O ingresso ao ensino superior envolve desafios e é mediado por um contexto que pode desencadear transtornos psicológicos (Cardoso et al., 2019). Portanto, manter o equilíbrio físico e emocional se torna essencial para uma formação de qualidade e, consequentemente, o bom desenvolvimento da atuação profissional (Linard et al., 2019).
Estudos têm demonstrado que os universitários fazem parte de uma população propensa a desenvolver transtornos mentais (Barbosa et al., 2020; Leão et al., 2018). Sobretudo, os transtornos comuns, que podem prejudicar o percurso acadêmico (Costa & Moreira, 2016). Nesse sentido, destaca-se que a dedicação acadêmica está relacionada ao sofrimento psicológico do estudante durante o processo de formação (Casanova et al., 2020). Sendo comum que durante a graduação, eles passem por grandes mudanças, frustrações, temores e angústias (Cardoso et al., 2019), as quais costumam estar associadas à sobrecarga, à dificuldade de equilíbrio da vida e pressão acadêmica, e ainda, ao cansaço (Gomes et al., 2020). Passam também por adaptações burocráticas, altos níveis de exigência, autonomia, cobranças, dificuldades estruturais do curso (Dias et al., 2019) e variabilidade dos turnos - que ocorre tanto na universidade, como nos locais de estágios. Todos esses estressores contribuem para o surgimento de sentimentos inerentes ao envolvimento com o cuidado (e.g. insegurança, responsabilidades com a vida) (Santos et al., 2020) e preocupação com o futuro (Leão et al., 2018).
Contudo, existem estratégias para amenizar esse sofrimento, entre elas, destacam-se as que utilizam a autocompaixão, que trata-se de um conceito relativamente recente no ocidente e que vem sendo discutido. Surgiu na literatura há menos de duas décadas, estando de acordo com os princípios budistas. A autocompaixão compreende três aspectos: 1) bondade consigo mesmo e autocrítica - que está relacionada à capacidade de ser mais gentil conosco e com nossas atitudes; 2) o senso de humanidade em relação ao isolamento - que se refere ao fato de aceitarmos que somos propensos a erros, sem nos isolarmos; e 3) a relação atenção total/fixação - que significa que o indivíduo está consciente e focado no momento atual (Savieto et al., 2019).
Método
Foi realizado um estudo transversal de abordagem quantitativa, exploratório e correlacional, com o objetivo de avaliar a relação entre aspectos emocionais e autocompaixão entre os acadêmicos da área da saúde.
Participantes
A população alvo foi de alunos de primeiro e segundo ano, regularmente matriculados em cursos de graduação. Todos os 660 ingressantes de 2018 e 2019 foram convidados a participar.
Material
Oinstrumento desenvolvido contemplou questões sociodemográficas, da vida acadêmica e psicossociais. Para a avaliação dos aspectos emocionais (i.e. ansiedade, depressão e estresse) e percepção de autocompaixão, adotamos os instrumentos validados: Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse (Depression Anxiety Stress Scales DASS- 21) adaptada por Vignola e Tucci (2014), onde quanto mais alta a pontuação, mais negativos os estados afetivos e a Escala de Autocompaixão (Souza & Hutz, 2013), onde pontuações elevadas significam mais autocompaixão. Os escores padronizadas desses construtos foram descritos em uma escala de 0 a 10, permitindo calcular as medidas de posição e de variabilidade, além da aplicação dos testes de hipóteses adequados ao comportamento das variáveis de referência.
Procedimentos
Os alunos foram localizados com o apoio das coordenações, que devidamente autorizadas pela Pró-Reitoria de Graduação, disponibilizaram os e-mails dos alunos. Estes, receberam um resumo com o objetivo, dinâmica da pesquisa e o link. A pesquisa também foi amplamente divulgada nos murais da universidade e no Portal do Aluno. Após concordância com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), o estudante teve acesso ao instrumento.
