Estudos mostram alta prevalência de agressão e violência entre adolescentes brasileiros associada a outros fatores de risco, com aumento nos últimos anos (Malta et al., 2019; Pinto et al., 2018; Yang, et al., 2017). Dados de adolescentes da região da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguay e Argentina mostraram uma tendência à regulação parental coercitiva, contribuindo para a manutenção de práticas violentas na adolescência (Priotto et al., 2015). No entanto, pesquisas demonstram uma relação entre os fatores de agressão e violência com empatia reduzida (Campbell-Heider et al., 2009; Silva et al., 2016; Stan & Beldean, 2014).
Um dos comportamentos de risco relacionados à violência na adolescência é a prática de bullying, atuando como vítimas ou agressores-vítimas. O bullying é caracterizado pela violência física ou psicológica em atos sistemáticos de discriminação, intimidação, humilhação ou isolamento social consciente e premeditado (Pigozi & Machado, 2015). A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta o bullying como um problema de saúde pública (WHO, 2016) e, no Brasil, a prevalência de eventos de bullying é de 28% segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) (Brasil, 2016; Silva et al., 2019).
Os adolescentes que sofrem bullying geralmente apresentam déficits nas habilidades sociais e relacionais, timidez e alguma ansiedade social. Além disso, os agressores-vítimas, que também apresentam esses déficits, apresentam pouca capacidade de resolução de problemas, demonstram comportamentos impulsivos e agressivos, além de falta de empatia (Leme et al., 2016; Silva et al., 2017).
Entretanto, Del Prette e Del Prette (2014) apresentam a empatia como uma capacidade de identificar sentimentos e problemas do outro, expressar compreensão e apoio, dividindo esse construto em frequência e dificuldade. A frequência refere-se ao número de vezes que o adolescente expressa o comportamento e a dificuldade está relacionada a ansiedade ou ao medo de expressar esse comportamento. O risco no repertório de empatia é considerado quando a frequência é baixa e a dificuldade é alta, exigindo treinamento em programas de habilidades sociais ou intervenção de um profissional de Psicologia (Del Prette & Del Prette, 2014).
Em uma revisão sistemática que teve como objetivo investigar a relação entre empatia e bullying na adolescência, os resultados mostraram que o bullying se correlacionou negativamente com os componentes cognitivo e emocional da empatia. Os achados desta revisão reforçam a ideia de que são necessárias intervenções que contemplem o desenvolvimento da empatia para adolescentes, uma vez que adolescentes empáticos tendem a praticar menos bullying e atos de violência, porém em níveis menos significativos, sugerindo que intervenções em habilidades sociais com adolescentes aumentariam eficácia se integrassem a escola e a formação parental (van Noorden et al., 2014).
No que diz respeito à regulação parental, esta pode atuar como fator de proteção contra comportamentos violentos quando os adolescentes percebem que os pais são abertos ao diálogo e à expressão emocional e dignos de confiança (de Looze et al., 2018). Uma dimensão importante da relação entre pais e filhos que atua como fator de proteção é o conhecimento dos pais sobre as atividades dos filhos, caracterizando-o como um monitoramento positivo (Jiménez-Iglesias et al., 2012). O conhecimento dos pais sobre as atividades dos adolescentes é mais importante nesta fase do desenvolvimento, uma vez que a supervisão parental é reduzida, enquanto aumentam os comportamentos de risco, que podem mesmo aparecer na relação com os pares.
Compreendendo que a regulação parental no contexto do acompanhamento positivo e o desenvolvimento da empatia podem atuar como fatores protetores contra comportamentos violentos na adolescência, a hipótese do estudo foi de que adolescentes que apresentam alta condição de violência apresentariam menos empatia. Portanto, o objetivo do presente estudo foi analisar a associação entre empatia, regulação parental e violência em adolescentes.
Método
Participantes
A média de idade dos adolescentes foi 16,5 anos (DPD= 0,80), subdivididos em 1˚ano (M = 15,6; DP = 0,78), 2˚ ano (M= 16,1; DP = 0,63) e 3˚ ano (M = 16,9; DP = 0,33) do Ensino Médio e Técnico de escolas publicas em 2016.
