A discussão acerca da qualidade da assistência recebida e da experiência vivida pelas mulheres no momento do parto tem sido cada vez mais difundida. Como pioneiro nessa discussão na América Latina destaca-se o Brasil, que com a fundação da Rede de Humanização do Nascimento (ReHuNa) na década de 1990 iniciou debates acerca dos maus tratos sofridos pelas mulheres durante o parto, além de colocar em pauta os altos índices de cesariana aqui praticados e a excessiva medicalização do parto vaginal (Diniz, 2005). Tais pautas, ainda em constante discussão, deram corpo a diversos conceitos, dentre eles, o conceito de Violência Obstétrica (VO). No Brasil a VO ainda não é tipificada em lei, podendo ser compreendida como um tipo de violência institucional, a qual é contemplada na Lei Maria da Penha (Conselho Nacional de Justiça, 2006). No contexto internacional, alguns países já especificaram a VO em lei, sendo esta, então, passível de punição legal, como na Venezuela e Argentina (Borges, 2018). Segundo a lei venezuelana, VO é definida como:
“A apropriação do corpo da mulher e de seus processos reprodutivos pelo profissional de saúde, a qual é expressada pelo tratamento desumanizado, abuso de medicalização e patologização de processos naturais, resultando na perda de autonomia e habilidade de decidir de maneira livre sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida da mulher” (Borges, 2018).
Desta maneira, pode-se entender a VO como uma violência de gênero, uma vez que esta envolve violências física, sexual e psicológica, que podem ocorrer tanto no âmbito público como privado, sendo passíveis de execução, inclusive, pelo próprio Estado e seus agentes, diante das relações de poderes perpetuadas sócio, histórica e culturalmente (Sauaia & Serra, 2016).
Há uma categorização de abuso e desrespeito no parto proposta por Bowser e Hill (Bowser & Hill, 2010), a qual descreve 7 categorias (abuso físico, cuidado clínico não consentido, cuidado sem confidencialidade, cuidado não digno, discriminação, abandono e detenção no serviço de saúde). Entretanto, Freedman e colaboradores questionam tal categorização, argumentando que ela falha por não considerar características do comportamento do profissional de saúde, condições da instituição de saúde ou outros fatores que poderiam ser considerados como desrespeitosos e abusivos (Freedman et al., 2014).
No contexto internacional, muito se tem discutido acerca da temática. A Organização Mundial da Saúde (OMS) possui declaração oficial contra qualquer tipo de desrespeito e abuso durante a gestação, parto e pós-parto (Prevenção e eliminaçao de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde, 2014). Entretanto, apesar da crescente visibilidade que o tema vem ganhando, este ainda carece de incansável discussão, uma vez que a VO (ou, como tratada nos estudos internacionais, “cuidado desumanizado” ou “abuso e desrespeito no parto”) não possui definição reconhecida universalmente, o que leva a sua difícil mensuração. Somada a estas questões, faz-se presente a subjetividade da experiência do parto, além da normalização de determinados procedimentos desrespeitosos, como a episiotomia, a posição litotômica para o parto e a própria cesariana eletiva sem indicação obstétrica (Sauaia & Serra, 2016), variáveis que dificultam a identificação e o consequente combate à assistência desrespeitosa.
Diante do exposto, tal estudo objetivou uma revisão sistemática acerca da VO em contexto internacional, uma vez que se faz essencial compreender o conceito de maneira ampla, de modo a contribuir para uma definição universal do tema e otimizar o debate que se faz tão importante na saúde da mulher.
Método
Estratégia de Pesquisa
Foi realizada uma revisão sistemática através do método PRISMA (Moher et al., 2009), utilizando-se os descritores “obstetric violence”, “violence”, “birth” e ”parturition”. O descritor “obstetric violence” foi utilizado sozinho, e os demais foram combinados da seguinte maneira: “violence and birth” e “violence and parturition”.
Foram consultadas as seguintes bases de dados: PubMed, Cochrane e POPLINE. Foram utilizados os filtros para “last 5 years”, “Clinical Trial” e “Review”, a fim de selecionar os artigos conceituais, teóricos e teóricos-reflexivos na base de dados PubMed. Nas demais bases, filtrou-se apenas pelos últimos 5 anos.
Foram incluídas nesta revisão publicações que se associam com a violência obstétrica em suas diversas faces, ou seja, aquela que ocorre desde o pré-natal até o pós-parto, contemplando também as situações de abortamento. Foram incluídos os artigos publicados em inglês em periódicos internacionais. Os critérios de exclusão foram: a) teses, dissertações ou livros; b) publicações que não apresentassem a metodologia bem descrita; c) publicações sobre violência obstétrica no Brasil; d) publicações que não abordassem a temática violência obstétrica; e) publicações em línguas que não fossem o inglês. A busca nas bases de dados ocorreu no dia 7 de agosto de 2018 e foi repetida em 20 de agosto de 2018.
