A Hipertensão Arterial (HA) é uma condição clínica com alta prevalência no Brasil e no mundo (Unger et al., 2020), tem etiologia multifatorial e mecanismos fisiopatológicos bastante diversos (Jardim et al., 2013; Unger et al., 2020). Pesquisa internacional conduzida por Mills et al. (2016), com 90 países participantes, mostrou que, enquanto a prevalência de HA diminui 2,6% nos países de alta renda, sua prevalência está cada vez maior nos países com renda per capita baixa. Nesses países foi encontrado um aumento de 7,7 % nos últimos dez anos. No Brasil, a meta-análise realizada por Picon et al. (2012), com 40 estudos transversais e de coorte mostrou uma tendência à diminuição da prevalência nas últimas três décadas, de 36,1% para 31%. Em média, a prevalência de HA no Brasil, de acordo com VII Diretriz Brasileira de Hipertensão (Sociedade Brasileira de Cardiologia [SBC], 2016), é 32,5%. Embora tenha havido redução na prevalência da doença no Brasil, a VII Diretriz Brasileira de Hipertensão (2016) relata que seu controle é ainda precário, variando entre 10,1% a 35,5%, dependendo da região.
Medidas não medicamentosas têm sido indicadas como parte do tratamento da HA na VII Diretriz Brasileiras de Hipertensão (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2016) visando mudança de estilo de vida. Dentre estas, são recomendadas alimentação balanceada, prática de exercício físico regular, cessação do tabagismo e do excesso de álcool, assim como controle do estresse psicossocial.
O estresse é um processo que ocorre em quatro etapas: alarme ou alerta (o organismo entra em contato com o estressor e há a quebra da homeostase), resistência (busca de recuperação do desequilíbrio sofrido na primeira fase), quase exaustão (início da ruptura da resistência) e exaustão (a reserva de energia do organismo se exaure e doenças podem surgir cada uma delas relacionada a reações específicas (Lipp, 2022).
Everly (1989) sugere que a reação de estresse envolve uma ativação psicofisiológica por meio de três eixos psicossomáticos: o neural, o neuroendócrino e o endócrino. Segundo o autor, estímulos psicossociais podem ativar os três eixos envolvidos na resposta ao estresse, o que pode ser um dos fatores de base para o desenvolvimento e agravamento de doenças. É possível que, dependendo do tipo de estressor psicossocial, a ativação psicofisiológica seja específica (McCarty, 2016). No que se refere à relação entre estresse e HA, especificamente, estudos indicam que aumentos pontuais de pressão arterial, associados a momentos de intenso estresse podem participar na gênese da doença (Matthews et al. 2004; Carroll, Phillips, Der, Hunt, & Benzeval, 2011).
Para Çelik e Özdemir (2010), em indivídudos com predisposição à HA sob estresse emocional, a ativação do sistema nervoso simpático gera uma vasoconstrição, e outras respostas autônomas, que se mostram mais longas em indivíduos com HA do que em normotensos. Afirmam os autores que, como resultado do estresse emocional, ocorre redução da inibição sobre o centro vasomotor e um aumento na produção de estímulação.
O Treino de Controle do Stress (TCSL) foi desenvolvido por Lipp (1991) e se constitui em um trabalho que objetiva mudança de estilo de vida e tem se mostrado útil no tratamento da HA. Inicialmente é ensinado ao paciente o reconhecimento de suas fontes externas e internas de estresse. A seguir visa fornecer estratégias para lidar com fontes de estresse inevitáveis e eliminar aquelas possíveis de serem eliminadas. O TCSL foi estudado em algumas pesquisas como a de Malagris et al. (2009) que encontrou comprovações biológicas da eficácia do TCSL na HA.
O presente estudo teve como proposta a avaliação de duas intervenções não medicamentosas visando redução no nível de estresse de pessoas com HA: o TCSL e a Técnica de Relaxamento associada à Respiração Profunda (TRRP). Comparou-se o TCSL completo com a TRRP usada isoladamente e com um grupo controle.