O processo de amostragem foi realizado em dois estágios, o primeiro foi denominado Unidade Primária de Análise (UPA), considerou 281 classes presenciais (clusters), nove clusters por escola e 9.720 adolescentes e a Unidade Secundária de Análise (EUA) considerou, uma média de 291 adolescentes por escola. Para obter uma amostra homogênea, esta foi realizada em dois momentos, as turmas de turmas (n=40), a partir de uma amostra probabilística por conglomerados, e uma amostra aleatória simples para adolescentes (n=743), em uma amostra específica para cada grupo. classe, de acordo com a representatividade das salas. Um intervalo amostral foi estipulado por uma quantidade inicial sorteada e, na sequência, a seleção da sequência no conglomerado foi baseada no número acumulado de adolescentes. Uma quota de substituição de 25% da amostra foi estabelecida para adolescentes que não participaram da pesquisa. A amostra final resultou em 722 adolescentes, com base nas faltas e desistências dos adolescentes.
Material
Foram incluídas no estudo variáveis de caracterização sociodemográfica, regulação parental, agressão física na família, envolvimento em brigas, automutilação, vítima e autor de bullying e sentimento de solidão. Todas as variáveis foram recodificadas em sim (1) e não (0) para a variável em questão. Para avaliar a empatia, os indicadores de frequência e dificuldade foram classificados em alto e baixo de acordo com o estudo de Corrêa et al., 2021.
Para coleta de dados foi utilizado o instrumento da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), versão 2015 (Brasil, 2016) foi usado. A PeNSE caracteriza-se como um estudo populacional realizado a cada quatro anos desde 2009, com adolescentes de escolas públicas e privadas do Brasil, com o objetivo de monitorar indicadores de saúde do adolescente. O questionário é estruturado, auto aplicado e apresenta 105 questões que abordam fatores sociodemográficos, fatores de risco e proteção na saúde do adolescente (Oliveira et al., 2017).
A avaliação da empatia foi realizada por meio do Inventário de Habilidades Sociais para Adolescentes (IHSA-Del Prette) (Del Prette & Del Prette, 2014). O inventário avalia o repertório de Habilidades Sociais de adolescentes, caracteriza-se como um instrumento de autorrelato, que contém 38 questões, utilizando uma escala Likert de cinco pontos para frequência e dificuldade. As respostas das alternativas são convertidas em percentis e, a seguir, são calculados os escores de empatia, autocontrole, civilidade, assertividade, abordagem afetiva, desenvoltura social e habilidades sociais totais, de acordo com o manual (Del Prette & Del Prette, 2014). O indicador de empatia possui índice de consistência interna de 0,82 para frequência e 0,86 para dificuldade (Del Prette & Del Prette, 2014).
A interpretação do escore de empatia considera os seguintes valores percentuais para frequência: 76-100, repertório altamente elaborado de habilidades sociais; 66-75, repertório elaborado de habilidades sociais; 36-65, bom repertório de habilidades sociais; 26-35, repertório médio inferior de habilidades sociais; e 01-25 repertório de habilidades sociais abaixo da média. Para dificuldade, são considerados os seguintes valores percentuais: 66-100, alta dificuldade em habilidades sociais; 36-65, dificuldade média em habilidades sociais; e 01-35, baixa dificuldade em habilidades sociais. O risco no repertório de empatia é considerado quando o escore de frequência é baixo e o escore de dificuldade é alto, exigindo treinamento em programas de habilidades sociais ou a intervenção de um profissional de Psicologia (Del Prette & Del Prette, 2014; Sardinha et al., 2018).
Procedimento
Estudo de coorte transversal desenvolvido com adolescentes de escolas públicas do município de Foz do Iguaçu, Brasil. A região faz fronteira com Paraguai e Argentina. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa e utilizou o protocolo Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology - STROBE. A coleta de dados foi precedida do consentimento das instituições, pais ou responsáveis e participantes, respeitando-se a participação voluntária e anônima.
Análise de dados
Para as variáveis foi utilizada estatística descritiva, calculando-se os percentuais. O teste qui-quadrado foi utilizado para analisar a relação entre a empatia e as variáveis do estudo. A análise da influência das variáveis independentes na empatia foi realizada por meio da Regressão logística binomial, utilizando o método “ENTER”. O programa SPSS versão 27 foi utilizado para o processamento dos dados. O nível de significância foi estabelecido em p<0,05.
