais e de contexto.
Apesar da temática da apreciação de riscos psicossociais em posto de trabalho já não ser recente, as renovadas dinâmicas laborais, legislativas, sociais, económicas e tecnológicas requerem abordagens integradas e diferenciadoras que permitam não só reduzir acidentes de trabalho e doenças profissionais, mas também promover locais de trabalho mais saudáveis e promotores de bem-estar. O recurso a metodologias e referenciais internacionais, permitem uma abordagem com reconhecimento internacional e transposição facilitada para os locais de trabalho, permitido integrar os SGSST com outros sistemas de gestão existentes, fornecendo indicadores e baseado em resultados com vista à melhoria contínua e sustentada.
Este trabalho chama a atenção para a necessidade das empresas/organizações, independentemente da sua natureza, forma ou tamanho repensarem os seus processos e procedimentos incluindo a gestão de RPS por forma estes processos serem de valor acrescentado para quer para as empresas quer para os trabalhadores
Contribuição dos autores
Cláudia Fernandes: Concetualização; Análise formal; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição
Teresa Cotrim: Concetualização; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Visualização; Redação - revisão e edição
Anabela Pereira: Concetualização; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Visualização; Redação - revisão e edição