Método
Participantes
Participaram do estudo 25 mulheres com HA do estágio 1 (140-159/ 90-99) e 2 (em níveis até 160-179/ 100-109), sem patologias de efeito, que faziam acompanhamento médico regular para a HA no ambulatório de uma instituição de saúde pública. As participantes foram divididas em três grupos de 15 a princípio, mas no final do estudo ficaram assim constituídos: Grupo Experimental 1 (GE1): 11 mulheres com HA que receberam, além do atendimento médico de rotina, o TCS completo; Grupo Experimental 2 (GE2): 7 Mulheres com HA que receberam, além do atendimento médico de rotina, o TRRP. Grupo Controle (GC): 7 mulheres com HA que apenas receberam o atendimento médico de rotina. A inclusão no estudo dependeu do atendimento aos seguintes critérios: faixa etária entre 30 e 65 anos; estar fazendo tratamento médico para HA; não estar fazendo uso de drogas psicotrópicas; não ter diabetes mellitus; não ter sofrido infarto do miocárdio; não ter sofrido acidente vascular cerebral (AVC); não sofrer de doença renal crônica; não ser portador de cardiopatia isquêmica, não sofrer de doença mental grave conhecida e ter o diagnóstico de estresse.
Material
Roteiro da Entrevista Psicológica. Elaborado a partir de experiência prévia das autoras com pacientes com HA, visou averiguar dados pessoais, sociais, familiares, afetivos, profissionais e de saúde em geral.
Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de LIPP-ISSL. O ISSL tem como objetivo identificar a presença de estresse, fase do estresse em que o indivíduo se encontra e tipo de sintoma (físico ou psicológico) mais frequente como manifestação do estresse naquele paciente. O Coeficiente Alfa de Cronbach de 0,9121 indica uma alta confiabilidade do instrumento (Lipp, 2000).
State-Trait Anger Expression Inventory (STAXI) (Spielberger, 1992). Instrumento traduzido e validado para o Brasil (Spielberger & Biaggio, 1992; Biaggio, 2003). O STAXI é formado por 44 itens que compõem seis escalas (Estado, Traço, Raiva para Fora, Raiva para Dentro, Controle e Expressão) e duas sub escalas da escala de traço (temperamento e reação de raiva). O STAXI apresenta consistência interna, encontrando-se Coeficiente Alfa de Cronbach de 0.84.
Manual do Treino de Controle do Stress (TCSL) para pacientes com HA. Elaborado por Lipp (1991), vem sendo utilizado em inúmeras pesquisas nas quais sua efetividade no controle do estresse tem sido verificada, incluindo comprovações biológicas de sua eficácia em HA (Malagris et al, 2009; Malagris & Lipp, 2014). O TCSL a ser aqui utilizado se constitui em uma adaptação do TCSL original, de modo que incluiu a intervenção sobre a raiva e o aumento de 2 sessões, totalizando 14 sessões.
Protocolo do Treino de Relaxamento acompanhado de Respiração Profunda (TRRP) (Lipp, 1997). O TRRP consistiu no ensino de técnica de relaxamento especial para indivíduos com HA sugerida por Lipp (1997). Esse treino teve o mesmo número de sessões (14), uma por semana e cada uma delas teve o mesmo tempo de duração (1h30m) que o TCSL. A técnica de relaxamento utilizada foi a mesma do TCSL com duração de 20 minutos.
Formulário para registro da técnica de Relaxamento e Respiração Profunda. Formulário para registro da frequência com que as participantes realizavam a técnica e autoavaliação quanto à percepção de bem-estar ou de tensão com três possibilidades de avaliação: “Calma” (2 pontos), “Mais ou Menos” (1) e “Tensa” (0) representadas por emojis (☺) respectivamente nas cores verde, amarela e vermelha.
Esfigmomanômetro digital. Para aferição da pressão arterial foi utilizado um monitor de pressão arterial automático, modelo: HEM-742INT da marca OMRON.
CD gravado com a Técnica de Relaxamento e Respiração Profunda incluído no livro “Relaxamento para todos: controle seu stress” (Lipp, 1997).
Procedimento
Inicialmente, obteve-se a aprovação do estudo junto ao Comitê de Ética da Secretaria Municipal de Saúde do Estado do Rio de Janeiro, credenciado pela Comissão Nacional de Ética (CONEP) - sob protocolo número 40ª/2009. Cada participante leu e assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes de participar do estudo.
