A sobrecarga do cuidado refere-se a uma condição psicológica decorrente de esforço físico, tensão emocional, alterações nas demandas sociais e financeiras provenientes do desempenho da atividade do cuidar (Rezende et al., 2016). Compreende duas dimensões: objetiva e subjetiva. A primeira está relacionada às atividades e à supervisão de cuidados, bem como às limitações impostas à vida social, profissional e aos abalos financeiros do familiar. A segunda diz respeito à compreensão e às apreensões sobre o paciente, à sensação de carregar um peso e ao desconforto no exercício do cuidar (Monteiro et al., 2015).
A sobrecarga física, emocional e social pode resultar no comprometimento dos papéis sociais (Ignácio et al., 2011), bem como da saúde física e mental do cuidador familiar (Toledo & Ballarin, 2013). O familiar designado como tal enfrenta um trabalho árduo, pois vivencia a sobrecarga no cuidar devido ao contexto específico imposto pelo Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH) (Toledo & Ballarin, 2013).
O TCTH é uma modalidade de tratamento para doenças oncológicas e hematológicas, consistindo na infusão de células tronco-hematopoéticas nos pacientes elegíveis para esse procedimento, que podem ser obtidas da medula óssea, do sangue periférico ou do sangue de cordão umbilical. Por ser considerado um procedimento complexo e com possibilidade de complicações, necessita de cuidados desempenhados por uma equipe especializada (Marques et al., 2018; Li & Sykes, 2014).
A participação dos cuidadores familiares no acompanhamento e tratamento de crianças, adolescentes e adultos com doença oncológica ou hematológica submetidos ao TCTH é um fator importante, pelo seu papel principal de suporte e amparo. No entanto, estudos que objetivam verificar as repercussões na vida desses cuidadores são escassos.
As alterações no cotidiano referem-se principalmente às atividades de vida diária, em virtude das diversas obrigações decorrentes do cuidado (Oliveira et al., 2018). No cuidado, o familiar cumpre múltiplos papéis e relata sentir-se sobrecarregado pela execução dessa atividade 24 horas por dia, principalmente no caso de crianças e adolescentes, durante os primeiros três meses após a alta hospitalar de TCTH - na maioria das vezes, por mais tempo (Kaziunas et al., 2016). Muitos, além de cuidar, coordenam todas as atividades familiares e mostram-se surpresos com as demandas estabelecidas pelo cuidado de um paciente submetido ao TCTH (Von Ah et al., 2016).
Nesse contexto, a sobrecarga emocional destaca-se, com níveis significativamente maiores de ansiedade, estresse e insônia. Vários anos após o transplante, o risco de depressão entre os cônjuges dos pacientes adultos submetidos ao TCTH é 3,5 vezes maior do que de pacientes com outras doenças. A sobrecarga social e física também se mostra elevada no cuidado pós-TCTH (Jim et al., 2014). Ainda, em relação à sobrecarga financeira, um estudo com pacientes adultos e seus familiares revelou que, dois anos após o transplante, os familiares sentiam o impacto na renda familiar, devido aos gastos médicos com consultas e medicação, por exemplo (Denzen et al., 2016).
Considerando o exposto, este artigo tem como objetivo verificar a sobrecarga em cuidadores familiares de pacientes no pós-TCTH e identificar na literatura instrumentos de verificação ou medição da sobrecarga nesses sujeitos.
Método
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, método capaz de sintetizar a literatura para proporcionar a análise e interpretação dos fatos, consistindo em uma abordagem que inclui diversas metodologias, favorecendo, dessa forma, a elaboração de teorias e fundamentando a prática clínica (Whittemore & Knafl, 2005). A questão de investigação foi “Qual é a sobrecarga do cuidador familiar de pacientes no pós-TCTH e quais instrumentos podem avaliar esse fenômeno?”.
