O nascimento de um filho pré-termo de muito baixo peso é um evento não esperado na vida de uma mãe, podendo ultrapassar a capacidade de responder adequadamente à situação e provocar sintomas emocionais duradouros. A prematuridade se apresenta como uma desconstrução da “maternagem” desejada, colocando-a como um evento estressor, já que o bebê idealizado da gravidez não corresponde ao bebê pequeno e frágil e emagrecido da incubadora (Marciano, 2017).
Segundo Martinez et al. (2007), o peso ao nascer é um dos mais significativos indicadores da qualidade de vida da criança. Além disso, há evidências de uma forte associação entre o baixo peso ao nascer e a morbimortalidade neonatal e infantil (Blencowe et al., 2012; Salge et al., 2009) o que levou a OMS a identificá-lo como o fator isolado mais importante na sobrevivência infantil (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2010; Puffer & Serrano, 1973).
O parto pré-termo e o retardo do crescimento intrauterino são os dois processos básicos que, isolados ou associados, fazem com que uma criança apresente MBP ao nascer (Malveira et al., 2006; Souza et al., 2002). Apresentando-se a esse delicado momento enfrentado pelas mães, o vínculo emocional frente ao bebê pode ser comprometido e gerar desordens nesse processo. Assim, entender essas demandas podem melhorar a aproximação das mães com seu filho, contribuindo para a formação de um laço emocional e, por conseguinte, amenizar assim, os possíveis riscos que a mãe porventura irá vivenciar (Veronez et al., 2017).
Cuidados neonatais
O nascimento pré-termo de um filho configura-se em um evento estressante para a mãe, a qual se depara com uma situação imprevisível e ansiogênica. Devido às condições de instabilidade orgânica do nascido pré-termo de MBP e à necessidade de cuidados multidisciplinares especializados oferecidos em Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal (UTIN), a mãe passa a experienciar a separação do bebê e a incerteza sobre sua evolução clínica e sobrevivência (Stoll et al., 2002).
Na unidade de terapia intensiva neonatal, os profissionais da equipe de saúde assumem o papel de gestor do cuidado e da assistência ao recém-nascido pré-termo de muito baixo peso e desponta-se como papel estratégico para a oferta de uma atenção qualificada, humanizada e integral. Nesse contexto, a atenção deve ser respeitosa e protetiva às particularidades do RN. Isto implica que a equipe multidisciplinar de UTIN, precisa assumir também os cuidados com as mães, com compromisso de contribuir com ações minimizadoras de sintomas emocionais de forma integrada e colaborativa (Marski et al., 2018).
Sabe-se que são comuns, nas mães, sentimento de culpa, impotência e a consciência de que o vínculo mãe-bebê está afetado, o que gera tristeza e solidão (Corrêa-Cunha et al., 2014). As mães de recém-nascidos pré-termos referem a perceção de seu bebê como pequeno e disforme, temem sua fragilidade, assim como referem dificuldades de comunicação com o sistema de saúde. Tal experiência muitas vezes traz também a presença de sintomas de estresse pós-traumático e a sensação de maior dificuldade de interação com seu filho (Balbino et al., 2016).
A literatura revela que mães de bebês pré-termo que não receberam suporte profissional adequado na UTIN e experimentaram eventos estressores durante o internamento do seu bebê apresentaram maior fragilidade psicológica, dificuldade para exercer a "maternagem" e estabelecer um padrão de interação saudável com o filho. Além disso, essas mães experimentam precocemente preocupação excessiva com relação à saúde do bebê e sua sobrevivência (Carvalho et al., 2001).
Humanização na equipe de saúde
No início do século XXI o Ministério da Saúde (MS) lançou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) que resultou em 2003 com a criação da Política Nacional de Humanização (PNH) - HumanizaSUS - sendo eixo norteador para as práticas de gestão e assistência, tendo como principal alicerce a participação e corresponsabilização dos sujeitos envolvidos nos diversos processos de trabalho em saúde (Frank et al., 2019). Este, sim, deve conduzir as ações da equipe de saúde, tornando-a capaz de construir uma realidade mais humana, menos opressiva e hostil para as pessoas que vivenciam a internação na UTI (Lopes & Brito, 2009).
