A hanseníase ou mal de Hansen - MH - é uma doença infecciosa, granulomatosa e de evolução crônica (Talhari et al., 2015), cujo agente etiológico é o Mycobacterium leprae (Orsini et al., 2008). Acredita-se que a doença tem como principal forma de transmissão o contato prolongado e direto de um indivíduo susceptível com o indivíduo doente e sem tratamento (Lastória & Abreu, 2012), que elimina o bacilo no ar ao falar, tossir e espirrar (Ministério da Saúde, 2017).
Segundo as diretrizes da Organização Mundial de Saúde - OMS (2017), para se considerar o diagnóstico de hanseníase o paciente deve apresentar lesão(ões) de pele com alteração de sensibilidade, acometimento de nervo(s) com espessamento neural e/ou baciloscopia positiva. Esta etapa é imprescindível para o bom desfecho da doença que, se não diagnosticada e tratada oportunamente, pode provocar incapacidades físicas ou até mesmo deformidades (Britton & Lockwood, 2004).
Com a recomendação do tratamento poliquimioterápico (PQT) pela OMS na década de 80 e a criação de medidas de eliminação da hanseníase houve a queda significativa de sua prevalência no âmbito mundial (WHO, 2016a). Infelizmente, o Brasil faz parte dos poucos países que vem enfrentando dificuldades no controle da doença, não atingindo a meta proposta pela Organização até o fim do ano de 2015 (prevalência menor que 1 caso/10.000 habitantes) (Organização Mundial de Saúde, 2010; WHO, 2016b). Em 2016, juntamente com a Índia e Indonésia, reportou mais de dez mil novos casos, o que adverte para a concentração da doença em um número limitado de países (WHO, 2017).
Segundo dados fornecidos pelo boletim epidemiológico da OMS (WHO, 2017), o Brasil é considerado um dos líderes mundiais em detecção da hanseníase, representando 94% de todos os novos casos registrados nas Américas. De acordo com Nobre et al. (2017), em 2015 foram reportados 28.761 novos casos no país, dos quais 7,3% foram diagnosticados em crianças menores que 15 anos, indicando que a doença mantêm um nível ativo de transmissão no território brasileiro. As regiões com maior taxa endêmica e de importância no controle de transmissão são o Norte, Nordeste e Centro Oeste (Ministério da Saúde, 2015). No estado do Mato Grosso do Sul, a média do coeficiente de detecção no período de 2010 a 2017 foi de 3,47/10mil habitantes, enquanto na capital, Campo Grande, a média foi de 1,60/10 mil habitantes no mesmo período, padrão considerado de alta endemicidade (Ministério da Saúde, 2018).
De acordo com Lastória e Abreu (2012), estudos que visam aperfeiçoar o processo de diagnóstico e tratamento oportuno no contexto da hanseníase são de extrema importância. Isso porque grande parte da dificuldade em se eliminar a doença pode ser atribuída ao diagnóstico tardio, não adesão e/ou abandono do tratamento, agravados pelo estigma social dirigido aos doentes (Souza et al., 2018; WHO, 2017).
Quanto ao tratamento, estudos vêm sendo realizados para levantar os possíveis preditores de adesão (Heukelbach et al., 2011; Raju et al., 2015), mas normalmente se limitam a aspectos sociodemográficos dos participantes. No entanto, a OMS (WHO, 2016a) tem enfatizado a necessidade de se conhecer os aspectos sociais e humanos que envolvem a hanseníase, doença alvo de discriminação e preconceito, pois também interferem negativamente no diagnóstico oportuno e resultados do tratamento.
Nesse sentido, o presente estudo objetiva contribuir para os conhecimentos acerca da hanseníase, investigando os possíveis preditores da adesão ao tratamento medicamentoso, processo fundamental para o controle e eliminação da doença. Para tal, foram considerados não só os aspectos sociodemográficos dos participantes, mas também os aspectos psicológicos. Dessa forma, contribui-se para a compressão mais abrangente sobre a doença e seu tratamento, favorecendo a elaboração de intervenções mais eficientes.
