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Psicologia, Saúde & Doenças

versão impressa ISSN 1645-0086

Psic., Saúde & Doenças vol.23 no.3 Lisboa dez. 2022  Epub 31-Dez-2022

https://doi.org/10.15309/22psd230313 

Artigos

Memória, aprendizagem e queixas neuropsiquiátricas

Memory, learning and neuropsychiatric symptoms

Camila Ferreira-Locateli1 
http://orcid.org/0000-0002-3038-8670

Tiara Matte-Machado1 
http://orcid.org/0000-0003-1668-5860

Nohane Miller1 
http://orcid.org/0000-0002-3173-5750

Rebecca Majzoub2 
http://orcid.org/0000-0003-0135-0494

Lucas de Paula2 
http://orcid.org/0000-0002-2259-5012

Ana Paula de Pereira1 
http://orcid.org/0000-0002-3779-6976

Daniele Nascimento2 

Sérgio Antoniuk3 
http://orcid.org/0000-0002-0678-3339

1 Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, caferreiradesouza@gmail.com, timachado1003@gmail.com, nohanemiller@gmail.com, anapaula_depereira@yahoo.com

2 Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, psi.rebeccamilazzo@gmail.com, lucas.regeta@gmail.com, danielepsi@yahoo.com.br

3 Pós-Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil, antoniuk@uol.com.br


Resumo

Um centro de neuropediatria de hospital universitário do Paraná frequentemente encaminha crianças e adolescentes em idade escolar com queixas recorrentes de transtornos de aprendizagem, de comportamento e neuropsiquiátricos para atendimento e avaliação neuropsicológica. A literatura indica que crianças com queixas de dificuldade de aprendizagem apresentam baixo desempenho em testes de memória. O objetivo do presente estudo foi descrever o perfil mnemônico de uma amostra constituída por 31 participantes e avaliar a relação entre aprendizagem e memória, desempenho escolar e sintomas neuropsiquiátricos. O método descritivo correlacional retrospectivo documental foi utilizado. O estudo demonstrou alta prevalência de prejuízos no desempenho escolar, somadas a alto índice de prejuízos na memória visual de curto prazo. A memória verbal de curto e longo prazo revelaram correlações positivas significativas com o desempenho escolar, principalmente com as habilidades de aritmética. A aprendizagem através da repetição oral da informação indica que a maioria da amostra se beneficiaria dessa prática de ensino. Conclui-se a importância da avaliação da memória e aprendizagem, pelo potencial de esclarecer profissionais da saúde quanto a terapêutica mais adequada, bem como educadores a respeito das melhores estratégias de aprendizagem.

Palavras-chave: Aprendizagem; Memória; Pediatria; Transtornos neuropsiquiátricos; Desempenho escolar

Abstract

A neuropediatric center of a university hospital in Paraná frequently refers school-aged children and adolescents with recurrent complaints of learning, behavioral and neuropsychiatric disorders for neuropsychological care and assessment. The literature indicates that children with learning disability complaints have low performance on memory tests. The aim of the present study was to describe the mnemonic profile of a sample consisting of 31 participants and evaluate the relationship between learning and memory, school performance, and neuropsychiatric symptoms. The descriptive correlational, retrospective and documentary method was used. The study showed a high prevalence of impairments in school performance, coupled with a high rate of impairments in visual short-term memory. Verbal short-term and long-term memory showed significant positive correlations with school performance, especially with arithmetic skills. Learning through oral repetition of the information indicates that most of the sample would benefit from this teaching practice. We conclude the importance of memory and learning assessment for its potential to clarify health professionals regarding the most appropriate therapy, as well as educators regarding the best learning strategies.

Keywords: Learning; Memory; Children; Neuropsychiatric Disorders; Academic achievement

Um centro de neuropediatria na cidade de Curitiba é referência em atendimento multidisciplinar no estado do Paraná/Brasil, ao atender o público do Sistema Único de Saúde (SUS) e ao exercer sua função como hospital-escola, a equipe conta com profissionais em diversas áreas, estagiários, residentes e pesquisadores. Um dos serviços prestados diz respeito à especialidade da neuropsicologia, o qual examina o funcionamento cerebral através da avaliação neuropsicológica, de crianças entre 6 a 18 anos encaminhadas pelos ambulatórios que compõem o centro de neuropediatria: ambulatório de epilepsia, transtorno do espectro autista, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), psiquiatria, entre outros.

A partir do acompanhamento das atividades realizadas neste centro, notou-se que crianças em idade escolar e adolescentes, frequentemente são encaminhadas pela escola ou tutores com queixas de mal comportamento, dificuldade escolar e por possível diagnóstico psiquiátrico. Tal observação levantou a necessidade de realizar esta pesquisa documental, com objetivo de descrever o perfil mnemônico de crianças e adolescentes com queixas neuropsiquiátricas encaminhadas ao serviço de neuropsicologia, a fim de buscar compreender a relação entre aprendizagem, memória e desempenho escolar neste grupo.

O ato de aprender é compreendido como possível através do conceito de plasticidade cerebral que consiste na capacidade do encéfalo de adaptar-se a modificações funcionais e anatômicas (Siqueira & Gurgel-Gianetti, 2010). A neuroplasticidade é modulada tanto por fatores intrínsecos ao indivíduo (genética), quanto por fatores extrínsecos (ambiente) (Rotta et al., 2016). Aprender, portanto, depende tanto do aparato orgânico quanto do ambiente social em que a criança está inserida.