As políticas de atenção humanizada ainda são pouco difundidas na área da terapia intensiva neonatal. Existindo uma fragmentação entre ações de humanização e ações assistenciais. Esse processo deve ser disseminado e, nesse sentido, os profissionais de saúde encontram apoio na Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde proposta a partir de 2003 (Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2010). Dessa forma, é tarefa dos gestores e trabalhadores nas diferentes esferas do sistema de saúde assumir que, muito mais que um “mero programa”, a humanização deve ser o eixo articulador de todas as práticas em saúde (Lopes & Brito, 2009).
Equipe multiprofissional
Na perspetiva multiprofissional, os trabalhadores da saúde devem atuar com foco na integralidade, compreendendo que a mãe do recém-nascido pré-termo MBP possui necessidades que extrapolam os limites do biológico, social e psicológico, ganhando contornos espirituais e pessoais. Assim, recursos desta ordem devem ser promovidos nos espaços da saúde na perspetiva de contribuir para a dinâmica do trabalho cotidiano e para a potencialização das relações estabelecidas nestes cenários (Véras et al, 2010).
Dessa forma, sugere-se a ampliação do conhecimento dos sintomas emocionais por parte dos profissionais cuja atuação vai além de procedimentos clínicos. Necessitam, assim, do entendimento da demanda emocional envolvida no lidar com recém-nascidos pré-termos MBP (Cunha, 2000).
O objetivo desta pesquisa foi compreender as demandas emocionais de mães de recém-nascidos pré-termo de muito baixo peso (MBP) internado em Unidades de Tratamento Intensivo Neonatal- UTINs.
Método
Participantes
Participaram do estudo dez genitoras cujos bebês estavam internados na UTIN. A delimitação da amostra foi baseada no critério de saturação de conteúdo (Minayo et al., 2001). A população do estudo foi proveniente, em sua grande maioria, do Interior do Estado de Pernambuco. A média de idade foi 27,3 anos, variando de 19 a 32 anos. Todas as mães tiveram acompanhamento pré-natal conforme recomendado e preconizado pelo posto de saúde ou hospital onde estavam sendo acompanhadas.
A renda familiar variou de um a dois salários mínimos em mais da metade da amostra, apenas uma mãe em que a relatou não ter renda alguma para sobrevivência, dispondo somente da ajuda do governo para pessoas de extrema pobreza. A maioria das mães relatou ser evangélica. Três disseram ser católicas, duas sem religião e apenas uma relatou confiar em Deus como sua religião. No que se refere ao estado civil, seis eram casadas, quatro solteiras e uma separada. A variável de peso ao nascer do recém-nascido pré-termo, na qual a média variou entre 650g à 1449g. Para preservar a identidade das mães, foram atribuídos códigos iniciados pela letra M e seguidas de 1 a 10.
Material
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista no período de janeiro de 2019 a julho de 2019, as falas foram áudio-gravadas, posteriormente transcritas para serem analisadas de acordo com o método da análise temática de conteúdo (Minayo et al., 2001).
Procedimento
Trata-se de um estudo qualitativo, com genitoras cujos bebês estavam internados na UTIN do setor de pediatria de um hospital da cidade do Recife - PE, referência nos cuidados neonatais e materno-infantil. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com seres Humanos do IMIP vide CAAE: 09098919.6.0000.5201 e parecer de número: 3.257.248 e atendeu a todas as normas éticas preconizadas pela resolução do CNS 510/16.
Resultados
Categorias de Análise
Cinco categorias de análise emergiram através das falas: 1) Sentimento e emoções vividas durante a gestação e após o nascimento; 2) Sentimentos e emoções das mães frente ao recém-nascido pré-termo no contexto da UTIN; 3) Informações da equipe multiprofissional sobre a saúde do recém-nascido; 4) Ser mãe acompanhante; no contexto da UTIN; 5) O papel da família durante o processo de hospitalização.
