A doença de Parkinson (DP) é uma doença neurodegenerativa e progressiva que acomete indivíduos com idade acima dos 60 anos (Hirsch et al., 2016; Sprenger & Poewe, 2013). No entanto, o seu desenvolvimento em indivíduos com idade abaixo dos 60 anos pode ser identificado (Sprenger & Poewe, 2013). A ocorrência dessa doença influencia na regulação dos movimentos devido à perda de neurônios produtores de dopamina (Bhat et al., 2018).
Considerada a segunda doença neurodegenerativa mais comum, atrás apenas da doença de Alzheimer, a DP afeta cerca de 2% do total da população adulta (Rijk et al., 1997). Estudo de meta-análise tem identificado um aumento 6,1 milhões de indivíduos com DP em 2016 e esse aumento ocorre devido a expectativa de vida da população que é crescente (GBD 2016 Parkinson's Disease Collaborators, 2018). Além disso, projeções indicam que a ocorrência da DP até 2030 atingirá um total de 9,3 milhões de habitantes no mundo todo (Dorsey et al., 2007). A DP apresenta sintomas como bradicinesia em combinação com uma ou mais manifestações, entre as quais, tremor de repouso, instabilidade postural e rigidez muscular. A presença desses sintomas ocorre de forma unilateral e a assimetria persiste de forma contínua durante a doença (Kalia & Lang, 2015).
Além dos sintomas motores, a DP apresenta manifestações não-motoras que levam ao prejuízo na qualidade de vida e o comprometimento da independência (Faria et al., 2019). A ansiedade é uma das comorbidade mais presentes entre os pacientes com DP e sua presença entre esses indivíduos é de 30-40% (Broen et al., 2018; Chaudhuri et al., 2006). A ansiedade em pacientes com DP pode se dar pela flutuação motora, principalmente quando esse encontra-se no estágio off (Carod-Artal et al., 2008; Gasparoli et al., 2002; Storch et al., 2013)
A presença dos sintomas ansiosos pode contribuir para a ocorrência de declínio cognitivo e os sintomas ansiosos são comumente observados em pacientes com DP (Randver, 2018; Yamanishi et al., 2013). Esse prejuízo psicológico na DP é considerado um fator de risco na função cognitiva do indivíduo (D'Iorio et al., 2017). Estudo tem demonstrado que pacientes com DP apresentam declínio cognitivo causada pelo impacto das preocupações psicológicas (e.g., depressão e ansiedade), por exemplo (Aguiar et al., 2020; Erro et al., 2012; Gallagher & Schrag, 2012; Kano et al., 2011). Essa ocorrência dos sintomas ansiosos na DP se dá pela degeneração da via nigroestriatal (Maximiano-Barreto et al., 2015; Wen et al., 2013). Essa via é também apresenta sua contribuição na cognição, funções executivas e motivação, incluindo mudança de cenário, memória de trabalho e tomada de decisão (Puig et al., 2014).
Com base no que foi apresentado acima, essa pesquisa buscou analisar a relação entre comprometimento cognitivo e sintomas ansiosos em pacientes com doença de Parkinson primária atendidos em um ambulatório público de distúrbio de movimento em Maceió, AL.
Método
Participantes
Realizou-se um estudo de corte transversal e por conveniência. A amostra foi composta por 62 pacientes com doenças de Parkinson primária, com idade entre 34-79 anos. A pesquisa foi realizada em um ambulatório de distúrbio de movimento de um hospital público na cidade de Maceió, AL.
Os critérios de elegibilidade adotada para inclusão dos pacientes foram: ser diagnosticado com doença de Parkinson primária; e ser atendido no ambulatório em um tempo mínimo de 4 meses. Quanto aos critérios de exclusão, foram excluídos os pacientes que apresentaram algum comprometimento cognitivo que implicasse nas repostas aos instrumentos, além disso, os que apresentaram algum déficit (auditivo, mudez e/ou visual).
Material
Inventário de Ansiedade Geriátrica (GAI). O GAI é um inventário criado para rastreio de sintomas ansiosos em idosos desenvolvido por Pachana et al. (2007) e validado para o contexto brasileiro por Martiny et al. (2011). É um instrumento autoaplicável composto por 20 itens com repostas dicotômicas (concordo/discordo) e sua pontuação varia entre 0 e 20, no qual, o maior número de respostas “concordo” indica maior presença de sintomas ansiosos.
Avaliação Cognitiva de Montreal (MoCA). O MoCA é um instrumento para rastreio do Comprometimento Cognitivo Leve (CCL). A versão traduzida e adaptada para população brasileira foi realizada por Memória et al. (2013). Esse instrumento avalia os aspectos fluência verbal, abstração, evocação tardia, orientação, alternância de trilha, habilidades viso-construtivas, nomeação, memória, atenção e replicação de sentença. O MoCA apresenta um total de 30 pontos com escore de >26. Caso o valor seja inferior, isso pode indicar comprometimento cognitivo leve; em relação aos indivíduos com escolaridade inferior a 12 anos é atribuído 1 ponto (Nasreddine et al., 2005).