Seleção de Artigos
Foi considerado o período de 2013 a 2018, resultando em 1062 artigos advindos de todas as bases de dados e das três combinações de descritores, os quais foram triados de acordo com o fluxograma abaixo (Figura 1).
Resultados
Dos 25 artigos incluídos na revisão, a maioria (n= 20) discutiu a temática em países subdesenvolvidos, sendo 5 da América Latina, 12 do continente africano e 3 da Ásia. Relativamente aos restantes artigos, foram incluídos: uma revisão sistemática internacional sobre maus tratos no parto; um estudo sobre como os estudantes de saúde deveriam se portar diante de casos de VO; um estudo sobre o conceito teórico de VO; outro sobre o conceito de acordo com um caso do Reino Unido; e um artigo sobre VO nos Estados Unidos.
A amostra de 25 artigos foi subdividida em 4 categorias, de acordo com a frequência dos temas apresentados nos mesmos: 1) Violência obstétrica: incidência e intervenções; 2) Violência obstétrica e profissionais de saúde; 3) Violência obstétrica: violência contra a mulher e uma violação dos direitos humanos e 4) Violência obstétrica: percepção das mulheres e de seus acompanhantes.
Violência obstétrica: incidência e intervenções
Os artigos relativos à incidência e intervenções na violência obstétrica estão descritos no Quadro 1.
Em uma revisão sistemática houve incidência de 36% de abuso físico (restrição de movimento, ser amarrada, episiotomia ou sutura da mesma sem anestesia, receber tapas ou beliscos, ser abusada sexualmente por profissional de saúde), e de mais de 50% de cuidado sem consentimento, como tricotomia, aceleração do parto, laqueadura, cesariana e transfusão de sangue. O cuidado sem confidencialidade também foi uma categoria, uma vez questão levantada e a incidência de cuidado não digno oscilou entre 11,3% e 70,8%. Mais de 29% das mulheres vivenciou abandono ou negligência no parto, e mais de 66% teve negado o alívio para a dor, apesar de solicitarem. 22% das mulheres referiram detenção no serviço devido à falta de condições para realizarem o pagamento de suas despesas hospitalares (Ishola et al., 2017). Os fatores associados à prevalência de A&D foram a normalização do A&D durante o parto por parte das próprias mulheres; a situação financeira (que leva as mulheres a irem para o hospital muito tarde ou não irem); e por fim a falta de autonomia e empoderamento sobre si. Do ponto de vista legal, os autores apontam que há um abismo na legislação e do ponto de vista de políticas públicas na Nigéria (Ishola et al., 2017).
Outra revisão global evidenciou grande abrangência de algum tipo de A&D em mulheres na Nigéria (98%), sendo o mais comum o abuso físico (35,7%). Em estudo conduzido na África do Sul, 84,5% das mulheres não puderam ter acompanhantes durante o parto, e 4,3% recebeu tapas ou socos (Bohren et al., 2015). Tal revisão evidenciou a violência física perpetuada por enfermeiras ou obstetrizes e médicos, sendo o ato de bater com a mão aberta ou com algum instrumento o ato mais frequente de violência física. Houve também referência a beliscos nas coxas, chutes, restrição com amarras na cama e também restrição da boca. Os grupos mais vulneráveis à discriminação foram adolescentes, mulheres que não fossem casadas, mulheres com baixa condição socioeconômica, e mulheres soropositivas para HIV (Bohren et al., 2015). A falta de confidencialidade e também de informação para consentimento foi levantada pelas mulheres como um problema. Além da negligência e abandono, havendo relatos de mulheres que deram a luz dentro das instituições de saúde sem a presença de profissionais, como uma maneira de punição e/ou discriminação (Bohren et al., 2015). Os autores levantaram outras questões que podem interferir e/ou contribuir para a prevalência de A&D, como a falha na comunicação entre profissionais e usuárias do sistema de saúde, a ausência de apoio contínuo durante o parto, a falta de autonomia das mulheres sobre seus corpos, além das condições dos serviços de saúde de maneira geral, como a falta de recursos (materiais, estruturais e humanos) (Bohren et al., 2015).
A frequência de qualquer tipo de A&D em estudo conduzido na Tanzânia foi de 19,48% no momento da alta e de 28,21% entre 5 e 10 semanas após o parto. 5,1% das mulheres foi estapeada ou beliscada, e 5,3% deu a luz sem um profissional de saúde, dentro da instituição. Na entrevista tardia, as mulheres com nível maior de educação, as mulheres mais pobres e as mulheres que reportaram episódio depressivo nos últimos 12 meses, apresentaram maior probabilidade de reportarem A&D. (Kruk et al., 2018).
Em outro estudo também conduzido na Tanzânia, os autores observaram um aumento significativo do relato de A&D entre as entrevistas pós-parto e as tardias, de 15% para 70%. As formas mais comuns de A&D foram abandono (8%), cuidado não digno (6%) e abuso físico (5%). As evidências obtidas através das observações confirmou a alta incidência de A&D reportadas, mostrando que a 84% das mulheres não foi solicitado consentimento para exames vaginais, 20% das mulheres não teve sua confidencialidade preservada durante a entrevista de admissão na unidade, falta de privacidade foi muito prevalente, com 58% das mulheres não sendo cobertas durante o parto e mais de 84% das mulheres necessitaram dividir cama com outra mulher no pós-parto (Sando et al., 2016).
