O Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI) é um instrumento construído para avaliar a sobrecarga física, emocional e social em cuidadores informais (Martins et al., 2003). Sendo considerado cuidador informal, a pessoa não remunerada, familiar ou amiga, que assume o papel de principal responsável pela organização ou assistência e cuidados prestados à uma pessoa dependente (Monteiro et al., 2015).
Desenvolvido originalmente em Portugal, o Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI) teve suas propriedades psicométricas incialmente testadas com cuidadores informais de pessoas Pós-Acidente Vascular Encefálico (Martins et al., 2003), e posteriormente com cuidadores de indivíduos com condições de saúde crônicas heterogêneas (Martins et al., 2004). Este instrumento é composto por 32 itens, que integram sete dimensões: Implicações na vida pessoal (11 itens); Reações às exigências (5 itens); Sobrecarga emocional (4 itens); Sobrecarga financeira (2 itens) e Mecanismos de eficácia e de controle (3 itens); Suporte familiar (2 itens); Satisfação com o papel e com o familiar (5 itens). Onde cada item é avaliado por uma escala ordinal de frequência que varia de um a cinco categorias de respostas: “não/nunca”, “raramente”, “às vezes”, “quase sempre”, “sempre” (Martins et al., 2003; Monteiro et al., 2015).
No Brasil, o QASCI foi adaptado transculturalmente por Monteiro et al. (2015), as propriedades psicométricas desta versão foram testadas em cuidadores informais de idosos com dependência nas atividades básicas ou instrumentais de vida diária, sendo que o modelo teórico de sete fatores verificado a partir da versão original do instrumento apresentou o alfa de Cronbach total de 0,92, demonstrando semelhança ao valor de alfa de Cronbach (0,90) obtido para a versão original, portuguesa (Martins et al., 2003). Deste então, além das populações citadas anteriormente o instrumento vem sido adotado na pesquisa e na clínica com diferentes públicos em ambos os países, com: Cuidadores Informais de pessoas com Esclerose Lateral Amiotrófica (Gomes et al., 2020), cuidadores domiciliares assistidos na atenção básica a saúde (Souza et al., 2015), e para verificar a relação entre o estado psicossocial do cuidador informal e o tempo de cuidado dedicado ao idoso (Pocinho et al., 2017).
A aplicação do QASCI pode ser realizada de forma autoaplicável pelo cuidador informal, desde que apresente capacidade e disponibilidade em preencher o formulário do instrumento, ou através do formato entrevista, requerendo aproximadamente 20 minutos para a sua aplicação (Martins et al., 2003; Monteiro et al., 2015). Todavia, o desenvolvimento de uma versão reduzida que preserve as propriedades métricas do mesmo e que mantenha a representação do construto, permite maior facilidade na sua aplicação e uma avaliação mais rápida, assegurando uma economia de tempo para o investigador e o participante/respondente (Rodrigues, 2011).
Partindo desta perspectiva, o Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR) foi desenvolvida por Martins et al. (2015). Que elegeram um conjunto de critérios para a construção da versão reduzida: Eliminação de itens com mais de 5% de respostas omissas; correlações inter-item ≥ 0,70; carga fatorial do item < 0,40; baixo poder discriminante; e pouca contribuição para a consistência interna da subescala. O instrumento desenvolvido apresentou um valor de consistência interna avaliado pelo coeficiente alfa de Cronbach de 0,71 para a escala total e entre 0,59 e 0,82 em suas dimensões. Sendo composto, pelos dois melhores itens de cada subescala do QASCI, mantendo uma estrutura heptadimensional, que avalia aspetos negativos e positivos do cuidar (Martins et al., 2015).