A memória é um processo neuropsicológico composto por múltiplos sistemas que interagem entre si, e simultaneamente, para apoiar o comportamento (Martins et al., 2018). Segundo Baddeley (2011) a memória possui três qualidades primordiais: a capacidade de codificar a informação que adentra no sistema nervoso, a competência de armazenar a informação no tecido cerebral e a perícia em evocar a informação e manifestá-la como comportamento ou pensamento. No ambiente escolar o estudante é constantemente requisitado a recordar-se de modo voluntário, sendo a memória “direta” a primeira a ser formada e acessada (memória episódica) e ao longo do tempo, a memória se transforma em memória semântica (Glozman, 2014) que é a recordação dos fatos sem conexão direta com o evento da aprendizagem.

A memória declarativa tem como uma de suas especificidades a possibilidade de retomar a informação de maneira consciente de fatos e acontecimentos. Ela se desenvolve de maneira rápida nos dois ou três primeiros anos de vida, pois tanto a melhora na capacidade atencional quanto o desenvolvimento da linguagem junto com a aquisição de conhecimento, ocorre de maneira ascendente através da interação com o meio, evoluindo rapidamente nesses anos (Eysenck, 2011). Nos anos subsequentes da infância, a memória declarativa continua em maturação até idade adulta (Martins et al., 2018).

Como parte constituinte da memória declarativa pode-se classificar vários subtipos de memória, como a memória episódica, que é fundamental para aprendizagem e se refere a capacidade de recordar eventos específicos, ou seja, que ocorreram em determinado momento e lugar (Baddeley, 2011). Tal memória é subdividida de acordo com seu conteúdo e modalidade sensorial utilizada, verbal e visuoespacial. Através dela recordamos uma lista de coisas, uma situação vivenciada no dia anterior, como também uma foto que nos foi apresentada em dado momento.

Para Gil (2017) aprendizagem é sinônimo de memória, descrevendo-a como uma aptidão que possibilita a lembrança e gera no ser humano a capacidade de se perceber no presente como produto de sua história se projetando em um futuro. Para Siqueira e Gurgel-Gianetti (2010), o processo de aprendizagem é um fenômeno interacional que integra diversas funções do sistema nervoso, auxiliando na melhor adaptação do indivíduo ao meio. O processamento das informações depende de habilidades atencionais, mnésicas, linguísticas e comportamentais. Segundo as autoras, para a aquisição de novas habilidades a atenção promove papel essencial, ao filtrar as informações relevantes do meio e a manutenção do foco da informação desejada. A memória operacional faz o papel de conectar as informações novas às aprendidas, seleciona, analisa, associa, sintetiza e resgata as informações consolidadas.

A dificuldade de aprendizagem seria um sintoma amplo, pois pode ter diferentes causas, as quais segundo Rotta et al. (2016), podem ser originadas na escola e na família com dificuldades em oferecer condições adequadas para o sucesso do estudante. Os distúrbios psicológicos ligados a motivação e baixa autoestima também estão dentre as possibilidades causais do fenômeno, bem como o seu inverso. A educação formal tem grande importância e valor sociocultural no mundo moderno. O bom desempenho escolar pode ser um indicativo de um futuro sucesso do indivíduo no meio social. Segundo Siqueira e Gurgel-Giannetti (2010) quando se observa que o processo de aprendizagem escolar está aquém do esperado para determinada idade e escolaridade, os fatores envolvidos podem ser de origem neurobiológica, educacional, parental, socioeconômica e emocional. Segundo as autoras, as maiores causas de dificuldade em desempenho escolar podem ser pedagógicas relacionadas, por exemplo, ao processo de ensino e às condições socioculturais desfavoráveis ou, ainda, provenientes de transtornos específicos de aprendizagem.

Crianças têm sido encaminhadas aos serviços médicos e psicológicos, geralmente pela própria escola, pelas dificuldades de aprendizagem apresentadas no início da alfabetização, entretanto, grande parte dessas dificuldades são superadas com o amadurecimento das funções cognitivas (Lima et al., 2006). Por outro lado, crianças acompanhadas por meio de atendimento neurológico e psiquiátrico devido à determinada condição de saúde, como por exemplo, Transtornos de Humor ou Epilepsia, diversas vezes apresentam queixas relacionadas à memória, à dificuldade de aprendizagem, à atenção, à hiperatividade, além de sintomas de humor e prejuízos em sua autonomia e funcionalidade. Os centros de neuropediatria recebem vários pacientes com hipóteses diagnósticas que envolvem transtornos específicos de aprendizagem. O diálogo entre aprendizagem, memória, desempenho escolar e humor é necessário para aumentar o entendimento dos fenômenos envolvidos e aumentar a eficácia da intervenção neuropsicológica e esforços psicopedagógicos das equipes.

Zanni et al. (2010) descrevem as crianças com epilepsia como um possível grupo educacional vulnerável, devido aos fatores de risco como dificuldades escolares que variam de acordo com o tipo e severidade da epilepsia, a idade de início das crises e o estigma e a conotação psicossocial negativa dessa condição de saúde. Westerveld (2010) também ressalta que os educadores possuem a tendência em classificar os estudantes com epilepsia como menos capazes ao saberem do histórico de epilepsia, mesmo quando não há diferença em seu nível de desempenho acadêmico. Pouco se sabe sobre padrões específicos de desempenho acadêmico em crianças com epilepsia, ou sobre como esses padrões se encaixam nos modelos de dificuldades de aprendizagem (Westerveld, 2007). Brabcová et al., (2015) afirmam que crianças com epilepsia e dificuldade de aprendizagem possuem menor qualidade de vida. Em um estudo a respeito do funcionamento adaptativo de crianças com epilepsia e problemas de aprendizagem há evidências de que essa população apresenta escores funcionais relativamente baixos e problemas neuropsicológicos e de saúde mental substanciais (Buelow et al., 2012).