Em estudo conduzido na Etiópia (Sheferaw et al., 2017), o cuidado respeitoso prestado às mulheres tido como mais frequente foi garantir alimentação leve (83%) e o menos frequente foi perguntar em qual posição a mulher gostaria de parir (presente em 29%). Em 36% dos partos observados, pelo menos um tipo de mau trato foi observado, sendo o mais frequente o abandono (19%), seguido de abuso verbal (8%). Obstetrizes tenderam a ter escores maiores de cuidado respeitoso quando comparadas a outros profissionais de saúde (enfermeiras e médicos), sendo que os profissionais do sexo masculino apresentaram coeficientes de cuidado respeitoso mais altos do que os do sexo feminino. Além disso, as mulheres que tinham acompanhante tiveram mais chance de apresentarem coeficiente de cuidado respeitoso mais alto (Sheferaw et al., 2017).
Em estudo conduzido no Peru 97,4% das mulheres relatou ter passado por pelo menos um tipo de A&D, oscilando entre 70% e 100% entre os 14 hospitais estudados. A forma mais prevalente de A&D foi cuidado não digno (86,2%), seguido de cuidado sem consentimento (74,6%) e cuidado sem confidencialidade (68,1%). 88,9% das mulheres relatou 2 ou mais categorias e 55,6% das mulheres relatou 4 ou mais categorias. As mulheres que tiveram cesarianas apresentaram índice maior de abandono e menor de abuso físico, quando comparadas com as mulheres que tiveram partos vaginais (Montesinos-Segura et al., 2018).
Em estudo conduzido no Equador 19,4% das mulheres relatou ter sofrido a manobra de Kristeller, sendo que 39% destas mulheres não teve nenhuma explicação sobre o procedimento (Brandão et al., 2018). Mais de 50% das mulheres receberam episiotomia, sendo que, destas, mais de 30% não recebeu informação sobre o procedimento, 23,9% das mulheres não puderam optar pela posição que desejavam parir, e 5% sequer sabiam que poderiam escolher. 50,5% das mulheres não puderam fazer vínculo precoce com seus bebês e 34,8% não recebeu auxílio para amamentar (Brandão et al., 2018).
Um estudo conduzido no Quênia constatou que houve uma redução de 7 pontos percentuais no que diz respeito a qualquer sentimento de humilhação (caiu de 20% para 13%) após intervenções realizadas a nível de política, instituição e comunidade. As mulheres entrevistadas após a intervenção foram significativamente menos propensas a relatarem abuso físico, verbal, violação de sua confidencialidade e detenção. Neste estudo, dar a luz durante a noite foi associado com maior risco de A&D, enquanto dar a luz em hospitais particulares foi um fator protetor. Mulheres que não eram casadas apresentaram 6 vezes mais chances de relatarem A&D. O abandono foi mais reportado por mulheres mais pobres. A detenção de pacientes foi a subcategoria que mais caiu, de 8% para 0,8% (Abuya et al., 2015).
Em estudo conduzido na Tanzânia 2085 mulheres foram entrevistadas antes da intervenção com a comunidade e o sistema de saúde, e 1680 foram entrevistadas após a intervenção. A intervenção foi associada com uma redução de 66% nas chances de sofrer A&D, além de aumento na probabilidade da mulher avaliar o serviço como excelente ou muito bom, assim como o respeito com que foram atendidas (Kujawski et al., 2017).
Outro estudo conduzindo na Tanzânia utilizou como intervenção duas abordagens, uma com as mulheres e outra com os profissionais. Houve aumento do conhecimento das mulheres acerca de seus direitos durante o parto, como o direito de consentir ou não algum procedimento, o direito de estarem livres de abuso físico e o direito a privacidade. Conhecimento sobre trabalho de parto e parto também aumentou (Ratcliffe et al., 2016). Houve também aumento de conhecimento dos profissionais, como por exemplo, na consciência de que A&D no parto é uma violação de direitos humanos. Além disso, houve aumento da satisfação profissional e também houve mudança na maneira como profissionais lidam com o estresse. Todos os profissionais referiram que o workshop mudou a maneira como eles interagem com as pacientes (Ratcliffe et al., 2016).
Violência obstétrica e profissionais de saúde
Esta categoria englobou 6 artigos, conforme Quadro 2.
Em estudo conduzido na Guiné (Balde et al., 2017) os autores chamam a atenção para o fato do A&D ser normalizado pelos profissionais de saúde, e até mesmo justificado, uma vez que os mesmos consideram o A&D uma abordagem efetiva para auxiliar na cooperação por parte da mulher. Assim, ao gritar ou bater, os profissionais acreditam estar ajudando aquela mulher e protegendo suas condições de saúde e as de seu bebê.