Inicialmente foi desenvolvido um estudo piloto, que conforme Silva e Oliveira (2015), tem a função de verificar e validar a adequabilidade dos instrumentos e a estratégia de coleta de dados. A amostra de conveniência estudada corresponde a 41% da população alvo, isto é, 41% do total de alunos de graduação do 1º e 2º ano da universidade. Esse percentual é considerado satisfatório para estudos com instrumentos autoaplicados e o presente estudo tem capacidade de resposta à questão de pesquisa e dados suficientes para mensurar as relações previstas nos objetivos, produzindo elementos estruturantes para a discussão.
Análise de dados
Em relação a análise de dados, para as variáveis quantitativas, foram calculadas as medidas de posição e de dispersão adequadas ao comportamento da amostra. As variáveis foram descritas por frequência absoluta e relativa e, para as estimativas intervalares, adotamos um nível de 95% de confiança. Para os testes de hipóteses adotamos um nível de significância de no máximo 5%. As medidas psicométricas com respostas em uma escala Likert, foram preservadas para a análise exploratória. Os escores padronizados foram descritos como variáveis contínuas, dado que os valores padronizados estão variando de zero a dez (0 à 10), o que facilita a apresentação e descrição dos achados. Para as variáveis que expressaram a autocompaixão e aspectos emocionais oriundas das escalas aplicadas, não houve normalidade, portanto, utilizamos os testes não paramétricos de Mann Whitney e Kruskal-Wallis, com hipóteses estatísticas adequadas ao comportamento dos dados e aos objetivos definidos nesse estudo (Pestana & Gageiro, 2014).
Procedimentos éticos
O projeto foi submetido para apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa e foi iniciado somente após aprovação (CAAE: 16564719.1.0000.5345). O estudo seguiu as diretrizes do Conselho Nacional de Saúde (CNS), particularmente da Resolução 466/2012 (CNS, 2012) e 510/2016 (CNS, 2016), que regulamentam a pesquisa com seres humanos no Brasil. Os dados foram coletados por meio da plataforma Research Electronic Data Capture (REDCap), geralmente usada gerenciar bases de dados. As informações foram analisadas posteriormente.
Resultados
A amostra foi composta por 121 estudantes universitários brasileiros. Conforme exposto no Quadro 1, foram predominantes os participantes do sexo feminino (67,8%; n=82), brancos (85,1%; n=103), solteiros (85,9%; n=104) e sem filhos (95,0%; n=115). Com idades entre 18 e 35 anos (95,9%; n=116) oriundos de escolas da rede pública (65,3%; n=79). Residentes de Porto Alegre e região metropolitana (95,8%; n=116), que residem com os pais (52,9%; n=64) e com residência própria (57,0%; n=69). O contato com os pais é geralmente diário (66,9%; n=81) ou semanal (19,0%; n=23).
Variável | Categoria | N | % |
---|---|---|---|
Sexo | Masculino | 39 | 32,2 |
Feminino | 82 | 67,8 | |
Idade | 18 à 35 | 116 | 95,9 |
36 à 51 | 5 | 4,1 | |
Cor | Branco | 103 | 85,1 |
Negro | 10 | 8,3 | |
Pardo | 8 | 6,6 | |
Estado Civil | Solteiro | 104 | 85,9 |
Outros | 17 | 14,1 | |
Filhos | Sim | 6 | 5 |
Não | 115 | 95 | |
Escola | Pública | 79 | 65,3 |
Privada | 42 | 34,7 | |
Cidade | Porto Alegre | 79 | 65,3 |
Outras | 42 | 34,7 | |
Residência | Própria | 69 | 57 |
Alugada | 45 | 37,2 | |
Outros | 7 | 5,8 | |
Renda | Até um salário mínimo | 44 | 36,4 |
Entre um e três salários | 29 | 23,9 | |
Acima de três salários | 9 | 7,4 |
Em relação aos principais estressores relacionados à dinâmica acadêmica e aos aspectos psicológicos, foi possível verificar que houve diferença significativa ligada ao estresse, à ansiedade e à depressão. Sendo estes, maiores em estudantes que já pensaram em trancar o curso ou disciplina. Já em relação aos principais estressores avaliados e relacionados à dinâmica acadêmica e à autocompaixão, foi possível verificar que houve diferença significativa nos casos de estudantes que nunca pensaram em trancar o curso e que têm tempo para o estudo.