Outro diagnóstico comumente encontrado no presente ambulatório é o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que se caracteriza por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere na funcionalidade e na rotina da criança (American Psychiatric Association, 2014). Crianças com diagnóstico de desatenção podem apresentar problemas cognitivos de atenção, função executiva e memória, que se revelam no rendimento escolar insatisfatório, como consequências das alterações cognitivas observadas e a partir do feedback do meio (APA, 2014; Zuanetti et al., 2018).

Lima et al. (2006) em um serviço de neurologia de Campinas, encontraram que 46% da queixa dos pais na anamnese é relacionada à aprendizagem e 18,9% à memória e atenção. Neste estudo, o sexo masculino evidenciou ser mais prevalente nas dificuldades de aprendizagem e no diagnóstico de TDAH. Outro estudo nacional mostrou que 55% das crianças em idade escolar, no 1o ciclo do Ensino Fundamental apresentam desempenho inferior na língua portuguesa e na matemática (Paterlini, 2019). Dentre as condições mais prevalentes que se sobressaíram no grupo, o TDAH foi um dos transtornos que superou o número de crianças com transtornos específicos de aprendizagem.

Transtornos de aprendizagem são caracterizados por dificuldades específicas, e significativamente abaixo do esperado para faixa etária e nível de escolarização, apesar da criança apresentar nível cognitivo preservado, sem alterações motoras/sensoriais, ajuste emocional adequado e aceitável nível socioeconômico e cultural. São três os tipos primários de transtornos de aprendizagem: transtorno da leitura, transtorno da matemática e transtorno da expressão escrita (Rotta et al.,2016).

Outras queixas neuropsiquiátricas encontradas com regularidade nos centros de atendimento neuropediátricos, são de comportamento agressivo, ansiedade, medo e comportamento tímido. Tais questões frequentemente são relacionadas à dificuldade do desempenho escolar. Um estudo realizado na clínica escola do Instituto de Psicologia da USP, caracterizou a população infantil atendida na clínica escola e obteve como queixa mais frequente o baixo desempenho escolar, que à época do estudo, representava 41,2% das crianças atendidas no Instituto (Moura et al., 2008). Ademais estudos afirmam que frequentemente crianças com dificuldades escolares apresentam sintomas depressivos, ansiedade, estresse e outras queixas comportamentais (Cruvinel & Boruchovitch, 2003; Enumo et al., 2006; Pereira et al., 2019; Rodrigues et al., 2016).

As perguntas norteadoras deste trabalho envolveram o questionamento da existência da relação entre a memória episódica, aprendizagem e desempenho escolar, bem como qual era a relação entre sintomatologia que indicaria um transtorno neuropsiquiátrico comparado à função de aprendizagem e memória.

Método

Esta pesquisa foi realizada por meio de um estudo descritivo correlacional retrospectivo documental que investiga o perfil cognitivo proveniente de avaliação neuropsicológica de crianças e adolescentes encaminhadas por centro de neuropediatria. A análise enfocou o funcionamento mnemônico visual e verbal, a aprendizagem, o desempenho escolar e os transtornos neuropsiquiátricos documentados nos prontuários clínicos e protocolos de avaliação neuropsicológica.

Participantes

A amostra foi constituída por protocolos de crianças em idade escolar e adolescentes encaminhados pelo Centro de Neuropediatria de um Hospital Universitário através do Sistema Único de Saúde (SUS) para o Laboratório de Neuropsicologia da Universidade Federal do Paraná que realizou a avaliação neuropsicológica entre os anos de 2014 a 2016. Foram identificados 115 prontuários de atendimentos realizados neste período.

Critérios de inclusão: constar em seu prontuário, instrumentos neuropsicológicos que permitiram estudar as variáveis em questão (nível de cognição geral, aprendizagem e memória, desempenho escolar e sintomas neuropsiquiátricos).

Critério de exclusão: prontuários com a avaliação do nível intelectual realizadas por meio do instrumento WISC III, uma vez que foi substituído por uma nova edição, o WISC IV. Ressalta-se que as avaliações neuropsicológicas foram realizadas num período de transição, quando a 3a edição do teste podia ser utilizada, mesmo com a 4a edição já validada pelo Conselho Federal de Psicologia brasileiro.

Material

Os instrumentos utilizados foram selecionados do protocolo geral de avaliação cognitiva do Laboratório de Neuropsicologia da UFPR. A seguir são apresentados cada instrumento escolhido com uma breve descrição de suas funções e características.

Escala Wechsler de Inteligência para Crianças - 4a Edição (WISC-IV) é um instrumento clínico de administração individual que tem como objetivo avaliar a capacidade intelectual das crianças e o processo de resolução de problemas (Wechsler, 2013).