Estratégia de Pesquisa
A busca de estudos ocorreu de forma eletrônica, com recorte temporal de janeiro de 2010 a maio de 2020, nas seguintes fontes de informação: National Library of Medicine (PubMed); The Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Scopus, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Eletronic Library (SciELO) e Web of Science. Utilizaram-se as seguintes estratégias de busca: “Cuidadores” AND “Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas” OR “Transplante de Medula Óssea” AND “Família”, com Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), e descritores do Medical Subject Headings (MeSH) com a estratégia: “Caregivers” AND “Hematopoietic Stem Cell Transplantation” OR “Bone Marrow Transplantation” AND “Family”. Foram estabelecidos os seguintes critérios de inclusão: ser artigo científico original publicado na literatura nacional ou internacional, que compreendesse a temática, com textos disponíveis na íntegra on-line, em periódicos indexados nas fontes de informação eletrônicas consultadas, nos idiomas inglês, português ou espanhol. Foram excluídos os estudos de revisão, os repetidos e os que não respondiam ao problema de pesquisa.
Seleção de Artigos
Foi realizada a leitura dos títulos e resumos para selecionar os estudos que correspondiam ao objetivo da revisão. Após essa seleção, procedeu-se à leitura dos estudos na íntegra, sendo elaborado um instrumento contendo título, autor principal, ano, local de publicação, objetivo, desenho metodológico, nível de evidência, instrumentos de avaliação utilizados e resultados. A classificação quanto ao nível de evidência foi feita de acordo com as recomendações da Agency for Health Care Research and Quality (2014), que classifica em nível I as metanálises e revisões sistemáticas, em nível II os estudos experimentais individuais, em nível III os estudos quase experimentais, em nível IV os estudos descritivos qualitativos, em nível V os estudos de caso, em nível VI os estudos descritivos e em nível VII a opinião de especialistas.
Resultados
O processo de seleção dos estudos que compuseram a amostra foi baseado nos critérios do Preferred Reporting Items for Systematic Review and Meta-Analyses (PRISMA) (Moher et al., 2009), conforme apresentado na Figura 1.
Não foram encontrados estudos que avaliassem apenas a sobrecarga dos cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH. Os sete estudos que compuseram a amostra foram publicados entre 2011 e 2016, no idioma inglês, tendo origem nos Estados Unidos (três estudos), Turquia (dois estudos) e Suécia (dois estudos). Todos eram originais, sendo seis descritivos e um prospectivo, observacional e analítico de caso-controle. Em relação ao nível de evidência, os sete artigos selecionados são de nível VI.
O Quadro 1 apresenta a caracterização dos estudos, em relação ao autor principal, ano, país de publicação, objetivo da pesquisa, desenho metodológico (tipo de estudo e participantes) e nível de evidência, estando todos dispostos em ordem crescente do ano de publicação.
O Quadro 2 traz uma síntese dos achados dos estudos, no tocante à sobrecarga referente ao cuidado, instrumentos de avaliação utilizados e resultados.