Sentimentos e emoções vividos durante a gestação e após o nascimento
De acordo com as falas das participantes foi possível observar que alguns sentimentos tais como preocupação, angústia, adoecimento físico, abandono familiar como é possível identificar nas seguintes falas: “Foi um pouco perturbadazinha, muito aperreio” (M07); “Eu tinha pressão alta, mas fui tratada, mesmo assim minha pressão aumentou muito (M05)”; “Muito complicada, eu fui deixada pela minha família inteira, e a minha mãe me deixou também, eu passei um mês de casa em casa, e tive que morar de favor para poder conseguir a minha própria casa”. (M09)
Diante das falas é possível refletir que embora se sabe acerca das correlações físicas e emocionais durante a gestação até após o parto de modo geral durante a gestação até o nascimento do filho, a mulher elabora um conjunto de expetativas relativas ao momento do parto. Estas, têm sido influenciadas pela perceção de que o parto se resume a uma intervenção de profissionais de saúde, à qual está associada maior segurança tanto para mulher como para o bebê (Pedreira & Leal, 2015). Este tipo de perceção dá primazia a extensão fisiológica em detrimento da dimensão biopsicossocial do parto, contribuindo para que a mulher tenha maior controle no processo, quando a gestação ocorre conforme esperado (Pedreira & Leal, 2015). Porém, no que se refere ao parto pré-termo decorrente de circunstâncias diversas e imprevisíveis, em todos os lugares e classes sociais essa realidade afeta diretamente a estrutura emocional da mãe que passa a vivenciar riscos perinatais, alterando as expectativas e anseios que permeiam a gestação.
No caso da mãe que refere sua trajetória de dificuldades frente ao abandono da família de base, de acordo com a literatura, é difícil avaliar os componentes que influenciam e são influenciados pelo complexo processo da gestação até nascimento de um filho precocemente (Marcello, 2005). Ademais, quanto aos sentimentos e emoções, dessas mães, constata-se que essa vivência de ser mãe de nascidos pré-termos de muito baixo peso promove uma nova experiência de “maternagem”, não convencional onde a novas estruturas que compõem este cenário, podem incorporar essa singularidade das relações, contrariando a normalidade supostamente pertencentes à natureza da mãe, ao que é sustentado pelo fenômeno físico e social do sentido materno pode resultar em angustias e preocupações pois a conceção de processos de subjetivação permite a desconstrução dessas perspetivas e o entendimento processual sobre maternidade (Lara & Kind, 2014).
E no que se refere ao parto, quando não é um acontecimento natural, implica em vivenciar um conjunto complexo de sentimentos, que não se cingem ao acontecimento em si, mas que também englobam as expetativas sobre a vivência prévia ao parto como também em relação ao período de pós-parto (Figueiredo, 2000). Dessa forma, entender a ação nesse processo complexo que envolve da gestação ao nascimento e os fatores que nele interferem como as reações emocionais frente aos acontecimentos é fundamental para qualificar os profissionais de saúde para um efetivo acompanhamento e tratamento quando se trata do binômio mãe-filho, bem como para otimizar e racionalizar possíveis sintomas emocionais a essas mães. Ramos e Cuman (2009) em seu estudo sobre riscos para a prematuridade comentam que em virtude do conhecimento dos fatores de risco associados ao ciclo gravídico e puerperal há possibilidade de direcionar e adotar medidas preventivas na saúde mental desse perfil de mães de forma adequada à realidade que será enfrentada no contexto da terapia intensiva neonatal e riscos de vida. Portanto, a vivência emocional pós nascimento é de fundamental importância para um bom entendimento de todo o processo e ciclo analisado inclusive quanto é atravessado por uma realidade inesperada uma vez que, as mães têm a expectativa de ter uma gravidez e um bebê sadio, que possam pegar no colo, cuidar e levá-lo para casa após alguns dias (Costenaro & Martins, 1998).