Método
Trata-se de um estudo do tipo transversal, de cunho descritivo e correlacional.
Participantes
A amostra foi composta de 68 participantes com diagnóstico de hanseníase e em fase de tratamento poliquimioterápico, recrutados no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian - EBSERH e no Hospital São Julião, no município de Campo Grande, MS. Foram adotados como critérios de inclusão ser diagnosticado com hanseníase, em uso da PQT, ambos os sexos, idade de 18 a 65 anos, e estar em acompanhamento no ambulatório de dermatologia do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian - EBSERH e/ou no Hospital São Julião, em Campo Grande, MS. Como critérios de exclusão foram adotados ser indígena e possuir diagnóstico que comprometa a compreensão e/ou resposta do participante.
Para identificar os pacientes que atendiam aos critérios da pesquisa, foram levantados a partir da ficha de notificação compulsória da doença todos aqueles que ainda se encontravam em tratamento de PQT nos respectivos hospitais. Após essa etapa, foram consultadas as agendas dos ambulatórios de dermatologia para que o pesquisador fosse até o ambulatório no dia em que o paciente estivesse agendado. Após o comparecimento do paciente ao serviço agendado, o pesquisador realizava o convite para participação na pesquisa.
Material
Entrevista Estruturada. Definida para identificar as características sociodemográficas dos participantes quanto a: idade, sexo, estado civil, escolaridade, renda familiar, profissão, se possui filhos, idade dos filhos, número de pessoas que residem juntas, período transcorrido desde o diagnóstico, forma clínica do MH, presença de surtos reacionais, presença de dor neural, se possui outra pessoa na família/convívio com diagnóstico de MH, necessidade de auxílio para lembrar-se de se medicar, dificuldade de realizar atividades cotidianas, distância aproximada da residência até local de retirada de medicamento, como descobriu a doença, disponibilidade de medicamento no local de retirada, presença de mais morbidades, quantos medicamentos ingeridos além da PQT, autopercepção de saúde, autopercepção de adesão ao tratamento e conhecimentos básicos acerca do MH.
Depression Anxiety and Stress Scale - Short Form - DASS-21. Escala constituída por 21 questões em escala likert de quatro pontos, que visa mapear sintomas de depressão, ansiedade e estresse experenciados pelo participante na semana anterior a aplicação do instrumento (Lovibond & Lovibond, 1995; Vignola & Tucci, 2014). Os escores são interpretados como normal, leve, moderado, grave e extremamente grave. Quanto maior o escore obtido, maior o grau de gravidade.
Teste de Morisky-Green (versão modificada). Questionário dividido em quatro questões que visa avaliar o grau de adesão ao tratamento medicamentoso (Bem et al., 2012; Cornélio et al., 2009). Foi utilizada a versão modificada do questionário original (Morisky et al., 1986) proposta por Sewicht (2003). Considera-se como aderente o participante que responder a todas as quatro questões negativamente e não aderente aquele que responder uma ou mais questões afirmativamente (Morisky et al., 1986).
Os dados de prontuários foram utilizados para obter mais informações acerca do participante.
Procedimento
Os pacientes foram convidados a participar da pesquisa, sendo informados das etapas da mesma, do sigilo quanto a informações que possibilitem sua identificação, etc., podendo encerrar sua participação a qualquer momento. Todas estas informações foram detalhadas no Termo de Consentimento livre e esclarecido, que em caso de aceite do participante, foi entregue em duas vias para assinatura.
A aplicação dos instrumentos de coleta de dados foi presencial e ocorreu em uma sala do ambulatório de dermatologia do HU e do Hospital São Julião. A escolha do local se deve a que os mesmos garantem o sigilo e privacidade tanto dos dados coletados como da identidade dos participantes.
A comparação entre pacientes aderentes e aqueles não aderentes ao tratamento pelo teste de Morisky-green, em relação às variáveis quantitativas avaliadas neste estudo, foi realizada por meio do teste t-student. Já a avaliação da associação entre a aderência ao tratamento e as variáveis categóricas, foi realizada por meio do teste do qui-quadrado, com correção de Bonferroni, quando necessária. A avaliação da correlação linear entre o escore dos conhecimentos sobre a MH (presente na entrevista sociodemográfica) e o escore na autoavaliação da aderência ao tratamento, foi realizada por meio teste de correlação linear de Pearson.