Em estudo de Burrowes et al. (2017) houve destaque para o fato do abuso não se limitar a alguns indivíduos ou instituições, mas sim ser reflexo tanto de falhas sistêmicas quanto de atitudes e crenças da equipe de saúde. Os fatores estruturais identificados como pertinentes ao A&D incluíram falta de recursos humanos, carga de trabalho excessiva, infraestrutura física precária, falta de suprimentos e equipamentos, além da falta de supervisão profissional.
Em estudo colombiano observou-se que as mulheres tem a percepção da equipe de saúde como autoritária, repressora e punitiva. Assim, a medida que as mulheres questionam determinadas práticas, acabam sendo negligenciadas como maneira de punição por parte dos profissionais de saúde. As mulheres também destacaram deficiência na comunicação ativa entre equipe e paciente, o que contribui para a sensação de falta de controle sobre si e sobre o processo por parte das mulheres e acompanhantes (Morales et al., 2018).
Em estudo conduzido no México houve grande destaque para as questões estruturais associadas à violência no parto, concluindo-se que a busca pela humanização do parto já não é mais suficiente no contexto mexicano, sendo necessário que questões culturais e estruturais mudem para que, de fato, as mulheres possam ter experiências dignas de parto, a medida que as práticas abusivas e violentas sejam apontadas, desencorajadas e punidas. Neste contexto as parteiras são personagens indispensáveis na prática respeitosa e no empoderamento das mulheres (Dixon, 2015).
Em Rominski et al. (2017) houve destaque para a normalização do A&D por parte dos estudantes de obstetrícia, que racionalizam a violência de modo a justificá-la como algo necessário e, muitas vezes, algo feito no intuito de ajudar a mulher e o bebê. Há uma cultura de culpabilização dos profissionais na vigência de algum desfecho ruim, o que contribui para práticas violentas como uma assistência defensiva. Para além dessas questões, a percepção do cuidado abusivo como a única alternativa de assistência evidencia o quão profundas são as raízes dessa questão, havendo necessidade de intervenções em diversos campos para o combate à VO.
Em Burrowes et al. (2017) foram destacados a falta de paciência do médico e da equipe, a pressa na assistência (devido ao excesso de casos) e o peso da carga de trabalho excessiva como situações desencadeadoras e agravantes da VO. Portanto, abordar os sistemas de saúde e questões estruturais em torno da carga de trabalho do provedor devem contemplar as iniciativas de treinamento sobre desrespeito e abuso de pacientes. Em Rominski et al. (2017) também houve destaque para o fato de as obstetrizes estarem frequentemente com uma demanda de trabalho excessiva e serem obrigadas a trabalharem com poucos recursos, o que contribui para um cuidado menos respeitoso, devido ao estresse ao qual são submetidas.
Em Rubashkin & Minckas (2018) um estudante identificou uma situação presenciada como VO e algo obviamente errado, porém não soube como agir diante da mesma. Os autores destacam o quanto o estudante esteve exposto ao estresse moral, muito comum no ensino médico e de profissionais de saúde, colocando como necessário o melhor preparo dos estudantes nas questões de humanidades, de modo a estes serem personagens de mudança quando na prática profissional.
Segundo Balde et al. (2017) a estruturação do currículo de obstetrícia, enfermagem e medicina precisa priorizar a importância dos elementos psicossociais, como companheirismo, empatia, compaixão, respeito, autonomia e escolha, devendo tais questões ser essenciais na formação em saúde.
Violência obstétrica: violência contra a mulher e uma violação dos direitos humanos
Foram incluídos 4 estudos qualitativos nesta categoria, conforme o Quadro 3.
Em Vacaflor (2016) o autor explora de maneira crítica o conceito de VO em um enquadramento jurídico para identificar práticas de saúde que constituem abuso e maus tratos contra a mulher na Argentina, com o objetivo de dar mais visibilidade a VO nos diferentes momentos da gestação até o parto. O autor cita o estatuto argentino sobre violência contra a mulher, o qual estabelece que toda mulher tem o direito de ser livre da violência obstétrica, definida como:
“Violência exercida pelo profissional de saúde no corpo ou nos processos reprodutivos da mulher gestante, expressada através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e a conversão de processos naturais da reprodução em processos patológicos” (Vacaflor, 2016).
Segundo Vacaflor (2016) a VO pode ser perpetuada de 3 maneiras: através do cuidado desumanizado, do excesso de medicalização e da conversão de processos biológicos em processos patológicos. Ainda, negar o acesso da mulher ao serviço de saúde, seja por ação ou omissão, pode ser considerada uma forma de VO também sob a luz da lei argentina. Neste artigo, a VO foi analisada sob 3 diferentes aspectos: como uma violação dos direitos humanos; através do estereótipo do feminino, de mulher objeto, reprodutora e incapaz de tomar decisões; e como um problema de saúde pública, uma vez que o atendimento universal respeitoso está longe de ser uma realidade.