Resultados
O Quadro 1 apresenta a caracterização sociodemográfica dos participantes. No total, os adolescentes da região de fronteira apresentaram alta frequência e dificuldade de empatia (64,3% e 63,2%). Mais da metade dos participantes relatou ter sido vítima de bullying no último mês, 56,1%. Os meninos apresentaram menos regulação parental (7,6% vs 3,6%, p=0,016), maior envolvimento em brigas (21,3% vs 8,4%, p=<0,001), maior automutilação (29, 3% vs 16,8%, p=0,001) e maior autoria de bullying (21,6% vs 10,7%, p=<0,001) do que as meninas. As meninas apresentaram maior agressão física na família (12,7% vs 7,9%, p=0,038) e maior sentimento de solidão (80,5% vs 61,9%, p=0,001) do que os meninos.
Os Quadros 2 e 3 apresentam os resultados das análises bivariadas. Para as meninas, a redução da frequência de empatia esteve relacionada à ausência de regulação parental e envolvimento em brigas, porém, ter sido vítima de bullying no último mês esteve relacionada ao aumento da frequência de empatia. O aumento da dificuldade de empatia dos meninos esteve relacionado à agressão física na família e ter sido vítima de bullying no último mês. Para as meninas, o aumento da dificuldade de empatia esteve relacionado à falta de regulação parental e ao fato de ter sido vítima e autor de bullying no último mês.
O Quadro 4 apresenta os resultados da análise de Regressão logística binomial. A análise foi baseada em dois modelos ajustados, em que 4% de frequência (χ2 (9)=22,235, p=0,008, Nagelkerke R2=0,034) e 5% de dificuldade (χ2(9)=26,052, p=0,002, Nagelkerke R2=0,042) na variância da empatia foi explicada pelos indicadores do modelo. Nesse modelo, a condição de ter menor frequência de empatia teve relação positiva com a variável regulação parental (a ausência de regulação parental aumenta em 1,63 vezes a chance de estar neste grupo). O modelo mostra um aumento da dificuldade de empatia na relação positiva com as variáveis vítima de bullying (aumento da vitimização por bullying aumenta em 1,58 vezes a chance de estar neste grupo) e agressão física na família (aumento da agressão física na família), aumenta a chance de estar neste grupo em 1,74 vezes).
Discussão
O estudo demonstra associação entre empatia, regulação parental e violência entre adolescentes da região de fronteira, os resultados são corroborados por outros estudos (Del Rey et al., 2016; Estévez et al., 2016). Entre os adolescentes, a maioria apresentou bom repertório em empatia. Outros estudos identificaram uma predominância de alta frequência de empatia por adolescentes que não estavam envolvidos em comportamento violento, especialmente para meninas (Li et al., 2015; Silva et al., 2018; van Noorden et al., 2014). A dificuldade relatada pelos adolescentes suscita a necessidade de intervenções que abordem esse aspecto, principalmente no ambiente escolar.
Em relação ao aumento da dificuldade de empatia pelos meninos, foram identificados os fatores agressão física na família e automutilação, enquanto para as meninas a relação ocorreu entre o aumento da dificuldade de empatia e a ausência de regulação parental. Em um estudo com dados do Health Behavior in School Age Children (HBSC), os mesmos fatores de diferença de gênero foram identificados para a empatia (Carvalho et al., 2019), com uma associação principalmente para meninas (Kokkinos & Kipritsi, 2018).
Houve diferença estatisticamente significativa entre os gêneros para os indicadores do estudo, como regulação parental, envolvimento em brigas, automutilação e bullying, com os meninos apresentando maior risco. Estudos nacionais e internacionais também identificaram maior risco de comportamento violento para os meninos, demonstrando uma tendência crescente nos últimos anos (Gaspar et al., 2019; Pinto et al., 2018; Silva et al., 2019).
Por outro lado, em relação à violência física na família, identificou-se maior prevalência para meninas, confirmado por estudo nacional (Malta, et al., 2019). As meninas apresentaram relação entre a vitimização por bullying e o aumento da frequência de empatia, nesse sentido estudos têm destacado que a empatia não apresenta fortes evidências como fator de proteção para violência na adolescência, porém outras pesquisas têm mostrado essa relação para meninos (Li et al., 2015).
Os prejuízos advindos da regulação parental coercitiva ou da ausência dela, por meio de exigências excessivas, negligência e agressão física aos filhos são amplamente relatados na literatura (de Looze et al., 2018; Jiménez-Iglesias et al., 2017; Priotto et al., 2015). Isso não pode ser confundido, no entanto, com práticas e limites saudáveis de monitoramento. A regulação parental não coercitiva, estilo que engloba a prática do acompanhamento parental e o conhecimento das atividades dos filhos, é vista como um fator de proteção (Rueger et al., 2016).