Sentimentos e emoções das mães frente ao recém-nascido pré-termo no contexto da UTIN
A análise das entrevistas mostrou que as mães vivenciam sentimentos diante da situação do seu filho estar internado em uma unidade de terapia intensiva neonatal, parecendo num primeiro momento o choque e o impacto com a notícia pois em geral as mães esperam filhos “perfeitos” e saudáveis. Como pode ser observado nas falas a seguir:
Medo, desespero, uma sensação de impotência que você sente inicialmente. É você entender que não pode fazer muita coisa, aquela sensação de você querer fazer algo para tirar ele daqui, e ver que você não pode fazer além de esperar que tudo dê certo, foge do controle, assim, quando o bebê nasce no tamanho certinho, você amamenta, você cuida, você limpa, você dá banho e ali eu não podia tocar, não podia fazer muita coisa além de tirar o leite e dá para ele e torcer para que tudo desse certo. (M02) “Desespero total, de ver ela pequenininha, com aquele negócio no nariz, mal mexia, eu entrava em desespero, entrei em prantos, só sabia chorar, eu tinha medo de perder” (M03); “Eu fiquei em choque. Tive medo de não poder pegar, de não poder sentir o ‘calorzinho’ dela em mim” (M06); “Muito medo, medo de que ela não aguentasse e não sobrevivesse” (M08).
Os achados do presente estudo ilustram os resultados referentes a um estudo sobre as perceções iniciais identificadas por meio dos relatos das reações emocionais das mães em relação aos seus filhos recém-nascidos pré-termo de muito baixo peso e revelam sentimentos de medo, frustação e desespero que foram observados nas falas, do estudo que destaca o fato de que sentir é receber impressões e sensações obscuras de seres ou coisas que nos desconcertam e isso é configurado como estado de ânimos (Ramos & Cuman, 2009). De acordo com os autores, esses estados de ânimo e o humor de cada dia refletem como estamos ou sentimos. São sensações e impressões confusas, às vezes contraditórias. Conceções de reconhecer os seus filhos muito pequenos demais (no tocante do baixo peso ao nascimento), inclusive correlacionando resultados do simples fato de se ter contato com pessoas ou coisas, que causam estranheza e pavor. Os autores ainda destacam que os contatos entre as pessoas criam estados de ânimo prazerosos ou tristes que se combinam para configurar os mais variados acontecimentos da vida cotidiana e são o modo originário dos sentimentos. Como pode ser observado na análise do estudo de Ramos e Cuman (2009) quando mães referem sentir uma grande tristeza, uma dor que nunca sentiu ou a possibilidade de perder o seu filho. Achados semelhantes aos encontrados na presente pesquisa.
A análise das falas demonstrou também que as mães vivenciam sentimentos intensos diante da observação do seu bebê recém-nascido com muito baixo peso na da terapia intensiva, aparecendo num primeiro momento o choque e o impacto com a notícia, a grande dor e o pavor da morte e principalmente do desconhecido. Tais sentimentos podem inclusive comprometer a qualidade da relação mãe-bebê. É sabido que inúmeras perspetivas têm fundamentado os estudos sobre a relação mãe-bebê, assim, reconhecidas em consciência moral e acadêmica da relevância do vínculo materno-infantil para o envolvimento afetivo-emocional das mães. Uma construção saudável desse vínculo permeia uma relação ao longo de toda a vida dessa relação, segundo Andreani et al. (2006).
Observando os aspetos emocionais das mães em relação ao desenvolvimento da relação mãe-bebê, as relações afetivas possuem grande destaque nas pesquisas realizadas por autores que se dedicam ao estudo da díade emocional, comentam Scortegagna et al.(2005) em seus estudos na formação do apego. No presente estudo a relação afetiva se faz presente e é expressada por meio dos medos, incertezas, desejo de ficar perto e esperança como podemos observar: “Toda vez que eu vejo ele é como se fosse um chá de camomila para mim, mas quando eu estou longe dele é um tormento” (M09); “ Todo dia é uma ansiedade, todo dia. Não tem um dia que a gente está calma. Todo dia é um surto diferente” (M05); “Meus pensamentos é que ele supere tudo e que a gente possa sair daqui e ele consiga desenvolver, chegar a acompanhar o desenvolvimento igual de outras crianças que não nasceu prematura e daí, só o melhor” (M02).