Teste da Figura Complexa de Rey-Osterrieth, permite avaliar as habilidades de organização visuo-espacial, planejamento e desenvolvimento de estratégias, bem como avaliar a memória visual (Mäder & Jamus, 2005; Oliveira & Rigoni, 2010);

Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey (RAVLT) é um instrumento que avalia a memória recente, a aprendizagem, a suscetibilidade à interferência de elementos distratores, a retenção de informações após outras atividades e a memória de reconhecimento (Malloy-Diniz, Fuentes, Abrantes, Lasmar & Salgado, 2009). Para a análise da capacidade de aprendizagem foram utilizados os dados do escore da Aprendizagem ao Longo das Tentativas (ALT), calculado pela fórmula: [Total de A1 a A5 - (5xA1)] (Malloy-Diniz et al., 2018).

Teste de Desempenho Escolar (TDE) é um instrumento de avaliação das competências acadêmicas do avaliando em relação à habilidade de leitura, escrita e aritmética. Ao final do teste, os resultados são classificados de acordo com os escores brutos de cada subteste, de forma que possa indicar quais áreas acadêmicas o examinando encontra-se em defasagem. A faixa etária abrange a avaliação de escolares da 1a série à 5a série do Ensino Fundamental, conforme nomenclatura adotada pelo sistema de ensino brasileiro, à época de edição do teste (Stein, 1994).

Inventário dos Comportamentos de Crianças e Adolescentes de 6 a 18 anos (CBCL), composto por questões respondidas pelos pais e/ou tutores. A versão CBCL/ 6-18 é composta por 138 questões, sendo 20 para avaliar a competência social da criança e do adolescente, e 118 itens para avaliar seus problemas de comportamento. É também solicitado aos pais que quantifiquem as atividades da criança, seu envolvimento em interações sociais e desempenho escolar (Achenbach & Rescorla, 2001).

No CBCL há a escala de problemas internalizantes, a qual é a soma dos escores dos problemas emocionais ou de comportamento classificados como ansiedade/ depressão, queixas somáticas, isolamento/ depressão. Também contém a escala de problemas externalizantes, expressa pela soma dos escores dos comportamentos classificados como desrespeito às regras, agressividade, problemas sociais, de pensamento e de atenção. E a escala de problemas totais, a qual é a soma de todos os itens internalizantes e externalizantes.

Os escores dos itens de problemas indicados pelo inventário apresenta perfis apontando a situação do avaliando dentro das síndromes de problemas comportamentais. O nome das síndromes descreve os tipos de problemas que cada um engloba. É possível, ainda, avaliar os dados e descrever os problemas de comportamento a partir dos transtornos delimitados pelo Manual Diagnóstico de Transtornos Mentais (Mota, 2015).

Procedimento

Os procedimentos foram divididos em quatro fases. A primeira fase consistiu na separação dos prontuários quanto aos critérios de inclusão e exclusão. A seleção dos participantes da pesquisa foi realizada a partir da análise dos materiais de avaliação arquivados. O estudo iniciou com o levantamento dos instrumentos utilizados nas avaliações, bem como a organização dos protocolos por ano de realização da avaliação.

Na segunda fase, foram conferidos os resultados das avaliações neuropsicológicas por meio de uma nova pontuação para garantir a fidedignidade dos dados coletados. Os resultados obtidos pelo participante foram registrados em folha de rosto, documentando cada protocolo. Os dados de identificação foram substituídos por um código numérico, de forma que a identificação do paciente fosse preservada.

A terceira fase consistiu na tabulação dos dados e análise de quais casos eram passíveis de serem incluídos no estudo. Foi construído um banco de dados, com o registro dos resultados obtidos por 115 prontuários em cada instrumento de avaliação. O protocolo de avaliação neuropsicológica do Laboratório de Neuropsicologia, contempla uma ampla bateria de testes selecionados para avaliar o perfil neuropsicológico dos pacientes. Os resultados de todos os testes administrados foram registrados no banco de dados. Aplicados os critérios de exclusão, foram selecionados um total de 31 prontuários que continham resultados completos para Escala Wechsler de Inteligência para Crianças - WISC-IV (Wechsler, 2013), Teste de Desempenho Escolar (Stein, 1994), Figuras Complexas de Rey (Oliveira & Rigoni, 2010), Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey - RAVLT (Malloy-Diniz et al., 2010) e Inventário dos Comportamentos de Crianças e Adolescentes de 6 a 18 anos - CBCL (Achenbach, 2001).

Os dados foram analisados e interpretados utilizando-se os valores brutos dos resultados dos instrumentos de avaliação em cada prontuário. Estes foram convertidos em escore z, com o objetivo de realizar a análise dos dados a partir da comparação dos desempenhos da amostra estudada em relação à média do grupo normativo. O cálculo do escore z converteu os valores brutos em escalas que indicavam quantos desvios padrão o avaliando se afastava da média. Foi adotado como ponto de corte os seguintes escores (Zimmermann et al., 2016): igual ou menor que -1,0 a -1,49, como alertas para déficit e igual ou menor que -1,5, como sugestão de déficit.

Os escores brutos dos participantes no CBCL, foram convertidos em escore T após inserção dos dados dos participantes no programa Assessment Data Manager, software central do CBCL.

A análise inferencial do estudo iniciou com a utilização do Teste Shapiro Wilk para verificação da distribuição de todos os dados coletados. A identificação e análise das associações entre os diferentes tipos de memória, o desempenho dos participantes no TDE e os sintomas neuropsiquiátricos foi realizada por meio dos testes de probabilidade, coeficiente de Pearson, quando os dados apresentaram distribuição normal, e coeficiente de Spearman, quando não satisfazia os parâmetros de normalidade. Para estimar a probabilidade de encontrar o padrão de resultados obtidos pelo grupo amostral na população estudada, foi calculado o valor p de cada correlação estabelecida entre as variáveis. O nível de significância estatística fixado para as análises estabeleceu o valor crítico de p ≤ 0,05.