O estudo foi realizado em uma instituição de saúde pública localizada no estado do Rio de Janeiro, Brasil, que desenvolve a maior parte de suas atividades assistenciais no nível de atenção primária e secundária em saúde. Atuaram na pesquisa as autoras do estudo e quatro alunas regularmente matriculadas no curso de graduação, como assistentes de pesquisa. Colaboraram também dois médicos da instituição, equipe de estagiárias de Nutrição e um educador físico que ofereceu orientações sobre exercício físico.
As pacientes foram encaminhadas pelos médicos que atendem na instituição de saúde onde a pesquisa foi realizada (clínico e cardiologista) e foram designadas para os grupos: GE 1 que recebeu o Treino de Controle do Stress completo; GE 2 que recebeu o Treino de Relaxamento e Respiração Profunda (G2) e o (GC) que não recebeu intervenção psicológica, apenas comparecendo no início e no final do estudo para avaliações, consultas e exames laboratoriais. A alocação nos grupos ocorreu por conveniência. As 15 primeiras foram alocadas no GE1, as 15 seguintes no GE2. O GC foi formado por pacientes que não poderiam comparecer para as sessões em grupo devido a impedimentos pessoais e por terem sido as últimas recrutadas. Após assinarem o TCLE, as participantes foram avaliadas quanto ao nível de estresse, já que estar com estresse era um dos critérios de inclusão. Aquelas que atenderam a todos os critérios foram submetidas à avaliação do fator raiva (STAXI), consulta médica e exames laboratoriais: Colesterol Total, Triglicérides e Glicose. Essa avaliação ocorreu antes e após o término das intervenções. Algumas participantes, por questões pessoais, desistiram ao longo das intervenções, quatro pacientes no GE1 e oito no GE2. O GE1 recebeu o TCSL em 14 sessões e o GE2 a TRRP também em 14 sessões. Durante as sessões a pressão arterial do GE1 e GE2 foi aferida duas vezes antes e duas vezes depois da intervenção, com intervalo de 1 minuto entre as aferições. A TRRP foi aplicada semanalmente nos dois grupos experimentais, sendo que no G1 fazia parte do TCLS e no G2 se constituía na intervenção única. As participantes dos grupos experimentais receberam um CD de relaxamento (Lipp, 1997) para praticarem em suas residências. Solicitou-se que ouvissem a gravação e praticassem a técnica diariamente, registrando em um formulário a frequência com que fizeram a técnica e como se sentiam antes e após a mesma.
A modalidade de intervenção que se revelou a mais efetiva foi oferecida para os dois outros grupos posteriormente para que se beneficiassem dos ganhos.
Análise de dados
Para comparação das variáveis categóricas entre grupos foi utilizado o teste Qui-Quadrado de Pearson, ou o teste exato de Fisher, na presença de valores esperados menores que 5. Para comparar as variáveis contínuas entre 2 grupos foi utilizado o teste de Mann-Whitney e para comparação entre 3 grupos foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis. Para analisar a relação entre as variáveis numéricas foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman. Para comparar as variáveis categóricas entre as avaliações pré e pós-intervenção foi utilizado o teste de McNemar (para 2 categorias) e o teste de simetria de Bowker (para 3 ou mais categorias). O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p <0,05).
Resultados
A idade média do GE1-TCSL, do GE 2 -TRRP e do GC foi, respectivamente, 54, 36 (DP = 5,7), (55 (DP = 10,74) e 52,86 (DP = 3,02), não havendo diferença significativa entre os grupos (p = 0,285). A maior parte das participantes era casada, tinha ensino médio, não fazia uso regular de bebida alcóolica e não era tabagista. Não houve diferença significativa entre os grupos (p>0,05).
O Quadro 1 mostra que as participantes, no início do estudo estavam com estresse, já que era um critério de inclusão. No final do estudo verificou-se diferença significativa entre os grupos no que se refere ao estresse, havendo redução na percentagem de participantes com estresse no GE1. As mudanças ocorridas na percentagem de pessoas com estresse no GE2 e no GC não foram significativas.