Os demais resultados deste estudo foram apresentados na forma de estatística descritiva ou na forma de quadros. A análise estatística foi realizada por meio do programa estatístico SPSS, versão 23.0, considerando um nível de significância de 5%.
O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Plataforma Brasil [CAAE: 96162918.1.0000.0021], bem como dos respectivos hospitais envolvidos.
Resultados
A média de idade da amostra foi de 47,87±1,49 anos (média±erro padrão da média). Quanto ao sexo, 46 (67,6%) eram do sexo masculino. No que se refere ao estado civil e ter filhos, 44 (64,7%) possuem um companheiro(a) e 54 (79,3%) tiveram um ou mais filhos. Em relação à escolaridade, 06 (8,8%) relataram nunca ter frequentado a escola, 40 (58,8%) relataram ter concluído o Ensino Fundamental e apenas 6 (4,4%) o Ensino Superior. A média da renda familiar foi de R$ 2827,37±418,29, sendo que 41 (60,3%) participantes afirmam ter três ou mais dependentes. Somente 8 (11,8%) informaram residir sozinha e não haver disponibilidade da medicação PQT nos locais de retirada. Além disso, 38 (55,9%) afirmam não conhecer outro indivíduo com MH, seja na família ou em seu convívio social.
Houve predomínio de casos multibacilares, representando 92,6% (n = 63) da amostra, dos quais 68,2% (n = 43) ocorreram no sexo masculino. O tempo médio transcorrido desde o diagnóstico até o momento da entrevista foi de 12,72±2,12 meses. Os quadros reacionais foram relatados por 36 (52,9%) participantes e a presença de dor neural por 50 (73,5%). Apesar disso, 35 (51,5%) afirmaram não sentir dificuldade para realizar as atividades do dia a dia e 42 (61,8%) relataram não possuir comorbidades. O uso de medicação além da PQT foi relatado por 30 (44,1%) participantes.
Quando questionados sobre a necessidade de ajuda para lembrar-se de se medicar, 58 (85,3%) informaram não precisar desse auxílio. Quanto à autopercepção de saúde, 59 (86,8%) consideram sua saúde como regular, boa ou ótima. Já em relação aos conhecimentos gerais sobre a hanseníase, avaliado a partir de cinco questões presentes na entrevista estruturada, 31 (45,6%) obtiveram nota máxima, enquanto apenas 11 (16,2%) pontuaram abaixo de sete pontos.
Segundo os dados obtidos pelo teste de Morisky-Green (TMG), 36 (52,9%) participantes foram considerados aderentes, sendo a média do escore de autoavaliação de adesão ao tratamento de 9,07±0,14. Quanto aos 32 (47,1%) considerados não aderentes, 24 (74,9%) responderam apenas a uma pergunta afirmativamente, enquanto 8 (25,0%) responderam a duas. Apenas cinco participantes apresentavam a forma paucibacilar da doença, dos quais quatro foram classificados como não aderentes.
Conforme o Quadro 1, as variáveis sexo, escolaridade e estado civil não tiveram efeitos significativos no grau de aderência ao tratamento medicamentoso, segundo levantado pelo TMG (valor de p variando entre 0,169 a 0,878).
Outras variáveis que não obtiveram efeitos significativos no grau de aderência ao tratamento medicamentoso foram a presença de comorbidades (p=0,702), a ingestão de mais medicamentos além da PQT (p=0,357), autopercepção de saúde (p=0,328), surto reacional (p=0,316), dor neural (p=0,796), necessidade de ajuda para lembrar-se de se medicar (p=0,840), dificuldades nas atividades do dia a dia (p=0,475) e escore de conhecimentos sobre MH (p=0,490).