Autor, Ano | País | Objetivo | Metodologia |
---|---|---|---|
Cooke et al., 2011 | Estados Unidos | Verificar o nível de sobrecarga e descrever o perfil sociodemográfico de cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH. | Estudo descritivo, com 56 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH no período de 3 a 12 meses pós-procedimento. |
Akgul & Ozdemir, 2014 | Turquia | Identificar a sobrecarga do cuidador familiar de pacientes submetidos ao TCTH de sangue periférico no período de 2 a 12 meses pós-procedimento. | Estudo descritivo de corte transversal, com 55 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH em três unidades ambulatoriais de três hospitais universitários da Turquia. |
Norberg et al., 2014 | Suécia | Verificar o nível de sobrecarga em pais de crianças suecas submetidas ao TCTH. | Estudo descritivo, com 159 mães e 123 pais de crianças submetidas ao TCHT em quatro centros transplantadores da Suécia. |
Deniz & Inci, 2015 | Turquia | Verificar a sobrecarga de cuidadores familiares de pacientes com leucemia e linfoma submetidos ao TCTH. | Estudo descritivo, com 123 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH. |
Norberg & Forinder, 2016 | Suécia | Verificar o nível de sobrecarga, ansiedade e depressão de pais de crianças submetidas ao TCTH. | Estudo descritivo, com 134 pais de crianças submetidas ao TCTH. |
Ross et al., 2016 | Estados Unidos | Verificar a sobrecarga, o estresse e comportamentos autorreferidos de saúde de cuidadores de pacientes submetidos ao TCTH. | Estudo descritivo e transversal, com 78 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH. |
Bevans et al., 2016 | Estados Unidos | Verificar o nível de sobrecarga e comparar o estresse autorreferido com os níveis de ansiedade e depressão de cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH. | Estudo prospectivo, observacional e analítico de caso-controle, com 21 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH e 20 controles. |
Discussão
Os questionários utilizados para avaliar a sobrecarga do cuidador familiar do paciente submetido ao TCTH nos estudos selecionados foram: SMBQ e CRA, em dois estudos cada; Caregiver Activities and Role Strain, ZBI e Burden Interview, nos demais. Esse fato dificultou a comparação entre os estudos e a generalização dos resultados.
Em relação às características das amostras, a população era constituída de mulheres (Cooke et al., 2011; Akgul & Ozdemir, 2014; Norberg et al., 2014; Deniz & Inci, 2015; Norberg & Forinder, 2016; Ross et al., 2016), tendo dois estudos sido realizados com pais e mães (Norberg, et al., 2014; Norberg, & Forinder, 2016). No tocante ao estado civil, as cuidadoras eram casadas e tinham ensino fundamental completo. Estudo realizado no Brasil, com 59 cuidadores familiares e pacientes submetidos ao TCTH, obteve resultado semelhante, com a maioria dos cuidadores familiares possuindo ensino fundamental e médio (Schnepper et al., 2018). Na Turquia, num estudo com 114 cuidadores familiares de pacientes em diálise peritoneal, 30% da amostra entrevistada revelou ter pós-graduação (Cantekin et al., 2016). O nível de escolaridade torna-se um fator importante no desempenho do cuidado, pois o cuidador necessita de entendimento ao receber as orientações ofertadas pela equipe multiprofissional para a realização dos cuidados de seus familiares.
Artigo | Instrumentos | Resultados |
---|---|---|
Cooke et al., 2011 | Para avaliar a sobrecarga, foi utilizado o questionário Caregiver Activities and Role Strain. Foram aplicados outros questionários: Mutuality Scale; Sickness Impact Profile (SIP); Predictability; Rewards of Caregiving; e QOL-Family. | A sobrecarga foi de 2,56 no escore total obtido pelo Caregiver Activities and Role Strain. A tensão relacionada ao papel do cuidador, execução do cuidado, resolução de problemas e emocional aumentou igualmente. Todas as áreas analisadas referentes à tensão do desempenho do papel do cuidador correlacionaram-se negativamente com sua qualidade de vida. |
