O processo de globalização intensificado no final da década de 90 ocasionou considerável aumento do desemprego e, paralelo aos avanços tecnológicos, fomentou a desigualdade social (Therborn, 2001). Os trabalhadores que encontraram barreiras para inserção no mercado de trabalho migraram para o setor informal que, apesar de detentor de condições laborais precarizadas, apresentou-se como uma alternativa à geração de renda (Costa, 2010). Dentre essas atividades o trabalho de catadores de recicláveis acontece em locais insalubres que os expõem à riscos ocupacionais biológicos, químicos, físicos, ergonômicos e sociais. (Cruvinel et al., 2019; Zolnikov et al., 2018)
A informalidade dos vínculos empregatícios, no Brasil, restringe necessariamente os direitos trabalhistas, a proteção social e fragiliza alguns aspectos relativos à satisfação no trabalho, dentre os quais, à condição social do trabalho, condição objetiva do trabalho ou questões subjetivas do trabalho (Farsen et al., 2018). Cabe ressaltar que nem toda atividade de trabalho com este tipo de restrição se configura, necessariamente, um trabalho informal, no entanto, nota-se que para a população economicamente desfavorecida, os trabalhos disponíveis são revestidos de condicionantes para o sofrimento e insatisfações, a exemplo daqueles que fornecem baixos salários, instabilidade financeira e insegurança (Vargas, 2016).
Para aproximar a ideia de problemas sociais em torno do trabalho com as condições subjetivas, Hughes (1958) cunhou o termo trabalho sujo (dirty work) para nomear situações e atividades de pouco prestígio e visibilidade social, em geral estigmatizadas, apesar de seu caráter indispensável para a reprodução social. Este conceito implica na compreensão de quais dimensões, psicossociais, econômicas, morais, estão envolvidas na existência e na realização desses tipos de atividades, e na discussão da própria dinâmica social e dos processos de constituição dos sujeitos (Bendassoli & Falcão, 2013).
O termo apresentado pelo autor refere-se a divisão moral do trabalho nas sociedades, responsável por situações sociais que interferem na coesão dos grupos, através da classificação das atividades laborais. Entre elas ressaltam-se aquelas consideradas socialmente prestigiosas e as que assumiram lugar de invisibilidade e menosprezo, sem nenhum aspecto valorativo de reconhecimento social. O termo “sujo” integra ainda as variáveis de contexto do trabalho relacionadas ao desgaste físico e psicológico, baixa remuneração, ausência de higiene do local de trabalho e do trabalhador na execução de sua atividade profissional, condições insalubres, além de trabalho exaustivo com horário estendido (Antunes, 2015; Hughes, 1958).
Aspectos relacionados à saúde mental de catadores e a investigação de fatores psicológicos como indicadores de sofrimento psíquico são pouco consideradas nos estudos realizados com esta população. O que se identifica nas bases de dados científicas são estudos acerca de representações sociais desta atividade, avaliações da organização de trabalho com enfoque no cooperativismo, além de estudos de perfil epidemiológico com ênfase na análise de doenças infecciosas e de riscos ocupacionais no contexto laboral de catadores (Cruvinel, et al. 2019; Cruvinel et al., 2020; Pereira et al., 2014; Silva & Andrade, 2016; Zolnikov et al., 2018).
Assim, pergunta-se: Quais são as condições de saúde mental identificadas em trabalhadores do manejo de resíduos sólidos? Esta revisão sistemática da literatura tem por objetivo identificar aspectos da saúde mental, relacionadas às condições de vida e as demandas psicossociais desta categoria. Embora o objeto de manejo comum da atividade exercida por estes trabalhadores sejam os resíduos recicláveis disponíveis em locais diversos de distribuição do lixo, os estudos selecionados para esta revisão sugerem um perfil de catadores subdivididos em duas categorias: catadores de material reciclável vinculados à cooperativas e associações (os quais podem exercer essa atividade em aterros controlados ou lixões) e trabalhadores vinculados à empresas municipais de coleta de lixo.
Cabe considerar que a organização de trabalho difere expressivamente entre trabalhadores vinculados à empresas e àqueles que são cooperativados/associados, posto que há variações entre o ambiente em que desempenham suas tarefas e as propostas de trabalho. Ademais a estrutura social a qual pertencem aponta para um perfil heterogêneo de trabalhadores a ser observado nesta investigação.