Procedimento
Inicialmente, os pesquisadores tiveram acesso aos prontuários dos pacientes atendidos no ambulatório pela médica Neurologista CLPFJ. Após cada atendimento, a neurologista informava aos pesquisadores quanto ao diagnóstico do paciente (DP primária ou secundária) de acordo com os critérios do Banco de Cérebro de Londres (Hughes et al., 2002). Os pacientes que preenchiam os critérios de elegibilidade eram convidados para uma sala disponibilizada pelo ambulatório para que os pesquisadores realizassem a aplicação dos instrumentos. Os pacientes preencheram um questionário estruturado desenvolvido pelos pesquisadores que constavam questões capazes de caracterizar os indivíduos (idade, sexo, estado civil, escolaridade e outros). Além dos instrumentos para rastreio de sintomas ansiosos (GAI) e função cognitiva (MoCA).
A pesquisa ocorreu entre maio e outubro de 2018 e foi realizado por quatro estudantes do curso psicologia e medicina previamente treinados para aplicação dos instrumentos. As entrevistas tinham uma duração de 30 a 40 minutos e foram realizadas um dia na semana no período da manhã. O termo de consentimento livre e esclarecido foi devidamente assinado por todos os participantes antes do preenchimento dos instrumentos. Essa pesquisa obteve aprovação (parecer nº 2.518.854) do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos do Centro Universitário Tiradentes.
O software Statistical Package for the Social Sciences - SPSS (23.0) foi utilizado para análise estatística. Os dados incialmente são apresentados através de percentual, média e desvio padrão. A normalidade dos dados foi realizada através do teste Kolmogorov-Smirnov. Os testes U de Mann-Withney e Kruskal-Wallis foram utilizados para comparação de dois ou mais grupos. Realizou-se o teste de Spearman para analisar a relação diretamente ou inversamente das variáveis contínuas, considerando um poder de relação como fraca (0,10 a 0,39), moderada (0,40 a 0,69) e forte (0,70 a 1) conforme apresentado por Dancey e Reidy (2006). O poder de significância adotado nas análises foi de 5%.
Resultado
A amostra foi composta por 62 pacientes, com média de idade de 62,51 anos (±9,26), na sua maioria do sexo feminino (71,0%), casados (71,0%) e realizam atividades físicas (56,5%). Os dados sociodemográficos dos pacientes de forma detalhada são apresentados abaixo (Quadro 1).
O Quadro 2 demonstra as características clínicas dos pacientes com doença de Parkinson. É possível identificar que a pontuação apresentada pelo GAI foi de 9,32. Em relação a presença de sintomas ansiosos, 56,5% dos pacientes não apresentam sintomas. No que se refere à função cognitiva medida pelo MoCA, houve uma pontuação total de 17,33 pontos. Indicando um comprometimento cognitivo leve nos pacientes com DP.
Nota. DP: Desvio padrão; GAI: Inventário de Ansiedade Geriátrica; MoCA: Avaliação Cognitiva de Montreal
O Quadro 3 demonstra a comparação entre os dados sociodemográficos e os testes clínicos. Os resultados apresentam uma diferença estatisticamente significativas em relação ao GAI na realização de atividade física (p=0,033). Ou seja, pacientes que realizam atividades física apresentam menos sintomas ansiosos. Em relação ao MoCa, houve uma diferença significativa em relação ao sexo (p=0,024) e etnia/cor (p=0,036), em que se observa que os indivíduos do masculino e não brancos apresentam maior prejuízo cognitivo. Também se realizou uma correlação entre o MoCA, idade e escolaridade, cujo resultados demonstram uma relação estatisticamente significativa e moderada entre idade e o MoCA (ρ=-0,541; p<0,001) e em relação à escolaridade (ρ=0,489; p<0,001). Já em relação aos sintomas ansiosos, não foram identificados resultados significativos (p>0,005).
Nota. GAI: Inventário de Ansiedade Geriátrica; MoCA: Avaliação Cognitiva de Montreal. * = 0,05; ** = 0,001; ρ= Teste de correlação de Spearman; ♦ = Teste U de Mann-Whitney; ⸸= Teste Kruskal-Wallis
Quando são relacionados os sintomas ansiosos e a cognição, é possível identificar uma diferença estatisticamente significativa em relação ao MoCA total (ρ=-0,25; p<0,044), mas apresentado uma correlação inversa e fraca. Esse mesmo resultado foi identificado em relação ao domínio nomeação (ρ=-0,26; p<0,038). A relação entre os sintomas ansiosos e outros domínios são apresentados no Quadro 4.
Discussão
Os resultados identificaram que a maioria dos pacientes com doença de Parkinson não apresenta sintomas ansiosos. No entanto, os sintomas ansiosos corroboram para o prejuízo cognitivo. Além disso, também foi identificada uma relação entre as características demográficas, em especial, a idade, escolaridade e função cognitiva.
Nota. GAI: Inventário de Ansiedade Geriátrica; MoCA: Avaliação Cognitiva de Montreal. * = 0,05; ρ= Teste de Spearman.