Pessoas com deficiência intelectual muitas vezes precisam de assistência e cuidados intensivos de forma intermitente, consequentemente, seus cuidadores informais experimentam não apenas encargos econômicos, mas também a sobrecarga e insegurança (Nam & Park, 2017). Ao traçar o perfil sociodemográfico e a qualidade de vida de cuidadores de pessoas com deficiência intelectual, Silva & Fedosse (2018) apuraram que o papel de cuidador é desempenhado predominantemente por mulheres na figura de mãe, com média de idade elevada, baixo nível de escolaridade e vulneráveis economicamente, que se dedicam ao cuidado predominantemente em tempo integral. Famílias com filhos com deficiência intelectual apresentam funcionamento familiar mais problemático, menos satisfação conjugal, maior sobrecarga do cuidador e menor senso de coerência (Al‐Krenawi et al., 2011). Essas descobertas têm implicações importantes para o cuidado centrado na família, e na formulação e oferta de serviços educacionais, de saúde e sociais que oferecem assistência e suporte a pessoas com deficiência intelectual e suas famílias. Sendo a avaliação da sobrecarga física, emocional e social dos cuidadores uma valorosa estratégia de cuidado nesta população.
Até o momento da realização deste manuscrito não foram encontrados na literatura estudos metodológicos sobre as evidências de validade do QASCI-VR para utilização em familiares de pessoas com deficiência intelectual. Conforme exposto por seus idealizadores Martins et al. (2015), são desejáveis novos estudos que confirmem as propriedades avaliadas, bem como a exploração de outras propriedades, como a estabilidade temporal e a responsividade do instrumento, para conferir maior robustez a sua aplicação clínica em outras populações. Deste modo, este estudo tem por objetivo adaptar e verificar as evidências iniciais de validade de estrutura interna e de validade convergente do Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR), em familiares de pessoas com deficiência intelectual, usuários de um serviço socioassistencial no Brasil.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 185 familiares de pessoas com deficiência intelectual (86,5% do sexo feminino e 13,5% do sexo masculino), com média de idade de 57,2 anos (DP = 10,4 anos). Destes, 74,6% eram representados por mães, 13,5% por irmãos, 7,6% por pais e 4,3% por cuidadores e outros familiares. Quanto à escolaridade, 52,8% possuíam nível fundamental, 32,4% ensino médio, 10,2% ensino superior, sendo 4,3% dos participantes analfabetos ou não sabiam informar. Sobre o estado civil dos participantes, 46,5% eram casados, 19,5% solteiros, 18,4% divorciados, 15,1% viúvos, e 0,5% não soube informar. Em relação a atividade laboral, 44,0% dos familiares se declararam do lar, 13,6% aposentados, 10,9% autônomos, 6,5% pensionistas e 3,8% desempregados. No que diz respeito à classe econômica 36,2% pertencem a C2, 23,8% a C1, 22,2% a D-E, 13,5% a B2 e 4,3% a B1-A. A seguir, encontram-se no Quadro 1, as características dos participantes (familiares). Sobre os 185 membros familiares com deficiência intelectual, 97 eram do sexo masculino (52,4%) e 88 do feminino (47,6%). Dentre estes, a média de idade foi de 30,2 anos (DP = 9,26), Em relação ao diagnóstico, 103 indivíduos estão classificados com CID F70 - retardo mental leve (55,7%), 47 pessoas com CID F71 - retardo mental moderado (25,4%), 12 pessoas com CID F72 - retardo mental grave (6,5%), 6 indivíduos com CID F79 - retardo mental não especificado (3,2%), 5 indivíduos com CID Q90 - síndrome de Down (2,7%), 2 com CID G80 - paralisia cerebral (1,1%), demais indivíduos com outras classificações (5,0%).
Material
Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR): versão brasileira reduzida e adaptada (Martins et al., 2015). O instrumento é composto por 14 itens que avalia a sobrecarga física, emocional e social do cuidador. A escala é subdividida em 7 dimensões: implicações na vida pessoal; reações às exigências; sobrecarga emocional; sobrecarga financeira; mecanismos de eficácia e de controle; suporte familiar; e satisfação com o papel e com o familiar. A escala global possui consistência interna adequada (α = 0,71), e alpha de Cronbach's variando entre 0,59 a 0,82 em suas dimensões, sendo mensurada por escala Likert de 5 pontos (1 = nunca a 5 = sempre).