O estudo de Diaz-Tello (2016) teve como objetivo oferecer aos profissionais de direito uma perspectiva sobre um problema sistêmico de violência institucionalizada baseada em gênero nos Estados Unidos, citando uma série de casos. Um dos casos tratou de uma entrevista em um telejornal com um médico que afirmava não existir cesariana forçada nos Estados Unidos, tendo que se explicar a respeito de um caso de uma gestante que queria ter um parto vaginal depois de ter tidos cesáreas e na 37ª semana de gestação recebeu uma carta do hospital assinada pelo diretor financeiro que ameaçava denunciá-la ao conselho tutelar por colocar o feto em risco, como também colocar sua vida em risco, e a alertando que realizaria a cesariana independente de suas preferências. Aparentemente, ela teria o direito de consentir a cirurgia, mas não o direito de recusá-la. A instituição reivindicou o direito de atuar no melhor de seu interesse (conforme definido pelo hospital), bem como com seu feto e sua família, mesmo sob sua objeção. Finalmente, tendo ameaçado a custódia de seus filhos, denunciando-a às autoridades, o hospital obrigou-a a “confiar em seus médicos e na equipe para fazer a coisa certa para ela, seu feto e sua família”. Ainda Diaz-Tello (2016) salienta que há relatos dentre os profissionais do parto (incluindo doulas, educadores perinatais e parteiras profissionais) que evidenciam que mais da metade já testemunhou um médico se envolver em um procedimento explicitamente contra a vontade de uma mulher, e quase dois terços já testemunhou provedores "ocasionalmente" ou “muitas vezes” se envolverem em procedimentos sem dar a mulher uma escolha ou tempo para considerar o procedimento.
Em Lokugamage & Pathberiya (2017) os autores analisam o papel do parto e dos direitos humanos na área de cuidados de maternidade seguindo um caso legal recente ocorrido no Reino Unido, à luz da decisão legal de Montgomery v Lanarkshire em 2015 e suas implicações para a prática. Tal caso consistiu na busca de uma mulher pelo parto medicalizado e não o natural. Segundo Lokugamage & Pathberiya (2017), a medicina baseada na compaixão e em evidências está interligada com os direitos humanos na área da saúde, alimentando os princípios de tomada de decisão e do cuidado centrado no paciente. Este artigo aponta narrativas e considerações da justiça restaurativa como aspectos importantes dos processos judiciais e sugere que isso poderia ser benéfico no campo dos direitos humanos do parto, campo no qual existem muitos problemas por parte dos profissionais de saúde, por não considerarem as preferências de seus pacientes ou ainda não permitirem que estes se expressem.
Em estudo de Sadler et al. (2016), levantou-se a discussão da VO como parte de uma violência estrutural contra a mulher, evidenciada pelas altas taxas de intervenções no parto, cuidado sem consentimento, desrespeito e outras práticas abusivas. Os autores apontam que os grandes índices de práticas desnecessárias realizadas no parto, como por exemplo episiotomia e a própria cesariana, acabam sendo reflexos de uma violência estrutural contra a mulher. Salientam que a violência contra a mulher é derivada da estrutura de inequidade de gênero, e a própria VO é derivada da violência contra a mulher, sendo, portanto, impreterivelmente impregnada das questões de gênero. Assim, é uma questão feminista, uma vez que a gestante e/ou parturiente geralmente é uma mulher saudável e não patológica, e o trabalho de parto e parto podem e devem ser abordados como eventos naturais da vida sexual da mulher, podendo a violência obstétrica ser, inclusive, frequentemente sentida e interpretada pelas mulheres como um abuso sexual. Sadler et al. (2016) ainda salienta que tem se construído nas ciências sociais um grande corpo de conteúdo sobre o manejo médico do parto como um reflexo dos poderes assimétricos de gênero. Chama a atenção para a objetificação do corpo feminino no parto. Assim, os corpos das mulheres foram e continuam sendo vistos como portadores de anormalidades, doenças e desvios, o que pode ser evidenciado até mesmo pela linguagem utilizada, como o “diagnóstico” da gravidez, os “sintomas” da gestação, a volta do “estado normal” do corpo após o parto. Inclusive, o corpo em trabalho de parto pode ser visto como uma oposição à feminilidade esperada, sendo então necessária violência para restaurar sua passividade inerente. Na verdade, o parto institucionalizado acaba sendo frequentemente encarado como uma cadeia de forças patriarcais, na qual os participantes tentam o tempo todo domar o processo e controlar os membros envolvidos. Tal normalização foi tão disseminada que a violência não é somente aceita, como reproduzida, inclusive pelas mulheres e seus familiares.
Violência obstétrica: percepção das mulheres e de seus acompanhantes
A presente categoria visou um maior entendimento a respeito da VO diante da percepção das mulheres e de seus acompanhantes e abarcou os estudos no Quadro 4.