Sobre a dinâmica biopsicossocial e aspectos psicológicos, foi possível verificar que houve diferença significativa ligada ao estresse, à ansiedade e à depressão. Sendo estes, maiores em estudantes que autorrelataram a convivência com algum tipo de estressor, que não possuem lazer, que já buscaram atendimento psicológico, que já receberam diagnóstico de algum transtorno psicológico, que tomam alguma medicação psiquiátrica ou que já passaram por algum episódio de crise de ansiedade. Já nos casos de estudantes que não possuem nenhum tipo de apoio social, houve diferença significativa somente em relação à depressão.
Já em relação aos principais estressores relacionados à dinâmica biopsicossocial e à autocompaixão, foi possível verificar que houve diferença significativa relacionada aos casos de estudantes que utilizam o transporte coletivo, que não convivem com nenhum tipo de estressor, que nunca precisaram buscar atendimento psicológico, que não possuem diagnóstico de transtorno psicológico, que não tomam medicação psiquiátrica e que nunca passaram por crises de ansiedade.
A maioria dos participantes ingressou em 2019, seguidos de 2018 e 2017 e estava no quarto semestre. Sendo os que mais aderiram à pesquisa, os cursos de Informática Biomédica (17,4%; n=21), Biomedicina noturno (13,2%; n=16), Medicina (12,4%; n=15), Gestão em Saúde (11,6%; n=14) e Psicologia (11,6%; n=14). Foram a maioria, os estudantes que já utilizaram tanto a matrícula em bloco/seriada, como por disciplinas (60,3%; n=73), que estavam matriculados entre sete e onze disciplinas (78,6%; n= 95) noturnas (66,1%; n=80) ou em dois turnos (57,9%; n=70). Grande parte considera seu desempenho bom (49,6%; n=60) e tem baixo índice de reprovação (28,1%; n=34). Cabe ressaltar que, ao longo dos semestres, esse índice apresentou uma constante diminuição. A maioria mostrou-se motivada com o curso devido à identificação com a profissão (89,3%; n=108). Para eles, estudar significa principalmente, ganho de conhecimento (54,5%; n=66).
Já pensaram em trancar o curso (42,1%; n=51) ou disciplina (62%; n=75) por enfrentarem algum tipo de estressor (81%; n=98), entre os principais: cansaço, deslocamento - sendo o ônibus o meio de transporte mais utilizado (47,9%; n=58), sobrecarga, pressão, falta de tempo e de identificação com o curso, com o professor, com a didática ou com a estrutura curricular, além de carga horária excessiva, exigência/dificuldade da disciplina, distanciamento da família e amigos, doença, baixo desempenho, insegurança, problemas no trabalho, relações interpessoais, aspectos psicológicos negativos e problemas financeiros/desemprego - sendo a renda predominante de até um salário mínimo (36,4%; n=44), porém, a maioria está desempregada (63,6%; n=77) ou vivendo com a ajuda dos pais e/ou familiares (32,2%; n=39). Grande parte conta com apoio social (59,5%; n=72), consegue reservar tempo para estudar (81,8%; n=99), tem atividades de lazer (72,7%; n=88), responsabilidades extracurriculares (46,3%; n=56) e dorme de quatro a oito horas por noite (95,9%; n=116).
A maioria, principalmente as mulheres, relatou já ter passado por crises de ansiedade (72%; n=87) e buscado acompanhamento psicológico (57,9%; n=70) com diagnóstico (71,4%; n=50). Entre os principais transtornos relatados estão: o Transtorno Depressivo Maior, Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), crises ou Transtorno do Pânico (TP), Transtorno Afetivo Bipolar, Fobia Social, Déficit de Atenção, Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e Síndrome de Burnout. Tomam medicação psiquiátrica (28,9%; n=35), sendo a maioria mulheres (82,8%; n=29). Os fármacos antidepressivos foram relatados em maior diversidade de uso pelos participantes.