Resultados

Dos 31 protocolos de avaliação elegíveis, 81% dos pacientes foram do sexo masculino. A faixa etária da amostra variou entre 9 e 16 anos, com média de 12 anos (148 meses) e desvio padrão igual a 2 anos (24 meses). A maior parte das crianças e adolescentes foram encaminhadas com queixas de dificuldade de aprendizagem (51%), seguido por epilepsia (26%) e TDAH (26%). A variável “outros” do quadro 2 refere-se crianças com prevalência igual a 3,22% da amostra com hipótese de Asperger, histórico de prematuridade, síndrome de Poland, psoríase, uso de drogas, fenótipo sindrômico, sofrimento cerebral difuso com predomínio do hemisfério direito.

O Quadro 1 descreve os dados demográficos da amostra. Pode-se destacar que 77% da amostra estudava em escola Pública. A média para anos de escolaridade é de 6 anos com desvio padrão de 1,6. Do total de crianças, 64% apresentaram histórico de reprovação.

Quadro 1 Dados demográficos 

Nota. N=31. CEEBJA - Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos.

Como apresenta o Quadro 2, as medicações ritalina (26%), risperidona (26%), carbomazepina (19%) e depakene (10%) foram as medicações mais utilizadas. Na amostra, 26% dos pacientes não usavam nenhuma medicação e a maioria utilizava mais de uma medicação combinada. O item “outros” é composto por medicações que apareceram apenas uma vez na amostra, as quais foram quetiapina, polifarmácia, fenitoina, fluoxetinam, alezina, zangos, amplexitil, carbolítio, imipramina, frísio, ácido valpróico.

Características neuropsicológicas da amostra

As médias, medianas e desvios-padrão dos escores obtidos pelo grupo amostral nos testes são apresentados abaixo, no quadro 3, bem como os percentuais dos que se encontram na faixa clínica.

A média do nível intelectual geral da amostra foi de 88,96 (DP=7,28), classificado nas normativas da Escala Wechsler de Inteligência (WISC-IV) como médio inferior, dentro do nível cognitivo global preservado. Entretanto, no índice composto de memória operacional do WISC-IV, aproximadamente um terço da amostra revelou desempenho deficitário neste quesito, sendo que 32,2% ficaram abaixo da média no subteste Dígitos e 25,8% no subteste Aritmética.

No Teste da Figura Complexa de Rey-Osterrieth, o qual avalia a memória visual de curto prazo, o desempenho do grupo revelou que 48,4%, quase metade da amostra, apresentou dificuldade neste domínio cognitivo. A média alcançada foi de 12,5 pontos (DP=7,8), quando o esperado, de acordo com o grupo normativo, é uma média de 20 (DP=3,5) a 21,2 pontos (DP=3,6) para a faixa etária de 9 anos a 15 anos, respectivamente.

Quadro 2 Queixas principais e medicações utilizadas 

Nota. % percentual de n em comparação com N(31). As medicações utilizadas podem ser mais de uma por pessoa.

Quadro 3 Perfil mnemônico, nível intelectual e habilidades acadêmicas 

Nota. WISC IV/ Escala Wechsler de Inteligência para Crianças; QIT - Coeficiente intelectual total; IMO - Índice de Memória Operacional; Fig. Rey - Teste das Figuras Complexas de Rey; RAVLT - Teste de Aprendizagem Auditivo Verbal de Rey; A6, CP - Memória verbal de Curto Prazo; A7, LP - Memória verbal de Longo prazo; ALT - Índice de capacidade de aprendizagem; TDE - Teste de Desempenho Escolar.

No RAVLT, teste que avalia a memória episódica verbal e a capacidade de aprendizagem, o desempenho da amostra revelou que 35,5% têm dificuldade para armazenar e evocar informações verbais por curto período de tempo (ver no quadro linha A6/CP). Em relação a memória verbal de longo prazo, 32,3% dos participantes apresentaram dificuldade em armazenar e evocar as informações passadas verbalmente (ver no quadro linha A7/LP). Quanto ao índice de aprendizagem auditivo-verbal (ver no quadro linha ALT/Aprendizagem), que indica a capacidade do avaliado de aprender um conteúdo quando é exposto a ele repetidas vezes, 19,4% da amostra demonstrou dificuldade na retenção de conteúdos auditivo-verbais, em contraste aos 80,6% que se beneficiaram da repetição verbal da informação para aprender.

No escore total do Teste de Desempenho Escolar, 74,2% dos participantes apresentaram escores brutos abaixo do esperado para a sua idade. No subteste de Escrita, 83,9% dos participantes obtiveram escores abaixo do previsto para sua idade, sendo a prevalência de 54,8% no subteste de Leitura e 74,2% no subteste de aritmética.

O desempenho da amostra nos testes e instrumentos utilizados nesta pesquisa, revelam um perfil mnemônico que caracteriza dificuldades no desempenho escolar dos participantes. A seguir, são apresentados dados que caracterizam o perfil neuropsiquiátrico do grupo aqui estudado e, na sequência, a análise dos dados para verificar a relação entre o perfil mnemônico, o desempenho acadêmico e os sintomas neuropsiquiátricos.