A investigação de aspectos das interações entre pais e filhos na adolescência torna-se importante porque esta fase, apesar dos muitos riscos ao desenvolvimento, também oferece muitas oportunidades. Em um estudo longitudinal que investigou como a regulação parental influenciava os comportamentos violentos, verificou-se que ela protegia os adolescentes de atos de violência, mas apenas em díades familiares em que os adolescentes percebiam o apoio e a regulação dos pais (Micalizzi et al., 2019), o que corrobora os dados deste estudo.
A regulação parental correlacionou-se negativamente com a empatia, ou seja, quanto menos regulação, maior a dificuldade em ser empático na relação com os pares, além disso, quanto maior a agressão no ambiente familiar, maiores as práticas de bullying e maior a dificuldade em empatia. Considerando que a adolescência é o período de maior expansão social, buscando a identificação com os pares, os adolescentes engajados em práticas violentas reduzem seu círculo social, o que acarreta prejuízos ao desenvolvimento saudável dessa área (Deniz & Ersoy, 2015).
A literatura aponta que as práticas de violência na adolescência, especificamente o bullying, têm os meninos como agressores, enquanto as meninas tendem a assumir o papel de vítimas dessa violência (Carvalho et al., 2019; Kokkinos & Kipritsi, 2018). Em um estudo com 301 adolescentes gregos que buscava avaliar as relações entre empatia e bullying, os meninos que tinham maior dificuldade em demonstrar empatia relataram maior envolvimento em práticas de bullying (Kokkinos & Kipritsi, 2018). Na presente amostra, os meninos relataram praticar mais bullying do que as meninas e isso se correlacionou com maior dificuldade em demonstrar empatia e maior percepção de agressão na família, o que corrobora a literatura e aponta a necessidade de intervenções que contemplem aspectos culturais e sociais. gênero em relação ao desenvolvimento de comportamentos violentos (Carvalho et al., 2019).
Portanto, com base nos dados encontrados neste estudo sobre a dificuldade dos adolescentes com o exercício da empatia e sua associação com práticas de bullying, mais intervenções são necessárias para promover a saúde desse público-alvo. Numa intervenção com 78 adolescentes vítimas de bullying, que teve como foco o desenvolvimento das competências sociais de autocontrolo, expressividade emocional, empatia, assertividade, civilidade e resolução de problemas, observou-se que foi eficaz na redução da vitimização e aumento do repertório de habilidades sociais por um ano após sua ocorrência (Silva et al., 2018).
Além de intervenções voltadas para o desenvolvimento da empatia para reduzir comportamentos violentos, as associações encontradas entre a falta de regulação parental e maiores índices de bullying também apontam para a necessidade de intervenções com famílias e cuidadores (Priotto et al., 2015).
Entende-se que, embora a adolescência seja a fase em que os pares exercem maior influência ao longo do ciclo vital, uma boa relação entre pais e filhos ainda é fundamental para um desenvolvimento saudável e menores comportamentos de risco. Auxiliar os pais no desenvolvimento da regulação parental, além da capacidade de empatia em si, pode contribuir para um desenvolvimento mais saudável dos adolescentes.
Finalmente, este estudo confirma o impacto da regulação parental e da violência no desenvolvimento da empatia em adolescentes e destaca a importância de desenvolver intervenções no desenvolvimento da empatia juntamente com a educação e a saúde pública em uma região de fronteira.
Limitações
A pesquisa foi realizada com uma amostra representativa da população, por meio de uma metodologia estruturada, facilitando o planejamento e execução de programas para a população adolescente da região de fronteira. No entanto, como a pesquisa foi realizada por meio de um questionário autorreferido, isso pode ter sofrido algum viés nas respostas dos adolescentes. Além disso, por ser um estudo transversal, não permitiu uma relação de causa e efeito entre as variáveis. O estudo abordou apenas a empatia dentro de um conjunto de indicadores de habilidades sociais.
Contribuição dos autores
Rafael Corrêa: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Aquisição de financiamento; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Software; Redação do rascunho original.
Isabela Rebessi: Concetualização; Redação - revisão e edição.
Susana Gaspar: Curadoria dos dados; Análise formal.
Carmem Neufeld: Redação - revisão e edição.
Margarida Gaspar de Matos: Curadoria dos dados; Análise formal; Software; Supervisão; Validação; Visualização; Redação - revisão e edição.
Ana Almeida: Concetualização; Curadoria dos dados; Aquisição de financiamento; Metodologia; Administração do projeto; Recursos; Supervisão; Validação; Visualização; Redação - revisão e edição.