Escala de Apoio Social do Medical Outcomes Study (MOS-SSS): versão brasileira validada e adaptada para mensurar o suporte social (Zanini et al., 2009). O instrumento é composto por 19 itens que avaliam o suporte social (emocional/informacional, interação social, apoio material e apoio afetivo). A escala possui boa consistência interna com alpha de Cronbach's variando entre 0,76 a 0,95, sendo mensurada por escala Likert de 5 pontos (1 = nunca a 5 = sempre).
Family APGAR Scale: versão brasileira validada e adaptada para familiares de pessoas com deficiência intelectual (Gomes et al., 2021). O instrumento unifatorial é composto por 5 itens que mensuram os níveis de funcionalidade familiar em familiares de pessoas com deficiência. A escala possui consistência interna satisfatória (α = 0,96 e ω=0,96), sendo mensurada por uma escala Likert de 3 pontos (0 = quase nunca, 1 = às vezes e 2 = quase sempre).
Critério de Classificação Econômica Brasil: índice proposto pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Brasil, 2015) que avalia as classes socioeconômicas brasileiras. O instrumento é composto por 6 estratos socioeconômicos denominados A, B1, B2, C1, C2 e D-E.
Questionário Sociodemográfico: instrumento para caracterização da amostra, como sexo, faixa etária, escolaridade, estado civil, grau de parentesco, renda, atividade laboral, dentre outras características dos usuários e familiares.
Procedimento
Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Sociedade de Ensino Superior de Vitória (CAAE: 22829319.1.0000.5073), sob o parecer de número 3.775.581, conforme preconiza a Resolução 466/2012 e a Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamentam pesquisas que envolvem seres humanos. Todos os participantes foram informados sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa e consentiram em participar do estudo voluntariamente, assinando um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A coleta foi realizada entre os meses de novembro de 2018 a janeiro de 2019, numa entidade não governamental de atendimentos a pessoas com deficiência numa capital, sudeste do Brasil. Os profissionais responsáveis pela coleta eram especialistas em Serviço Social, Psicologia e Terapia Ocupacional. Para participar do estudo, os familiares deveriam atender alguns critérios, dentre estes: ser o cuidador primário da pessoa com deficiência, o qual prestasse assistência frequente durante a maior parte do dia (numa carga horaria diária mínima de 8 horas); ser o cuidador responsável há pelo menos 6 meses; não ser remunerado para exercer os cuidados necessários; e ter idade igual ou superior a 18 anos.
Para as análises de dados, foram utilizadas técnicas descritivas, estatísticas e de fatorabilidade. Para decisão da estrutura interna do instrumento foi realizada análise paralela e análise fatorial exploratória, utilizando matriz policórica e o método de Extração Robust Diagonally Weighted Least Squares - RDWLS (Damásio & Borsa, 2017). Para avaliação da precisão da medida recorreu-se ao coeficiente obtido pelos indicadores do tipo alpha de Cronbach e ômega de McDonald. Também foram verificados os indicadores de ajuste da medida e as evidências de validade convergente.
Foi realizada uma análise fatorial confirmatória com o objetivo de avaliar a plausibilidade de uma estrutura bidimensional para o Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI-VR; Martins et al., 2015). A análise foi implementada utilizando o método de estimação Robust Diagonally Weighted Least Squares (RDWLS), adequado para dados categóricos (DiStefano & Morgan, 2014; Li, 2016).
Os índices de ajuste utilizados foram: x2; x2/gl; Comparative Fit Index (CFI); Tucker-Lewis Index (TLI); Standardized Root Mean Residual (SRMR) e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA). Valores de x2 não devem ser significativos; a razão x2/gl deve ser < que 5 ou, preferencialmente, < que 3; Valores de CFI e TLI devem ser > que 0,90 e, preferencialmente acima de 0,95; Valores de RMSEA devem ser < que 0,08 ou, preferencialmente < que 0,06, com intervalo de confiança (limite superior) < 0,10 (Brown, 2015). A fidedignidade da medida foi mensurada através da fidedignidade composta (Valentini & Damásio, 2016; Raykov, 2007).