Já no Quadro 2, estão apresentados os resultados da comparação entre participantes aderentes e aqueles não aderentes no teste TMG, em relação às variáveis idade, escore na autoavaliação do participante sobre sua aderência ao tratamento, escore dos conhecimentos sobre MH e número de filhos. O escore de autoavaliação dos participantes considerados aderentes no teste TMG foi significativamente maior do que aquele entre os participantes não aderentes (teste t-student, p=0,001). Por outro lado, não houve diferença entre os participantes aderentes e aqueles não aderentes, em relação às variáveis idade, escore dos conhecimentos sobre MH e número de filhos (valor de p variando entre 0,232 e 0,866).
Nota. Os resultados estão apresentados em média±erro padrão da média. *Valor de p no teste t-student.
As médias obtidas por meio do instrumento DASS-21 foram de 13,21±1,41 para o domínio depressão, 14,88±1,24 para o domínio ansiedade e 18,21±1,47 para o domínio estresse. No Quadro 3 é apresentada a distribuição dos participantes de acordo com as classificações obtidas pelo DASS-21. Houve predomínio de participantes classificados como normal ou leve ou moderado em todos os domínios avaliados pelo instrumento, representando 76,5% (n= 52) no domínio depressão, 52,9% (n= 36) no domínio ansiedade e 73,5% (n= 50) no domínio estresse.
Já o Quadro 4 apresenta o resultado da análise da comparação e associação das médias dos participantes aderentes e aqueles não aderentes no teste TMG, em relação às classificações obtidas pelo DASS-21. Houve diferença significativa entre os pacientes aderentes e aqueles não aderentes, classificados de acordo com a TMG em relação ao escore de depressão, ao escore de ansiedade e ao escore de estresse no DASS-21 (teste t-student, p<0,001 para todas as variáveis), sendo o escore significativamente maior nos pacientes não aderentes. Esse dado aponta para a maior gravidade de sintomas quanto à depressão, ansiedade e estresse no grupo considerado não aderido.
Da mesma forma, houve associação significativa entre ser ou não aderente (TMG) ao tratamento e a classificação da depressão, da ansiedade e do estresse (teste do qui-quadrado, depressão: p=0,003; ansiedade: p<0,001; estresse: p<0,001). Em relação à depressão, um percentual maior de pacientes classificados como tendo sintomas “Severo ou extremamente severo” eram não aderentes ao tratamento (81,3% - n=13), quando comparados com aqueles normais, ou seja, sem sintomas (29,0% - n=9).
O mesmo foi observado em relação ao sintoma de estresse, onde um percentual maior de pacientes classificados como tendo sintomas “Grave ou extremamente grave” eram não aderentes ao tratamento (83,3% - n=15), quando comparados com aqueles normais (22,6% - n=7). Já em relação à ansiedade, um percentual maior de pacientes classificados como tendo sintomas “Grave ou extremamente grave” ou ainda “Leve ou moderado” eram não aderentes ao tratamento (65,6% - n=21; 56,3% - n=9, respectivamente), quando comparados com aqueles normais (10,0% - n=2).
Nota. *Valor de p no teste t-student (comparação entre médias, na linha) ou no teste do qui-quadrado (comparação entre percentuais, na coluna). Letras diferentes na linha indicam diferença entre não aderentes e aderentes, na comparação entre médias. Letras diferentes na coluna indicam diferença entre classes dos sintomas, nos pacientes não aderentes (teste do qui-quadrado com correção de Bonferroni, p<0,05).
Discussão
O presente estudo objetivou investigar os possíveis preditores da adesão ao tratamento medicamentoso em pacientes com hanseníase. Para tal, foram consideradas as características sociodemográficas da amostra, a presença de sintomas de depressão, ansiedade e estresse, bem como os conhecimentos do indivíduo sobre a doença. A investigação de tais variáveis foi realizada de acordo com orientações de estudos prévios, em que sugerem a influência das mesmas no grau de adesão ao tratamento medicamentoso, especialmente no contexto de doenças crônicas (Cornélio et al., 2009; Naaz et al., 2017).