Na avaliação da relação entre os aspectos psicológicos e a autocompaixão (Quadro 2), podemos observar uma correlação negativa e moderada entre eles, ou seja, a medida que aumentam os níveis de estresse, ansiedade e depressão, aumentam os de autocompaixão, o que indica sujeitos menos autocompassivos. Essas correlações se revelam significativas ao nível de 5% de significância (p <0,05). Em relação aos diagramas de dispersão das variáveis estudadas, os dados apresentam uma tendência decrescente, o que sugere uma relação inversa entre os construtos avaliados.
Discussão
A literatura corrobora os achados que descrevem semelhança no perfil dos estudantes encontrados nesta pesquisa, ou seja, a maioria do sexo feminino (Silva et al., 2020; Souza et al., 2020; Vizzotto et al., 2017), sem filhos (Cardoso et al., 2019), adultos jovens e solteiros (Cardoso et al., 2019; Leão et al., 2018; Silva et al., 2020).
Ainda nesta análise, foi possível verificar que os estressores interferem diretamente na qualidade de vida dos estudantes (Claudino et al., 2019) e que a vulnerabilidade juntamente com os estressores envolvidos na rotina acadêmica, favorecem o sofrimento psíquico. Os transtornos mentais comuns correlacionam-se e prejudicam as atividades, podendo gerar prejuízos ao desempenho (Costa & Moreira, 2016; Gomes et al., 2020). Portanto, a graduação e seu contexto podem afetar o nível educativo, social e psicológico (Castro, 2017).
Conforme a literatura, os principais estressores surgem através da rotina e responsabilidades acadêmicas, que demandam tempo e dedicação, sendo a carga horária elevada, o trabalho em turnos opostos e a falta de tempo, os estressores apontados pelos mesmos estudantes com sintomas de estresse, ansiedade e depressão. Já no estudo de Claudino et al. (2019), eles deparam-se com grande quantidade de conteúdos e carga horária elevada. Em contrapartida, os estudantes envolvidos em menos turnos relataram maior autocompaixão.
Além de problemas na conciliação das demandas da rotina acadêmica, os estudantes costumam relatar dificuldades na gestão do tempo, equilíbrio e dificuldades pessoais ou interpessoais com colegas, professores e funcionários (Dias et al., 2019; Santos et al., 2020). Além de conflitos no convívio familiar, social e interpessoal com os pais e, insegurança com o futuro relacionado à profissão (Santos et al., 2020) e/ou ao próprio desempenho (Dias et al., 2019).
As poucas habilidades didáticas de alguns professores, dificuldade de aprendizado (Dias et al., 2019; Santos et al., 2020) e/ou de concentração (Gomes et al., 2020) e preocupações em relação ao desempenho, também interferem (Santos et al., 2020). Além disso, atividades, avaliações e o próprio sistema educacional, acabam por aumentar a pressão (Claudino et al., 2019). Tais achados validam os os resultados, que revelaram maior autocompaixão em estudantes que nunca pensaram em trancar alguma disciplina, e portanto, não se envolveram em reprovações, possivelmente por darem conta do conteúdo de uma forma mais tranquila. Já os que apontaram maiores níveis de estresse, ansiedade e depressão, foram os que já pensaram alguma vez em trancar o curso ou disciplina, provavelmente por sentirem-se sobrecarregados.
Indivíduos mais autocríticos ou que convivem com mais estressores e distanciamento de apoio social (Sabouripour et al., 2017), pressão por atividades e preocupação com o desempenho (Claudino et al., 2019), quando pensam sobre suas demandas, sentem-se mais desamparados e com menos energia, o que reflete também no desempenho. Mesmo assim, os estudantes costumam ir em busca de qualificação e atividades extracurriculares, que exigem ainda mais tempo de dedicação (Santos et al., 2020).