Método
Critérios de inclusão
Artigos de jornais e revistas publicados em inglês, espanhol e português, originais, publicados nos últimos dez anos que consideraram a análise de condições de saúde mental (fatores de estresse e de sofrimento psíquico) em populações de trabalhadores do manejo de resíduos sólidos urbanos.
Critérios de exclusão
Artigos que trataram de saúde ocupacional no setor de coleta residual, pesquisas com ênfase na organização de cooperativas de catadores, pesquisas de análise documental, investigações com modelos de análise que não detalharam quais fatores psicológicos ou de saúde mental foram considerados nos resultados, materiais publicados fora de jornais e revistas científicas, bem como aqueles com data de publicação anterior ao ano de 2009.
Procura de Artigos
Para sistematizar a busca dos artigos foi realizada em quatro etapas: (1) busca dos artigos a partir da aplicação das palavras-chave; (2) leitura dos títulos dos estudos encontrados; (3) leitura dos resumos dos artigos; (4) leitura do artigo na íntegra e seleção dos estudos contemplados no conjunto de critérios para inclusão. Foram selecionadas as bases de dados: SCOPUS, Web of Science e a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). A estratégia de busca utilizada considerou os seguintes descritores: recyclable waste collectors, street waste collectors, solid waste collectors, collectors of recyclable, solid waste segregators e garbage collectors, intercalados pelo operador lógico “OR” e o descritor “mental health” combinado do operador lógico “AND” . Esses termos integram um vocabulário controlado reconhecido pelos Descritores em Ciências da Saúde do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (OPAS/OMS). Os termos das pesquisas foram rastreados pelos títulos, palavras-chaves e resumos.
Análise de Dados
Cada estudo selecionado foi categorizado de acordo o autor, ano de publicação, caracterização da amostra, objetivo do estudo, método utilizado na investigação e resultados. As produções selecionadas foram avaliadas pelas escalas do Critical appraisal Skill Programme - CASP, onde todos os artigos incluídos receberam as pontuações necessárias para os níveis A (9 a 10 itens positivos) e B (5 itens positivos - viés moderado). Foram utilizados também os critérios de seleção do PRISMA, que permite a inclusão de registros adicionais identificados em outras fontes, ou fora dos crivos de análise selecionados, nas etapas da revisão. Por conseguinte, as informações foram preenchidas em um quadro de leitura para a revisão da literatura. Este processo ocorreu por meio da revisão por pares, onde se extraiu os dados relacionados a caracterização e as condições psicossociais da amostra. A Figura 1 apresenta o fluxo das informações das diferentes fases da revisão.
Resultados
O resultado inicial da busca dos artigos foi de 140 publicações potencialmente elegíveis para inclusão na revisão. Ao realizar a leitura dos títulos, 40 estudos foram selecionados para próxima etapa e após a leitura dos resumos 9 artigos atenderam aos propósitos da revisão, dos quais 4 são de método qualitativo e 5 quantitativos. Os artigos incluídos estão descritos no Quadro 1.
Nota-se que a maioria trabalhos têm sido publicados com o intuito de avaliar as condições de saúde dos trabalhadores do manejo de resíduos sólidos urbanos, no entanto, raros se propõem a discutir aspectos específicos da saúde mental. Os estudos que fizeram parte dessa revisão foram realizados entre os anos 2009 e 2020, apresentaram diferentes delineamentos de pesquisa, os quais se distribuíram de maneira equânime entre aspectos qualitativos e quantitativos na análise de resultados.
O tamanho amostral dos estudos variou entre 7 e 394 participantes, de ambos os sexos, sendo três estudos realizados somente com mulheres e um deles com homens. Dois estudos foram realizados em países do exterior (Etiópia e Turquia) e os demais foram realizados com amostras da população brasileira. No que tange a caracterização sóciodemográfica das amostras destes estudos, foram predominantes os participantes do sexo feminino, com idade entre 30 e 49 anos, que apresentaram baixo nível de escolaridade (fundamental incompleto).
Condições psicossociais
Foram considerados como aspectos relacionados ao sofrimento psíquico e condições de saúde mental destes trabalhadores: o uso de substâncias químicas, a manifestação de sintomas psicossomáticos, aspectos relacionados ao estresse e sobrecarga no trabalho, conflitos interpessoais, exposição a ambientes inadequados à condições de vida saudável, vulnerabilidade socioeconômica e prejuízos de função social presentes nesta categoria. Além disso, relações de gênero, conflitos familiares, analfabetismo e baixa escolarização surgiram como fatores de impacto sobre o bem-estar psicossocial dos sujeitos. Esta revisão incluiu estudos que avaliaram aspectos da saúde mental de trabalhadores vinculados à empresas municipais de manejo de resíduos urbanos. Os resultados destas amostras evidenciaram que o desempenho desta tarefa quando mediada pelos vínculos formais de trabalho apresenta formato divergente daqueles identificados em coletores associados ou cooperativados. Os resultados destes estudos serão discutidos juntamente com os dados levantados na revisão.
