As mudanças no estilo de vida do ser humano na sociedade atual tem provocado diversas situações de pressão e exigências no seu dia a dia, seja no ambiente de trabalho, em casa, ou até mesmo nas relações interpessoais, deixando-o debilitado e mais vulnerável ao estado de estresse (Silva & Salles, 2016). Alguns autores conceituam a palavra estresse como uma reação do organismo a situações de tensão, que produzem mudanças no comportamento físico e no estado emocional do indivíduo (Cestari et al., 2017). O estresse persistente, chamado também de Síndrome de Burnout (SB) ou esgotamento profissional, é caracterizado como uma desordem dos estados físicos, psíquicos e comportamentais, através de sintomas como cefaleia, distúrbios do sono, dores musculares, baixa autoestima, desânimo, irritabilidade, agressividade, entre outros sintomas (Lopes & Guimarães, 2016; Medeiros et al., 2018).
De acordo com a literatura, profissionais que estabelecem um contato mais próximo a outras pessoas estão mais sujeitos ao desenvolvimento do estresse no ambiente de trabalho e consequentemente a SB (Koga et al., 2015; Leonelli et al., 2017). Por outro lado, os estudantes também podem apresentar a SB durante o processo acadêmico, devido as exigências estabelecidas pelas universidades (Lopes & Guimarães, 2016).
Nos últimos anos, pesquisadores começaram a investigar essa síndrome entre os estudantes universitários, ampliando seu conceito além do campo profissional. Desse modo, a SB passou a ser compreendida entre estudantes através da avaliação de três dimensões que são a Exaustão Emocional, relacionada às obrigações do estudo; Descrença, identificada através de atitudes pessimistas no âmbito dos estudos e Baixa Eficácia Profissional, caracterizada pela sensação de ineficácia como estudante (Lopes & Guimarães, 2016; Medeiros et al., 2018; Tomaschewski-Barlem et al., 2014). Entende-se que durante a vida acadêmica os estudantes universitários são constantemente submetidos a situações de estresse (Pagnin et al., 2014), como provas, trabalhos, estágios, cobranças individuais, da família e até mesmo da sociedade para que eles tenham um excelente desempenho (Lameu et al., 2016; Tomaschewski-Barlem et al., 2014). Todos esses fatores podem produzir respostas de medo e ansiedade, capazes de gerar consequências negativas na qualidade de vida, nas relações sociais e principalmente no desenvolvimento das atividades acadêmicas (Cestari et al., 2017; Medeiros et al., 2018; Moretti & Hübner, 2017).
Embora, todos os estudantes universitários possam estar expostos as situações de estresse, ansiedade ou depressão, tem-se observado que esses quadros são mais frequentes em alunos da área da saúde. E essas condições, estão relacionadas às características inerentes desses cursos, como a grade curricular extensa, atividades práticas que exigem muito estudo, tempo escasso, além do contato com pacientes graves, e o sofrimento do outro (Ávila et al., 2018; Medeiros et al., 2018).
É importante destacar que o estresse além de afetar a saúde do estudante, pode interferir no seu estilo de vida. E alguns aspectos podem ser desenvolvidos devido a isso, como hábitos alimentares inadequados, aumento do consumo de álcool, tabaco, café, e descuido com a prática de atividade física (Ávila et al., 2018; Medeiros et al., 2018). Dessa forma, o ambiente que deveria contribuir como base para as experiências de formação profissional pode se tornar o desencadeador de distúrbios psicológicos (Cestari et al., 2017). Além disso, pode refletir de forma negativa no desenvolvimento acadêmico e formação profissional do indivíduo (Padovani et al., 2014).
Nos cenários nacional e internacional, estudos apontaram uma prevalência significativa da SB em estudantes da área da saúde variando entre 14,9 a 67,1%. Essas pesquisas, identificaram vários fatores presentes no processo de formação desses estudantes que podem contribuir para o desenvolvimento da exaustão emocional, descrença e baixa eficácia profissional (Almalki, et al., 2017; Almeida et al., 2016; Boni et al., 2018; Youssef, 2016).
Na atualidade, pesquisas que abordem o estresse em acadêmicos dos diferentes cursos da área da saúde, além de medicina ainda são escassas, tanto no cenário nacional quanto internacional. Dessa forma, este estudo teve como objetivo analisar a prevalência da Síndrome de Burnout em acadêmicos dos cursos da área da saúde em uma instituição privada no norte de Minas Gerais.