Tais fatores podem ser observados, por meio de relatos de estudantes que apontaram o estresse nos casos em que não se envolvem em atividades extracurriculares. Já os que se envolvem, são os que mais apresentam autocompaixão. O mesmo ocorreu em relação ao trabalho. Já os alunos sem reprovações, apresentaram maior adaptação pessoal e interpessoal (Cabral et al., 2017).
Em geral, melhor qualidade de vida foi observada entre os estudantes que não precisaram sair da casa da família. Já os que saíram da casa da família e que residiam com outras pessoas, apresentaram níveis mais elevados nos três aspectos emocionais abordados. Os que não saíram da casa da família tiveram um melhor aproveitamento do tempo, dormiam melhor, faziam mais exercícios , tinham menores níveis de ansiedade e relações sociais mais satisfatórias.
Tais achados são similares aos de outros estudos, em um deles, realizado com 134 estudantes do Ensino Superior, o suporte social teve interferência positiva na vida dos estudantes (Sabouripour et al., 2017). Já outro, evidenciou que pouco apoio da família e/ou amigos, aparece como uma das dificuldades apontadas (Dias et al., 2019). Ademais, os universitários parecem mostrar níveis frágeis de autoconfiança para lidar com os contextos: acadêmico, social e de gestão pessoal do estresse - associado à experiência do distanciamento da família e às responsabilidades acadêmicas (Araújo, 2017). Observa-se, que tais estudos corroboram os achados, uma vez que os alunos que não possuem apoio social são os mesmos que apontam mais sintomas de depressão e de estresse. Já os que possuem apoio social e residem com os pais, foram os que mais apresentaram autocompaixão.
Muitos dos aspectos já citados geram interferências negativas na qualidade de vida (Linard et al., 2019), o que pode prejudicar o funcionamento social (Cardoso et al., 2019). Muitas vezes, não conseguem dedicar a atenção à família, amigos, saúde e lazer (Dias et al., 2019). Outros autores sugerem que os que apresentam maiores taxas dos aspectos negativos, são aqueles que não desfrutam de lazer (Bresolin et al., 2020). Tal achado está em linha com o presente estudo, que demonstra que a falta de lazer foi mais apontada pelos alunos com sintomas negativos. Além disso, os que tinham lazer, também demonstraram maior autocompaixão.
Grande parte dos universitários apresenta sintomas ansiosos e depressivos significativos (Maltoni et al., 2019; Gomes et al., 2020). A maioria dos estudantes está no início da vida adulta, período em que os distúrbios mentais têm mais chances de surgir (Claudino et al., 2019). A prevalência de estresse é identificada em grande parte, seguida pela ansiedade e depressão (Castro, 2017; Claudino et al., 2019), o que corrobora aos achados. No entanto, não existe consenso a respeito de qual sintoma costuma ser mais prevalente, visto que no estudo de Lelis et al. (2020), os sintomas de depressão foram mais encontrados que os de ansiedade. Já o estudo de Fant et al. (2016) apontou maior prevalência de ansiedade.
Existe dentro de toda essa dinâmica, um nível elevado de sofrimento, principalmente na área da saúde (Bresolin et al., 2020; Cruz et al., 2020; Silva et al., 2020), onde as prevalências de ansiedade (Barroso et al., 2018; Cruz et al., 2020; Leão et al., 2018), estresse (Barroso et al., 2018; Casanova et al., 2020; Silva et al., 2020) e depressão, são superiores em relação à população geral (Bresolin et al., 2020; Leão et al., 2018). Já no estudo de Claudino et al (2019), entre um dos cursos da área da saúde, o estresse também teve predominância, além dos níveis alarmantes de ansiedade e depressão. No estudo de Bresolin et al. (2020), os sintomas depressivos também foram evidenciados.