Akgul & Ozdemir, 2014 | A sobrecarga do cuidado foi avaliada por meio do questionário Zarit Burden Interview (ZBI). Os dados foram coletados por questionário desenvolvido pelos pesquisadores, para verificar o perfil de cada paciente e seu cuidador. | A sobrecarga foi de 28,41 no escore total obtido pela ZBI, estando relacionada a sentimentos negativos, como desvalorização e ausência de apoio emocional. Os altos níveis de sobrecarga estavam ligados à ampliação das atividades desenvolvidas no processo de cuidar. |
Norberg et al., 2014 | A sobrecarga foi avaliada pelo Questionário Shirom-Melamed Burnout. Foram utilizados também: escala de Lansky/Karnofsky; Índice de lista de verificação do inventário de saúde e sintomas; Problemas Cognitivos de Saúde Mental; e Auto Estima. | A sobrecarga foi de 3,37 para mães e 2,90 para pais no escore total obtido pelo SMBQ, mostrando-se mais evidente em pais de crianças submetidas ao TCTH no período de cinco anos. Em relação a pais e mães, a sobrecarga estava associada ao número e gravidade dos problemas decorrentes do pós-TCTH no período de cinco anos após o tratamento. |
Deniz & Inci, 2015 | A sobrecarga foi avaliada pelo questionário Burden Interview. Foi utilizada também a Caregiver Quality of Life Index Cancer Scale. | A sobrecarga foi de 40,86 no escore total obtido pela Burden Interview. O estudo identificou fatores como cuidar de um paciente mais velho, dependência para a realização das atividades de vida diária e menor condição econômica. Cuidadores que relataram menor condição financeira e cuidado prestado a cônjuges foram os que obtiveram os menores índices de qualidade de vida. |
Norberg & Forinder, 2016 | A sobrecarga foi avaliada pelo SMBQ. Foram aplicados também os questionários Hospital Anxiety and Depression Scale e Post-Traumatic Stress Checklist. | Os 134 pais que participaram do estudo relataram apresentar problemas de saúde associados a mais de um fator, sendo estes relacionados a aspectos psicológicos, como ansiedade e sobrecarga do cuidado, os quais se mostraram frequentes. Não foi apresentado o escore total da sobrecarga do questionário, apenas a quantidade de cuidadores da amostra total em que foi verificada a sobrecarga: 23 de um total de 134 relataram ter sobrecarga do cuidado ao desempenhar as atividades de cuidado com seus familiares. |
Ross et al., 2016 | Para avaliar a sobrecarga, foi utilizado o questionário Caregiver Reaction Assessment (CRA). Foram aplicados também os seguintes questionários: Health-Promoting Lifestyle Profile II (HPLP-II); Brief Symptom Inventory; Pittsburgh Sleep Quality Index; e Multidimensional Fatigue Symptom Inventory Short-Form. | A sobrecarga foi de 51,2 no escore total obtido pelo questionário CRA. A maioria dos participantes do estudo relatou má qualidade do sono e 8% dos entrevistados apresentaram níveis de sofrimento psíquico. Fatores como idade, sexo, sobrecarga e sofrimento indicaram níveis de fadiga e baixa qualidade de sono. |
Bevans et al., 2016 | Para avaliar a sobrecarga, foi utilizado o questionário CRA. Foram aplicados também os seguintes questionários: questionário sociodemográfico; Perceived Stress Scale-14 (PSS-14); Patient-Reported Outcomes Measurement Information System (PROMIS®) Anxiety Short Form-1 e Depression Short Form-8b. Os marcadores neuroendócrinos e imunológicos do estresse foram avaliados pelo teste de saliva e nível de cortisol sérico. | A sobrecarga foi de 2,40 a 2,43 no escore total obtido pelo questionário CRA. Os níveis de estresse, ansiedade e depressão mostraram-se maiores nos cuidadores de pacientes submetidos ao TCTH e menores no grupo de controle do estudo. Os níveis de cortisol sérico apresentaram-se baixos e de epinefrina, altos, o que indica que a atividade do cuidar é estressante. |
A situação econômica dos cuidadores também foi avaliada no estudo turco com 123 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH, revelando maior nível de sobrecarga naqueles que relataram nível econômico baixo (Deniz & Inci, 2015). Resultado semelhante foi encontrado em outro estudo turco que avaliou a sobrecarga de 114 cuidadores familiares de pacientes em diálise peritoneal (Cantekin et al., 2016), em que 30% dos cuidadores possuíam renda salarial média e níveis de sobrecarga altos.