Para evidências de validade convergente, foi realizada análise da correlação entre o Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI-VR), a Escala de Apoio Social do Medical Outcomes Study (MOS-SSS), a Family APGAR Scale, e o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB). Todas as análises foram realizadas com auxílio do software Factor 10.8 (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2013), do pacote JAMOVI (Sahin & Aybek, 2019) e do software Jasp 0.14 (Equipe JASP, 2020).
Resultados
Evidências Fatoriais Exploratórias
Para verificar a estrutura interna do Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR) foi realizada uma análise fatorial exploratória (AFE). Os resultados apontararam índices adequados de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,78), com teste de esfericidade de Bartlett significativo (x2 = 2078,1; p<0,001) para fatorabilidade da matriz de dados. Para verificar a natureza dimensional do instrumento foi utilizado o critério da análise paralela (Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011), o qual apontou uma estrutura bifatorial da medida adaptada, conforme demonstra o Quadro 2.
Quadro 2 Resultados da Análise Paralela
Fatores | Percentual de variância explicada dos dados reais | Percentual de variância explicada dos dados aleatórios (95% IC) |
1 | 27,90* | 17,12 |
2 | 17,15* | 13,69 |
3 | 9,88 | 12,13 |
4 | 8,80 | 10,76 |
5 | 7,21 | 9,60 |
6 | 6,55 | 8,53 |
7 | 6,23 | 7,90 |
8 | 5,44 | 7,23 |
9 | 4,06 | 6,77 |
10 | 3,40 | 6,22 |
11 | 1,77 | 5,75 |
12 | 1,29 | 5,17 |
13 | 0,28 | 4,41 |
Nota. O número de fatores a ser retido é dois, pois dois fatores dos dados reais apresentam % de variância explicada maior do que os dados aleatórios.
Em relação aos itens da medida, a maioria dos itens apresentaram cargas fatoriais adequadas, mostrando-se elevados e aderentes aos seus respectivos fatores (acima de 0,35). Sendo que a menor carga fatorial encontrada foi 0,36 no item 1. Os itens 10 e 14 apresentaram cargas fatoriais baixas em ambos os fatores, sendo excluídos. Além disso, foi encontrado padrão de cargas cruzadas (acima de 0,30) no item 13, sendo também excluído. A fidedignidade composta foi satisfatória (acima de 0,70) para ambos os fatores. As informações podem ser observadas no Quadro 3.
Em relação ao ajuste do modelo, verificou-se que a estrutura bidimensional da medida adaptada apresentou índices de ajustes adequados, sendo: x2/gl = 336,828; CFI = 1,00, NNFI ou TLI = 1,00 e RMSEA = 0,00 (0,00-0,10). Os coeficientes de confiabilidade apontaram evidência de precisão adequada do instrumento adaptado para o fator 1 - Apoio Familiar e Autocontrole (α = 0,76 e ω = 0,76) e razoável para o fator 2 - Sobrecarga de Cuidados (α = 0,61 e ω = 0,66).
Sobre a replicabilidade do construto, o índice H sugeriu estabilidade da estrutura bidimensional da medida (H < 0,80), demonstrando que esta estrutura pode ser replicável em estudos futuros (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018). Além disso, a medida bifatorial apresentou índices adequados, no que se refere à qualidade e eficácia da estimação dos fatores, conforme demonstra o Quadro 4, a seguir. O Factor Determinacy Index (FDI) e Overall Reliability of fully - Informative prior Oblique N-EAP scores - (ORION) devem apresentar valores acima de 0,90 e 0,80 respectivamente.