Em estudo conduzido na Guiné (Balde et al., 2017) verificou-se que algumas mulheres aceitaram maus tratos quando acreditavam que isso, de alguma maneira, beneficiaria sua saúde ou a de seu bebê. Ou seja, parteiras e médicos poderiam usar “técnicas” para levar as mulheres a cooperar no momento do parto, mesmo que tais técnicas consistissem em A&D. Essas descobertas sugeriram que as mulheres e os profissionais de saúde acreditam que os maus tratos são justificáveis sob certas circunstâncias, como quando as mulheres choram ou não estão de acordo com as exigências da equipe de saúde, por exemplo. Tanto as mulheres quanto os profissionais de saúde acreditavam que ao bater ou gritar com as mulheres, elas dariam uma resposta apropriada à desobediência. Essa desobediência seria gritar demais, fechar as pernas na hora em que o bebê está nascendo e se movimentar demais na cama (Balde et al., 2017).
Em estudo desenvolvido no nordeste da Índia, os autores (Chattopadhyay et al., 2018) utilizaram 6 estudos de caso e discussões com médicos para destacar as diferentes formas de VO. Destas discussões emergiram alguns apontamentos, como: a violência física (que pode ser intencional ou não), assim como a ausência de percepção, por parte dos profissionais, de certos eventos como violência física (como a episiotomia); também a violência emocional intencional como gritar e fazer repreensões verbais contra as gestantes, parentes e acompanhantes. Existem também instâncias da violência onde a intencionalidade é incerta, como negligência, insensibilidade e desrespeito. Destacaram, ainda, formas menos evidentes mas ainda assim significativas e comuns de VO, como procedimentos iatrogênicos (novamente a episiotomia).
Na Etiópia, os autores (Burrowes et al., 2017) verificaram que existe uma baixa utilização dos serviços de saúde devido à percepção das mulheres sobre a má qualidade na assistência e o medo de sofrer maus tratos. O abuso verbal foi relatado por quase metade das pacientes (48%). Curiosamente, no que diz respeito aos maus tratos físicos, as mulheres não apontaram maus tratos consigo e sim os maus tratos observados em outras mulheres. Já os profissionais de saúde relataram abuso físico no trabalho de parto como beliscar as pernas das pacientes para fazerem força, gritarem para empurrarem no momento da expulsão, assim como a escolha da posição para o nascimento. Não diferente de outros estudos citados, em Burrowes et al. (2017) evidenciu-se que a equipe de saúde relata não agir de forma abusiva intencionalmente e sim reage às deficiências do sistema de saúde ou das necessidades médicas.
Outro estudo, desenvolvido no Paquistão (Waqas & Bilal Iqbal, 2018), encontrou a violação do direito da mulher à informação, consentimento e cuidado confidencial como as formas mais prevalentes de maus tratos, enquanto o abuso físico e verbal foram relatados com frequência também.
Em estudo de Warren et al. (2017), realizado no Quênia, 38 mulheres foram entrevistadas e não referiram A&D no momento da alta; em entrevista tardia na comunidade, 17 referiram A&D. As categorias que emergiram de tais dados consistiram nos problemas que as mulheres enfrentam no acesso a serviços de saúde para a maternidade: barreiras socioeconômicas como pobreza, distância do serviço, não conseguir arcar com o transporte para o serviço (especialmente durante a noite), e não conseguir arcar com os serviços da maternidade em si. Os temas de maus tratos emergiram em agrupamentos: abuso físico, abuso verbal, estigma e discriminação, falha ao tentar atingir padrões profissionais básicos de cuidado, má relação entre mulheres e profissionais, condições do sistema de saúde e constrangimentos. A maior parte das mulheres entrevistadas não sabia de seus direitos no parto e não sabiam que tipo de tratamento poderiam esperar dos profissionais de saúde. As que sabiam, nunca questionaram tal conduta por medo de serem discriminadas.
Diante deste quadro assustador de maus tratos obstétricos, alguns subgrupos são mais suscetíveis aos cuidados abusivos, como as gestantes que não são casadas. Em estudo conduzido na Tunísia, os autores sugerem que as mães solteiras são particularmente vulneráveis devido à estigmatização social e a marginalização socioeconômica e a auto percepção (Amroussia et al., 2017). Segundo Amroussia et al. (2017) essas experiências refletem não apenas a má qualidade dos serviços de saúde materna, mas também como as práticas do sistema de saúde traduzem o estigma culturalmente associado às mães solteiras nesse cenário. O estigma social não afetou apenas como as mães solteiras foram tratadas durante o parto, mas também como se perceberam e como perceberam o seu cuidado. Segundo uma das mulheres entrevistadas, a imagem de “mãe solteira” carrega consigo não só a percepção de ser “moralmente errada”, mas também de ser incapaz de tomar decisões e assumir responsabilidades como mãe.