A fala de M02 ilustra a formação do vínculo mãe-bebê no desejo de cuidar e de estar por perto ao longo da vida. diante desse relato é possível pensar que essa atitude emocional da mãe orienta o bebê, conferindo qualidade de vida à sua experiência e servindo como organizador da sua vida psíquica, pois já demonstra o desejo de possibilitar identificações que poderão influenciar seu desenvolvimento posteriormente.
Nessa direção, as autoras Carvalho e Pereira (2017) referem que é necessário deixar que estas mães expressem seus medos para que assim possam aos poucos compreender e aceitar a nova condição frente a todos os novos obstáculos a serem vividos mesmo considerando que os bebês estão em risco potencial, o sentimento de esperança e superação a situação é vivenciado por elas.
Segundo Silva (2016), em seus estudos relata que mães suficientemente boas possuem sensibilidade peculiar que a levam a poder sentir como se estivesse no lugar do bebê; E por esta via de regra, nesse momento, temos uma contrapartida perigosa, uma vez que ela tenta responder às necessidades do filho, que são inicialmente corporais e posteriormente, necessidades do ego porém, essas mães estão sendo constantemente tocadas pelas especificidades do tratamento de seus filhos onde observa-se um perfil de crianças com risco de morte e sucessivas intercorrências de vida, devido sua fragilidade e incompetência biológica orgânica. Como está evidenciado nas falas a seguir: “Hoje a dificuldade maior é esse sentimento, de saber que esses aparelhos que ela usa, tipo a ‘mascarazinha’ que ela tá, as coisas, a machucam, aí isso é onde me dói” (M08). “Porque assim, eu quero poder pegar ela, poder dar banho, dar aquele amor, e afeto de mãe, dar de mamar, porque uma mãe tem que realmente dar de mamar a uma criança, eu quero ter esse prazer, mas no momento não estou podendo.” (M10)
As falas a seguir nos fazem refletir sobre as possibilidades de fragilidade e/ou do fortalecimento no vínculo, que por vezes, parece ser afetado devido ao distanciamento físico provocado pelas intercorrências como por exemplo, as barreiras apresentadas pela própria condição de internação na UTIN: “Às vezes eu chego aqui e ela está respirando pelos aparelhos, aí tenho aquele choque” (M05); “Não está sendo fácil não, todo dia ficar vendo ela ser furada, não é fácil” (M01); “Que angústia. Parecia que era em mim, aquela dor que ela estava sentindo era em mim. Eu pedi tanto para Deus colocar aquilo em mim e tirar dela” (M06).
Salienta-se que a mãe, frente a essa realidade, pode se sentir impotente em relação a situação que seu filho se encontra, e exigências instintivas começarem a dar gatilhos a um processo patológico emocional, e poderá ser perfeitamente malsucedida expressa pelo desejo de jamais deixar que o bebê se sinta desamparado. A suposta superproteção resultante de uma vivencia desse tipo expressa pelo desejo de tomar para si a dor do outro pode comprometer a saúde mental da criança e da mãe. Dessa forma, o momento em que a mãe se encontra na unidade de terapia intensiva neonatal, com rotinas exaustivas, momentos de tensão morte-vida. Manter esse equilíbrio apesar das falhas do ambiente, através do acompanhamento da equipe de saúde frente a esse perfil, deverá ser ininterrupto, não somente por profissionais psicológicos, mas a toda equipe multiprofissional que deverá estar sensível a situação como essas. Captar o outro na sua multidimensionalidade, percebê-lo (Silva et al., 2017).