Discussão
Observados os aspectos gerais é possível identificar que a maioria das realidades de trabalho são desgastantes e fatores de risco para a saúde física e mental desses trabalhadores. As estratégias defensivas vão ao encontro do suporte e ajuda mútua entre pares para atenuar os efeitos deletérios do trabalho e seus impactos na auto-estima e emoções negativas. Os indícios apontados revelam que as privações de desenvolvimento pessoal e social, no que diz respeito ao contexto socioeconômico, suporte social e familiar, processos de escolarização, ambiente e condições de trabalho impactam significativamente na qualidade de vida das pessoas e no processo saúde-doença.
A pesquisa realizada no aterro controlado de Anápolis-GO por Silva et al. (2017) elucidou que dos 20 sujeitos pesquisados, 55% era do sexo feminino e da religião católica, 50% casados e 45% mulatos. Foram utilizados como instrumentos de coleta de dados: OMSASSIST (Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test), composto por questões relacionadas ao uso de diferentes drogas lícitas e ilícitas (WHO, 2002) e, o questionário SRQ-20 (Self Report Questionarie), composto por 20 perguntas para detectar sofrimento mental, validado para a população brasileira por Mari e Willians (1985). Após análises dos escores e aplicação dos testes estatísticos o estudo revelou que 75% dos trabalhadores encontravam-se em sofrimento mental, embora este sofrimento não tenha revelado relação significativa com o uso de drogas.
Entretanto, para Silva et al. (2017) a precarização das condições de vida e trabalho de catadores são elementos favoráveis à manifestação de sofrimento psíquico associado ao uso abusivo de álcool e outras drogas. Esta compreensão está ancorada em aspectos que fragilizam a capacidade de contratualidade social de sujeitos em situação de vulnerabilidade, tais como a educação deficitária que é responsável pela estagnação de renda, uma vez que este fator limita a preparação para o mercado de trabalho formal, além de contribuir para as disparidades sócioeconômicas que atuam como determinantes de situações de saúde e adoecimento (Livani et al., 2016).
Compreende-se a que a análise da influência de dados sóciodemográficos na compreensão dos fenômenos ligados à saúde mental, entre eles o exercício da espiritualidade, surgem de forma tímida nas pesquisas, sem o aprofundamento de uma análise sobre a expressão destes componentes na vida social e do trabalho que estes sujeitos se inserem. Aspectos ligados a religiosidade são descritos na literatura como possibilidades de enfrentamento ante às vivências de desamparo, além disto, interferem na relação subjetiva que atribui sentido aos papéis que os indivíduos ocupam na sociedade (Oliveira & Junges, 2012). As variáveis descritivas das amostras compõem um o cenário social em que se inserem os desfechos de saúde e suas condicionantes.
Paixão et al. (2019), identificaram que a organização do trabalho dos catadores e as suas condições de moradia compreendem exposição à riscos potenciais para acometimentos físicos (diarréias, parasitoses, dermatites) e psicossociais (estresse, tristeza e sentimento de desvalia) relativos à insalubridade dos ambientes que os circunda. Além disso, os fatores sócioeconômicos foram geradores de estigma e preconceitos que interferem na autoestima e no bem estar biopsicossocial.
Estudos apontam a vulnerabilidade das mulheres catadoras para o adoecimento (Cruvinel et al., 2019; Zolnikov et al., 2018). Coelho et al. (2016) ao considerar o risco de manifestarem adoecimentos relacionados ao trabalho. Um estudo qualitativo exploratório-descritivo, realizado no Rio Grande do Sul, traz dentre seus resultados a afirmação de que o desgaste oriundo do trabalho pode favorecer o adoecimento das catadoras através do comprometimento da saúde física, da integridade psíquica e das relações sociais. Como resposta à sobrecarga identificada as catadoras utilizaram estratégias defensivas individuais e coletivas a partir da construção de uma rede de colaboração e apoio na cooperativa.