Método
Trata-se de uma pesquisa com abordagem quantitativa, transversal e analítica, realizado com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa Faculdades Unidas do Norte de Minas - FUNORTE, com o parecer consubstanciado nº 2.428.669. Todos os participantes da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Participantes
A população alvo foi constituída de 704 estudantes da área de saúde, que cursavam Enfermagem, Psicologia, Farmácia, Fisioterapia, numa instituição privada em um município do Norte de Minas Gerais. O tamanho da amostra foi calculado visando estimar parâmetros populacionais com prevalência de 0,50, com intervalo de 95% de confiança e nível de precisão de 5,0%. Os cálculos evidenciaram a necessidade de participação de 249 universitários. Como critérios de inclusão foram aceitar a colaborar com a pesquisa de forma voluntária e estarem matriculados no curso, possuírem idade acima de 18 anos e frequentarem o curso. Foram excluídos os alunos que estavam afastados por licença médica ou por trancamento do curso.
Instrumentos e Coleta de dados
A coleta de dados foi realizada no ano de 2018 pelos pesquisadores. O convite para participação do estudo foi feito em sala de aula pelos próprios pesquisadores, sendo entregue o Termo de Consentimento Livre Esclarecido. O questionário foi distribuído entre os participantes e recolhido no dia seguinte na instituição de ensino.
Na coleta foi utilizado um questionário que avaliou as características sociodemográficas como sexo, idade, período e turno das aulas. O estresse foi avaliado por meio do instrumento MBI-SS - Maslach Burnout Inventory Student Survey deMaroco e Tecedeiro do ano de 2009, para estudantes universitários (Marôco & Tecedeiro, 2009).
Esse instrumento é composto de 15 perguntas que se subdividem em três dimensões: Exaustão Emocional (5 itens); Despersonalização (4 itens) e Realização Pessoal (6 itens). Todos os itens são avaliados pela frequência, variando de 0 a 6, sendo 0 (nunca), 1 (uma vez ao ano ou menos), 2 (uma vez ao mês ou menos), 3 (algumas vezes ao mês), 4 (uma vez por semana), 5 (algumas vezes por semana) e 6 (todos os dias). Médias elevadas em Exaustão e Descrença e baixa em Eficácia Profissional são indicativas da Síndrome de Burnout. No presente estudo para a classificação das dimensões foram utilizados os escores baixo, moderado e alto, em conformidade a outros estudos desenvolvidos com o MBI-SS (Marôco & Tecedeiro, 2009).
Análise de Dados
Os dados foram analisados através do programa licenciado Statistical Package for Social Science (SPSS - versão 20®), no qual foi realizada a análise descritiva (média, desvio padrão, percentagens e frequências) e de associação, considerando nível significância de 5%, por meio do teste qui-quadrado.
Resultados
Participaram deste estudo 292 acadêmicos, sendo 232 (79,5%) do sexo feminino. Em relação a faixa etária dos acadêmicos, observou-se que a maioria 171(59,6%) possuía entre 21 e 30 anos. No que diz respeito ao estado civil, 237 (81,4%) eram solteiros e 45 (15,5%) casados.
Sobre o turno no qual o aluno estava matriculado, verificou-se que 232 (79,2%) cursavam o turno noturno e 49 (16,7%) o turno integral. Levando em consideração o curso frequentado pelos acadêmicos correspondentes a amostra desta pesquisa, 99 (33,8%) corresponde ao curso de Psicologia, 94 (32,1%) ao curso de Enfermagem e 50 (17,1%) ao curso de Farmácia e Fisioterapia. Quanto ao período cursado entre os acadêmicos, constatou-se que 83 (28,3%) situam-se no décimo período, 71 (24,2%) no quarto, 64 (21,3%) no oitavo e 35 (12,7%) no segundo período (Quadro 1).
Neste estudo a Síndrome de Burnout foi observada em 60 (20,5%) acadêmicos da área da saúde. Na análise por dimensão, 145 (50,7%) e 112 (39,2%) estudantes apresentaram exaustão emocional moderada e alta, respectivamente. A despersonalização foi classificada em alta em 217 (76,4%) estudantes e moderada em 67 (23,6%). Já a eficácia profissional, em 196 (70,0%) estudantes apresentava-se alta e em 63 (22,5%) moderada (Quadro 2).