No contexto universitário, um número significativo de estudantes vive o estresse (Preto, et al., 2018), que aumenta devido às cobranças curriculares. Destaca-se, que ao longo da formação, o estresse tende a aumentar, sendo um fator prejudicial, considerando que contribui para o desenvolvimento de transtornos mentais e doenças físicas (Linard et al., 2019). Portanto, é um fator preocupante em termos de saúde e futuro profissional (Preto et al., 2018).
Um estudo conduzido por Ferro et al. (2019), apontou que 76% dos universitários apresentou sintomas de estresse. Em outro estudo, conduzido por Linard et al. (2019), em uma universidade pública do Ceará, 70,6% apresentou o mesmo sintoma. Já no estudo de Cardoso et al. (2019), todos os participantes (i.e. 391 universitários), revelaram a presença de estresse. Um alto índice aparece também, em alunos de medicina e de turno integral. Níveis elevados de estresse são desencadeados por demandas acadêmicas, podendo acarretar em consequências negativas tanto em suas vidas, quanto no cuidado prestado aos futuros pacientes (Silva et al., 2020).
Em geral, a maioria dos estudantes não tem tempo para a vida pessoal. Alguns trabalham e estudam, contribuindo com o estresse (Claudino et al., 2019). Os níveis elevados também podem estar relacionados à sobrecarga (Silva et al., 2020), à quantidade de avaliações, falta de tempo, volume de estudos, expectativa de familiares e preocupação quanto ao futuro (Claudino et al., 2019). De acordo com Silva et al. (2020), o estresse pode ser preditor de depressão e ansiedade, sendo ressaltada ainda, a dificuldade desses estudantes quanto ao enfrentamento de situações de frustração.
Tratando-se da ansiedade, destaca-se como fator de risco o relacionamento interpessoal insatisfatório (Dias et al., 2019; Leão et al., 2018), a falta de vida social, sobrecarga e falta de tempo, que podem causar momentos estressantes, provocando a ansiedade. A preocupação intensa e persistente contribui para ansiedade. Por sentirem-se pressionados, acabam ficando mais ansiosos (Claudino et al., 2019). No estudo de Cruz et al. (2020), constituído por 199 acadêmicos de períodos iniciais de cursos da área da saúde, observou- se que um novo local de moradia, configurou-se como fator de risco para ansiedade. Além disso, a maioria tinha sintomas de ansiedade relacionados à fatores como preocupações, adaptações, além de questões ligadas à família.
Já a depressão, é encontrada no contexto acadêmico por meio de variáveis psicológicas, sociais e biológicas (Barroso et al., 2018). No estudo de Bresolin et al. (2020), os estudantes apresentaram altas taxas de sintomas depressivos e os fatores podem estar em torno da insatisfação com o curso (Leão et al., 2018) e solidão (Barroso et al., 2018), onde os que não apontaram identificação com o curso foram os que mais apresentaram sintomas de depressão. Vale lembrar, que a saudade da família é muito comum (Dias et al., 2019), além da falta de convívio social e fragilidade financeira, motivos apontados como fatores de risco ao desenvolvimento de sintomas depressivos (Silva et al., 2020).
Conforme um estudo realizado por Bresolin et al. (2020), a autopercepção negativa da realidade, a rotina estressante, o excesso de atividades e a carga horária elevada, são aspectos que podem estar relacionados à depressão. Fatores como o deslocamento (Dias et al., 2019; Santos et al., 2020) também interferem na qualidade de vida. Ainda no estudo de Bresolin et al. (2020), os estudantes que utilizavam o ônibus, apresentaram mais sintomas depressivos. Além disso, Claudino et al. (2019), aponta que os fatores: morar longe e demora no percurso, podem contribuir com o estresse. Tais achados corroboram parcialmente com os achados deste estudo, visto que os que levavam mais tempo foram os que mais apresentaram autocompaixão, assim como os que utilizavam o transporte coletivo. Já os que utilizavam o transporte individual, apresentaram mais sintomas de estresse, ansiedade e depressão.