Perfil Neuropsiquiátrico

Os escores brutos do Inventário dos Comportamentos de Crianças e Adolescentes de 6 a 18 anos (CBCL) foram convertidos em escore T para cada fator clínico e representa o percentil 98 do grupo normativo. Por isso, escores T ≥ 70 são considerados indicativos de comprometimento clínico. A partir dos escores obtidos nas escalas a criança (ou adolescente) pode ser incluída ou não na faixa clínica.

O Quadro 4 aponta que 21% da amostra apresentou indicativo de comprometimento clínico na escala de problemas internalizantes e 28% de problemas externalizantes. Trinta e cinco porcento da amostra (35%) encontrou-se na faixa clínica quando considerado o escore de problemas totais. Quanto aos perfis de problemas orientados pelo DSM, 35,7% da amostra apresentou problemas afetivos e TDAH e 28,6% apresentavam problemas de ansiedade, de conduta e transtorno opositor desafiante.

As médias e os desvios padrão indicam que, dentre os escores típicos da amostra nos problemas de comportamento internalizantes, a menor média foi 59,6 (DP=8,8) e a maior de 65,2 (DP=10,8) sendo queixas somáticas e isolamento / depressão, respectivamente. Nos problemas externalizantes as médias e desvios padrão estão entre 60,9 (DP=7,4) e 64,5 (DP=13,5), sendo o comportamento de desrespeitar regras a menor média alcançada pela amostra e comportamento agressivo a média maior.

Análise Inferencial

Na memória verbal de curto prazo foi encontrada correlação significativa e positiva com os escores do subteste aritmética (p=0,016; coeficiente de correlação de Pearson), evidenciando que quanto maior o escore de memória verbal, maior o desempenho nas habilidades aritméticas.

O cálculo do coeficiente de correlação entre memória verbal de longo prazo e o subteste aritmética revelou significância estatística, considerando-se o valor de p= 0,008 (Coeficiente de Pearson) no subteste de aritmética; e no escore Total do TDE considerando-se o valor de p= 0,038 (Coeficiente de Spearman). Na medida em que os escores brutos da variável memória verbal de longo prazo são maiores, o desempenho no subteste de aritmética e no escore total aumentam.

Quadro 4 Caracterização do perfil comportamental e de competências dos escores do instrumento CBCL do grupo amostral (n=28). 

Nota. CBCL = Child Behavior Checklist; DP = desvio padrão; Mín = mínimo; Máx = máximo * Faixa clínica = escores T > 70; * Faixa Clínica

Quadro 5 Coeficiente de correlação entre as variáveis memória, problemas neuropsiquiátricos, desempenho escolar 

Nota. M Vi / CP = Memória Episódica Visual de Curto prazo CP; M Ve / CP = Memória Episódica Verbal de Curto Prazo; M Ve / LP = Memória Episódica Verbal de Longo Prazo; P N / PT = Problemas Neuropsiquiátricos / Problemas Totais; *Correlações calculadas pelo coeficiente de Pearson (dados com curva de distribuição normal); **Correlações calculadas pelo coeficiente de Spearman); Nível de significância estabelecido: valor de p <0,05.

Quanto a memória visual de curto prazo, não foram encontradas associações significativas com os desempenhos dos participantes nos subtestes, nem no escore total do TDE. A quadro 5 apresenta as associações entre as variáveis estudadas e os valores de p.

A respeito dos problemas neuropsiquiátricos, não foram encontradas correlações estatisticamente significativas ao relacionarmos os desempenhos na memória verbal (de curto e longo prazo), memória visual e aprendizagem com os escores obtidos no CBCL. Abaixo, o quadro 6 apresenta os dados de cada correlação e valor de p.

Quadro 6 Coeficiente de correlação entre as variáveis: memória, aprendizagem, problemas neuropsiquiátricos 

Nota. M Vi / CP = Memória Episódica Visual de Curto prazo CP; M Ve / CP = Memória Episódica Verbal de Curto Prazo; M Ve / LP = Memória Episódica Verbal de Longo Prazo; A/ ALT = Aprendizagem ao Longo das Tentativas; * Correlações calculadas pelo coeficiente de Pearson (dados com curva de distribuição normal); **Correlações calculadas pelo coeficiente de Spearman); Nível de significância estabelecido: valor de p <0,05.

Discussão

O objetivo da presente pesquisa foi compreender a relação entre aprendizagem, memória, verbal e visual, desempenho escolar e sintomas neuropsiquiátricos em crianças acompanhadas em serviço de neuropediatria.

A maioria das crianças e adolescentes da amostra eram acompanhadas pela neuropediatria devido à queixa de dificuldade de aprendizagem. Encontrou-se um número maior de participantes do sexo masculino, este achado encontrou consonância com a proporção apresentada no DSM-V (2014) que descreve o transtorno específico da aprendizagem como caracterizado por dificuldades persistentes para aprender habilidades acadêmicas e mais comumente relatado em meninos, com proporções que podem variar de 2:1 a 3:1. Notou-se semelhança também em relação ao transtorno de déficit de atenção/hiperatividade, outra queixa apresentada por parte da amostra, que também foi experimentada mais comumente por meninos (DSM-V, 2014).