Para responder ao sofrimento oriundo das condições de trabalho o uso de psicofármacos é uma demanda crescente, isto porque, as crises econômicas e sociais precipitaram situações de desemprego, informalidade dos serviços e a exploração pelo trabalho. No que tange às relações de gênero e de estruturação familiar os prejuízos da má conformação laboral interferem no funcionamento da família enquanto sistema, ou seja, a jornada extenuante de mulheres no cumprimento dos cuidados familiares, funções reprodutivas e sustento dos lares impactam de diversas formas na dinâmica domiciliar (Andrade et al., 2019).
Ao avaliar a carga psíquica de trabalho Coelho et al. (2018a) aponta que as catadoras de uma associação de reciclagem no sul do Brasil deram ênfase em suas narrativas às frustrações e ao desgaste emocional presentes na relação com a associação a que são vinculadas, com destaque para os problemas financeiros, a sobrecarga de trabalho e para os problemas interpessoais. Nesse mesmo sentido, Coelho et al. (2018b) acrescentam que as falas das trabalhadoras expõem obstáculos enfrentados nas trajetórias de vida relativos à educação de base e formação para o trabalho, bem como ao adoecimento físico e psíquico, relativos à problemas familiares e relações de poder no ambiente doméstico.
A realidade do trabalho infantil seguida da experiência de casamento, permeia o discurso de mulheres catadoras como determinantes de suas lacunas de escolarização. A submissão aos desejos do cônjuge para dedicação às tarefas domésticas e as vivências de maternidade se apresentam como aspectos limitadores para a busca de melhores postos de trabalho. Em resposta à falta de oportunidades e de qualificação profissional, as quais são preditoras de situações de desemprego e exclusão do mercado formal, surge como alternativa a atividade de coleta de materiais recicláveis, que embora desempenhada por uma maioria de mulheres assume lugar de novas possibilidades para o sustento familiar (Marques et al., 2020; Silvia & Menegat, 2014).
Com o objetivo de avaliar os fatores de saúde relacionados às lesões ocupacionais em catadores de materiais recicláveis urbanos da região noroeste da Etiópia, Eskezia et al. (2016) fizeram uso de questionário semiestruturado para o levantamento das variáveis socioeconômicas, do ambiente de trabalho, das lesões ocupacionais e dos aspectos comportamentais ligados ao estresse, distúrbios do sono e uso de substâncias químicas. O estudo concluiu que ter menor renda mensal, estressar-se devido ao trabalho e sofrer distúrbios do sono estão associados significativa e positivamente a pelo menos uma lesão ocupacional. Além disso, o analfabetismo e os distúrbios do sono tiveram associação significativa com lesões ocupacionais graves.
Em pesquisa realizada na Espanha, Rocha et al. (2015) corroboram com os dados apresentados ao indicar que a prevalência de problemas de saúde mental é maior entre as pessoas de classe social desprivilegiada, com baixa escolaridade, que apresentam maior número de doenças crônicas e com suporte social restrito. Para os autores as medidas de enfrentamento desta problemática perpassam desde a melhoria no acesso à serviços de saúde, às estratégias de combate à desigualdade de renda e desemprego, considerados os maiores problemas do país.
Nessa mesma direção, Bulduk (2018) avaliou queixas musculoesqueléticas e níveis de estresse no trabalho entre coletores municipais de lixo sólido da cidade de Ancara, na Turquia. Foi aplicado o Questionário Sueco de Suporte ao Controle da Demanda (DCSQ) que é amplamente utilizado para avaliação das demandas psicológicas, latitude de decisão, e apoio social no local de trabalho. O estudo concluiu que a exposição às demandas excessivas de trabalho físico, quando associada ao estresse psicossocial, pode criar problemas musculoesqueléticos permanentes e sugeriu intervenções de educação em ergonomia, hábitos de trabalho saudáveis, treinamento em segurança no trabalho e melhorias no ambiente psicossocial dos trabalhadores.
Souza et al. (2019) avaliaram os diferentes riscos, as consequências para a saúde e as estratégias de defesa desenvolvidas pelos coletores de lixo domiciliar em uma cidade do Nordeste brasileiro. Os resultados apontaram que a noção de risco na prática laboral e os efeitos negativos produzidos por essa realidade atingem o funcionamento psíquico dos coletores, de modo que provoca manifestações depressivas e psicossomáticas. Além disso, para atravessar os constrangimentos e efeitos deletérios do trabalho, os trabalhadores faziam o uso de estratégias defensivas (atenuar a percepção da realidade a fim de suportá-la) com a finalidade de eufemizar o sofrimento psíquico.