De acordo com os resultados, as mulheres apresentam escores mais altos de desconforto psicológico, envolvimento e dedicação, além de transtornos mentais comuns. Este comportamento também é apontado nos estudos de Bresolin et al. (2020) e Cruz et al. (2020), em que elas também apresentam mais sintomas de estresse, ansiedade e depressão. Também é comum encontrar relatos de sintomas de ansiedade (Cruz et al., 2020; Gomes et al., 2020; Leão et al., 2018; Maltoni et al., 2019; Souza et al., 2020), depressão (Bresolin et al., 2020; Souza et al, 2020) e estresse com índices mais altos em mulheres (Cardoso et al., 2019; Santos et al., 2020).
Tratando-se de um estudo com 200 estudantes de uma universidade privada do Rio Grande do Sul, elas apresentaram níveis significativamente mais altos, tanto na sintomatologia de ansiedade quanto na de depressão (Barbosa et al., 2020). Outros autores também observaram que as mulheres eram mais propensas a utilização de medicação psiquiátrica e menor autocompaixão (Souza et al., 2020).
Já no estudo de Bresolin et al. (2020), os estudantes possuíam algum diagnóstico ou faziam uso de medicação (Claudino et al., 2019), sendo os antidepressivos os mais relatados (Lelis et al., 2020). São cada vez mais recorrentes nessa população: Crises nervosas, Síndrome do Pânico e Ansiedade Generalizada (Claudino et al., 2019). Esses dados vão ao encontro dos resultados deste estudo, onde os estudantes que relataram sintomas de estresse, ansiedade e depressão, já buscaram serviços psicológicos e apresentaram diagnósticos de transtornos psicológicos, além de já terem passado por crises de ansiedade e usarem medicação psiquiátrica. Já os que não sinalizaram esses aspectos, foram os que mais apresentaram a presença de autocompaixão.
Apesar do estilo de vida ser parecido entre os universitários, existem estruturas psíquicas diferentes e subjetivas, o que representa uma heterogeneidade relativa. E ainda, a história pregressa pode explicar algumas diferenças. Considerando que, o histórico anterior à universidade pode apontar uma predisposição.
Já em relação às atividades físicas, os estudantes não conseguem praticá-las devido à falta de tempo e, já foi comprovado que exercícios aliviam tanto o estresse quanto a ansiedade, através da liberação da endorfina, que regula as emoções (Claudino et al., 2019). Ainda em relação aos fatores físicos, conforme o estudo de Linard et al. (2019), a prática regular de atividades físicas são consideradas ótimas estratégias, principalmente para a diminuição do estresse. Cabe ressaltar que, também foi encontrada uma associação entre o sexo feminino e sintomas de ansiedade e de depressão e a falta de atividades físicas e de lazer (Silva et al., 2020).
As maiores taxas de sintomas depressivos estão entre os estudantes que não realizam atividade física (Bresolin et al. 2020). No estudo de Silva et al. (2020) a maioria foi considerada sedentária. Os que não praticavam atividades físicas, apresentavam mais transtornos mentais, sendo destacado que estas atividades reduzem os sintomas depressivos e favorecem a qualidade de sono.
A melhoria do sono também precisa ser observada, considerando que ficam vulneráveis às alterações do sono (Santos et al., 2020) e costumam dormir em quantidade insuficiente (Leão et al., 2018), ou seja, dormem pouco e mal, o que também pode contribuir para o estresse (Claudino et al., 2019). Tais constatações refletem os resultados encontrados neste estudo, em que a presença de autocompaixão está mais ligada aos que possuem mais horas de sono.
Os resultados apresentados estão de acordo com a literatura, uma vez que foi encontrada uma correlação negativa de moderada magnitude entre eles, ou seja, os níveis dos aspectos emocionais aumentam enquanto os de autocompaixão diminuem, indicando sujeitos menos autocompassivos. Estes resultados eram esperados diante de um contexto cheio de demandas.