De acordo com os resultados, 74,2% do grupo amostral evidenciou desempenho abaixo do esperado para sua escolaridade nas habilidades acadêmicas. Especialmente, ao considerar-se a capacidade de escrever palavras isoladas, 83,9% obtiveram desempenho abaixo do esperado. Estes resultados referendam o achado que 64,5% revelaram em seu histórico acadêmico de reprovação escolar. Tais resultados revelaram o baixo desempenho acadêmico da amostra, muito embora, 80,6% do grupo tenha demonstrado capacidade de aprendizagem quando exposto repetidas vezes a um conteúdo auditivo-verbal, capacidade medida pelo cálculo de Aprendizagem ao Longo das Tentativas (ALT). Tal dado, questionou a validade preditiva de ALT do teste RAVLT, uma vez que os resultados sugeriram que ter dificuldades na produção escrita, na leitura e na resolução de problemas aritméticos não teriam relação direta com a incapacidade de codificar, armazenar e evocar conteúdos verbais novos apresentados repetidamente. Tal dado revelou também uma via possível de estimular a aprendizagem escolar dos estudantes, através da oralidade e repetição. Sem deixar de levar em conta que é possível que para alguns, essa não seja a via mais acessível, pois como parte da amostra revelou, 19,4% obtiveram dificuldades de reter conteúdos auditivo-verbais e de se beneficiar com a repetição da informação somente através da oralidade.

Por outro lado, através do RAVLT, encontrou-se que tanto a memória verbal de curto prazo (0,427, p=0,016) quanto a de longo prazo (0,474, p=0,008) evidenciaram correlações significativas com as habilidades em aritmética requisitadas pelo TDE. Tal resultado pôde indicar uma possível relação entre a capacidade de resolver questões aritméticas requisitadas na 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental I e a capacidade de codificar, armazenar e evocar informações auditivo-verbais. Sendo assim, a memória verbal indica possuir importância para o desempenho aritmético. Na amostra 74% revelaram prejuízos tanto nas habilidades aritméticas quanto no desempenho acadêmico geral, percentual muito expressivo quando a média do nível intelectual alcançado pela amostra, médio inferior, não pode atribuir o baixo desempenho escolar à deficiência intelectual. Outro dado encontrado pode também contribuir para o entendimento do fenômeno, 32,2 % da amostra evidenciou prejuízos na memória operacional, avaliada através do WISC-IV. A memória operacional tem sido apontada como uma das funções executivas que comumente está prejudicada nas queixas de dificuldade de aprendizagem e nos diagnósticos de TDAH, pois a memória operacional tem se mostrado crucial para o sucesso em comportamentos complexos, que exigem a atenção, como a aprendizagem escolar (Baddeley, 2011;Gathercole et al., 1994; Prifitera et al., 2016).

Ressalta-se a memória verbal de longo prazo que também revelou correlação significativa com o desempenho escolar geral, avaliado pelo escore total do TDE (0,378, p=0,038). Tal dado demonstra que capacidade verbal de reter informações por um longo período tem relação com o desempenho escolar geral, que inclui as habilidades aritméticas, e as de escrita e leitura de palavras isoladas, estas as quais estão associadas aos domínios cognitivos da linguagem e memória semântica.

A memória visual de curto prazo revelou-se a mais prejudicada, pois 48,4% da amostra evidenciou déficits. Porém o desempenho na memória visual não se correlacionou significativamente com o desempenho escolar total, aritmética, leitura e escrita. Tal dado pode indicar que a memória visual possui menor impacto no tipo de aprendizagem mais valorizada e estimulada em ambiente escolar, a aprendizagem acadêmica em que se predominam conteúdos verbais. Porém tal análise deve ser feita com cautela, sendo necessários mais estudos para compreender as variáveis.

Os resultados desta pesquisa apoiam outros estudos realizados com crianças com dificuldades de memória que apresentam pior desempenho escolar. Um estudo realizado com 166 crianças no Rio Grande do Sul, com o objetivo de investigar as relações entre o perfil neuropsicológico e o desempenho aritmético de alunos do 4º e do 6º ano do Ensino Fundamental, concluiu que crianças com dificuldades aritméticas, tiveram as funções de memória, entre outras funções cognitivas, prejudicadas (Görgen, 2019).

Outra consideração importante a ser feita é sobre o perfil neuropsiquiátrico da amostra, onde mais de um terço encontrou-se na faixa clínica. A literatura aponta que é comum as queixas de dificuldades escolares se apresentarem juntamente com sintomas de humor e ansiedade, além de problemas comportamentais (Cruvinel & Boruchovitch, 2003; Enumo et al., 2006; Pereira et al., 2019; Rodrigues et al., 2016). Embora não tenha sido encontrada significância estatística entre o perfil mnemônico e perfil neuropsiquiátrico no presente estudo, os problemas emocionais ou comportamentais têm sido apontados como capazes de interferir na capacidade de aprendizagem e memória (Baddeley, 2011; Rotta et al., 2016).

Rotta et al. (2016) entendem que a dificuldade na aprendizagem pode ter fatores ligados à escola e à família pois, estas podem apresentar dificuldades em oferecer condições adequadas para o sucesso do estudante. Alinhado estas proposições, um estudo brasileiro realizado entre 2013 e 2015, em um centro de pesquisa e avaliação de crianças com dificuldades e transtornos específicos de aprendizagem, apontou entre diferentes causas do rendimento acadêmico de crianças ser insatisfatório, dificuldades secundárias a fatores socioambientais, como situações sociais graves, como pobreza, fome, ausência de moradia, até inadequações do sistema de ensino e baixo estímulo à educação no ambiente familiar (Costa et al., 2016).