Neste estudo, houve predomínio do sexo masculino. Esses dados convergem com os encontrados por Henry et al. (2016), autores que também encontraram maior incidência da doença nesse grupo. Apesar de haver indicadores de maior incidência da doença no sexo masculino (Pescarini et al. 2018), e em sua forma mais grave (MB), ainda não há consenso sobre sua provável causa. No entanto, a baixa procura por serviços de saúde por esse grupo, somada a hábitos de risco têm sido relacionados a esse fenômeno (Souza et al., 2018).
A esse respeito, a WHO (2016a) pondera que é difícil determinar se os valores elevados de casos de MH entre os homens são de fato decorrentes da maior incidência nesse grupo ou se por que em algumas regiões do mundo as mulheres ainda possuem dificuldades de acesso ao diagnóstico e tratamento da doença. Nesse sentido, reforça a necessidade de estudos sistemáticos voltados a essa temática, especialmente porque alguns autores, a exemplo de Nobre et al. (2017) e Kumar et al. (2015), encontram maior incidência da hanseníase no sexo feminino.
Quanto à classificação operacional, houve predomínio de casos multibacilares (MB), classificação associada a maior risco de transmissão bacilar e desenvolvimento de incapacidades (Crespo et al., 2014). Esse dado sugere que o diagnóstico da hanseníase ainda ocorre de forma tardia, enfatizando a necessidade de capacitação dos profissionais de saúde para discriminar seus sintomas das demais enfermidades (Fischer, 2017). A esse respeito, Lira et al. (2012) e Kumar et al., (2015) salientam o papel primordial do diagnóstico oportuno e início do tratamento para superação da hanseníase, visto que com a ingestão da PQT o indivíduo não só deixa de transmitir a doença, como reduz as chances de desenvolver incapacidades. Somado a isso, destaca-se a importância da conscientização social a respeito da doença, a fim da redução do preconceito, fator também apontado como barreira à adesão medicamentosa (Raju et al., 2015; WHO, 2016a).
No que se refere à idade, estado civil, escolaridade e renda familiar, predominaram indivíduos em idade economicamente ativa, com companheiro(a), baixa escolaridade e renda familiar média declarada de ±3 salários mínimos. O maior número de casos de MH em indivíduos em fase economicamente produtiva e de baixa escolaridade, fatores também relatados por Souza et al. (2018) e De Andrade et al. (2019), demonstra o potencial socioeconômico negativo da doença, que mantém o ciclo perverso de desigualdades. Isso porque, ao mesmo tempo em que a hanseníase é diretamente associada às condições de pobreza é também sua perpetuadora, já que ao reduzir a capacidade laboral, impede o indivíduo e sua região de se desenvolverem (Andrade & Rocha, 2015).
Quando realizadas as análises de associação entre a variável sexo e a aderência ao tratamento, não foi encontrada associação estatisticamente significativa, resultado igualmente obtido por Kumar et al., (2015). Contrariamente a isso, Cerqueira et al. (2020) identificaram associação significativa entre sexo e adesão ao tratamento da hanseníase, estando os homens menos propensos a interromper o tratamento.
No tocante às variáveis idade, escolaridade, estado civil e número de filhos, os resultados demonstraram que não houve diferença entre os participantes considerados como aderentes e não aderentes. Outras variáveis investigadas no presente estudo que não apresentaram associação estatisticamente significativa com a adesão ao tratamento medicamentoso no contexto da hanseníase foram: a presença de comorbidades, ingestão de mais medicamentos além da PQT, autopercepção de saúde, surto reacional, dor neural, necessidade de ajuda para lembrar de se medicar, dificuldades nas atividades do dia a dia e escore de conhecimentos sobre MH. Todavia, sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas considerando essas variáveis, a fim de atestar ou refutar tais achados.