Informações da equipe multiprofissional sobre a saúde do recém-nascido
Está inserido em um contexto onde as mães demandam atenção, informações e revelam sentimentos de medo e incertezas faz com que a equipe tente desenvolver estratégias que possam atender as expectativas materna porem essa atuação não é simples como é possível perceber nas falas a seguir: “Ela teve uma apneia hoje pela manhã, a médica pediu para colocar de novo no oxigênio, é o que eu sei, mas nada muito grave, a não ser isso, essa dificuldade de ela respirar [...] ela teve uma apneia, foi para “oxigênio”, [...] As próprias médicas conversam comigo.” (M06). “A médica falou que ela tem um sopro no coração e uma bactéria na pele, mas está sendo tratada com medicamentos” (M05); “Estou sento bem informada, a médica passa tudo numa tranquilidade muito grande para gente” (M02).
As narrativas acima são exemplos nos quais a mãe não somente é informada pela equipe das intercorrências coma criança, como ocorre seu detalhamento com termos técnicos. Em um dos casos, além do conteúdo, o cuidado e a atenção do profissional em passar as informações técnicas pode promover tranquilidade para a mãe.
Esses pontos nos levam a refletir sobre o quanto à postura dos profissionais de saúde que cuidam de bebês em situação de risco devem estar atentos ao cuidado dispensado as mães e familiares. A comunicação torna-se processo importante para a relação entre equipe multidisciplinar, e mães (Vieira & Waischunng, 2018).
Essas falas corroboram com os achados do estudo de Cacique et al. (2012) que avaliou o nível de satisfação e qualidade das informações em um hospital universitário e encontrou que os indicadores de uma boa comunicação foram efetivos apenas nas áreas da pediatria e oncologia. Nesses setores, foi percebido que as mães eram constantemente informadas sobre o quadro clínico dos seus filhos, quais pensamentos e questionamentos a permeavam sobre seus filhos.
Sabe-se que a equipe de saúde não se depara apenas com mães e bebês que apresenta sinais e sintomas que necessitam de um protocolo de tratamento de atendimento. Muitas vezes ela é colocada frente a problemáticas de ordens biopsicossociais para as quais não está preparada. A equipe precisa saber identificar e lidar com tais dificuldades ficando atentos pois o atendimento faz emergir na equipe emoções, sentimentos e sofrimento também por parte do próprio cotidiano dos profissionais. Diante de tais identificações e sentimento de impotência, o primeiro passo para uma boa relação entre a mãe-tratamento-equipe de saúde é observar como está ocorrendo a percepção das mães sobre a comunicação interpessoal na unidade de terapia intensiva neonatal (Vieira & Waischunng, 2018).
Kleinman (1986) em um estudo relata que a linhas tênue entre saúde-doença sempre vêm acompanhada de “perturbações” dos indivíduos na qual necessitam de informações sobre sua saúde, ou a saúde de indivíduos que participam dos seus ciclos sociais. Nesse caso, as mães que se encontram nas situações onde seus filhos correm riscos de vida, é mister que a equipe esteja preparada inclusive emocionalmente para informá-la da maneira clara e objetiva.
Ser acompanhante no contexto da UTIN
A labilidade emocional é o padrão mais característico da primeira semana após o parto, já que a euforia e a depressão se alternam rapidamente, essa última podendo atingir, em muitos casos, grande intensidade, logo pensamentos sobre seus bebês pequenos e muitos frágeis são observados como é possível identificar nas falas a seguir: “Meu bebê é um milagre, uma vitória, uma coisa boa, bom, resumindo é o amor da minha vida” (M09); “ Meus pensamentos são os melhores, ele vai sair daqui logo, vou levar ele para casa” (M05); “Ela vai se recuperar logo, vai para casa, em nome de Jesus” (M01).
O ambiente hospitalar por si, já é hostil para as pessoas de modo geral, e quando se trata do ambiente de terapia intensiva, os pensamentos são remetidos à morte e na unidade de terapia intensiva neonatal, apesar de sua importância para a manutenção da saúde do recém-nascido pré-termo de muito baixo peso, não existe conceção diferente, a remição a um ambiente de situações graves ainda se mantém sendo percebido dessa forma na nossa sociedade.