Quadro 3 Matrix Rotacionada com Itens e Cargas Fatoriais
Itens | Fator 1 | Fator 2 | |
Item 1 | Considera que, tomar conta do seu familiar é psicologicamente difícil? | -0,02 | 0,36 |
Item 2 | Sente-se cansada(o) e esgotada(o) por estar cuidando do seu familiar? | -0,02 | 0,59 |
Item 3 | Os planos que tinha feito para essa fase da vida têm sido alterados em virtude de estar cuidando do seu familiar? | 0,07 | 0,70 |
Item 4 | A sua vida social (p. ex., férias, conviver com familiares e amigos) tem sido prejudicada por estar cuidando do seu familiar? | -0,04 | 0,72 |
Item 5 | Tem sentido dificuldades econômicas (financeiras) por estar tomando conta do seu familiar? | -0,07 | 0,72 |
Item 6 | Sente que o seu futuro econômico (financeiro) é incerto, por estar cuidando do seu familiar? | -0,16 | 0,73 |
Item 7 | Já se sentiu ofendida(o) e zangada(o) com o comportamento do seu familiar? | -0,04 | 0,38 |
Item 8 | Sente-se manipulado (usado) pelo seu familiar? | -0,03 | 0,54 |
Item 9 | Consegue fazer a maioria das coisas que você necessita, apesar do tempo que gasta tomando conta do seu familiar? | 0,39 | -0,24 |
Item 10* | Sente-se capaz de continuar tomando conta do seu familiar por muito mais tempo? | ||
Item 11 | A família (que não vive com você) reconhece o trabalho que você tem, por estar cuidando do seu familiar? | 0,96 | -0,05 |
Item 12 | Sente-se apoiada(o) pelos seus familiares? | 0,85 | -0,10 |
Item 13** | Sente-se mais próxima(o) do seu familiar por estar cuidando dele? | ||
Item 14* | Cuidar do seu familiar tem aumentado a sua autoestima, fazendo-a(o) sentir-se uma pessoa especial, com mais valor? | ||
Confiabilidade Composta | 0,80 | 0,81 |
Nota. * Itens excluídos por apresentar cargas fatoriais baixas em ambos os fatores. ** Item excluído por apresentar cargas fatoriais cruzadas (acima de 0,30) em ambos os fatores.
Evidências Fatoriais Confirmatórias
A estrutura bidimensional proposta pela análise fatorial exploratória se ajustou bem aos dados do estudo. Todos os índices de ajuste suportaram o modelo na análise fatorial confirmatória, conforme demonstra o Quadro 5.
Quadro 5 Índices de Ajuste do Modelo Bifatorial da QASCI-VR
x2 (gl) | x2 /gl | CFI | TLI | SRMR | RMSEA (90% IC) |
41,928 (43) | 0,97 | 1,000 | 1,003 | 0,071 | 0,000 (0,000 - 0,048) |
Nota. x2 = qui-quadrado; gl = graus de liberdade; CFI = Comparative Fit Index; TLI = Tucker-Lewis Index; SRMR = Standardized Root Mean Square Residual; RMSEA = Root Mean Square Error of Approximation.
Cabe ressaltar ainda, que mesmo após a análise fatorial exploratória ter indicado uma estrutura bidimensional do Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR), o modelo original com sete dimensões foi submetido à análise fatorial confirmatória (versão 0.14, JASP, 2020). No entanto, a estrutura heptadimensional não foi suportada pelo software, sendo apontada multicoloneariedade entre os itens. Reforçando-se assim, a plausibilidade ao ajuste de uma estrutura bidimensional (Brown, 2015). A seguir a figura 1 apresenta a estrutura e as cargas fatoriais dos itens.
Evidências de Validade Externa
Foram realizadas correlações de Pearson para verificar a validade externa convergente da versão reduzida e adaptada do Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR). As evidências de validade convergente da medida adaptada foram testadas com a Escala de Apoio Social do Medical Outcomes Study (Zanini et al., 2009), com a Family APGAR Scale (Gomes et al., 2021), esta última adaptada e validada especificamente para a amostra de cuidadores/familiares de pessoas com deficiência intelectual, e com o Critério de Classificação Econômica Brasil (Brasil, 2015). A Quadro 6 apresenta a Matriz de Correlação de Pearson.