Quanto às fases de estresse, verificou-se que no GE1 que apresentava 6 (46,15%) participantes na fase de Resistência, 3 (27,27%) em Quase-Exaustão e 2 (18,18%) em Exaustão, passou a ter no final do estudo 4 (36,36%) sem estresse, 7 (63,64%) na fase de Resistência e nenhuma nas demais fases. Já o GE2, que apresentava 4 (57,14%) em Resistência e 3 (42,86%) em Quase-Exaustão, passou a ter 2 (28,58%) sem estresse, 1 em Quase-Exaustão e manteve 4 (57,14%) em Resistência, não havendo participantes nas demais fases. Quanto ao GC que antes possuía 1 em Alerta, 3 (42,86%) em Resistência, 2 (28,58%) em Quase-Exaustão e 1 em Exaustão, passou a contar com 1 sem estresse, 5 (71,42%) em Resistência e 1 em Quase-Exaustão. Quanto ao tipo de sintomas de estresse, o Teste Exato de Fisher não revelou diferença significativa entre os grupos (p >0,05) tendo se verificado a prevalência de sintomas psicológicos nos três grupos.
Na análise dos resultados da STAXI, utilizou-se o Escore T seguindo orientações no manual do inventário. O Quadro 2 revela as médias dos escores antes e após a intervenção. Análise estatística do fator raiva estado realizada por meio do teste de comparações múltiplas de Dunn, revelou diferença significativa entre o GE1 (M=33,6, DP=0) e GE2 (M=37,86, DP=11) após a intervenção, sendo maiores valores para o GE2 (p <0,001). Já o GC teve média de Escore T para estado de 36,50 (DP = 7,67).
No Quadro 2 é possível se verificar os resultados referentes ao STAXI em todas as dimensões para os grupos. Ao final do estudo, não houve diferença significativa na comparação entre os grupos por meio do teste de Kruskal-Wallis (p > 0,05).
Nas sub escalas temperamento de raiva, reação de raiva, raiva para dentro, raiva para fora, não foi verificada diferença significativa entre os grupos no início do estudo (p > 0,05). No entanto, o teste Mann Whitney revelou que no final do estudo as participantes que se mantiveram com estresse revelaram maior escore na sub escala temperamento do que as sem estresse (p = 0,027).
Os resultados indicaram no GE1, antes da intervenção, média de pressão arterial sistólica (PAS) de 130,61 (DP = 10,80) e média da pressão arterial diastólica (PAD) de 81,10 (DP = 7,12). Ao final do estudo a PAS média foi de 130,44 (DP = 11,44) e a PAD foi 82,11 (DP = 6,39). No GE2 a média antes da intervenção foi para PAS de 127,12 (DP = 8,38) e depois 130,73 (DP = 15,22) e para PAD foi no início de 77.84 (DP = 5,66) e no final de 80.53 (DP = 7,84). O teste de Mann-Whitney para comparação dos valores entre os grupos não encontrou diferença significativa.
Quanto à técnica de TRRP que foi utilizada tanto no GE1 quanto no GE2, mas não no GC, verificou-se, no GE1, a média de relaxamento de 1,19 (DP = 0,32) antes do uso da técnica e de 1,75 (DP = 0,15) após o uso. No GE2 a média de relaxamento antes do uso da técnica foi de 0,62 (DP = 0,25) e de 1,75 (DP = 0,2) após o uso. Análise estatística revelou que não houve diferença significativa quanto à frequência de realização da técnica, pois a média do GE1 foi de 6,42 (DP = 0,51) e do GE2 foi de 5,32 (DP = 1,39), sendo p = 0,063. Foi observada na amostra total, no final do estudo, correlação negativa entre relaxamento e reação de raiva (p = 0,0144) e raiva para dentro (p = 0,007). Também se verificou que as participantes que se mantiveram com estresse no final do estudo na amostra total apresentaram menor escore de relaxamento (p = 0,031).