A comparação entre sintomas ansiosos e função cognitiva apresentou uma correlação inversa nessa atual pesquisa. Esse resultado contrário foi identificado em um estudo realizado com 77 pacientes diagnosticados com doença de Parkinson idiopática que identificou uma correlação direta entre ansiedade e função cognitiva (Reynolds et al., 2017). Esse mesmo resultado também foi identificado em outro estudo em que se comparou 50 pacientes com doença de Parkinson, sendo 33 sem e 17 com ansiedade, e estes últimos apresentando maior prejuízo cognitivo (Ehgoetz Martens et al., 2016).
Diante dos domínios cognitivos que compões o MoCA, também foi identificado uma relação inversa entre nomeação e sintomas ansiosos nessa atual pesquisa. Autores apontam que diversos domínios cognitivos são comprometidos por consequência da DP, mas a habilidade de linguagem normalmente não apresenta prejuízo (Bogdanova & Cronin-Golomb, 2012); no entanto, segundo Huber e Bornstein (1992), alguns pacientes com DP podem apresentar pequenas alterações neste domínio.
Um outro fator que pode ser destacado em relação às variáveis apresentadas acima é a escolaridade dos participantes. Os resultados desta pesquisa identificaram uma correlação negativa entre escolaridade e função cognitiva, ou seja, menor escolaridade implica em maiores prejuízos cognitivos. Esse resultado também é identificado em uma pesquisa realizada com 185 pacientes com DP diagnosticado recentemente, que identificou uma associação de baixo nível de escolaridade e comprometimento cognitivo (Dissanayaka et al., 2017). Resultados semelhantes também evidenciados em outros estudos (Bogdanova & Cronin-Golomb, 2012; Ehgoetz Martens et al., 2016). Esses achados possivelmente podem justificar nossos achados.
A idade também foi uma variável que se correlacionou com o prejuízo cognitivo. No mesmo sentido, uma pesquisa realizada em Pernambuco, com a participação de 85 pacientes com DP e tendo como um dos objetivos identificar as variáveis sociodemográficas associadas a alteração cognitiva, identificou que a idade elevada corrobora para prejuízo cognitivo (Martins et al., 2019). Outros estudos realizados com indivíduos sem DP apresentaram resultados semelhantes (Coelho et al., 2012; Rosa et al., 2018). Essa relação é testificada em uma revisão da literatura que identificou que a maior idade na DP corrobora para prejuízos cognitivos (Huang et al., 2006; Melo et al., 2007).
Esta atual pesquisa identificou uma baixa presença de sintomas ansiosos. Esse resultado pode ser justificado pela realização de atividades realizada pelos participantes no dia-a-dia que corresponde à 56,5%. Minghelli et al. (2013) realizaram uma pesquisa com 72 idosos, sendo 38 sedentários e 34 ativos, e identificaram que a não realização de atividade física corrobora para presença de prejuízos psicológicos, em especial a ansiedade. O mesmo resultado foi identificado em estudos realizados com pacientes com DP (Altmann et al., 2016; Dashtipour et al., 2015). Essa relação também é identificada em uma meta-análise (Wipfli et al., 2008; Asmundson et al., 2013).
Outro ponto que se deve levar em consideração nos resultados desta pesquisa refere-se a residir com familiar (90,3%). Maximiano-Barreto et al. (2019) realizaram uma pesquisa com a participação de 171 idosos e identificaram que o apoio familiar auxilia na minimização dos prejuízos psicológicos. Outras pesquisas também destacam que o apoio dos cuidadores dos pacientes com doenças neurodegenerativas auxilia na qualidade de vida (Gonçalves et al., 2007; Nunes et al., 2019)
Algumas limitações podem ser apontadas: a) essa pesquisa é de cunho transversal, o que implica na identificação da causalidade desta relação entre sintomas ansiosos e função cognitiva; b) o instrumento para identificar sintomas ansiosos não é validado para rastreio deste prejuízo psicológico em adultos jovens; e c) a não realização do cálculo amostral implica na representatividade no total de pacientes com Parkinson atendido no ambulatório, no entanto suas características são semelhantes a outros estudos tanto a nível nacional quanto internacional (Reynolds et al., 2017; Maximiano-Barreto et al., 2018).
Diante do que foi apresentado acima, pode-se concluir que os sintomas ansiosos corroboram com prejuízo cognitivo, além de ter relação com o prejuízo no domínio nomeação do MoCa. Além dos sintomas ansiosos e baixa escolaridade também apresenta uma consideração negativa no declínio cognitivo.
Contribuição dos autores
Iago Aguiar: Redação do rascunho original
Madson Maximiano-Barreto: Redação do rascunho original, Análise de dados,
Warlla Farias: Curadoria de dados, Investigação
Jaiel Santos: Curadoria de dados, Investigação
Cícera Jesus: Redação-Revisão e Edição
Theresa Serqueira: Redação-Revisão e Edição
André Fermoseli: Conceituação, Metodologia, Redação-Revisão e Edição e Supervisão