Os primeiros dias, sucessivas semanas após o nascimento/internamento em unidade de terapia intensiva são carregados de emoções intensas e variadas. Medos, angústias e sensações exaustivas permeiam as rotinas dessas mães, com seus filhos pré-termo de muito baixo peso. As primeiras vinte e quatro horas constituem um período de recuperação da fadiga do parto, além de toda essa intensidade de informações acerca da saúde do seu filho, e das suas novas rotinas. A sensação de desconforto permanece lado a lado com a excitação pelo nascimento do filho. Assim, compreende-se o quanto é complexo este momento para vida da mulher possibilitando inúmeros sentimentos ambivalentes, explicam Andreani et al. (2006) na psicologia pós-parto.
A resiliência que observada nas falas das participantes, ilustra a arte de transitar em uma tempestade, onde o trauma - tempestade - conduz a mãe para um caminho inadequado para a sua saúde emocional e a resiliência, por sua vez, instrumentaliza a pessoa para lidar com tais situações e sair fortalecido delas (Tópor & Hutz, 2019).
Adaptações psicológicas são observadas nas mães, sendo possível compreender que a experiência de ser mãe de uma criança pré-termo, com risco de vida é constituída por um processo cuja categoria central é a busca incansável para superar o sofrimento e essa busca é impulsionada pela esperança. Pois a partir desse componente se mantém o movimento emocional sofrimento-esperança, onde se pretende ser forte, abrindo ampla dimensão para a possibilidade da melhora e da busca pela saúde curativa, a superação do sofrimento é impulsionada pela esperança. E esse momento é sempre avaliado e quantificado a partir do acompanhamento dia-a-dia da evolução clínica do recém-nascido pré-termo (Schneider & Moreira, 2017).
Faz-se necessário, portanto, lembrar que em muitos casos a perceção da esperança remete a um ambiente de bem-estar, de conforto e zelo ao extremo à vida. A unidade de terapia intensiva, talvez, por ser um ambiente de baixas temperaturas, repletos de luzes, alarmes e sons constante, rotinas de todas as especialidades da saúde, o torne esse ambiente tão temido (Guirardello, 2017). Na unidade de terapia intensa neonatal além das rotinas hospitalares, tem-se a mãe, inserida nesse contexto, nesse caso, muitas vezes esse ambiente precisa ser mais confortável para os usuários, dessas perceções podemos observar nas falas: “Por mais que você não queira pensar negativo, quando você vê acontecer algo acontecer com o bebê do lado do seu você fica angustiada, aí eu penso: Se aconteceu com aquele bebê poderia ser com meu, isso me preocupa” (M07). “Um clima muito pesado, um clima muito tenso, ver outras mães chorando porque seus filhos morreram, é um clima que você pode ter medo de que aconteça a mesma coisa, é medo, é desconforto, é uma coisa triste, eu só queria um lugar feliz, mas quem me traz essa felicidade é somente Deus, meu esposo e meu filho. Eu queria estar com eles em casa.” (M09). “É muito complicado acompanhar meu filho aqui na UTI, é uma situação estressante, envolve sentimento, aqui dentro as coisas não muito práticas como para um médico, por exemplo, ele vê a situação e resolve com praticidade, uma mãe vê e não consegue ter a mesma estabilidade emocional que um médico tem, por isso é tão difícil.” (M04).
O estudo de Reichert et al. (2009) é corroborado pelas falas, onde, é proposto um amplo debate sobre humanização entre profissionais de saúde dentro de serviços relacionados a terapia intensiva. Humanizar não é apenas uma questão técnica, ou algo objetivado, mas sim, um processo vivencial que transpõe toda a rotina dos profissionais de saúde que fazem assistência direta ao doente crítico ou potencialmente crítico com risco de morte, procurando realizar e oferecer os tratamentos que os indivíduos e seus acompanhantes merecem, pela necessidade da empatia, dentro das circunstâncias peculiares que se encontram aqueles pacientes/acompanhante em terapia intensiva (Lima, 2004).