Quanto à glicose, triglicerídeos e colesterol total, análise com o teste Kruskal-Wallis não encontrou diferença significativa entre os grupos. No entanto, análise estatística por meio do coeficiente de correlação de Spearman, encontrou no final do estudo correlação negativa significativa entre escore de glicose e escore de reação de raiva (p = 0,009) na amostra total, ou seja, quanto menor o nível de glicose maior a reação de raiva. No que se refere à sub escala temperamento, no final do estudo, verificou-se que quanto menor o nível de glicose maior o escore de temperamento (p = .009). Também se constatou que as participantes que se mantiveram com estresse no final do estudo na amostra total apresentaram escore de glicose menor do que as sem estresse (p = 0,005).
Discussão
O fato de não ter havido diferença significativa entre os grupos no que se refere a idade, estado civil, escolaridade, uso de bebida alcoólica e presença de tabagismo, revela que os grupos eram homogêneos. Tal fato favoreceu a comparação entre eles quanto às demais variáveis consideradas no estudo.
A observação de que 92% das participantes se encontravam em faixas etárias de 45 a 54 anos e de 55 a 64, é coerente com o que afirma a VII Diretriz Brasileira de Hipertensão (Sociedade Brasileira de Cardiologia, 2016) de que há uma relação direta e linear da pressão arterial com a idade, ou seja, quanto maior a idade, maior é a chance do desenvolvimento da HA.
A verificação de que o TCSL gerou resultados positivos no GE1, reduzindo o nível de estresse dos participantes, mas não nos outros dois grupos, é compatível com a literatura em que Malagris et al (2009), investigando os efeitos do TCSL em pacientes com HA quanto ao transporte celular do aminoácido L-arginina, também encontrou redução no nível de estresse, além de aumento no transporte celular do aminoácido precursor do gás vasodilatador Óxido Nítrico, que se encontra reduzido em pacientes com HA. A redução do estresse após o TCSL corrobora os resultados dos estudos de Malagris e Lipp (2014) com mulheres com síndrome metabólica e Lipp e Rocha (2007) com pacientes com HA.
O fato das participantes, no total, se encontrarem, no início do estudo, nas fases de resistência, quase-exaustão e exaustão é preocupante, pois o estresse em fases avançadas pode agravar a condição da doença, como verificado em Lipp e Rocha (2007) e Malagris et al. (2014).
Analisando-se os resultados por grupo quanto às fases, no final do estudo, observou-se que, embora alguns pacientes do GE1 tenham se mantido com estresse, as que estavam em fases avançadas passaram para fases menos graves. No final do estudo, nesse grupo, nenhuma paciente estava em quase-exaustão ou exaustão, e algumas estavam sem estresse. No GE2, que recebeu somente o TRRP, observou-se alguma melhora, porém não significativa. No GC não se observou melhora no nível de estresse, ao contrário, houve um agravamento do quadro em que uma paciente passou para a fase de quase-exaustão e outra passou para a fase de exaustão no final do estudo. Assim sendo, os resultados mostraram um movimento que pode indicar que as pacientes do GE1, especialmente, estavam usando as técnicas ensinadas. A melhora registrada no GE2 mostra que o relaxamento acompanhado de respiração profunda é capaz de ter alguma influência no controle do estresse, porém os resultados não foram estatisticamente significativos. Muito pode ter a ver com o número limitado de participantes. Talvez uma amostra maior venha a tornar mais claro o impacto deste procedimento no gerenciamento do estresse.
A prevalência de sintomas psicológicos nos três grupos, tanto no início como após a intervenção, corrobora os dados de Malagris et al (2009) que também encontrou essa prevalência em pacientes com estresse, com e sem HA. Esse dado é interessante, pois no presente estudo todas as participantes tinham HA e poderia se esperar que a manifestação do estresse se desse mais na área física. Levanta-se a hipótese de que as manifestações psicológicas estejam associadas ao aumento da pressão arterial, já que a ansiedade, a preocupação, a irritabilidade (sintomas psicológicos de estresse), estão relacionadas à ativação do Sistema Nervoso Simpático e contribuem para constrição dos vasos e reatividade cardiovascular (Pereira & Ribeiro, 2012).