O número da amostra de todos os estudos analisados variou entre 41 e 284 cuidadores e a quantidade de instrumentos utilizados foi de dois a sete, sendo que quatro estudos não fizeram correlação da sobrecarga com as características dos pacientes submetidos ao TCTH (Cooke et al, 2011; Norberg et al., 2014; Norberg & Forinder, 2016; Ross et al., 2016; Bevans et al., 2016). Aqueles que realizaram correlação entre sobrecarga e características dos pacientes associaram também a sobrecarga com os pacientes que revelaram sentimento de autodepreciação, a idade e o nível de dependência funcional e se apresentavam outro tipo de doença crônica (Akgul & Ozdemir, 2014; Deniz & Inci, 2015).
Quanto aos escores totais dos instrumentos empregados, às sobrecargas no cuidar e aos principais instrumentos descritos na literatura, no estudo descritivo de corte transversal com 55 pacientes submetidos ao TCTH e seus cuidadores em três unidades ambulatoriais de três hospitais universitários da Turquia, o escore total do ZBI foi de 28,41 (Akgul & Ozdemir, 2014). No Brasil, num estudo do tipo caso-controle, com amostra total de 84 cuidadores familiares de crianças/adolescentes com síndrome de Down, a pontuação da mesma escala de sobrecarga para o grupo de estudo obteve escore total de 34,58 e para o grupo de controle, 15,13; os cuidadores apresentaram sobrecarga moderada, quando comparados a cuidadores de crianças/adolescentes normorreativos (Barros et al., 2017). Resultado similar em relação ao escore total foi verificado em um estudo realizado na Nigéria com 181 cuidadores familiares de pacientes com esquizofrenia, sendo o escore total do ZBI de 40,98 (Adeosun, 2013). Resultado contrário foi alcançado em um estudo na Índia, o qual avaliou a sobrecarga e qualidade de vida de 30 cuidadores familiares, obtendo o escore geral leve, ou seja, 12,93, sendo que 80% sentiram pouca ou nenhuma sobrecarga (Thomas et al., 2018). As sobrecargas moderada e moderada a severa também obtiveram escores significativos na ZBI em outro estudo do tipo analítico e transversal realizado no Brasil com 31 cuidadores familiares de crianças com diagnóstico de paralisia cerebral. Da amostra total, 19 (61,3%) cuidadores familiares apresentaram sobrecarga moderada e dez (6,4%), sobrecarga moderada a severa (Ferreira et al., 2015).
O instrumento CRA foi utilizado no estudo turco com 123 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH (Deniz & Inci, 2015), tendo sido descrito apenas o escore total de sobrecarga, o qual representou 51,2; não foram indicados os valores dos cinco domínios do instrumento. Por outro lado, no estudo americano de caso-controle com 21 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH e 20 do grupo de controle (Bevans et al., 2016), os cinco domínios da avaliação obtiveram os seguintes valores: tensão do cuidador de 4,4; impacto na saúde de 2,1; falta de suporte familiar de 2,1; impacto nos planos de 3,7; e impacto na saúde de 2,1. Um estudo chinês com 193 cuidadores de pacientes com câncer em fase terminal também utilizou o CRA, obtendo escore negativo no domínio “tensão do cuidador” (-1,28) e positivos para os domínios “impacto nos planos” (1,92), “impacto na saúde” (2,27), “impacto nas finanças” (0,69) e “falta de suporte familiar” (1,47) (Rezende et al., 2017).
No que se refere aos resultados obtidos pelo questionário Burden Interview, utilizado no estudo turco com 123 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH (Deniz & Inci, 2015), o escore total de sobrecarga foi de 28,4. O mesmo instrumento foi aplicado a cuidadores familiares brasileiros de crianças com síndrome de sequência de Robin isolada; ao avaliar a sobrecarga, foi obtido um escore mínimo de 11,0 e máximo de 41,0, revelando sobrecarga moderada em 40% dos participantes (Trettene et al., 2017). Já no estudo brasileiro com 59 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH, obteve-se escore de sobrecarga moderada e moderada a severa (35,59%) (Schnepper et al., 2018).