Em estudo indiano de 2017, houve constatação de uma crescente consciência sobre o desrespeito generalizado de maus tratos que as mulheres experimentam durante o parto em hospitais em todo o mundo e, através de recentes revisões sistemáticas, foram identificados domínios de maus tratos, inclusive físicos, de abuso sexual e verbal, de discriminação, de incapacidade de cumprir os padrões profissionais de atendimento, e de relação desumana entre equipe de saúde e gestantes nos países subdesenvolvidos (Diamond-Smith et al., 2017). Neste estudo os autores assinalam o empoderamento como um possível mecanismo protetor das mulheres contra os maus tratos e que merece uma análise mais aprofundada, especialmente para entender os mecanismos que levam ao seu acontecimento e os fatores que podem predispor ou proteger as mulheres. Este estudo descobriu que os cuidadores de saúde são mais propensos a discriminar as mais pobres, e as pacientes com menor escolaridade, em parte porque essas pacientes tem menos poder para buscarem recursos de tratamento. No entanto, mulheres mais instruídas tem maiores expectativas em relação ao nascimento, levando a maior probabilidade de denúncia de maus tratos.
Discussão
Como evidenciado nos resultados, a VO é disseminada mundialmente, tendo suas diferentes nuances destacadas de acordo com as questões socioculturais e econômicas envolvidas em cada contexto no qual acontece. Chama atenção o fato de a VO ser algo normalizado, como apontado em diversos estudos (Balde et al., 2017; Dixon, 2015, Ishola et al., 2017; Sadler et al., 2016). Isso evidencia o quanto a VO está enraizada e embutida de questões mais complexas, inclusive as questões de gênero, as quais impregnam a percepção social acerca do papel da mulher na sociedade e, consequentemente, sua reafirmação como mulher submissa, reprodutora, cujo corpo em trabalho de parto foge às regras implícitas nessa condição, devendo, portanto, ser objetificado e domado pelos profissionais e instituições, a fim de restaurar sua “condição feminina” (Sadler et al., 2016; Sauaia & Serra, 2016). É, portanto, parte da violência estrutural contra a mulher, sendo mais evidente em locais nos quais a violência contra a mulher é mais incidente e normalizada, como explicitado em estudo da Guiné (Balde et al., 2017). Tal normalização da VO é fator dificultador de sua identificação e consequente combate, uma vez que procedimentos invasivos e dolorosos são considerados normais, como por exemplo, o fato da episiotomia não ser vista como um abuso físico por parte dos profissionais (Chattopadhyay et al., 2018).
A normalização da VO é algo global, tendo em vista que ocorre em países subdesenvolvidos e desenvolvidos, consideradas as devidas proporções, como evidenciado nesta revisão. Em países pobres, a VO se constitui da violação de questões básicas, como o acesso a serviços de saúde de qualidade. Além disso, os serviços disponíveis são frequentemente ocupados por profissionais sobrecarregados, insatisfeitos, com excesso de carga de trabalho e sob condições insalubres de assistência, o que contribui para o aumento da VO (Burrowes et al., 2017; Rominski et al., 2017). Os profissionais não são violentos intencionalmente, mas perpetuam tais práticas frente a um sistema deficiente, no qual a violência estrutural está intimamente ligada à injustiça social, sendo a VO parte de uma violência contra a mulher num cenário social, econômico e político, no qual a equipe de saúde exerce papel de representante de tais violências (Burrowes et al., 2017).
Dados que evidenciam os grupos de maior risco para A&D confirmam a questão supracitada, uma vez que as mulheres que não eram casadas, que eram pobres e com menor escolaridade (além de questões como soropositividade para HIV, idade e etnia) foram tidas como grupos de risco para VO, mostrando o quanto o sistema de saúde falha com as usuárias mais vulneráveis, sendo inclusive estas as mais frequentemente punidas com abandono e negligência (Abuya et al., 2015; Amroussia et al., 2017; Balde et al., 2017; Diamond-Smith et al., 2017; Kruk et al., 2018; Waqas & Bilal Iqbal, 2018). Outros fatores de risco foram ausência de apoio contínuo, falta de empoderamento, falha de comunicação entre equipe e parturiente e dar a luz a noite (Bohren et al., 2015; Morales et al., 2018; Waqas & Bilal Iqbal, 2018). Por outro lado, fatores de proteção foram dar a luz em hospital particular, empoderamento sobre si e ter tido acompanhante no trabalho de parto, confirmando o quanto o apoio contínuo e o fato de ter informação podem contribuir positivamente para a diminuição e possível erradicação da VO a longo prazo (Abuya et al., 2015; Diamond-Smith et al., 2017; Sheferaw et al., 2017).
As condições inadequadas de assistência, somadas ao alto índice de A&D, levam as mulheres a não utilizarem os serviços de saúde, especialmente nos países pobres, o que contribui diretamente para os altos índices de morbimortalidade materna e neonatal, uma vez que as mulheres optam por dar a luz em casa, com parteiras tradicionais ou sozinhas (Bohren et al., 2015; Burrowes et al., 2017; Ishola et al., 2017; Warren et al., 2017).