Tratando-se de autocompaixão, pode-se dizer que ela está relacionada à adaptação acadêmica (Cabral et al., 2017) e diretamente à motivação. Portanto, os alunos mais autocompassivos lidam melhor com o baixo desempenho , que foi uma das hipóteses aqui descritas. Através da autocompaixão, pode-se equilibrar os sintomas de ansiedade e depressão (Souza et al., 2020), além dela estar relacionada à saúde .
Os dados obtidos indicam que a autocompaixão pode desempenhar um papel fundamental na regulação emocional e quanto maior ela for, menores serão os estados negativos. Portanto, é uma dimensão que pode ser trabalhada em contexto psicoterapêutico como forma de recuperação de patologias como a ansiedade, a depressão e o estresse.
Conforme o estudo de Savieto et al. (2019), existem evidências da correlação autorreferida por profissionais da saúde entre autocompaixão e empatia, tendo reflexo direto na futura profissão. Considerando que, o desconforto gerado pelo sofrimento pode ser preditor de empatia, com atuação para o alívio dos outros e, consequentemente, satisfação pessoal. Sendo assim, os mais satisfeitos à nível profissional, são os mais compassivos e autocompassivos. Estes reflexos, estão levando gestores e educadores à uma crescente preocupação quanto ao cuidado pessoal e desenvolvimento da autocompaixão, já que as consequências interferem diretamente no comportamento voltado aos pacientes.
Observa-se que estudos têm evidenciado correlações negativas entre autocompaixão e ansiedade, depressão e estresse por meio da utilização de diferentes medidas. Inclusive, estudos recentes corroboram os achados ao evidenciarem correlações negativas entre autocompaixão e todos os escores da DASS-21(Souza et al., 2020). Fortalecendo assim, a evidência de que quanto maiores os níveis de autocompaixão, menores os de depressão, ansiedade e estresse (Serrão & Alves, 2018).
Apresentamos algumas limitações de modo a delimitar o escopo e alcance desses resultados. Dado que a amostra estudada ficou aquém da estimada, porém, os achados são suficientes para verificar os objetivos. Fatores como as características dos cursos e localização da universidade podem ter relação com a percepção de estressores. No entanto, cabe ressaltar possíveis implicações para a teoria sobre o ajustamento à universidade e a prática do aconselhamento. Foram encontrados níveis de aspectos emocionais, estressores e interferência da autocompaixão parcialmente semelhantes na literatura, o que indica que os estudantes apresentam fatores que devem ser aprofundados.
Esta pesquisa buscou mapear possíveis estressores vivenciados pelos universitários e suas associações com aspectos psicológicos e autocompaixão e, os tipos de dificuldades identificadas se aproximaram ao que é apresentado na literatura. Os dados indicam que existe uma associação entre os dados levantados, portanto, estes resultados não indicam significância em todos os aspectos e, pode-se dizer que os estudantes apresentaram níveis mais elevados de estresse, depressão e ansiedade, respectivamente. Cabe ressaltar que as dificuldades vivenciadas no ensino superior talvez nem sempre sejam percebidas como estressores.
Conclui-se que, apesar de não existir diferença significativa em alguns aspectos, atribuem significados subjetivos ao contexto de vida e acadêmico. Por fim, pode-se dizer que em conjunto, estes significados contribuem para o aumento ou diminuição, tanto dos aspectos psicológicos negativos, como da autocompaixão, contribuindo com um nível de qualidade de vida ligada aos aspectos já citados.
Contribuição dos autores
Kellen Ballejos: Concetualização, Curadoria dos dados, Análise formal, Investigação, Metodologia, Administração do projeto, Redação do rascunho original, Redação, revisão e edição.
Caroline Reppold: Concetualização, Supervisão, Metodologia, Redação do rascunho original, Redação, revisão e edição.
Prisla Calvetti: Concetualização, Supervisão, Redação, revisão e edição.
Mônica de Oliveira: Concetualização, Análise formal, Metodologia, Administração do projeto, Supervisão, Redação do rascunho original.