Nos dois estudos suecos, foi utilizado o SMBQ. Naquele com 159 mães e 123 pais, 39,0% das genitoras e 27,6% dos genitores relataram sobrecarga do cuidado (Norberg et al., 2014), enquanto, naquele com amostra de 87 mães e 47 pais, 17,0% do total relatou apresentar sobrecarga ao desempenhar o cuidado de seus filhos (Norberg & Forinder, 2016).
No que diz respeito às repercussões da sobrecarga no cuidado de pacientes submetidos ao TCTH, no estudo descritivo e transversal com 78 cuidadores, foram analisados fatores associados, como angústia, qualidade do sono, fadiga e comportamentos de saúde. Os cuidadores mostraram-se angustiados e com baixa qualidade de sono, fatores advindos da angústia vivenciada durante a trajetória do TCTH (Deniz & Inci, 2015). Sentimentos de abandono, saúde prejudicada, alteração nos planos de vida e sintomas de depressão foram encontrados em um estudo com 193 cuidadores familiares de pacientes com câncer terminal em Taiwan, que relacionou esses fatores à sobrecarga vivenciada pelos cuidadores (Tang et al., 2013). Em um estudo americano com 62 cuidares familiares com doença crônica avançada e em fim de vida (Sautter et al., 2014), também se observou que a sobrecarga estava relacionada a altos níveis de ansiedade.
A dificuldade na execução do cuidado foi referida pelos cuidadores como resultante do estado emocional do paciente familiar submetido ao TCTH, preocupações com a morte e outros sentimentos vivenciados durante o tratamento (Cooke et al., 2011). Esse fato impactou negativamente o relacionamento familiar, ocasionando maior nível de sobrecarga, como foi descrito no estudo turco com 55 cuidadores familiares e pacientes submetidos ao TCTH (Akgul & Ozdemir, 2014).
Os cuidadores que apoiaram seus familiares pacientes, para atender às necessidades físicas e psicológicas deles, revelaram níveis estatisticamente mais elevados de sobrecarga (Deniz & Inci, 2015), o que corrobora estudo turco com 123 cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH (Ross, et al., 2016), em que cuidadores cujas vidas familiares foram afetadas por suas atividades de cuidado relataram maior sobrecarga. No mesmo estudo anterior, foi realizada uma correlação entre o cuidado prestado e os laços familiares: os cuidadores que relataram melhora nos laços familiares obtiveram menores níveis de sobrecarga, enquanto aqueles que relataram impacto negativo nas relações familiares indicaram maiores níveis de sobrecarga do cuidado (Deniz & Inci, 2015). Esses fatores demonstram que a sobrecarga impacta diversos âmbitos da vida dos cuidadores e demais familiares dos pacientes, ocasionando alterações na rotina, na saúde e no bem-estar dos cuidadores familiares.
Este estudo realizou um levantamento das publicações existentes sobre a sobrecarga no cuidar, os fatores relacionados e suas consequências nos cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH. Por meio da revisão de literatura, foi possível compilar os estudos publicados sobre o tema, realizar um levantamento dos instrumentos utilizados para avaliar a sobrecarga do cuidador familiar e resumir os resultados dos artigos.
Em relação às principais limitações do estudo, verificou-se que, na amostra selecionada, houve variação de instrumentos para avaliar a sobrecarga, gerando dificuldade de fazer a comparação entre os estudos e a generalização dos resultados. Outra limitação foi o número de trabalhos encontrados a respeito da sobrecarga do cuidador familiar.
A relevância desta revisão consiste na síntese de evidências quanto ao nível de sobrecarga e aos instrumentos para avaliá-la em cuidadores familiares de pacientes submetidos ao TCTH, visando a prestar um melhor atendimento não somente aos pacientes, mas também aos seus cuidadores, de modo a amenizar a sobrecarga, com vistas ao bem-estar físico e emocional deles.
Contribuição dos autores
Francelaine Roberto: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Supervisão; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Nen Nalu das Mercês: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Supervisão; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Verônica Mazza: Concetualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Supervisão; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.