Na avaliação final, verificou-se que no GE1 o estado de raiva era menor do que nos outros grupos, confirmando que o Treino Cognitivo de Controle da Raiva (TCCR) (Lipp & Malagris, 2010), no qual se basearam as sessões voltadas para o controle da raiva como parte do TCSL, se constitui em uma estratégia bastante eficaz que pode contribuir para reduzir o estado da raiva como fonte interna de estresse, e, consequentemente, colaborar no controle da pressão arterial.
A verificação de que não houve diferença significativa quando os três grupos foram comparados tanto quanto a escala traço de raiva como para suas sub escalas (temperamento e reação) foi um dado inesperado, pois o GE1 recebeu o ensinamento de estratégias de manejo, esperando-se que apresentasse redução nessas sub escalas após a intervenção. Acredita-se que pode ser necessário uma intervenção completa do TCCR para se obter alterações significativas nesses fatores.
No final do estudo, as participantes da amostra total que se mantiveram com estresse revelaram maior escore na escala temperamento do que as sem estresse, diferença que não se observou no início do estudo. Tal resultado parece coerente, pois o temperamento de raiva pode contribuir como fonte interna de estresse, conforme enfatizado por Lipp e Malagris (2010). Ou seja, é possível que o temperamento de raiva tenha dificultado a redução do nível de estresse.
Quanto à reação de raiva, observou-se que quanto maior o índice relatado de relaxamento menor a reação de raiva. Dado também coerente, pois espera-se que a TRRP contribua para reduzir a reação, na medida em que ocorre uma desativação do Sistema Nervoso Simpático gerando sensação de calma (Chicayban & Malagris, 2014). Quanto à raiva para dentro, ao se comparar os grupos no período inicial e final não se observou diferenças significativas. No entanto, no final do estudo verificou-se que nas participantes que aprenderam a técnica de relaxamento, quanto maior o escore de relaxamento, menor raiva para dentro. Este resultado significa que o relaxamento contribuiu para redução no sentimento de raiva, já que reduziu a reação e a raiva para dentro. Lipp e Malagris (2010) incentivam a prática de relaxamento e respiração profunda para manejo da raiva.
Na escala raiva para fora, o escore do GE1 já era baixo e ainda sofreu algum decréscimo. É possível que um número maior de participantes nos grupos levasse a resultados mais significativos. Além disso, o TCCR completo (Lipp & Malagris, 2010), talvez gerasse mais alterações nessas variáveis. Quanto ao GC e ao GE2 não se esperava alterações na variável raiva, já que não receberam o TCCR.
A análise dos resultados referentes ao controle da raiva na forma de tentativas deliberadas de controlar sua expressão revelou diferença significativa entre o GE1 e o GE2 sendo maiores valores para GE2. Tal resultado sugere que as pacientes que treinaram apenas a TRRP não tenham tido a possibilidade de aprender estratégias para manejo adequado da raiva, só restando o controle da expressão. Acredita-se que o TCCR completo possa trazer contribuições mais amplas (Moxotó & Malagris, 2012). Estudo realizado por Lipp et al (2009) com 29 adultos com doença coronariana, investigou se o TCCR seria eficaz na redução da reatividade cardiovascular. Foi verificado que o tratamento reduziu significativamente os índices de raiva para dentro, raiva estado, raiva traço, expressão, reação e controle da raiva e sintomatologia do estresse. Foi detectada também correlação entre a magnitude da reatividade da PAS e os índices de raiva temperamento.
Verificou-se que o GE1 obteve melhores notas no momento anterior ao início das sessões de relaxamento indicando que o TCSL completo parece ter contribuído para sensação de calma diária de modo que, mesmo antes de fazerem a técnica em casa, já estavam se sentindo mais tranquilas do que as participantes do GE2. Quanto ao TRRP, análise correlacional entre relaxamento e raiva para dentro revelou que, quanto maior a sensação de calma, menor a raiva para dentro. Esse resultado é importante, pois indica que a prática da técnica pode influenciar em uma característica que vem sendo encontrada entre pacientes com HA que é a raiva para dentro (Moxotó & Malagris, 2012).