Quadro 6 Matrix de Correlação de Pearson
Medidas | Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI-VR) (r) | Magnitude | |
Fator 1 | Fator 2 | ||
Family APGAR Scale | 0,11 | -0,01 | - |
Escala de Apoio Social do Medical Outcomes Study (MOS-SSS) | 0,25*** | -0,10 | Fraca |
Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) | 0,14* | 0,04 | Fraca |
Nota. *p=0,05; **p=0,01; ***p=0,001
Os resultados evidenciaram associação significativa, positiva e fraca entre as variáveis do Fator 1 - Apoio Familiar e Autocontrole do Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR) com as variáveis da Escala de Apoio Social do Medical Outcomes Study (r= 0,25; p<0,001). E associação positiva e fraca entre as variáveis do Apoio Familiar e Autocontrole do QASCI-VR com a classificação econômica (r= 0,14; p<0,05) avaliada pelo Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB). Todavia, não houve associação significativa entre os fatores do QASCI-VR com a Family APGAR Scale.
Discussão
O objetivo deste estudo foi adaptar e verificar as evidências iniciais de validade de estrutura interna e de validade convergente do Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR) em familiares de pessoas com deficiência intelectual, usuários de um serviço socioassistencial no Brasil. A análise demostrou que o instrumento adaptado possui propriedades psicométricas adequadas para mensurar a sobrecarga do cuidador informal de pessoas com deficiência intelectual.
Com relação à validade fatorial do instrumento, a análise fatorial exploratória (AFE) permitiu a identificação de uma estrutura bidimensional, que com pequenos ajustes foi confirmada pela análise fatorial confirmatória (AFC) realizada. A estrutura obtida não reproduziu a solução com sete fatores encontrada tanto pelos autores do instrumento da versão reduzida (Martins et al., 2015; Monteiro et al., 2015), quanto pelos autores da versão completa (Martins et al., 2003).
Nestes estudos anteriores, tanto a versão completa quanto a versão reduzida de validação do Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI), utilizaram a técnica de análise de componentes principais (ACP) para redução de itens a um menor número de variáveis (Martins et al., 2003; Martins et al., 2015; Monteiro et al., 2015). Atualmente, esta técnica é desaconselhada em estudos de evidências de validade, construção e adaptação de instrumentos psicométricos, devido principalmente a sua característica de superestimação de fatores (Damásio & Borsa, 2017; Timmerman & Lorenzo-Seva 2011). Isso por sua vez, pode ter indicado uma estrutura interna composta por sete fatores para as versões anteriores da QASCI, comprometendo a robustez e a parcimônia da medida.
Visto que as decisões tomadas durante o processo de construção e adaptação de instrumentos psicométricos devem ser pautadas em critérios teóricos e metodológicos claros, foi realizado, neste estudo, uma análise fatorial exploratória (AFE) e uma análise fatorial confirmatória (AFC), buscando a obtenção de modelos fatoriais adequados. Estas, por sua vez, são consideradas técnicas robustas e atuais para retenção de fatores (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018; Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011) e para adequação de ajuste ao modelo fatorial encontrado (Brown, 2015).
Contudo, tanto os valores alcançados pelos coeficientes de alpha (α) e ômega (ᾠ) quanto pelo coeficiente de confiabilidade composta fornecem evidências de que o instrumento bidimensional adaptado possui confiabilidade adequada em ambas as dimensões encontradas. Esses resultados indicam que o instrumento possui uma boa consistência interna, comparável à da versão reduzida original (Martins et al., 2015), à da versão completa (Martins et al., 2003, 2004) e em outros estudos nos quais este instrumento foi utilizado na sua versão reduzida (Monteiro et al., 2015; Rodrigues, 2011).
Sobre as evidências de validade com medidas externas, o fator 1 - Apoio Familiar e Autocontrole, que se refere aos aspectos positivos do Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR) obteve correlação positiva e fraca com a Escala de Apoio Social do Medical Outcomes Study (Zanini et al., 2009). Ou seja, o apoio social pode servir como um recurso de enfrentamento e otimização do bem-estar na saúde dos cuidadores (Gomes et al., 2021). Configurando-se como um recurso essencial para combater e mitigar esses efeitos negativos da sobrecarga e do estresse advindos do papel de cuidador informal (Faw, 2018; Veja et al., 2019).