O Quadro 3 apresenta os resultados da análise de associação entre a Síndrome de Burnout e as características sociodemográficas e de formação dos estudantes. Constatou-se associação significativa entre a SB e as variáveis idade (p=0,044) e curso (p= 0,005).
Discussão
A partir dos dados encontrados nesta pesquisa, foi possível identificar uma prevalência elevada da Síndrome de Burnout entre os estudantes universitários da área da saúde de uma instituição privada no norte de Minas Gerais.
No âmbito internacional, a prevalência de casos de Burnout de alto risco entre os estudantes foi 11,4% em Cartagena (Ávila et al., 2018). Divergindo das pesquisas realizadas na Espanha por Youssef (2016) apresentando uma prevalência de 52% e Arábia Saudita 67,1% (Almalki et al., 2017). Em estudos nacionais, observou-se que os resultados relacionados a prevalência da SB nos alunos apresentavam-se diversificados. Mostrando-se uma elevada prevalência na pesquisa de Boni et al. (2018) em São Paulo com 44,9% dos alunos com SB, de Almeida et al. (2016) em Fortaleza 14,9%, e em outras regiões 5% (Padovani et al., 2014).
Com relação às dimensões da SB, observou-se neste estudo que um grande número de estudantes apresentou níveis altos de despersonalização e realização profissional, e moderado para exaustão emocional. Em relação à despersonalização, resultados semelhantes foram encontrados em outros estudos (Boni et al., 2018; Medeiros et al., 2018). Evidenciou-se em outras análises resultados semelhantes a essa pesquisa nos aspectos de realização profissional e exaustão emocional (Lopes & Guimarães, 2016; Medeiros et al., 2018; Tomaschewski-Barlem et al., 2014).
Teoricamente, encontra-se na literatura que o desenvolvimento da SB acontece inicialmente com a manifestação da dimensão exaustão emocional, seguida pela elevação da despersonalização e, por conseguinte, pelo sentimento de baixa eficácia profissional (Tomaschewski-Barlem et al., 2014). Lopes e Guimarães (2016), descrevem a exaustão emocional em sua pesquisa como uma sensação de esgotamento e cansaço para enfrentar outro dia de estudos, caracterizando uma sobrecarga emocional que pode se potencializar caso esteja acompanhada da descrença e baixa realização profissional.
A literatura demonstra que a presença de altos níveis de despersonalização, é um fator preocupante, tendo em vista que um dos princípios fundamentais dos cursos da área da saúde é a humanização do atendimento. Dessa forma, os fatores estressantes que contribuem para o desenvolvimento da SB podem prejudicar a qualidade do curso e a relação do estudante com a população devido ao seu distanciamento emocional (Medeiros et al., 2018).
Quanto aos fatores associados a SB, observou-se significância estatística em relação a variável idade e o tipo de curso frequentado pelo acadêmico. Em relação a idade, dados semelhantes foram evidenciados por Martins e Campos (2017), mostrando que os alunos com idade superior a 22 anos apresentavam níveis mais altos de exaustão emocional. Distinguiu-se da pesquisa no Ceará, no qual os alunos com níveis mais graves de estresse tinham entre 18 e 25 anos (Cestari et al., 2017).
Autores sugerem que os estudantes com faixa etária menor possam apresentar uma insegurança quanto à escolha do curso, a carreira que pretende seguir, passando por uma fase de dúvida, o que acaba levando a um distanciamento dos estudos por um determinado período (Lopes & Guimarães, 2016).
No que se refere ao curso, resultado semelhante ao desta pesquisa foi evidenciado em outro estudo, onde os alunos do curso de fisioterapia de uma faculdade privada do interior de Rondônia apresentaram níveis elevados de Burnout (Borine et al., 2015). Outros estudos que também utilizaram a mesma metodologia de pesquisa aqui abordada, encontraram maior prevalência da SB em estudantes de enfermagem e medicina (Boni et al., 2018; Martins & Campos, 2017).
Destaca-se que os cursos da área da saúde, além da grande carga em relação aos estudos, também exigem que os estudantes cumpram atividades práticas relacionadas à sua área de atuação. Diante disso, os universitários podem ficar mais susceptíveis aos fatores estressantes, no decorrer do curso, o que pode acarretar uma sobrecarga emocional que interfere negativamente na sua saúde mental (Lopes & Guimaraes, 2016).