O papel da família durante o papel o processo de hospitalização
A família é entendida como uma rede de relações que podem produzir tantos resultados positivos como negativos. No presente estudo, a família surge nas falas:
“Eu tenho outro filho e como moro muito longe, eles estão cuidando dele para mim. E tenho também um tio aqui nessa cidade, que ele sempre vem me visitar, sempre que dá alguém tá vindo me visitar, mas acompanhante não pode ter né? Por que já estou como acompanhante do meu filho, então a ajuda que eu tenho é a distância mesmo.” (M04). “Assim, meus familiares, tipo meu pai e minha mãe, eles sempre “deixaram muito a desejar’ e continuam até hoje, não mudou, mas pessoas que eu faço questão de estarem comigo, me dando apoio, me amparando, estão comigo, como sempre, que é meu marido e meu filho. Sobre meus pais, eu já aceitei a forma deles.” (M08).
A partir da ideia de que a vida humana não acontece de forma isolada, mas inevitavelmente entrelaçada a sistemas e processos normativos que a constituem, julga-se importante destacar que, como totalidade integrada, é na família, primeira trama relacional de significância, que o sujeito encontra ancoragem para existir. Por sistema humano, Osório (2013) entende-se família como um “conjunto de pessoas capazes de se reconhecerem em sua singularidade, que exercem uma ação interativa e se influenciam reciprocamente em busca de um objetivo compartilhado”. Assim, a família entendida como um sistema vivo e dinâmico que, passa por mudanças em seu status funcional que impactam mutuamente todo o seu funcionamento e organização através de seus ciclos vitais de acontecimentos (Osório, 2013).
Discussão
Observar-se que sempre existe um laço familiar, um apoio, uma representatividade familiar, mesmo ela não sendo positiva, como se espera. A buscar por esse entendimento, leva aos profissionais de saúde a terem mais amorosidade as questões emocionais envolvendo esse perfil de mães (Leusin, et al., 2018). Os mesmos autores reforçam sobre o respeito à relação mãe-bebê, embora conclua que a situação emocional que é acompanhar um filho recém-nascido de muito baixo peso seja crítica e conflituosa entre os membros da família. Espera-se que o apoio, advindo da família por sua vez, sejam externalizados na forma de suporte material e emocional, tendo que haver também, coesão e respeito ao vínculo emocional, entre os membros da família.
Finalmente, os resultados deste estudo indicaram que o nascimento pré-termos de muito baixo peso retrata um momento de aflição, de sintomas emocionais nas mães mesmo para aquelas que já sabiam da real possibilidade de nascimento pré-termo do bebê. Observou-se diversas reações das mães diante dessa situação da hospitalização do bebê e todo o processo de internação na UTIN como: o sentimento de superação do filho, de compreender o quadro clínico e a possibilidade de sobrevivência. Foram identificadas falas que expressavam, aflição, estresse, angústia, ansiedade, apreensão, inquietação, medo, nervosismo. Falas que se referiam a esperança, amor e fé também foram identificadas. As reações de enfrentamento foram peculiares a cada mãe, pois perpassavam a história de vida de cada uma, pelo significado do seu filho em suas vidas, pelos projetos pessoais e familiares. Diante dos resultados sugere-se que outros estudos aconteçam para que sejam ampliados os métodos de identificação desses sentimentos, inclusive através de questionários validados, para a identificação desses sintomas emocionais. A importância de levar ao conhecimento da equipe multidisciplinar da UTIN sobre esses achados da pesquisa poderá resultar em novas ações da equipe na intensão de clarificar possíveis dúvidas que as mães apresentem. Além de proporcionar uma reflexão acerca da tarefa assistencial de toda a equipe de saúde, frente aos sintomas emocionais apresentados pelas mães desses prematuros.