Chama a atenção o fato de a referência à vivência de A&D no parto ter sido mais frequente nas entrevistas tardias, quando as mulheres não estavam mais sob cuidado dos profissionais nas instituições (Kruk et al., 2018; Sando et al., 2016; Warren et al., 2017). Tal dado é justificado pelo medo de sofrer represálias quando ainda institucionalizada, levando a subnotificação da VO em virtude de uma punição ainda maior, o que dificulta o combate à mesma (Kind et al., 2013).
Assim, intervenções com intuito de diminuir a incidência de A&D devem ser estimuladas, de modo a diminuir o medo do sistema vivenciado pelas mulheres. Todos os estudos que envolveram esse tipo de intervenção mostraram resultados positivos, diminuindo a incidência de A&D (Abuya et al., 2015; Kujawski et al., 2017) e aumentando a satisfação profissional (Ratcliffe et al., 2016). Além disso, profissionais reconhecidamente comprometidos com a autonomia e empoderamento femininos, devem ser inseridos de maneira intensa nos sistemas, especialmente as obstetrizes, que são associadas a boas práticas e cuidados mais respeitosos, desempenhando importante papel no combate à VO (Sheferaw et al., 2017; Dixon, 2015).
Por outro lado, a formação profissional para a saúde deve ser revista, de modo a inserir conteúdos de humanidades nos currículos, contribuindo para a formação de médicos, enfermeiros e obstetrizes mais empáticos, conhecedores dos direitos humanos e dos pacientes, contribuindo para o empoderamento e exercício da autonomia por parte das mulheres (Rubashkin & Minckas, 2018).
Os poucos estudos que consideraram a VO em países desenvolvidos mostraram outra perspectiva do tema, na qual o acesso ao serviço e suas condições básicas já não são a principal questão, mas sim o direito a uma assistência digna e respeitosa, frente às praticas excessivamente disseminadas, como a alta medicalização do parto e sua patologização diante das tecnologias disponíveis (Diniz, 2005). Tal fato foi observado também em países da América Latina, como Venezuela, Argentina e México, como foi observado nos estudos que abordaram a lei argentina e venezuelana (Vacaflor, 2016), assim como a necessidade de um movimento para além da humanização do parto no México, visando à prática respeitosa (Dixon, 2015).
Observou-se uma tendência latino-americana a associação de excesso de medicalização à VO, assim como ocorre no Brasil ("Defensoria Pública do Estado de São Paulo," 2015), e também no sentido do que tem caminhado nos EUA (Diaz-Tello, 2016). Desta maneira, pode-se inferir que, superadas as deficiências estruturais de acesso à saúde, que ferem os direitos humanos e constituem-se como uma forma de VO (especialmente disseminada em países pobres), o excesso de medicalização e a patologização de processos naturais, como a gestação e o parto, tornam-se a nova face da VO, especialmente em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Assim, ferramentas legais (Borges, 2018), associadas à educação para saúde e empoderamento feminino, estruturariam um corpo eficiente de combate à VO, somadas às mudanças estruturais de ensino em saúde.
Diante do exposto, pode-se concluir que a violência obstétrica é uma realidade ao redor do mundo, podendo ter mudanças conceituais de acordo com aspectos culturais, sociais e econômicos, não havendo nenhuma definição que seja consenso internacionalmente.
Na presente revisão, a maior parte dos estudos incluídos fez referência a países subdesenvolvidos, o que pode indicar uma exacerbação da violência obstétrica em locais com condições precárias de saúde, transcendendo as condições de dignidade na assistência ao parto, sendo as mulheres expostas ao cuidado inadequado, em locais insalubres e com profissionais pouco preparados e sobrecarregados.
Os poucos estudos que estudaram a questão em países desenvolvidos evidenciaram uma abordagem mais subjetiva, na qual a discussão não se faz em torno do acesso a condições adequadas de assistência, mas sim ao acesso ao cuidado com qualidade técnica e que, para além do óbvio, respeite a subjetividade da mulher, suas crenças e reconheça sua autonomia sobre seu corpo e seu processo de saúde, utilizando as tecnologias disponíveis somente quando realmente necessárias.
Por fim, fez-se evidente que a violência obstétrica, independente do local em que ocorre e para além das questões sociais e econômicas que a envolvem, não tem sua base em um só alicerce. Muito pelo contrário, foi construída e se desenvolve sistematicamente através de um entrelace entre cultura da normalização da violência e patologização do parto, perpetuação da figura do médico como único detentor do saber e reafirmação da violência de gênero estrutural. Diante de um evento tão complexo, somente soluções complexas seriam capazes de surtir efeito positivo, fazendo-se necessária uma articulação entre instituições legais, Estado e as próprias equipes de saúde, juntamente com representantes civis, de modo a conscientizar as mulheres sobre seus direitos e os profissionais sobre seus deveres, para que a mudança cultural aconteça a longo prazo, de maneira a possibilitar uma assistência respeitosa, digna e segura para as mulheres no nascimento de seus filhos.