Ao serem estabelecidas as relações da SB e as demais variáveis do estudo, embora não tenha sido encontrado significância estatística constatou-se maior prevalência da síndrome entre as mulheres, as pessoas que vivem com companheiros e aqueles que estão nos últimos períodos da faculdade.
Em análises nacionais e internacionais fizeram com parações de gênero em relação a Síndrome de Burnout, e identificaram diferença entre homens e mulheres (Cestari et al., 2017; Medeiros et al., 2018; Youssef, 2016). O sexo feminino neste estudo, apresentou o percentual maior em comparação ao masculino. A literatura aponta que essa diferença pode estar relacionada aos fatores biológicos, hormonais, cognitivos, comportamental ou da associação de todos eles, que podem implicar em níveis elevados de exaustão emocional e aparecimento de quadros de estresse, ansiedade, pânico e depressão (Cestari et al., 2017; Lameu et al., 2016)
No que se refere ao período cursado pelo aluno, o maior grau de Burnout se fez presente entre os estudantes dos últimos anos de curso. Um estudo desenvolvido no Ceará com acadêmicos da área da saúde evidenciou uma evolução do grau de estresse nos estudantes no decorrer da graduação, mostrando-se mais forte nos últimos períodos (Cestari et al., 2017). A literatura aborda que cada período do curso apresenta e exige dos alunos habilidades e competências que necessitam ser desenvolvidas ao longo dos anos de forma crescente, o que pode ser um dos fatores que demarcam as diferenças apresentadas entre os primeiros períodos e os demais. Destaca-se também, que nos últimos períodos de graduação ocorre uma pressão relacionada a conclusão do curso, além da competitividade e breve inserção no mercado de trabalho (Cestari et al., 2017).
Este estudo apresenta como limitações o desenho transversal e a população específica de universitários em uma instituição de ensino. Mas deve-se destacar que este estudo ao identificar a prevalência da Síndrome de Burnout em universitários reforça a necessidade de se criar programas que visem à saúde dos estudantes e futuros profissionais da área da saúde.
É preciso que as universidades promovam a saúde mental, com ações interventivas sobre esses alunos a fim de minimizar fatores estressores que contribuam para um possível desenvolvimento da Síndrome de Burnout. A adoção de medidas preventivas organizacionais pode ser relevante para garantir um desempenho acadêmico saudável e favorável aos alunos (Navarro-Abal et al., 2018).
Identificou-se que uma parcela significativa da população estudada apresentava a Síndrome de Burnout, principalmente àqueles com mais de 21 anos de idade matriculados nos cursos de Farmácia, Psicologia e Enfermagem. E fatores como despersonalização, realização profissional, exaustão profissionais estavam interligados de modo consideráveis. Tal constatação é importante, considerando que o desenvolvimento da síndrome ocorre a partir de níveis elevados dessas dimensões, e que associadas ao baixo nível de Eficácia Profissional podem ter implicações consideráveis no processo de aprendizagem e formação do futuro profissional.
Embora a pesquisa tenha sido realizada em apenas uma instituição privada de ensino, é possível refletir sobre a realidade em outros ambientes acadêmicos, considerando o tamanho da amostra. Acredita-se que a compreensão sobre a prevalência da Síndrome de Burnout dentro das universidades seja uma forma de preparar os alunos para entender como se desenvolve e reduz esse problema.
Dessa forma, fica claro a relevância do papel das universidades em implementar ações integradas a prevenção dessa síndrome nos estudantes universitários, como oferecer palestras sobre a temática em questão, rodas de conversa para esclarecer dúvidas e profissionais capacitados para prestar orientações aos alunos. Nessa perspectiva, espera-se que os resultados contribuam para o desenvolvimento de outros estudos sobre a SB em estudantes universitários, implantação de ações que visem minimizar o desenvolvimento da síndrome e possibilitar um melhor entendimento sobre a prevalência e os efeitos do Burnout em estudantes da área da saúde.
Contribuição dos autores
Jaime Gondin: Conceitualização, Análise formal, Investigação, Redação do rascunho original
Pollyanna Magalhães: Conceitualização, Análise formal, Investigação, Redação do rascunho original
Carolina Oliveira: Redação do rascunho original, Revisão final do manuscrito
Juliana Andrade: Redação do rascunho original, Revisão final do manuscrito
Lucinéia Pinho Conceitualização, Análise formal, Metodologia, Supervisão, Redação do rascunho original, Revisão final do manuscrito.