Quanto à distribuição dos participantes de acordo com a adesão ao tratamento, os casos considerados não aderentes pelo TMG foram expressivos, representando 47,1% da amostra. Esse dado, apesar de alarmante, é semelhante ao encontrado na literatura, em que se pontua que cerca de 50% da população em tratamento de doenças crônicas não segue satisfatoriamente as recomendações dos profissionais de saúde (Pagès-Puigdemont et al., 2016). Quando comparadas e associadas às médias de escores levantadas pelo DASS-21 dos grupos considerados aderentes com aqueles considerados não aderentes, houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos. Sendo assim, pode-se dizer que os participantes que apresentaram mais sintomas quanto à depressão, ansiedade e estresse, com base no instrumento aplicado, apresentaram uma menor adesão ao tratamento medicamentoso.
A associação entre sintomas psicopatológicos e a não adesão ao tratamento tem sido sustentada por diversos estudos. Camargo et al., (2014) afirmam que a presença de transtornos psiquiátricos, principalmente os relacionados à depressão e o abuso de drogas tendem a apresentar uma correlação negativa com o grau de adesão ao tratamento. Como agravante, o próprio diagnóstico de doença crônica expõe o indivíduo a situações adversas que ampliam a probabilidade de desenvolvimento de formas patológicas de estresse, ansiedade e depressão (Thomas et al., 2003). Nesse sentido, indivíduos afetados pelas doenças crônicas, como a hanseníase, podem ser considerados público de risco a não adesão ao tratamento. Esse dado corrobora a necessidade de acompanhamento interdisciplinar desses casos, a fim de reduzir a não adesão e suas consequências, sejam elas à saúde do paciente, como prejuízos a sociedade e sistema de saúde (Pagès-Puigdemont et al., 2016).
Este estudo fornece evidências de que sintomas psicopatológicos, como depressão, ansiedade e estresse podem atuar como preditores da adesão ao tratamento medicamentoso no contexto da hanseníase. No entanto, o mesmo apresenta algumas limitações. Por se tratar de um recorte transversal, não foi possível acompanhar a evolução da relação entre as variáveis no decorrer do tempo. Além disso, o fato dos dados de adesão terem sido obtidos pelo instrumento TMG, por vezes descrito como muito específico, porém pouco sensível (Ben et al., 2012; Van Den Boogaard et al., 2011), pode implicar na classificação equivocada do participante. Todavia, é preciso considerar que poucos instrumentos de mensuração da adesão estão validados para diversas doenças crônicas e para participantes com pouca escolaridade, como o TMG. Por essas razões, continua sendo apontado como o instrumento mais utilizado em pesquisas nesse contexto (Lam & Fresco, 2015).
Sabendo-se desta limitação, foi realizada uma pergunta referente à autoavaliação sobre a adesão ao tratamento, presente na entrevista estruturada. Nela, o participante deveria se atribuir uma nota, de zero a dez, sendo o “zero” não atender em nada o acordado com a equipe de saúde e o “dez” atender a tudo o que foi acordado. O objetivo ao acrescentar essa pergunta foi o de averiguar a concordância entre as informações obtidas por ela e o instrumento TMG. E, de acordo com as análises, o escore de autoavaliação dos participantes considerados aderentes no teste TMG foi significativamente maior do que aquele entre os participantes não aderentes, indicando uma concordância entre os instrumentos. Nesse sentido, pode-se dizer que o TMG apresentou desempenho satisfatório para discriminar o comportamento de adesão ao tratamento no presente estudo, conferindo validade aos resultados aqui expostos.
Sendo assim, os resultados encontrados nesta pesquisa reforçam os achados de que quadros psicopatológicos podem comprometer a manutenção e conclusão da terapia medicamentosa, elemento central do tratamento da hanseníase. Nesse sentido, enfatiza a necessidade do atendimento interdisciplinar para o tratamento da enfermidade, que, apesar de sustentado pela literatura, muitas vezes não faz parte da realidade de atendimento nas unidades de saúde brasileiras.
Contribuições dos autores
Ana Paula Abrita: Concetualização, Metodologia, Análise formal, Investigação, Administração do projeto, Redação do rascunho original.
Rivaldo da Cunha: Investigação, Redação do rascunho original, Supervisão.
Günter Hans Filho: Redação - Revisão e edição.
Albert de Souza: Concetualização, Metodologia, Investigação, Redação - Revisão e edição.