Em relação às características sociodemográficas da amostra, e a correlação positiva e fraca entre o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB) e o QASCI-VR, é evidente na literatura que pessoas com deficiência apresentam piores perspectivas de saúde, níveis mais baixos de escolaridade, participação econômica menor e taxas de pobreza mais elevadas em comparação às pessoas sem deficiência (Mundial, 2012). Os custos extras relacionados às deficiências são preditores de aumento da sobrecarga dos cuidadores, sendo o apoio social um fator moderador dessa sobrecarga (Lee et al., 2019; Morris & Zaidei, 2020; Pinilla-Roncancio, 2018). Espera-se através dessa permissa que, famílias de classes econômicas altas, com maior poder econômico tenham também maior apoio material para lidar com situações estressantes. Acredita-se que a magnitude fraca de ambas as correlações citadas anteriormente, justifica-se pelo tamanho da amostra, pois as duas análises apresentam forte sustentação teórica amparadas na literatura.
O Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR) apresentou vantagens para sua utilização por ser uma medida parcimoniosa, robusta, composta por poucos itens e prática de administrar. Ademais, instrumentos longos requerem mais tempo para serem concluídos, tendo altas porcentagens de dados ausentes, com altas taxas de rejeição pelos usuários (Russell et al., 2004). Pois do ponto de vista prático, é importante ter medidas breves na linguagem do usuário, para saber de forma breve o quanto estes cuidadores se sentem sobrecarregados.
Com isso, o Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal - versão reduzida (QASCI-VR) torna-se uma ferramenta apropriada e disponível para avaliar a sobrecarga do cuidador informal. Além disso, oferece, por sua parcimônia, a possibilidade de conhecer de forma rápida e econômica o nível de sobrecarga que o cuidador informal enfrenta em sua rotina diária de cuidados. Tornando-se um instrumento que pode ser útil para fornecer dados aos profissionais para o planejamento e elaboração de programas preventivos e interventivos direcionados a esta população.
Todavia, este estudo possui um caráter transversal que impede o estabelecimento de relações causais, sendo pertinente realizar estudos longitudinais, bem como complementar com outros métodos de avaliação, como entrevistas ou observações com o cuidador familiar. Sugere-se para futuros estudos, a utilização de um desenho longitudinal, que possibilite a análise da sensibilidade do instrumento, a fim de detectar alterações na percepção dos cuidadores informais de pessoas com deficiência intelectual durante e após a participação em programas educacionais e socioassistenciais.
E por fim, os resultados não podem ser generalizados para todo o território brasileiro, uma vez que foram obtidos apenas em amostras de familiares, usuários de um serviço socioassistencial de um estado da região sudeste brasileiro. Por ser uma medida autodescritiva, o QASCI-VR avalia a percepção de sobrecarga do cuidador, de forma que as respostas podem ser contaminadas pela desejabilidade social. O fato de a amostra ter sido selecionada em um serviço que tem como objetivo o desenvolvimento de atividades para redução da sobrecarga do cuidador, limita a generalização dos resultados. Estudos comparativos envolvendo uma maior proporção de pessoas de diferentes regiões do país seriam igualmente valiosos, visto que amostras mais diversificadas possuam maior potencial de generalização.
Em suma, a versão validada da medida pode ser útil para pesquisadores, profissionais da assistência social e, sobretudo, para quem busca um instrumento simples, válido e confiável para mensurar a sobrecarga dos cuidados informais de pessoas com deficiência intelectual. Da mesma forma, o instrumento permitirá traçar estratégias e implementar ações que mitiguem o sofrimento causado pela sobrecarga dos cuidadores com seus familiares, o que impactará positivamente tanto no bem-estar do cuidador informal, quanto no funcionamento mais harmonioso de sua dinâmica familiar.
Contribuição dos autores
Crystian Gomes - Conceitualização; Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Administração do projeto; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.
Lilian Gazzoli Zanotelli - Curadoria dos dados; Análise formal; Investigação; Metodologia; Validação; Visualização; Redação do rascunho original; Redação - revisão e edição.