As práticas laborais de catadores refletem um formato de trabalho que parece adotar os moldes das situações de iniquidade social, de maneira que essas atividades adotam características próprias de populações negligenciadas. Dejours (1999) remonta a ideia de “trabalho sujo”, o qual o caracteriza como um tipo de serviço da banalização das injustiças e do sofrimento. O autor acrescenta que este termoestá relacionado a baixa desejabilidade social ou representação social depreciativa da atividade em questão, seja por razões de riscos à saúde ou de desvalia do objeto da atividade (Bendassolini & Falcão, 2013).
Para Peixoto et al. (2016) é necessário dar importância às medidas de atenção clínica para os catadores como estratégias de cuidado em saúde, as quais seriam responsáveis por abrir uma janela de ofertas em atendimentos clínicos e psicossociais, além de subsidiar a elaboração de um Projeto Terapêutico Integral, capaz de orientar o acompanhamento ampliado dos agravos à saúde que acometem esses trabalhadores. Trata-se de uma proposta afirmativa para a adoção de intervenções direcionadas a melhoria da qualidade de vida dessas pessoas e seus familiares.
Os resultados apontados por estas investigações evidenciam que as características da organização do trabalho (tipo de vínculo, condições de ambiente, suporte social, carga e processo de trabalho), os aspectos individuais (história de vida, motivação, relação subjetiva com o trabalho) e sociais (suporte social e familiar, rede de apoio intersetorial, condições sócio demográficas e econômicas) são as variáveis que mais exercem influência sobre as manifestações psicossomáticas do grupo considerado neste estudo. Por outro lado, os processos individuais que relacionam-se ao trabalho interelacionam-se com os processos externos, geradores de diferentes formas de participação social, assim, o sujeito constitui-se através desta junção entre mundo interno e ambiente que culminará em comportamentos, emoções, cognições e ações (Veronese, 2009).
Compreendendo como multifatoriais as condicionantes para a saúde mental e suas relações com o trabalho, os estudos mencionados orientam e promovem reflexões importantes que sugerem intervenções na dinâmica laboral de trabalhadores responsáveis pelo manejo do lixo. Cabe considerar esta atividade como essencial ao desenvolvimento social e a preservação do meio ambiente, a qual necessita contar com investimentos de novas tecnologias de cuidado em saúde, a partir de um planejamento adequado às diferentes realidades destes trabalhadores, acrescidos de processos formativos e econômicos que reorientem suas práticas laborais (Nelson, 2012; Siqueira & Moraes, 2009).
O presente estudo teve por objetivo revisar o estado da arte sobre as condições de saúde mental dos catadores de materiais recicláveis no período de 2009 a 2019. Os resultados identificados apresentam a realidade de privações, prejuízos de função social do trabalho e escassez de recursos de prevenção e promoção à saúde dos trabalhadores. A saúde mental dos catadores é pouco investigada por pesquisadores e pelas instituições que se ocupam do trabalho com a coleta de resíduos recicláveis, muito embora os dados apontem que este fator está fortemente associado à lesões físicas e demais agravos de saúde apontados nas investigações de caráter epidemiológico.
O baixo número de estudos com este grupo populacional e que atendessem a pergunta objeto de investigação da pesquisa limitou os achados desta revisão. Além disso a escassez de estudos com esta temática definiu uma amostragem mais heterogênea no que tange à vínculos de trabalho que alternaram entre aspectos de formalidade e ambiência de desempenho das tarefas.
O lugar de negligência social relativo ao trabalho com o lixo e a não coincidente inserção de pessoas com baixos níveis de renda e escolaridade nesses papéis reflete ainda um retrato amplo de iniquidades sociais. Torna-se necessário um olhar ampliado para a ordenação de políticas intersetoriais na gestão de resíduos sólidos e no cuidado com os atores indispensáveis desta prática que recolhe, reutiliza e otimiza o descarte do “inutilizado”. Espera-se que esta pesquisa possa contribuir para as políticas de redução da desigualdade, por meio da promoção da resiliência dos menos favorecidos inseridos no contexto do trabalho informal.
Contribuição dos autores
Yasmim Magalhães: Concetualização; curadoria dos dados; análise formal; investigação; metodologia; redação; revisão e edição.
Jonas Silva: Curadoria dos dados; análise formal; investigação; metodologia; revisão e edição.
Vanessa Cruvinel. Curadoria dos dados, metodologia.
Wildo de Araújo: Concetualização, metodologia, supervisão.
Josenaide Engracia dos Santos: Concetualização, metodologia, supervisão.