Quanto à PA, comparando os dois grupos no período inicial e no período final, não houve diferença significativa, o que pode estar relacionado ao fato de que todas as participantes faziam uso de medicação anti-hipertensiva e tinham a pressão arterial sob controle. Do mesmo modo, Malagris et al (2009) também não encontrou diferenças na pressão arterial em pacientes com HA antes e após o TCSL, tendo sido concluído também que a pressão arterial já estava sob controle devido ao uso da medicação.
O fato de não se constatar diferença significativa nos exames laboratoriais entre os grupos, nos períodos inicial e final, indica que as intervenções não interferiram nessas medidas, mas é importante ressaltar que, embora não tenha ocorrido redução estatisticamente significativa, algumas reduções foram verificadas. Os dados contrariam os de Malagris e Lipp (2014) com pacientes com Síndrome Metabólica, que encontraram diferenças significativas nas medidas laboratoriais. As autoras compararam dois grupos, um com a administração do TCSL (grupo experimental) e outro (grupo controle) e observaram redução de colesterol total (p = 0,012) entre pré e pós o TCSL e aumento significativo de glicose no grupo controle (p = 0,019). Acredita-se que estudos com maior número de pacientes com HA submetidos ao TCSL ampliem o conhecimento quanto a alterações em exames laboratoriais.
Como todo estudo realizado com seres humanos, existem limitações no presente trabalho. O fato de os inventários utilizados serem de autorrelato envolve interferências situacionais, cognitivas e emocionais. A adesão ao tratamento pode ter sido comprometida por situações de vida das participantes, pois tratava-se de um grupo de mulheres atendidas dentro do Sistema Único de Saúde indicativo de um nível econômico baixo envolvendo algumas dificuldades que poderiam interferir com a plena eficácia do tratamento. Além disso, embora todas recebessem prescrição médica para uso de anti-hipertensivo, as participantes variavam na adesão ao uso das medicações que eram, às vezes, diferentes para atender às necessidades individuais.
Uma limitação a ser considerada é o tamanho pequeno da amostra que não permite generalizações dos resultados. Estudos com amostras maiores devem ser implementados para que se possa chegar a uma conclusão quanto a se a combinação de relaxamento com respiração profunda tem maior eficácia quando combinado com os outros três pilares do TCSL (exercício físico, alimentação antiestresse e abordagem psicológica baseada na terapia cognitivo-comportamental).
Apesar da amostra ser restrita, acredita-se que o presente estudo possa fazer uma contribuição para a qualidade de vida de pacientes portadores da HA e para o desenvolvimento dos estudos na área, já que as análises indicam melhores resultados para as pacientes submetidas ao TCSL. Os resultados obtidos sugerem que o TCSL é útil como uma medida não medicamentosa para controle do estresse e melhoria do estilo de vida das pacientes, o que talvez possa repercutir no melhor controle da pressão arterial.
Concluindo, o presente estudo objetivou comparar duas modalidades de intervenção para controle do estresse em pacientes com hipertensão. O estudo se justifica na medida em que a hipertensão é uma condição de alta prevalência na população mundial e um importante fator de risco para doenças cardiovasculares, causa da maior parte das mortes no mundo. Apesar do pequeno número de participantes os resultados indicaram que o Treino de Controle do Stress de Lipp completo resultou em maiores ganhos para os pacientes do que apenas o treino de relaxamento e respiração e a passagem de tempo administrados no grupo controle (GC). Os resultados devem ser olhados com cautela e sugere-se que novos estudos, com maior número de participantes e amostras diversas, sejam realizados para confirmação dos achados da presente pesquisa.
Agradecimentos
Os autores agradecem a colaboração ao Clínico Geral Dr. André Feingold, ao Cardiologista Dr. Cândido Fontes, à equipe de estagiárias de Nutrição do Hospital Escola São Francisco de Assis, ao Educador Físico João Carlos Becker Costa e às assistentes de pesquisa Christiane dos Santos Miranda, Núbia Rodrigues Nascimento e Milena Cherem Peixoto.
Contribuição dos autores
Lucia Malagris: Curadoria dos dados, Aquisição de financiamento, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Redação do rascunho original.
Marilda Lipp: Supervisão, Validação, Redação - Revisão, Edição.
Raquel de Almeida: Análise formal, Investigação, Redação do rascunho original.