Com achados semelhantes, 64% das crianças e adolescentes da amostra do presente estudo, apresentaram reprovação evidenciando o fracasso escolar, e 77% estudaram em escola pública, a qual tem como desafio oferecer ensino de qualidade com poucos recursos, sobrecarga da equipe docente e baixo índice de escolarização dos pais. Dessa forma, a capacidade mnemônica foi um dos fatores considerados neste estudo para a compreensão do desempenho escolar. O desempenho escolar revelou-se multifatorial e segundo Siqueira e Gurgel-Giannetti (2010), os fatores educacionais, parentais, socioeconômicos e emocionais envolvidos na dificuldade de aprendizagem escolar também devem receber atenção para compreensão do fenômeno.

Ao compararmos os problemas internalizantes e externalizantes neuropsiquiátricos, percebeu-se que 35,7% da amostra obteve maiores escores para problemas externalizantes do comportamento, enquanto 21,4% foram avaliados como internalizantes. Essa maior incidência de problemas externalizantes também foi encontrada em um estudo sobre determinantes sociodemográficos, familiares e individuais dos problemas de comportamento em crianças pré-escolares (Anselmi et al., 2004). Os autores encontraram entre a população clínica, uma proporção de 31,8% de problemas externalizantes, para 15,2% em relação aos internalizantes.

Ao analisarmos as queixas de comportamento apresentados pela amostra, conforme orientação do DSM-V, os problemas que mais se destacam são os afetivos (35,7%) e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (35,7%), seguidos por questões de ansiedade, conduta e Transtorno Opositor Desafiante (28,6%). Existe consenso na literatura que sintomas emocionais e/ou comportamentais interferem na capacidade de aprendizagem do indivíduo. Num estudo desenvolvido na China, com 9.295 estudantes, com idades variando de 6 a 16 anos, o Inventário dos Comportamentos de Crianças e Adolescentes de 6 a 18 anos (CBCL) foi usado para rastrear problemas emocionais, comportamentais e competências sociais dos alunos. Os escores da capacidade social e de aprendizagem em crianças com problemas comportamentais foram significativamente menores do que aqueles que não os apresentam (Yang et al., 2019).

Destaca-se que os prejuízos no desempenho escolar deste estudo não podem ser explicados por presença de rebaixamento intelectual, pois nenhum dos participantes da amostra apresentavam deficiência intelectual, sendo a média de QI do grupo classificada como médio inferior (QI=89; DP=7,3). Os déficits de memória verificados no perfil mnemônico do grupo, somados às queixas emocionais e comportamentais encontrados através do perfil neuropsiquiátrico apontam como variáveis presentes no baixo desempenho acadêmico da amostra.

Em suma, ressalta-se a importância de considerar os fatores neuropsicológicos, pedagógicos e sociais atrelados à aprendizagem escolar, bem como a importância de se diminuir a distância entre saúde e educação, tendo em vista que as crianças e adolescentes que participaram da amostra do estudo, apresentaram prejuízos que revelam que as condições do sistema educacional de ensino não estão sendo suficientes para atender suas necessidades educativas.

Este estudo investigou a relação entre aprendizagem, memória verbal e visuoespacial, desempenho escolar e sintomas neuropsiquiátricos. Os resultados sugeriram alta prevalência de prejuízos no desempenho escolar em crianças e adolescentes com queixas neuropsiquiátricas, somadas a alto índice de prejuízos na memória visual de curto prazo.

A memória verbal de curto e longo prazo revelaram correlações significativas com o desempenho escolar, principalmente com as habilidades de aritmética. Sendo que a aprendizagem através da repetição oral da informação revelou que a maioria dessa população se beneficiaria dessa prática de ensino.

A incidência significativa de prejuízos na memória em crianças em idade escolar e adolescentes atendidas no Centro de Neuropediatria estudado, nos leva a uma confirmação da necessidade real em avaliar esse domínio cognitivo. A avaliação da memória, dentre outros domínios cognitivos, tem potencial de servir como meio de esclarecer profissionais da saúde quanto a terapêutica mais adequada, bem como educadores a respeito das melhores estratégias de aprendizagem para crianças e adolescentes com queixas neuropsiquiátricas.

Recomenda-se a realização de outros estudos, abordando outras funções cognitivas relacionadas às queixas neuropsiquiátricas, no intuito de se estabelecer o perfil cognitivo de cada quadro clínico voltado aos encaminhamentos mais adequados. Sugere-se que novos estudos possam investigar o uso e efeito dos medicamentos utilizados pelo grupo, os quais não foram abordados no presente estudo.

Contribuição dos autores

Camila Ferreira-Locateli: Concetualização, Curadoria dos Dados, Análise Formal, Metodologia, Visualização, Redação - rascunho original, Redação - revisão e edição

Tiara Matte-Machado: Concetualização, Curadoria dos Dados, Análise Formal, Metodologia, Visualização, Redação - rascunho original, Redação - revisão e edição

Nohane Miller: Concetualização, Curadoria dos Dados, Análise Formal, Metodologia, Visualização, Redação - rascunho original, Redação - revisão e edição

Rebecca Majzoub: Curadoria dos Dados

Lucas de Paula: Curadoria dos Dados

Ana Paula de Pereira: Concetualização, Curadoria dos Dados, Análise Formal, Aquisição de financiamento, Metodologia, Administração do Projeto, Supervisão, Validação, Visualização, Redação - rascunho original, Redação - revisão e edição

Daniele Nascimento: Investigação

Sérgio Antoniuk: Investigação

Financiamento

A coleta e a análise de dados deste estudo foram subsidiadas pelas bolsas 1788773 e 88882.381766/2019-01 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior / CAPES.

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Recebido: 06 de Agosto de 2020; Aceito: 22 de Novembro de 2022

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